Uma sensação muito estranha dá esse livro em seu final. Yolanda Penteado vem a morrer em 1983. Nos últimos três anos, tendo se desfeito da maior parte de seus bens, Yolanda percebera que no "Novo Mundo" americano, o minimo era a lei, voltando, em seus últimos três anos ela morava em apartamento "simplesinho", atrás do Shopping Iguatemi. Vem daí a estranheza. Yolanda, nascida em 1903, milionária desde o berço, de familia antiga como o Brasil, privara da amizade de Santos Dumont, frequentara festas de gente como Picasso e o futuro rei da Inglaterra, conversara com parentes de Proust e se hospedara em palácios de marajás da India, e terminara afinal, por livre escolha, naquele prédio, detrás do Iguatemi, tão pouco mítico, tão corriqueiro, banal. Prédio que eu frequentei exatamente no tempo em que ela morreu. Nada simboliza melhor a história do século XX.
Tudo começa em Leme, numa fazenda chamada Empyreo. Um paraíso de flores, de rios e de cavalos. Yolanda tem primeira infância de molecona, mas ao mesmo tempo com aulas de francês, ballet, piano, grego, latim e pintura. Na capital de São Paulo, lugar de uma elite otimista, intocável, onde todos se conhecem e todos são meio que parentes de todos, ela mora num casarão, na Vila Buarque. Aliás, morar bem era morar lá, ou na avenida Higienópolis, novo rico ( libaneses e italianos ) morava na Paulista. Pois bem, ela estuda em colégio francês e tem uma vida de viagens a Europa ( longas, de navio ) e festas dignas das mil e uma noites.
O livro, escrito no estilo fluido, efervescente, risonho de Bivar, dos poucos brasileiros que sabe e escreve wit, tem em toda essa primeira parte um ar de sonho cor de rosa, de delirio de vida feliz ao extremo. Yolanda se casa e cresce como dondoca, conhece a loucura da década de 20, e não sente nada da crise da década de 30. O que ela sabe é como se vestir, o que falar e onde ir. Das melhores coisas descrita, a sua amizade com Santos Dumont é uma das mais deliciosas. Pouca gente sabe, mas em Paris, entre 1900/1925 ninguém era mais famoso que o "Santôs". Duques quando o viam na rua a cruzavam para vir cumprimentá-lo. Para Yolanda, um tipo de sobrinha dele, foi Dumont o homem mais elegante que ela já conheceu. E se mostra verdadeira a história de que foi ele quem criou o relógio de pulso. Sem poder mexer no bolso para ver as horas no ar, ele pede a Cartier que lhe faça um relógio de pulso.
Aliás faço eu aqui uma obsevação que não está no livro. Na rivalidade entre Dumont e os irmãos Wright mora a diferença entre a Europa belle- epoque e a América do jazz....
Figura central no livro é Assis Chateaubriand. Só por suas histórias já vale a leitura. Pra quem não sabe, foi ele, que através de pressão sobre a "burguesada", fez o MASP. Ele fazia com que cada rico comprasse uma obra e a doasse ao museu ( que nem existia ainda ). Na Europa arruinada pós-guerra, ele e Bardi fizeram a rapa. A cada quadro que um industrial brasileiro comprava, era dada uma festa de inauguração da obra. Quem as organizava era Yolanda. Pois foi ela o grande amor ( platônico? ), da vida desse louco-genial-folclórico herói. Hoje, quando se olha o acervo do MASP, a mão e a esperteza de Chatô está ali. Mas se ele fez o MASP, Yolanda, agora já com seu segundo marido, Francisco Matarazzo, fez o MAM e fundou a bienal de São Paulo.
A bienal é um capitulo soberbo. Uma bienal para rivalizar com a de Veneza num fim de mundo como São Paulo!!! E foi feita. Yolanda viajando por todo o mundo, convencendo artistas, embaixadores, museus. A primeira ainda no prédio dos jornais de Chatô, mas a segunda já no Ibirapuera. Pra se ter uma ideia: a Guernica de Picasso, que jamais havia saido de New York, veio. Uma sala inteira com dezenas dos melhores Van Goghs. E mais Matisse, Paul Klee, Chagall, Kandinski e Mondrian.
