SER ATOR- LAURENCE OLIVIER ( UMA VIDA DE SORTE )

Laurence Olivier, de certo modo, mudou minha vida. Como aconteceu com várias outras pessoas, foi assistindo seu filme Hamlet que comecei a pressentir a grandeza de Shakespeare ( e consequentemente a presença da poesia como rastro da magnânima presença do Homem ). Neste livro, que não é uma bio mas sim um comentário sobre a arte de ser ator, Olivier explica, dentre outras coisas, como ele tentou traduzir a poesia do bardo em imagens de cinema. As brumas, a câmera rodopiante, as sombras e o foco cambiável. Foram essas imagens, fortemente cinematográficas, que me despertaram.
Olivier foi um gigante. Quem o viu no palco jamais esqueceu. Recordo as entusiásticas narrações de Antonio Candido, de Paulo Francis, de Fernanda Montenegro. Noites em teatro que são lembradas décadas mais tarde. Momentos de iluminação. O livro começa com a história dos atores que fizeram a glória de Shakespeare. Kean, Garrick, e já na era contemporânea a tríade Gielgud, Richardson e Olivier. Laurence confessa sua admiração por John Barrymore e Ronald Colman e suas dificuldades no cinema ( provocadas por seu esnobismo. Cinema para ele não era arte. Isso até conhecer William Wyler, que mudou seu conceito para sempre. )
Os grandes papéis de Shakespeare são analisados. Olivier ama Hamlet, adora Ricardo III, mas confessa jamais ter feito um Otelo satisfatório. Para os que adoram Shakespeare, é meu caso, são depoimentos deliciosos. Aliás, o livro inteiro, leve como uma conversa, é um prazer.
A primeira vez que vi Olivier foi na entrega do Oscar de 1979. Ele recebeu mais uma homenagem e fiquei impressionado com a emoção flagrante no rosto dos seus colegas. Não era comum que alguém fosse aplaudido de pé. Esse ato ainda tinha valor. E eu via aquele senhor tão famoso, sempre chamado de "melhor ator do século" e não conseguia perceber onde estava a tal grandeza. Me parecia que Paul Newman e Peter O'Toole eram bem maiores. Precisei esperar dez anos para ver Hamlet na TV-Hamlet e sentir o segredo.
Há uma previsão que Olivier erra por muito. Ele diz que por ser um veículo visualmente pobre, o futuro da tv seria o diálogo. Ele acreditava que programas de tv seriam diálogos brilhantes...Mas prevê que o cinema seria um tipo de experiência visual sem diálogos ou enredos críveis. É um otimista. Ele espera novos Oliviers. Novos Gielguds, novos Richardsons, Redgrave, Finney, Rodgers.... Aliás, a escalação de seu grupo teatral dos anos 60 é de sonho: Albert Finney, Peter O'Toole, Maggie Smith, Derek Jacobi, Anthony Hopkins, Alan Bates e Joan Plowright.
Com atores como esses Shakespeare não poderia estar mais vivo.
Postei acima a entrega do prêmio honorário a Olivier. É um prazer glorioso ouvir Larry falar. Os erres e as vogais ditas com absoluta clareza. Podemos quase comer o som. E é frustrante observar como o Oscar hoje parece vulgar, caranvalesco, burro. Laurence Olivier tem tempo para falar, Cary Grant tem calma para fazer a apresentação e o público pode reverenciar um gênio em vida. Deguste.