Era um verão triste. Fim de mais um romance, solidão e vontade de não estar onde se está. Janeiro de 1987? Ou seria 88? Era tarde de absoluto tédio. Então na TV tem uma entrevista com Caymmi. E eu lá queria saber de Caymmi?
Ia mudar de canal, mas antes olhei a cara de Caymmi e resolvi dar uma chance pra entrevista.
O homem tava de branco e com uma malinha na mão. E se falava da mania que ele sempre teve de andar com aquela malinha. O que há na malinha? Ele sorri. E ninguém no mundo sorri como Caymmi sorri. E então, na beira do mar, ele toca O Mar.... e eu recordo que num verão sublime, em 1973, eu ainda criança, cantara O Mar na praia de Santos. A letra estava no meu livro de português. ...Quando quebra na praia é bonito....
Virei fã e sorri durante toda a entrevista. Salvou meu verão ruim. Ter 70 anos e ser Dorival Caymmi... nada pode ser melhor. Espero chegar lá...
Todo país tem um cara que sintetiza o gênio da raça. Não falo do cara mais criativo ou importante, falo do melhor. O ser que é tudo aquilo que a nação tem de mais particular, de mais secreto, que é só dela. Caymmi é o Brasil em seu melhor. Tudo de bom que ainda se imagina ser o Brasil, é na verdade lembrança de Caymmi. Numa biografia que li sobre ele ( livro dado de presente por meu amor num dia de namorados caymmiano ), Caetano diz que as músicas de Caymmi parecem não ter autor, parecem ter existido desde sempre, como se fossem parte do lugar, coisas criadas pela natureza. Dorival Caymmi é a natureza do Brasil em seu melhor. Ele é a Serra e a praia.
Ele cresceu ouvindo sambas e Debussy, roda de capoeira e Ravel. E apesar do pai músico, aprendeu a tocar violão só. Em 1938 já era rei na Bahia, foi pro Rio e em meses era rei do Rio e do país. O QUE É QUE A BAIANA TEM? Estourou com Carmem Miranda nos EUA. Foi convidado por Disney em pessoa a ficar por lá. Não aceitou. Tempos mais simples e menos ambiciosos, não queria ficar longe do mar e dos amigos. Algumas músicas de Caymmi rodam o mundo. MARACANGALHA tem versões em alemão, em francês e até existe uma gravação israelense.
Dizem que Caymmi é preguiçoso, lento, que compôs pouco. É verdade. Levou oito anos para finalizar uma música. Mas suas letras são depuradas ao extremo. Cada sílaba é cuidadosamente casada à melodia. EU VOU PRA MA RA CAN GA LHA EU VOU, tudo matemáticamente ajustado, a sonoridade da letra percutindo na boca, sendo parte do ritmo. O MAR QUAN DO QUE BRA NA PRA IA É BONI TO É BO NI TO.
Acabo de reouvir EU VOU PRA MARACANGALHA, o quarto disco de Caymmi. Sambas baianos malemolentes, a rica tessitura de arranjos com violinos e metais, vocais de fundo quentes e malandros. E a voz grave, articulada, solar de Dorival Caymmi. Voz que causou espanto nos anos 40 por não ser um "vozeirão", por ser natural. Como são naturais VATAPÁ ( UM BO CADINHO MAIS...), 365 IGREJAS, O SAMBA DA MINHA TERRA ( QUEM NÃO GOS TA DE SAM BA, BOM SU JEI TO NÃO É ), SAUDADE DA BAHIA ( AH QUE SAU DA DE EU SIN TO DA BA HIA...AH SE EU ESCU TA SSE OQUE MAMÃE DI ZIA ... ) e a estupenda ACONTECE QUE EU SOU BAIANO. Todas essas canções, inexplicáveis, parecem ser parte do folclore nacional, são como o Corcovado e o Pantanal, estão lá, imensas, invencíveis, eternas, filhas de Deus. Voce as escuta e lembra de quem voce é, de onde vem e onde está. Pandeiros macios, o violão cheio de marés e sais, a voz que parece de pajé, de gurú e de irmão mais velho que sabe tudo. Os pescadores e as moças bonitas, os fins de tarde e a noite sem fim, a comida e a Bahia...É tudo tão bonito que até dói. Mas é dor boa, dor de beleza, dor de amor. Um disco que nos ensina a viver relembrando o que na verdade sempre somos.
EU VOU SÓ EU VOU SÓ EU VOU SÓ....
Li ontem no jornal que no futuro todos viverão sós, serão auto-suficientes e ensimesmados. Esse já é meu mundo. Ah... Quanta saudade teremos da Bahia... Ah se escutassemos o que mamãe dizia....
Dorival Caymmi nunca mais. O Brasil era um bairro e vinte ruas. A rua Rio, a rua Bahia a rua São Paulo... Todo mundo se conhecia, se visitava, se via. Mulher, Mar e Canção. Eu realmente amo esse tal de Caymmi. O risonho, feliz, malandro e muito zen Dorival. Que os deuses do mar e do tempo me concedam a graça de ser cada vez mais próximo a sua verdade.