Nessa mesma época, o marido de Yolanda, Francisco Matarazzo, funda a Vera Cruz. A tentativa de se fazer cinema industrial no Brasil. Tudo errado, um fiasco digno de louvor. Trazem da Europa grandes técnicos, constroem belos estúdios, mas se esquecem do principal: bons roteiristas e bons diretores. Como ele e Yolanda já haviam ajudado a fundar o TBC, usam atores e diretores de teatro. E dá no que dá, filmes chatos, muito chatos. A aventura dura cinco anos e 18 filmes. O engraçado é que muitas das atrizes eram filhas de tradicionais familias paulistas.
Mas tudo bem, Yolanda fica meses na India onde visita marajás. Conhece a vida mais luxuosa já vista, participa de caçadas a tigres, sente emoções novas, insuspeitas.
A mais engraçada história é sobre uma festa para atores de Hollywood, que vieram participar do primeiro festival de cinema de SP. Um trem, fretado, pega-os na estação da Luz,( foi aí que se cunhou a expressão "Trem da Alegria" ), e os leva até Campinas. Champagne e mordomias a bordo. De Campinas vão até a fazenda de charretes individuais. E na sede a festa. Dificil a descrever aqui, só lendo o livro. Mas se não contei conto agora: a sede da fazenda era famosa por suas festas glamurosas. Nobres europeus, milionários e herdeiros de todo o mundo, industriais americanos, todos iam lá para se impressionar com as festas de Yolanda. Nesta, Erroll Flynn se jogou na piscina assim que chegou, e como estava de terno de linho branco...
E a estranheza volta. Nos seus últimos tempos, a diversão no tal prédio detrás do Iguatemi, era ver a novela da Globo com seus convidados...E não era questão só de idade, é que a vida tornara-se mais realista, menos sonhadora. Fazer outro MASP, fundar outra Bienal, comprar todo um acervo para o MAM ( hoje é o MAC )... como? Quem?
Ela avisara, no meio da década de 60, às suas amigas, que no futuro não se dariam mais festas toda noite, não haveriam mais empregados domésticos fiéis, não se poderia mais conversar com um embaixador ou conde diretamente. Não existiriam mais praias secretas e os muito ricos se sentiriam muito culpados. O mundo iria se americanizar, as coisas seriam "mínimas", informais, sem grandes requintes. Yolanda soube se adaptar no fim da vida. Percebeu o que havia de bom, de democrático nos novos tempos. Mas que dá uma esquisitice ler esse final, ah isso dá!
É livro pra se ler numa levada só. E parabéms ao Bivar, escriba que acompanho a tanto tempo, mestre do chic e do moderno, rei da escrita fosforescente. O livro é um luxo.
Tudo começa em Leme, numa fazenda chamada Empyreo. Um paraíso de flores, de rios e de cavalos. Yolanda tem primeira infância de molecona, mas ao mesmo tempo com aulas de francês, ballet, piano, grego, latim e pintura. Na capital de São Paulo, lugar de uma elite otimista, intocável, onde todos se conhecem e todos são meio que parentes de todos, ela mora num casarão, na Vila Buarque. Aliás, morar bem era morar lá, ou na avenida Higienópolis, novo rico ( libaneses e italianos ) morava na Paulista. Pois bem, ela estuda em colégio francês e tem uma vida de viagens a Europa ( longas, de navio ) e festas dignas das mil e uma noites.
O livro, escrito no estilo fluido, efervescente, risonho de Bivar, dos poucos brasileiros que sabe e escreve wit, tem em toda essa primeira parte um ar de sonho cor de rosa, de delirio de vida feliz ao extremo. Yolanda se casa e cresce como dondoca, conhece a loucura da década de 20, e não sente nada da crise da década de 30. O que ela sabe é como se vestir, o que falar e onde ir. Das melhores coisas descrita, a sua amizade com Santos Dumont é uma das mais deliciosas. Pouca gente sabe, mas em Paris, entre 1900/1925 ninguém era mais famoso que o "Santôs". Duques quando o viam na rua a cruzavam para vir cumprimentá-lo. Para Yolanda, um tipo de sobrinha dele, foi Dumont o homem mais elegante que ela já conheceu. E se mostra verdadeira a história de que foi ele quem criou o relógio de pulso. Sem poder mexer no bolso para ver as horas no ar, ele pede a Cartier que lhe faça um relógio de pulso.
