Numa crítica da Veja sobre o DVD de "PARCEIROS DA NOITE", filme de 1979 sobre o mundo hardcore-gay, com Al Pacino, fala-se que o filme exibe uma coisa que sumiu do cinema atual: a realidade. Hoje vemos violência chocante, dramas contundentes, sexo doentio, emoções aviltantes, mas não a tal realidade. A realidade é feita de cenários comuns, nem bonitos e nem imundos, de tempos longos e mortos e de pessoas complexas. LENNY, feito em 1974, portanto do período mais realista do cinema, é de verdade.
Lenny Bruce foi um humorista, tipo stand-up, que ajudou, e muito, a quebrar o puritanismo americano. Nos anos 50, enquanto na França, Itália ou mesmo no Brasil, se escutavam palavrões no teatro, Lenny era perseguido nos EUA por falar de masturbação, homossexualismo e falar palavras como "cocksucker". Casado com uma stripper, viciado em heroína, morto ainda jovem, Lenny acabou se tornando um tipo de herói outsider no momento em que as coisas mudaram. Bob Dylan e Leonard Cohen o têm como mito.
O filme nada glamuriza. E nem faz dele um trapo. Nada de cenas bem-loucas e nada de sofrimento cruel. É um cara de verdade, às vezes legal e às vezes um crápula. Miles Davis cedeu 3 músicas para o filme, é um dos filmes mais jazz que já vi. Talvez seja o mais jazzy.
Bob Fosse foi um gênio. Surgiu como coreógrafo nos anos 50. No musical "KISS ME KATE", há um número coreografado pelo jovem Fosse. Já antecipa tudo o que ele traria à Broadway: sexo, leveza, esperteza, malandragem. Ele logo estourou no teatro e começa no cinema em 1968, com CHARITY, uma homenagem á Fellini. Fracasso de público, é um grande filme. Em 1972 ele faz um filme barato, um tal de CABARET. Sucesso absoluto, é o filme que melhor exibe o clima da Alemanha nazista. Com esse filme, Fosse ganha o Oscar de direção, vencendo "apenas" Coppolla em O PODEROSO CHEFÃO. Bob Fosse nesse ano conquista um recorde que nunca será batido, ganha os 3 maiores prêmios numa mesma temporada: o Oscar no cinema, o Tony na Broadway por PIPPIN' e o Emmy na TV pelo show LIZA COM Z. Mas o que ningém sabia é que Fosse era muuuuito INTENSO demais. Mulheres, cigarros, álcool, insônia, anfetaminas, estimulantes. Faria apenas mais 3 filmes, este LENNY, e depois venceria Cannes com ALL THAT JAZZ ( o filme que vi mais vezes na minha vida ). O final seria com seu maior fracasso, STAR 80, um lixo. Na Broadway continuaria vitorioso, até ter um enfarte em 1987 e falecer. Junto a John Huston, Bob Fosse é o cara que eu queria ter sido.
Dustin Hoffman faz Lenny. E sabemos que trabalhar com Dustin em 74 era um inferno. Exageradamente perfeccionista, ele exigia inúmeras refilmagens, discutia os motivos dos diálogos e se trancava para estudar a psicologia do papel. Em ALL THAT JAZZ, Fosse mostra o clima insuportável das filmagens de Lenny. Ele sofreu um enfarte ao fim da montagem, exatamente como em JAZZ. Mas valeu a pena, o que vemos é Dustin Hoffman se tornar Lenny diante de nossos olhos. Cada cena que passa é mais um passo na direção da total transformação e ao fim do filme não há mais Dustin, o que há é Lenny.
O filme mostra o ambiente que Fosse melhor conhecia: espeluncas, bares pequenos, cheios de putas, cafetões, músicos de jazz, ladrões e fracassados. Feito em P/B, tem uma fotografia granulada, cheia de closes, rostos sem maquiagem, feios, gordurosos, enrugados. É um filme desagradável, crú, sem nada de "bonito". Mas é belo, forte, vivo. Tem uma cena, ao final, em que Lenny entra em cena drogado e não consegue dizer coisa com coisa, que é feita sem um só corte. São cerca de 10 minutos de câmera parada e nem uma só concessão. Dustin se desnuda, a ausência de cortes faz com que a alma de Lenny se revele.
Valerie Perrine, atriz que tinha tudo pra se fazer star mas que não deu certo, está soberba como a stripper. Decadente, sexy, tem uma cena ao telefone, patética, que lhe garantiu um lugar de destaque. É chocantemente real.
