NESTE MUNDO E NO OUTRO- MICHAEL POWELL ( DIRETOR CULTUADO POR DE PALMA, SCORSESE E COPPOLLA...E POR MIM. )

Um dos maiores prazeres de um cinéfilo é ver os filmes de Michael Powell. Com Hitchcock é ele o melhor diretor que a Inglaterra já teve ( David Lean e Carol Reed vêm atrás ). O que mais impressiona em Powell é seu arrojo. Todos os seus filmes são originais, diferentes, arriscados. Ele nunca é hermético, nada tem de intelectual, mas Powell corre riscos, chega perto do grotesco, tange o mal gosto, e sempre vence. É um gênio. Dos cinco maiores que o cinema já possuiu.
Do que trata este filme? De guerra, amor, morte, responsabilidade, das relações entre EUA e Inglaterra, de heroísmo e de ilusão. Ele começa com imagens do espaço sideral ( a foto, deslumbrante, é de outro gênio: Jack Cardiff ), e chega a Terra e então a Inglaterra, em meio a segunda guerra. Um avião está caindo e seu piloto se despede da vida. Mas há um erro e o além se esquece de levar sua alma para o céu. Em cena belíssima, ele acorda na praia e pensa estar morto. Mas não, sobreviveu a sua queda. Na sequencia ele se apaixona por americana, tem seu cérebro operado e recebe visitas de enviado do além que faz o tempo parar. Parece comédia? Pois não é. Parece melodrama? Nunca é. Filme pra chorar? Jamais. Não tem uma única cena feita para as lágrimas. O que é então? Poesia. O cinema de Powell é sempre profundamente poético, não no sentido de "belo" ou de "emocionante", mas sim no sentido de simbólico/sublime/imenso.
Perto do final há um julgamento no céu. Serve para vermos se ele deverá morrer ou permanecer vivo. E o que assistimos é a um surpreendente julgamento da nação inglesa. Irlandeses, Sul-africanos, americanos e russos julgam esse inglês e julgam seu país. É um momento breve, e tremendamente arriscado.
Várias vezes durante o filme me peguei sentindo o mesmo tipo de coisa que sinto ao ver os melhores desenhos feitos hoje. Por que? Porque Powell não teme nunca parecer ingênuo, tolo, infantil. Como ocorre com esses desenhos, ele não tem compromisso algum com o mundo adulto, com parecer adulto, ser artístico ou engajado. Powell filma aquilo que deseja, aquilo que quer dizer e jamais faz concessões ao que seria elevado ou comercial. O fácil não existe para ele.
Quem assistir este filme esperando uma bela história de amor ou um filme sobre almas do além estará comprando gato por lebre. O filme não se parece com nada que voce viu antes. E mais surpreendente: é deliciosamente popular.
Enumerar as Obras-Primas deste diretor é enumerar mais de dez filmes. O que posso dizer é que em 1960 ele destruiu sua carreira ao fazer o filme mais neurótico que já vi: Peeping Tom, filme sobre voyeur assassino que estava vinte anos além de seu tempo. Mas ele ainda conseguiu fazer em 1968 um de meus filmes favoritos: A Idade da Reflexão, possivelmente o filme mais feliz que já vi. Esquecido por toda a década de 60/70, Powell viveu para se ver reabilitado em 1980, graças as homenagens dos diretores citados acima. Casou-se então com a montadora dos filmes de Scorsese e foi premiado em Veneza. Morreu em 1988, aos 82 anos. Feliz.
Para quem dirigiu filmes como: OS CONTOS DE HOFFMAN, CORONEL BLIMP, OS SAPATINHOS VERMELHOS, NARCISO NEGRO e tantos mais, sua vida foi retrato fiel do mundo que retratou.
Michael Powell foi um poeta no cinema. Ele não narrava histórias. Fazia poesia. Como ele, ninguém mais.