ALGUÉM AINDA OUVE MÚSICA? ( A CRISE ANUNCIADA )

Tem muita gente reclamando: "Ninguém mais escuta um cd inteiro!" Acho que esse povo não sabe o que diz. A molecada deixou de escutar uma música inteira! E qual a novidade? A novidade é a tal da sensação. Vamos por partes....
Primeiro: Elvis não gravava lps. O que ele fazia era juntar um monte de singles e lançar um album. Os fãs ouviam tudo, mas o povão comum queria só os hits. Mesma coisa com Sinatra, Pat Boone ou Chuck Berry. Lp como obra integrada foi coisa artificial criada por Bob Dylan em 1965 com Blonde on Blonde. Vaidade talvez. Mas voce tinha de ouvir os 4 lados do disco duplo para "entender" a mensagem. Logo, todo mundo começou a deixar o single de lado e a pensar em lps. Foi a época mais egotrip da história do pop. Mas deve ter sido muito bom pra eles...
Na era da disco music ( 76/78), o single voltou com tudo, mas os anos 80 ainda são tempo de lps. U2, Prince ou REM pensavam sua música em termos de "encadeamento de faixas". A tecnologia e o culto da sensação mataram isso.
Quando em 1964, Kinks, Yardbirds ou Them lançavam singles e se concentravam só em singles era porque os fãs não tinham dinheiro para comprar lps. Mais: eles se pensavam como moleques fazedores de riffs. Jamais como artistas. Quando o Led Zeppelin lança Physical Graffitti em 1975, eles se enxergam como "mestres" de seu som. Possuem uma mensagem e seus seguidores ansiam por mais e mais e mais. Nesse onze anos ( 64/75), a tecnologia acompanha a ambição, o sentido é de menos para mais, mais ego e mais liberdade de ousar ( mesmo que isso signifique mais chatura, vide Yes ou Gentle Giant ).
Entre 2000/2011, o sentido é inverso, a tecnologia dirige tudo ao rumo do mais para o menos, menos expansão e menos atenção. É a tal cultura da sensação. Explico.
Seja música, seja cinema, o que se procura agora é uma sensação e não uma emoção. Emoção requer preparação e tempo, desenvolvimento de climas e de expectativas, já a emoção vem e vai com rapidez, não necessita tempo, elaboração, e nada deixa de resto. É inofensiva. Esse modo "novo" de usufruir a "arte" é o que faz a glória de filmes como Cisne Negro ( uma coleção de sensações fortes sem sentido nenhum ). E é isso que faz com que a molecada ouça um mesmo riff por todo o tempo. Porque hoje não se escuta nem sequer um single, não se deixou de ouvir apenas um lp inteiro, se deixou de escutar uma canção inteira, ou de se ter paciência para os tempos aparentemente mortos de um filme.
Com seus mp a molecada ouve batidas que se repetem indefinidamente e a graça é sua repetição. Em um minuto a música tem de se resolver e voltar a seu riff original. E é isso: uma constante mudança de faixas que levam sempre à mesma faixa.
Deve ter sido realmente bom fazer lps em 1975 e ter suas dezenove faixas escutadas uma por uma com total idolatria. Eu escutei Physical Graffiti inteiro durante dois meses todos os dias. Mas hoje, quando pego um disco para ouvir me vejo enervado e logo pulando faixa por faixa....
Uma banda jovem hoje tem seu ganha pão nos palcos e só nos palcos. Shows que na verdade são grandes pretextos para azaração e pulação ( alguém ouve com atenção? ). Duvido muito que alguma delas pense em termos de arranjos, encadeamento de faixas ou design de album. Essa época de semi-deuses passou e jamais irá voltar. Gravam-se 3 faixas de trabalho e o resto é enganação. Mais que isso: faz-se uma faixa de clip e as outras duas são mix.
Um momento de choque, de rápida e breve sensação, que se repete ao infinito. A arte hoje é isso.