Longe da perfeição ( o filme jamais exibe o porquê de Lenny ser tão genial ), é um filme que se arrisca, que aposta, que faz o que quer sem pensar nas consequências. Como foi Lenny Bruce. Como foi Bob Fosse.
Lenny Bruce foi um humorista, tipo stand-up, que ajudou, e muito, a quebrar o puritanismo americano. Nos anos 50, enquanto na França, Itália ou mesmo no Brasil, se escutavam palavrões no teatro, Lenny era perseguido nos EUA por falar de masturbação, homossexualismo e falar palavras como "cocksucker". Casado com uma stripper, viciado em heroína, morto ainda jovem, Lenny acabou se tornando um tipo de herói outsider no momento em que as coisas mudaram. Bob Dylan e Leonard Cohen o têm como mito.
O filme nada glamuriza. E nem faz dele um trapo. Nada de cenas bem-loucas e nada de sofrimento cruel. É um cara de verdade, às vezes legal e às vezes um crápula. Miles Davis cedeu 3 músicas para o filme, é um dos filmes mais jazz que já vi. Talvez seja o mais jazzy.
Bob Fosse foi um gênio. Surgiu como coreógrafo nos anos 50. No musical "KISS ME KATE", há um número coreografado pelo jovem Fosse. Já antecipa tudo o que ele traria à Broadway: sexo, leveza, esperteza, malandragem. Ele logo estourou no teatro e começa no cinema em 1968, com CHARITY, uma homenagem á Fellini. Fracasso de público, é um grande filme. Em 1972 ele faz um filme barato, um tal de CABARET. Sucesso absoluto, é o filme que melhor exibe o clima da Alemanha nazista. Com esse filme, Fosse ganha o Oscar de direção, vencendo "apenas" Coppolla em O PODEROSO CHEFÃO. Bob Fosse nesse ano conquista um recorde que nunca será batido, ganha os 3 maiores prêmios numa mesma temporada: o Oscar no cinema, o Tony na Broadway por PIPPIN' e o Emmy na TV pelo show LIZA COM Z. Mas o que ningém sabia é que Fosse era muuuuito INTENSO demais. Mulheres, cigarros, álcool, insônia, anfetaminas, estimulantes. Faria apenas mais 3 filmes, este LENNY, e depois venceria Cannes com ALL THAT JAZZ ( o filme que vi mais vezes na minha vida ). O final seria com seu maior fracasso, STAR 80, um lixo. Na Broadway continuaria vitorioso, até ter um enfarte em 1987 e falecer. Junto a John Huston, Bob Fosse é o cara que eu queria ter sido.
Dustin Hoffman faz Lenny. E sabemos que trabalhar com Dustin em 74 era um inferno. Exageradamente perfeccionista, ele exigia inúmeras refilmagens, discutia os motivos dos diálogos e se trancava para estudar a psicologia do papel. Em ALL THAT JAZZ, Fosse mostra o clima insuportável das filmagens de Lenny. Ele sofreu um enfarte ao fim da montagem, exatamente como em JAZZ. Mas valeu a pena, o que vemos é Dustin Hoffman se tornar Lenny diante de nossos olhos. Cada cena que passa é mais um passo na direção da total transformação e ao fim do filme não há mais Dustin, o que há é Lenny.
O filme mostra o ambiente que Fosse melhor conhecia: espeluncas, bares pequenos, cheios de putas, cafetões, músicos de jazz, ladrões e fracassados. Feito em P/B, tem uma fotografia granulada, cheia de closes, rostos sem maquiagem, feios, gordurosos, enrugados. É um filme desagradável, crú, sem nada de "bonito". Mas é belo, forte, vivo. Tem uma cena, ao final, em que Lenny entra em cena drogado e não consegue dizer coisa com coisa, que é feita sem um só corte. São cerca de 10 minutos de câmera parada e nem uma só concessão. Dustin se desnuda, a ausência de cortes faz com que a alma de Lenny se revele.
Valerie Perrine, atriz que tinha tudo pra se fazer star mas que não deu certo, está soberba como a stripper. Decadente, sexy, tem uma cena ao telefone, patética, que lhe garantiu um lugar de destaque. É chocantemente real.
Longe da perfeição ( o filme jamais exibe o porquê de Lenny ser tão genial ), é um filme que se arrisca, que aposta, que faz o que quer sem pensar nas consequências. Como foi Lenny Bruce. Como foi Bob Fosse.