Ia mudar de canal, mas antes olhei a cara de Caymmi e resolvi dar uma chance pra entrevista.
O homem tava de branco e com uma malinha na mão. E se falava da mania que ele sempre teve de andar com aquela malinha. O que há na malinha? Ele sorri. E ninguém no mundo sorri como Caymmi sorri. E então, na beira do mar, ele toca O Mar.... e eu recordo que num verão sublime, em 1973, eu ainda criança, cantara O Mar na praia de Santos. A letra estava no meu livro de português. ...Quando quebra na praia é bonito....
Virei fã e sorri durante toda a entrevista. Salvou meu verão ruim. Ter 70 anos e ser Dorival Caymmi... nada pode ser melhor. Espero chegar lá...
Todo país tem um cara que sintetiza o gênio da raça. Não falo do cara mais criativo ou importante, falo do melhor. O ser que é tudo aquilo que a nação tem de mais particular, de mais secreto, que é só dela. Caymmi é o Brasil em seu melhor. Tudo de bom que ainda se imagina ser o Brasil, é na verdade lembrança de Caymmi. Numa biografia que li sobre ele ( livro dado de presente por meu amor num dia de namorados caymmiano ), Caetano diz que as músicas de Caymmi parecem não ter autor, parecem ter existido desde sempre, como se fossem parte do lugar, coisas criadas pela natureza. Dorival Caymmi é a natureza do Brasil em seu melhor. Ele é a Serra e a praia.
Ele cresceu ouvindo sambas e Debussy, roda de capoeira e Ravel. E apesar do pai músico, aprendeu a tocar violão só. Em 1938 já era rei na Bahia, foi pro Rio e em meses era rei do Rio e do país. O QUE É QUE A BAIANA TEM? Estourou com Carmem Miranda nos EUA. Foi convidado por Disney em pessoa a ficar por lá. Não aceitou. Tempos mais simples e menos ambiciosos, não queria ficar longe do mar e dos amigos. Algumas músicas de Caymmi rodam o mundo. MARACANGALHA tem versões em alemão, em francês e até existe uma gravação israelense.
Dizem que Caymmi é preguiçoso, lento, que compôs pouco. É verdade. Levou oito anos para finalizar uma música. Mas suas letras são depuradas ao extremo. Cada sílaba é cuidadosamente casada à melodia. EU VOU PRA MA RA CAN GA LHA EU VOU, tudo matemáticamente ajustado, a sonoridade da letra percutindo na boca, sendo parte do ritmo. O MAR QUAN DO QUE BRA NA PRA IA É BONI TO É BO NI TO.
Acabo de reouvir EU VOU PRA MARACANGALHA, o quarto disco de Caymmi. Sambas baianos malemolentes, a rica tessitura de arranjos com violinos e metais, vocais de fundo quentes e malandros. E a voz grave, articulada, solar de Dorival Caymmi. Voz que causou espanto nos anos 40 por não ser um "vozeirão", por ser natural. Como são naturais VATAPÁ ( UM BO CADINHO MAIS...), 365 IGREJAS, O SAMBA DA MINHA TERRA ( QUEM NÃO GOS TA DE SAM BA, BOM SU JEI TO NÃO É ), SAUDADE DA BAHIA ( AH QUE SAU DA DE EU SIN TO DA BA HIA...AH SE EU ESCU TA SSE OQUE MAMÃE DI ZIA ... ) e a estupenda ACONTECE QUE EU SOU BAIANO. Todas essas canções, inexplicáveis, parecem ser parte do folclore nacional, são como o Corcovado e o Pantanal, estão lá, imensas, invencíveis, eternas, filhas de Deus. Voce as escuta e lembra de quem voce é, de onde vem e onde está. Pandeiros macios, o violão cheio de marés e sais, a voz que parece de pajé, de gurú e de irmão mais velho que sabe tudo. Os pescadores e as moças bonitas, os fins de tarde e a noite sem fim, a comida e a Bahia...É tudo tão bonito que até dói. Mas é dor boa, dor de beleza, dor de amor. Um disco que nos ensina a viver relembrando o que na verdade sempre somos.
EU VOU SÓ EU VOU SÓ EU VOU SÓ....
Li ontem no jornal que no futuro todos viverão sós, serão auto-suficientes e ensimesmados. Esse já é meu mundo. Ah... Quanta saudade teremos da Bahia... Ah se escutassemos o que mamãe dizia....
Dorival Caymmi nunca mais. O Brasil era um bairro e vinte ruas. A rua Rio, a rua Bahia a rua São Paulo... Todo mundo se conhecia, se visitava, se via. Mulher, Mar e Canção. Eu realmente amo esse tal de Caymmi. O risonho, feliz, malandro e muito zen Dorival. Que os deuses do mar e do tempo me concedam a graça de ser cada vez mais próximo a sua verdade.