O QUE É UM "GRANDE FILME" ? PASSAGEM PARA A INDIA, DE DAVID LEAN, TE ENSINA A ENTENDER. ( E pobre de quem nunca o assistiu ).

   É muito mais fácil escrever sobre bons diretores que sobre os grandes mestres. Por mais que os elogiemos sempre fica faltando alguma coisa a destacar. David Lean foi um mestre. Basta dizer que Steven Spielberg é seu discípulo/fã. Nenhum diretor inglês chega perto de sua quantidade de prêmios.
   Ele fazia um tipo de cinema que não mais pode ser feito. Um filme "de luxo", que levava quatro, cinco anos em produção, centenas de técnicos/artistas, meses em locação, meses em edição. Um tipo de filme que gente digna como Paul Thomas Anderson luta por fazer, e é boicotado. Filmes que não são de kinoplex e nem de festivais de cinema. Muito complexos e exigentes para adolescentes barulhentos, e muito bem feitos e bem escritos, profissionais, para os festivais. David Lean tinha o mesmo público de Kurosawa ou de Kubrick, o cinema adulto perfeccionista.
   Este filme é baseado num belo romance de E.M.Forster. Autor central da Inglaterra dos começos do século XX. Lean fez o roteiro e a edição do filme. E dirigiu a seu modo. E como é esse modo? Sem frenesi. Ele faz filmes de ação, de diálogos, de movimento, mas não sacrifica a estética a isso. Ele interrompe a ação para mostrar um rio, uma montanha, o sol. E mostra em seu explendor completo, sem pressa. Os filmes de Lean costumam ter as mais belas cenas do cinema. Este lhe faz justiça. Há cenas que chegam a estontear. Como exemplo, as várias cenas do trem. Há uma em que o trem passa sobre uma ponte no fim de tarde que beira o milagroso. Mas o filme é 100% belíssimo, todas as cenas são maravilhas de cor, de composição e de luz. A India nunca foi tão mágica e rica.
   E o tema do filme é esse. O contraste da sensualidade indiana com a rigidez inglesa. Lean nunca morreu de amores pela metrópole britãnica. Aqui acompanhamos uma jovem inglesa, sedenta por aventuras, que vai à India encontrar o noivo. O que ela lá encontra é uma comunidade de ingleses que jamais se mistura aos indianos. Ela encontra uma Inglaterra quente e úmida, apenas isso. Mas sua amiga mais velha trava contato com um médico indiano e isso irá ter sérias consequencias. Mais não conto, o que adianto é que não se trata de um caso de amor. O filme é sobre a força da India, seu excesso de cor, de vida, de sensualidade, em oposição a frieza enfadonha dos ingleses. Flores, folhas, bichos e principalmente as pessoas vão lentamente enlouquecendo os europeus. Esse é o tema. Vasto como o país.
  David Lean tem o dom de saber conduzir atores. Judy Davis, que em seguida estaria excelente com Woody Allen, faz a moça. Impressiona o olhar de curiosidade e depois de terror que ela nos dá. Grande atriz australiana, a confusão em que ela se enfia poderia ser uma armadilha para uma atriz banal. Para ela é um triunfo. Mas há ainda a maior atriz da história do teatro inglês, Peggy Ashcroft. Como a velha senhora que entende aquilo que a India significa, ela domina todo o filme. A cena de sua morte no mar é inesquecível. Como é inesquecível Victor Banerjee, o médico indiano. Modesto, de bom coração, tudo o que ele deseja é agradar seus amigos ingleses. Comove sua pureza, sua alegria simples, a forma como ele se afoba em tentar agradar. E a transformação que lhe cabe, a dolorosa maneira como ele toma consciência de si-mesmo. Uma atuação histórica. Alec Guiness faz um filósofo hindú e James Fox é um professor inglês que gosta do país. Fox poderia ter sido uma grande estrela, mas pirou ao filmar "Performance" com Mick Jagger e ficou dez anos "perdido" na India. Este filme é seu "retorno". Belo retorno.
   Tenho pena de uma geração que não tem os filmes de David Lean. Uma geração que só conhece filmes mutio idiotas ou muito cabeça. Filmes muito ricos e vazios, ou muito complexos e... vazios. Asssistir Lean é exatamente como ler um grande livro. Voce cresce se distraindo, aprende se divertindo e principalemte se extasia. As cenas do filme não saem da cabeça, a beleza é grande demais.
   Em 1984 este filme concorreu a 8 Oscars e venceu dois. Trilha sonora de Maurice Jarre e coadjuvante feminina para Peggy Ashcroft. Era o ano de "Amadeus" que o atropelou. Cá entre nós: eu adoro Amadeus, mas este é melhor.