LORD JIM- JOSEPH CONRAD

   Teodor Korzeniovski nasceu na Polônia. Sedento de vida, foi à marinha francesa, depois à inglesa. Aprendeu tão bem o inglês que se tornou para muitos o melhor autor moderno da língua. Lord Jim é ao lado de Coração das Trevas seu mais famoso livro. Considero Nostromo o mais fascinante, mas vamos à Jim.
   Em tempos, hoje, de capitão italiano omisso, o mote de Lord Jim vem a calhar. Jim é um jovem inglês que serve como segundo imediato numa velha embarcação. Ela transporta centenas de peregrinos muçulmanos. Numa noite quente e que ameaça chuva, Jim vê a parede do porão do navio ceder, avisa o capitão. O capitão foge com a tripulação em bote, e após titubear, Jim se junta aos fugitivos. Os peregrinos são abandonados a própria sorte. Os náufragos são resgatados, mas quanta ironia! o velho barco não afunda e os peregrinos são encontrados perdidos no mar. Jim e todo o resto vão a julgamento.
  Quem nos conta a história é Marlow, velho marujo que conhece e se apieda de Jim no julgamento. Então, no livro, jamais saberemos dos pensamentos de Jim. Veremos esse jovem personagem pelos olhos de Marlow. Após o julgamento, Marlow faz amizade com esse torturado Jim e lhe arruma emprego. Mas Jim foge desses trabalhos sempre que descobre que seus companheiros sabem de seu passado. Ele é visto por todos como um tipo de tolo, pois seu crime não foi tão grave assim.  Aqui faço uma pausa em minha narração e passo a tentar explicar Jim.
  Jim é um romântico. Típico jovem do fim do século XIX, ele ansia por aventura. Dá a si-mesmo um rigido código de honra, de moral. Na noite do acidente a vida lhe pega desprevenido. Diante da morte ele fraqueja e foge. Jim desde então não pode mais viver. Ele se encolhe e passa a perceber que não é aquilo que gostaria de ser. Pior que isso, ele é algo que ele despreza. Lord Jim joga com várias ideias perturbadoras: a vida como barco sem rumo, a alma como depósito de escuridão insuspeita, nosso próprio ser como algo desconhecido a nós mesmos.
  A longa cena do naufrágio é a melhor do livro. Conrad, mestre do sutil, mostra nuvens negras, ferrugens, lamentos, ondas, orações, somos envoltos no medo, na escuridão, no buraco. Pois bem... quando é julgado, Jim irrita e surpreende a todos. Ele deseja punição. Toda a tripulação parte para longe, cinicos, na tentativa de reerguer a vida. Não Jim. Jim carrega a vergonha.
  Na parte final, Marlow lhe arruma um dos piores trabalhos possíveis ( Jim quer o pior ), administrar os negócios de um tal de Stein numa ilha isolada no Indico. Em meio a nativos hostis, enfrentando um encarregado traiçoeiro, Jim, estranhamente conhece a paz. Lentamente ele se torna um tipo de lider das tribos, de figura tabu, de grande irmão branco. Encontra inclusive o amor.
  Mas Conrad é sempre um pessimista e na figura de um ambicioso ladrão europeu, o destino encontra Jim. Seu mundinho isolado e perfeito se desmorona, mas não ele. Quando morre Jim está redimido. Ele purgou sua culpa, se esquece do que errou.
  Joseph Conrad escreve aventuras, sempre. Ele conhece aquilo que narra. Conhece o mar e sabe o efeito que ele causa nos homens. Sabe onde ficam as ilhas, as correntes e como são os portos. Ele viu vários Jims e vários Marlows. Mas, apesar de narrar uma aventura, seu texto nunca é fácil. Conrad é um estilista, se exibe. Seu texto se enrola em pensamentos, em abismos de ideias, em descrições de estados de alma. Não é do tipo de autor que descreve salas e paisagens; é do tipo que disseca motivações e medos. Por isso seus livros pouco se prestam ao cinema. Popular como é, ele foi pouco filmado. Apocalypse Now de Coppolla só muito de leve é Coração das Trevas, e há um Lord Jim de Richard Brooks com Peter O'Toole que já assisti e não gostei. ( Pauline Kael dizia que em Lawrence da Arábia O'Toole fizera Lord Jim ).
   Ler Conrad é sempre uma experiência profunda. Ele nos coloca dentro de Marlow e ao lado de Jim. Estamos no barco que parecia afundar, vivenciamos aquele engano. Juro que senti cheiro de mar enquanto o lia.