JOHN DONNE E O DIABO DA TASMÂNIA

Concordo com John Donne. Mais que isso, sinto na carne e no osso aquilo que ele diz. Cada ser que morre na Terra é parte de mim que morre junto. Falo ainda, há uma agoniante sensação de pobreza e de fracasso quando sabemos que um componente do teatro terrestre pode estar se indo. Para sempre.
Vida interior é alma. Vidas externas que se refletem dentro de mim mesmo. Elas dançam e repercutem em meu interior e se fazem componente desse eu. Quando um desses eus deixa de existir é meu eu que morre. Um pouco, e muito.
O encanto do filme de Woody Allen é o de se ver um homem que por amar outros seres fora de si-mesmo, ama a vida e amando a vida ama Paris e o mundo. Disso bem entendo, pois sei, muito, o que é amar Londres por Thackeray ou Ferry, Paris por Proust e Gauguin e o sul dos EUA pelo jazz e pelo blues.
Só que mais forte é amar a Serra do Mar por seus micos e seu verde sombrio, é amar a Austrália pelos dingos e pelos cangurús. E se os tigres estão por um fio, se o mar deixará de ter golfinhos, é evidente que a vida, nossa vida, será de um vazio abissal. O homem que ama Tokyo porque Tokyo tem aparelhinhos e luzes não percebe que ele ama coisas mortas. E hoje se ama Nova Iorque e Amsterdam por coisas sem vida. Não por Cole Porter ou Rembrandt.
O Diabo da Tasmania está se indo. Um fungo que se torna cancer facial destrói a espécie. Inteira. Quando ele estiver vivo apenas em memória de tolos como eu, saiba, e tenha a certeza, de que a Vida neste planeta estará ainda mais pobre e mais futil. Porque voce e eu somos ele também.
John Donne sabia.