Estava revendo Grand-Prix, o ótimo filme de John Frankenheimer sobre a fórmula um. Um luxuoso filme que feito em 1966 acabou sem querer se tornando um tipo de documentário sobre a romântica batalha amigável que foi encerrada nos anos 80. Podemos ver Monza ainda com a pista a sessenta graus, Spa com quilômetros de pista campestre, Monaco quase sem propaganda e Brands Hatch com suas curvas em subida e descidas sem fim. Mas o principal são os pilotos. Eles corriam a 280 por hora sem nada que os defendesse da morte. Nada de guard-rail, nada de barras de proteção. Um erro e era o fim. Os carros derrapam todo o tempo e os pilotos trabalham sem parar. E daí vemos o clima de box. Pilotos amigos, combinando festas, paquerando as tietes, soltos e sem grandes obrigações. Apenas a paixão suicida pela corrida e pelo carro. Equipes de garagem, um único dono que é ao mesmo tempo projetista, treinador, pai e mecânico. Lotus, Tyrrell, Brabham, Ligier, Matra, BRM...
E então os anos 80. As equipes passam a ser geridas como um investimento, um negócio e o piloto como um tipo de executivo de macacão. Pilotar é agora como ir pra cama com uma mulher usando um fone de ouvido: "Atenção, mais atenção ao mamilo esquerdo! Segure a ejaculação, ainda é cedo.... mexa esses quadris... estou sentindo um esfriamento da mão direita, mexa-a nas costas dela... voce ainda tem energia pra mais 20 minutos..." Não há retrato melhor do século XXI.
O século XX foi muito curto. Começou com uma guerra em 1914, teve seu apogeu após uma outra guerra ( 1945/1965 ) e se encerra na década de 80, com o fim das utopias e o inicio do mundo como tela hiper-exposta. Detalhe interessante: até 1979, 1980, voce ainda via na TV pessoas que ao serem entrevistadas se sentiam muito intimidadas. Cantores pop ou atletas que travavam na frente de um microfone. Hoje qualquer cidadão das ruas se faz natural diante de uma entrevista. Porque? Pra onde se foi aquele timidez que nada mais era que uma defesa da intimidade? Na verdade o que ocorre é que todos sentem-se todo o tempo em rede, uma câmera não assusta ninguém. A solidão do piloto, isolado em seu carro, dando o máximo diante da morte, isso não mais existe. A ironia suprema do século XXI é a de que nunca foi tão dificil estar completamente só. E ao mesmo tempo nunca nos sentimos tão solitários.
Foi nos anos 80 que as últimas companhias de cinema "puras" quebraram. Todas passaram a ser controladas por big companhias "de fora". Como diz Bogdanovich, não só os donos dos estúdios nada entendem de cinema, como muitos deles nem gostam de filmes. É apenas um negócio. Isso se percebe na mudança que aconteceu nos lançamentos. Até a década de 70 um filme, mesmo os grandes, era lançado em 3 ou 4 grandes salas, de luxo. Daí se via a reação de público e crítica. De acordo com isso, aumentava-se o número de salas, ou se tirava o filme de cartaz. Até que algum gênio teve a ideia: lançar em 200 salas. Antes que o público pudesse fazer comentários boca a boca. Em uma semana entupir o povo com a certeza de que aquele filme era O evento. Faturar tudo em oito dias. E depois se o boca a boca fosse ruim... dane-se, os trouxas já tinham gasto seu dinheiro. Essa é uma estratégia de quem pensa apenas em ganhar e nunca em fazer bons filmes. Os velhos donos eram tirânicos, mesquinhos e bregas, podiam ter um péssimo gosto para filmes, mas viviam pelo cinema, adoravam filmes, amavam sua profissão. O sonho deles era ganhar dinheiro fazendo bom cinema, não apenas ganhar dinheiro fazendo bons investimentos.
É então nessa década que surge a super-estrutura que em seu extremo faz com que até os tais líderes mundiais se tornem apenas medíocres burocratas/testas de ferro da estrutura maior. Ao contrário do século XX, tempo de grandes homens, fossem eles grandes ditadores ou grandes criadores, temos agora o tempo de grandes "eventos", eventos que podem ser uma copa do mundo, uma eleição ou um show de rock.
