CLAPTON IS GOD, HOJE

   Em 1964, cool era gostar dos Yardbirds, e grafitar nos muros de Londres "Clapton is God" era ato "in". Groovy baby, yeah! Os Beatles já eram, a onda era o blues inglês.
   Pra voce ter uma ideia, o que Clapton (e Mayall, Jeff Beck, Peter Green e Van Morrison ) fez é mais ou menos como se hoje aparecesse um portuga cantando música caipira de raiz ( ou samba tipo Elton Medeiros ) nos mostrando o quanto estávamos perdendo em não os valorizar. Porque a América em 1964 só queria saber de caras branquelos e bonitinhos, tipo Pat Boone ou Ricky Nelson. E de ingleses, tipo Beatles, que eram branquelos e arrumadinhos. O povo sexy preferia Stones, Animals, Them, e os Yardbirds. Eric Clapton, que hoje estará ao lado da minha casa, no Brasil-Morumbi, 2011, estava lá.
   Mas ele sempre foi um "puro". E a prova disso é que ele saiu dos Yardbirds quando a banda estourou. Na época ainda havia esse idealismo. Eric saiu porque a banda se vendeu. Jeff Beck assumiu seu posto e psicodelizou o som. Eric se juntou ao "puro" John Mayall e gravou os Bluesbreakers.
   Em 1966 ele começou a pirar. Heroina e ácido na cabeça, busca por sentido, e o sentido era uma nova sociedade. Sim meu povo, se acreditava ser possível mudar o mundo, derrotar o capitalismo, um mundo onde todo mundo fosse "doidão e irmão, man!" Surgiu o Cream.
   Um novo conceito: o supergrupo. O melhor baixista, com o melhor baterista e o melhor guitarrista. E ainda um poeta de vanguarda como letrista ( Peter Brown ). Esqueceram de chamar um cantor. Mas ok. Se o Cream é responsável pela egotrip que invadiu o rock forever, nos singles eles foram uma banda excelente. E o lp Wheels of Fire é nota dez. Em estúdio eles se continham, faziam músicas de 3 ou 4 minutos. Pop psicodélico. Ginger Baker era um baterista muito original, tocava como se sua batera fosse um tambor africano, Bruce era um baixista muito jazzy e havia Clapton. Que estará aqui ao lado, hoje. E desde sempre seu toque sempre foi fino, suave, cool. Os dedos de Eric são leves, femininos.
   Eric compôs então os dois riffs que mais grudaram em minha mente desde sempre. Me pego faz trinta anos andando pela rua e sem perceber cantarolando "Sunshine of your Love" e "Badge". O riff de Sunshine é avô de todo riff de hard-rock e o solo de Badge é plagiado por N grupos desde então. Mas, sempre um "puro", Clapton sai do Cream quando vê que não tem nada a fazer lá. Num daqueles solos free, num palco dos USA, ele pára de tocar e percebe que Jack e Ginger nem percebem. Its all over now.
   Toca então com Beatles, com Stones, com Steve Winwood e muuuuito doidão, vai ao sul dos USA para se afastar dos malucos de Londres. Que erro! Toca com os estradeiros Delaney e Bonnie, um grupo de hippies radicais, do tipo que vê Jesus Cristo em cactus do deserto. Grava Layla com Duanne Allman, pra mim, um lp que é o melhor e mais desesperado retrato do amor terminal. E estradeiro até as botas sem sola. Isso porque Eric estava amando a esposa de seu best friend: George Harrison, e ela optou por George ( e depois iria para Eric... ). Então Layla sai ao mundo e Eric quase morre. Em 1971 ele era considerado mais junk que Keith Richards.
   Volta em 1974, falando que Steve Wonder é Deus e que a heroina já era. É o Eric que conhecemos até hoje, relax, bom astral, pop adulto, meio The Band meio Steely Dan. O que a gente não sabia é que ele adorava um bourbon, na verdade litros e litros.
   Amigão. Sempre um "puro", torna-se cumpadi de Dylan, Ron Wood, The Band, e volta às boas com Harrison ( espiritos superiores, sem dúvida ). Grava com todos eles e ajuda a popularizar gente como Bob Marley e J J Cale. Pára com a bebida e perde um filho. Mas quem o viu na belíssima homenagem à George Harrison sabe que Eric é a imagem da paz. É dos poucos caras do rock que dá vontade de conversar sobre amor e dor.
   Daqui a pouco esse cara puro vai estar aqui ao lado. Um senhor que conviveu com Lennon, Brian Jones, Hendrix e Harrison. Talvez o único gigante do rock sobre quem ninguém nunca falou mal. Clapton não é God, claro. Mas ele ficaria muito bem como o arcanjo Gabriel da guitarra.