O FALSO E O VERDADEIRO. O ÚLTIMO SUSPIRO DO ROMANTISMO REVOLUCIONÁRIO- OUVINDO O BANQUETE DOS MENDIGOS E TRAVESTINDO-SE NA VERDADE

   Foi um longo caminho de 1776 até 1968. E ninguém nunca vai saber se valeu a pena. Foi uma lenta, às vezes nem tão lenta, construção. A derrocada da igreja e o erguimento do Homem como dono de sua dor. A glamurização do jovem entediado como Ser Superior. E isso levou muito tempo.
   Doeu pra caramba. Porque o preço pago foi incalculável. Um monte de jovens se foderam. E todas as redes de segurança espiritual se rasgaram. Mas cabelos compridos, calças de veludo e copos de veneno se tornaram dominantes desde então. Uma estrada que parecia ser sem fim. As estações se chamavam simbolismo, anarquismo, socialismo, dadaismo, existencialismo, beatniks. E todos esses movimentos explodiram em meio a uma juventude com tempo livre, grana no bolso e tédio na cabeça. Em meio a maio, ´mês de verão.
   Ninguém entendeu melhor o que acontecia. Nem Kundera. Jagger e Richards entenderam na hora qual era o desejo que desde sempre enfeitiçava os romanticos revolucionários do planeta. Mas antes de dizer qual era eu vou falar qual não era.
   Para Dylan era a vontade de justiça e de liberdade. Para Lennon era o sonho de paz e amor. Bláaaaa.
   Então voce tem 14 anos e escuta este disco pela primeira vez e percebe que o desespero contido nele é quase suicida. Todas as faixas falam de se estar perdido, de vazio e solidão, de satã e de raiva, muita raiva. Perigosamente voce, embutido do romantico apelo de poetas sinceros, crê em tudo aquilo, crê nas frases ditas. Voce, jovem idealista, sente uma vontade grande de quebrar e se quebrar. Mas depois, bem mais tarde, voce percebe o que Jagger e Richards perceberam antes. O desejo sempre foi um só: sexo, sexo e sexo. Todo o tempo, livremente e sempre que se desejar. E quando o vazio pós-coito vier, uma garrafa de bebida e a paz de um corpo cansado.
   Em 1968 Godard fez um filme com os Stones. Jean-Luc acreditou no que era dito no Banquete. Levou ao pé da letra. Jagger enrolou Godard. Riu dele e o filme é um lixo. Mick nunca teve nada a dizer. Seu discurso estava simbolizado nos requebros de seus quadris. Nada precisava ser dito. Ele falava que maio de 68 era o último suspiro ingênuo de adolescentes entediados que queriam mais sexo e menos familia. Se em 1776 essa energia fez um país e criou uma forma de vida, em 1968 ela só poderia criar moda. E criou.
   O disco é sublime. É extremamente cortante e extremamente suave. As guitarras parecem navalhas, não há disco em que elas soem tão metálicas. Parecem de lata enferrujada. E ao mesmo tempo há arranjos como o piano em No Expectations que é belo como o sorriso e a flor.  É um Banquete que recapitula tudo: de Beethoven até Stravinski. De Byron à Rilke. Jagger nunca cantou tão bem. E ele enterra a década de 60 dois anos antes de seu fim. A revolução estava encerrada. O ganho: Todos poderíamos ser Mick Jagger. Eternos adolescentes entediados.
   Brian Jones não pode tocar. Ficava dormindo num canto do estúdio. Dizem que Clapton e Steve Marriott tocaram guitarras. Sei lá. É um disco travado. Pra se ouvir de dentes cerrados. Ele marca o arranco da banda. Serão 4 anos insuperáveis.
   Em meio ao Kaos de tijolos e policiais, muitos caras caíram na real. A última revolução era um acerto de contas entre voce e voce-mesmo. O mundo já era dos jovens e o sexo já não era tabú. O que restava era saber lidar com o spleen, o vazio da vida, o nada a dizer. O Eu.
   Mick Jagger, de forma maravilhosamente intuitiva, soube disso muito antes. O que restava era montar uma banda e tentar chamar a atenção.
   Este disco é um porrete.