Jim Clark morreu em 1967 a bordo de um carro de fórmula 2. Bi-Campeão de F1, Jim Clark aceitara um convite para disputar uma prova de F2... por amizade, de graça. Pilotando como sempre no extremo limite, Clark encontrou uma árvore em seu caminho. Para o mundo inteiro, fora Brasil e Alemanha, ele foi o maior piloto da história. Schumacher tem mais títulos, Senna teve a sorte de ser exibido fartamente pela Tv, inclusive morrer em rede mundial; Clark morreu só, dentro de seu carro numa curva sem arquibancada e sem câmeras. Tinha 26 anos. Ninguém o obrigou a correr. Fez o que nascera para fazer. Era dono de seu nariz. Não havia um patrão que o obrigasse a não correr na F2. Ele podia correr onde quisesse, ir onde tivesse vontade, fazer o que pensasse. Em sua morte simboliza-se toda a diferença entre duas épocas.
E então os anos 80. As equipes passam a ser geridas como um investimento, um negócio e o piloto como um tipo de executivo de macacão. Pilotar é agora como ir pra cama com uma mulher usando um fone de ouvido: "Atenção, mais atenção ao mamilo esquerdo! Segure a ejaculação, ainda é cedo.... mexa esses quadris... estou sentindo um esfriamento da mão direita, mexa-a nas costas dela... voce ainda tem energia pra mais 20 minutos..." Não há retrato melhor do século XXI.
O século XX foi muito curto. Começou com uma guerra em 1914, teve seu apogeu após uma outra guerra ( 1945/1965 ) e se encerra na década de 80, com o fim das utopias e o inicio do mundo como tela hiper-exposta. Detalhe interessante: até 1979, 1980, voce ainda via na TV pessoas que ao serem entrevistadas se sentiam muito intimidadas. Cantores pop ou atletas que travavam na frente de um microfone. Hoje qualquer cidadão das ruas se faz natural diante de uma entrevista. Porque? Pra onde se foi aquele timidez que nada mais era que uma defesa da intimidade? Na verdade o que ocorre é que todos sentem-se todo o tempo em rede, uma câmera não assusta ninguém. A solidão do piloto, isolado em seu carro, dando o máximo diante da morte, isso não mais existe. A ironia suprema do século XXI é a de que nunca foi tão dificil estar completamente só. E ao mesmo tempo nunca nos sentimos tão solitários.
Foi nos anos 80 que as últimas companhias de cinema "puras" quebraram. Todas passaram a ser controladas por big companhias "de fora". Como diz Bogdanovich, não só os donos dos estúdios nada entendem de cinema, como muitos deles nem gostam de filmes. É apenas um negócio. Isso se percebe na mudança que aconteceu nos lançamentos. Até a década de 70 um filme, mesmo os grandes, era lançado em 3 ou 4 grandes salas, de luxo. Daí se via a reação de público e crítica. De acordo com isso, aumentava-se o número de salas, ou se tirava o filme de cartaz. Até que algum gênio teve a ideia: lançar em 200 salas. Antes que o público pudesse fazer comentários boca a boca. Em uma semana entupir o povo com a certeza de que aquele filme era O evento. Faturar tudo em oito dias. E depois se o boca a boca fosse ruim... dane-se, os trouxas já tinham gasto seu dinheiro. Essa é uma estratégia de quem pensa apenas em ganhar e nunca em fazer bons filmes. Os velhos donos eram tirânicos, mesquinhos e bregas, podiam ter um péssimo gosto para filmes, mas viviam pelo cinema, adoravam filmes, amavam sua profissão. O sonho deles era ganhar dinheiro fazendo bom cinema, não apenas ganhar dinheiro fazendo bons investimentos.
É então nessa década que surge a super-estrutura que em seu extremo faz com que até os tais líderes mundiais se tornem apenas medíocres burocratas/testas de ferro da estrutura maior. Ao contrário do século XX, tempo de grandes homens, fossem eles grandes ditadores ou grandes criadores, temos agora o tempo de grandes "eventos", eventos que podem ser uma copa do mundo, uma eleição ou um show de rock.
Jim Clark morreu em 1967 a bordo de um carro de fórmula 2. Bi-Campeão de F1, Jim Clark aceitara um convite para disputar uma prova de F2... por amizade, de graça. Pilotando como sempre no extremo limite, Clark encontrou uma árvore em seu caminho. Para o mundo inteiro, fora Brasil e Alemanha, ele foi o maior piloto da história. Schumacher tem mais títulos, Senna teve a sorte de ser exibido fartamente pela Tv, inclusive morrer em rede mundial; Clark morreu só, dentro de seu carro numa curva sem arquibancada e sem câmeras. Tinha 26 anos. Ninguém o obrigou a correr. Fez o que nascera para fazer. Era dono de seu nariz. Não havia um patrão que o obrigasse a não correr na F2. Ele podia correr onde quisesse, ir onde tivesse vontade, fazer o que pensasse. Em sua morte simboliza-se toda a diferença entre duas épocas.