Aliás faço eu aqui uma obsevação que não está no livro. Na rivalidade entre Dumont e os irmãos Wright mora a diferença entre a Europa belle- epoque e a América do jazz....
Figura central no livro é Assis Chateaubriand. Só por suas histórias já vale a leitura. Pra quem não sabe, foi ele, que através de pressão sobre a "burguesada", fez o MASP. Ele fazia com que cada rico comprasse uma obra e a doasse ao museu ( que nem existia ainda ). Na Europa arruinada pós-guerra, ele e Bardi fizeram a rapa. A cada quadro que um industrial brasileiro comprava, era dada uma festa de inauguração da obra. Quem as organizava era Yolanda. Pois foi ela o grande amor ( platônico? ), da vida desse louco-genial-folclórico herói. Hoje, quando se olha o acervo do MASP, a mão e a esperteza de Chatô está ali. Mas se ele fez o MASP, Yolanda, agora já com seu segundo marido, Francisco Matarazzo, fez o MAM e fundou a bienal de São Paulo.
A bienal é um capitulo soberbo. Uma bienal para rivalizar com a de Veneza num fim de mundo como São Paulo!!! E foi feita. Yolanda viajando por todo o mundo, convencendo artistas, embaixadores, museus. A primeira ainda no prédio dos jornais de Chatô, mas a segunda já no Ibirapuera. Pra se ter uma ideia: a Guernica de Picasso, que jamais havia saido de New York, veio. Uma sala inteira com dezenas dos melhores Van Goghs. E mais Matisse, Paul Klee, Chagall, Kandinski e Mondrian.
Nessa mesma época, o marido de Yolanda, Francisco Matarazzo, funda a Vera Cruz. A tentativa de se fazer cinema industrial no Brasil. Tudo errado, um fiasco digno de louvor. Trazem da Europa grandes técnicos, constroem belos estúdios, mas se esquecem do principal: bons roteiristas e bons diretores. Como ele e Yolanda já haviam ajudado a fundar o TBC, usam atores e diretores de teatro. E dá no que dá, filmes chatos, muito chatos. A aventura dura cinco anos e 18 filmes. O engraçado é que muitas das atrizes eram filhas de tradicionais familias paulistas.
Mas tudo bem, Yolanda fica meses na India onde visita marajás. Conhece a vida mais luxuosa já vista, participa de caçadas a tigres, sente emoções novas, insuspeitas.
A mais engraçada história é sobre uma festa para atores de Hollywood, que vieram participar do primeiro festival de cinema de SP. Um trem, fretado, pega-os na estação da Luz,( foi aí que se cunhou a expressão "Trem da Alegria" ), e os leva até Campinas. Champagne e mordomias a bordo. De Campinas vão até a fazenda de charretes individuais. E na sede a festa. Dificil a descrever aqui, só lendo o livro. Mas se não contei conto agora: a sede da fazenda era famosa por suas festas glamurosas. Nobres europeus, milionários e herdeiros de todo o mundo, industriais americanos, todos iam lá para se impressionar com as festas de Yolanda. Nesta, Erroll Flynn se jogou na piscina assim que chegou, e como estava de terno de linho branco...
E a estranheza volta. Nos seus últimos tempos, a diversão no tal prédio detrás do Iguatemi, era ver a novela da Globo com seus convidados...E não era questão só de idade, é que a vida tornara-se mais realista, menos sonhadora. Fazer outro MASP, fundar outra Bienal, comprar todo um acervo para o MAM ( hoje é o MAC )... como? Quem?
Ela avisara, no meio da década de 60, às suas amigas, que no futuro não se dariam mais festas toda noite, não haveriam mais empregados domésticos fiéis, não se poderia mais conversar com um embaixador ou conde diretamente. Não existiriam mais praias secretas e os muito ricos se sentiriam muito culpados. O mundo iria se americanizar, as coisas seriam "mínimas", informais, sem grandes requintes. Yolanda soube se adaptar no fim da vida. Percebeu o que havia de bom, de democrático nos novos tempos. Mas que dá uma esquisitice ler esse final, ah isso dá!
É livro pra se ler numa levada só. E parabéms ao Bivar, escriba que acompanho a tanto tempo, mestre do chic e do moderno, rei da escrita fosforescente. O livro é um luxo.