Betty Comden e Adolph Green escreviam filmes. Escreviam bem. Para demonstrar que Fred Astaire faz aqui um ator em decadência, nada de se mostrar uma notícia, nada de voz em off, nada de Fred andando sózinho pela rua; a primeira cena do filme é de um leilão de objetos hollywoodianos em que a cartola e a bengala de Fred Astaire não recebem um só lance. Em seguida dois executivos em viagem de trem comentam por onde andará Fred. Ele está na cabine, lendo jornal e os escutando. Tudo é demonstrado de forma simples, leve e sem forçar. Habilidade e elegância dos escritores.
As três primeiras cenas do filme já são do mais alto requinte, sofisticadas em sua pureza, em sua concisão, na habilidade de dizer muito com um mínimo de meios. Fred desce do trem e encontra seus amigos. Mas antes cantarola By Myself, e então, após o encontro, anda pela avenida cheia de gente, cores e brinquedos. Vem um número de dança com um engraxate negro. O público está ganho, The Band Wagon ( A Roda da Fortuna ) é uma festa.
O roteiro trata desse ator velho e esquecido, que é convidado por seus amigos, um casal de roteiristas de teatro, a estrelar sua nova produção. Para esse show eles convidam o melhor diretor da Broadway e uma bailarina clássica. O filme irá satirizar diretores que se acham gênios e defender a arte para as massas, o musical.
Cada cena é uma explosão de cor e de bons diálogos. Vemos os ensaios desastrosos ( o diretor teima em transformar tudo em Fausto de Goethe ), as reuniões com os patrocinadores, a estréia trágica e a aproximação de Fred e da bailarina. Todas essas cenas são sem música, e aqui explico pela enésima vez como se aprecia uma cena de musical ( quando ela é bem feita ).
Fred leva Cyd Charisse para um passeio no Central Park. É noite e casais dançam. Os dois caminham sem falar e sem se tocar. A música entra e Fred arrisca dois passos, Cyd tenta mais dois... e então eles começam a dançar. Por que? Pra que?
Cenas como essa demonstram o tipo de sensibilidade que se perdeu no cinema popular. As pessoas entendiam imediatamente que todo movimento de dança era a simbolização daquilo que acontecia no interior da pessoa, era o desejo explícitando-se e se fazendo exterior. Quando a música tem letra e se faz canção, tudo o que é dito demonstra o diálogo poético e direto de duas almas que se tocam. A música é desse modo a verdade mais verdadeira da vida. Nunca é mera fantasia, é a realidade interna da história narrada. Isso em bons musicais, nos ruins a música é arbitrária e nada conta.
Toda a parte final do filme é em música. A cena dos Triplets é das coisas mais perfeitas e divertidas já feitas em filme. A letra se encadeando no humor da situação, e os três atores atuando com o máximo de prazer. ( Outro segredo de musicais: os atores têm de estar no limite todo o tempo. ) Mas é a cena que brinca com os contos "pulp" policiais que se tornou uma das mais famosas do cinema.
Fred faz um detetive e tenta desvendar um crime. Tudo isso faz parte do novo show montado dentro do filme. Cyd Charisse, famosa por ter as pernas mais bonitas do cinema, é a mulher fatal. Ela abre a capa e exibe seu vestido vermelho. Para mim, uma das mais belas cenas da história. Se algum ser-humano quiser saber em profundidade o que é "jazz", basta assistir esta cena. Se um marciano quiser saber o que os seres-humanos fazem de melhor, que veja este filme.
Não falarei sobre Astaire. Nem sobre Minelli, o diretor. Direi que no elenco há Jack Buchanan, como o diretor egocentrico, e que Buchanan foi um grande entertainer do West End londrino em seu auge. As músicas, nenhuma menos que ótima, algumas de gênio, são de Howard Dietz e Arthur Schwartz. Dancin in the Dark e That's Entertainment bastam para demonstrar seu alcance.
