SHERLOCK HOLMES- ARTHUR CONAN DOYLE ( O MUNDO VITORIANO )

   Watson está calmamente tomando chá com sua esposa. Um mensageiro chega e lhe avisa que seu amigo, Sherlock Holmes o convida para ir ao Sussex, desvendar um caso de morte. A esposa permite que ele se ausente e então Watson parte. É ele que irá nos relatar a aventura. As histórias de Conan Doyle, em sua maioria, começam assim. E a cada vez que lemos esse inicio invariável ( já devo ter lido quarenta histórias de Holmes ), sentimos renovado prazer. Porque? Eu não sei e nenhum fã de Holmes saberia dizer.
   Li gente comentar que seria o encanto da Londres vitoriana em seu apogeu. As carruagens, o fog, as pedras no calçamento, as damas em perigo. Outros dizem que é a forma como Holmes desvenda o crime. Ele quase nada faz de físico, raciocina, segue aquilo que é dado, não imagina nada, apenas deduz sobre as bases do real. É um pensamento matemático, hiper-racional. Tudo o que ele olha são números que formam uma equação.
   Eu prefiro crer que o motivo principal do sucesso de Doyle é a criação da personalidade de Sherlock Holmes. Ele é um solteirão que toca violino, fuma cachimbo, aplica cocaína na veia e lê romances vitorianos. Segundo Watson, Holmes é fraco em filosofia, razoável em fisica e excelente em quimica. Com esse perfil, que une rigor e excentricidade, o que nos resta a não ser admirá-lo?
   Descobri seus livros tarde na vida. Só após os 40 anos comecei a ler. O primeiro foi o Estudo em Vermelho. Logo na terceira página o virus já me contaminara: era um Holmesmaníaco. O que me prende não é o desejo de desvendar o crime, não é a escrita clara e simples, elegante, de Conan Doyle, o que me prende é o prazer em estar no mundo de Sherlock Holmes. Eu gostaria de conhecer o grande homem, de ser amigo de Watson e de correr num fiacre com eles. A vida vitoriana, uma ilusão criada após a segunda-guerra, uma ilusão formada de chá quente, poltronas de couro e lareiras acesas, uma fantasia que continua a vender mobilia e filmes de amor, um mundo ideal que foi inventado em contraposição aos horrores reais demais dos últimos 70 anos, esse mundo é que seduz. O mundo vitoriano que nos deu de Peter Pan a Virginia Woolf, de Alice em seu país das maravilhas a My Fair Lady, mundo que pensamos sempre como reino de excentricidade temperada com humor e conforto, seguro. Mundo que nunca existiu ( o mundo vitoriano era na verdade um universo militarizado e silencioso ).
   Sherlock Holmes faz parte desse universo. Lê-lo é comungar dessa fé. E eu digo, se a Londres de 1900 não foi exatamente o que lá está, que me importa? Que se creia na lenda!