Assistir um filme como este é um prazer. Um presente dado a si-mesmo. Assiti-o a primeira vez na TV Manchete, em 1990, numa madrugada de sábado muito deprimente. Quando o filme terminou eu estava completamente de bem com a vida. Isso é magia, isso é um musical.
As três primeiras cenas do filme já são do mais alto requinte, sofisticadas em sua pureza, em sua concisão, na habilidade de dizer muito com um mínimo de meios. Fred desce do trem e encontra seus amigos. Mas antes cantarola By Myself, e então, após o encontro, anda pela avenida cheia de gente, cores e brinquedos. Vem um número de dança com um engraxate negro. O público está ganho, The Band Wagon ( A Roda da Fortuna ) é uma festa.
O roteiro trata desse ator velho e esquecido, que é convidado por seus amigos, um casal de roteiristas de teatro, a estrelar sua nova produção. Para esse show eles convidam o melhor diretor da Broadway e uma bailarina clássica. O filme irá satirizar diretores que se acham gênios e defender a arte para as massas, o musical.
Cada cena é uma explosão de cor e de bons diálogos. Vemos os ensaios desastrosos ( o diretor teima em transformar tudo em Fausto de Goethe ), as reuniões com os patrocinadores, a estréia trágica e a aproximação de Fred e da bailarina. Todas essas cenas são sem música, e aqui explico pela enésima vez como se aprecia uma cena de musical ( quando ela é bem feita ).
Fred leva Cyd Charisse para um passeio no Central Park. É noite e casais dançam. Os dois caminham sem falar e sem se tocar. A música entra e Fred arrisca dois passos, Cyd tenta mais dois... e então eles começam a dançar. Por que? Pra que?
Cenas como essa demonstram o tipo de sensibilidade que se perdeu no cinema popular. As pessoas entendiam imediatamente que todo movimento de dança era a simbolização daquilo que acontecia no interior da pessoa, era o desejo explícitando-se e se fazendo exterior. Quando a música tem letra e se faz canção, tudo o que é dito demonstra o diálogo poético e direto de duas almas que se tocam. A música é desse modo a verdade mais verdadeira da vida. Nunca é mera fantasia, é a realidade interna da história narrada. Isso em bons musicais, nos ruins a música é arbitrária e nada conta.
Toda a parte final do filme é em música. A cena dos Triplets é das coisas mais perfeitas e divertidas já feitas em filme. A letra se encadeando no humor da situação, e os três atores atuando com o máximo de prazer. ( Outro segredo de musicais: os atores têm de estar no limite todo o tempo. ) Mas é a cena que brinca com os contos "pulp" policiais que se tornou uma das mais famosas do cinema.
Fred faz um detetive e tenta desvendar um crime. Tudo isso faz parte do novo show montado dentro do filme. Cyd Charisse, famosa por ter as pernas mais bonitas do cinema, é a mulher fatal. Ela abre a capa e exibe seu vestido vermelho. Para mim, uma das mais belas cenas da história. Se algum ser-humano quiser saber em profundidade o que é "jazz", basta assistir esta cena. Se um marciano quiser saber o que os seres-humanos fazem de melhor, que veja este filme.
Não falarei sobre Astaire. Nem sobre Minelli, o diretor. Direi que no elenco há Jack Buchanan, como o diretor egocentrico, e que Buchanan foi um grande entertainer do West End londrino em seu auge. As músicas, nenhuma menos que ótima, algumas de gênio, são de Howard Dietz e Arthur Schwartz. Dancin in the Dark e That's Entertainment bastam para demonstrar seu alcance.
Assistir um filme como este é um prazer. Um presente dado a si-mesmo. Assiti-o a primeira vez na TV Manchete, em 1990, numa madrugada de sábado muito deprimente. Quando o filme terminou eu estava completamente de bem com a vida. Isso é magia, isso é um musical.