WILLIAM BUTLER YEATS ( EM TEMPOS DE LAMA E DE GOTAS DE CHUVA )

...e nada vem como despreparo e tudo é um anúncio que é urdido ao mesmo tempo do que se foi antes. Ouço a voz de William Butler Yeats e vejo a pedra de sua tumba ao lado de sua esposa tardia. Cruz de São Patricio e entardecer celta e pedras sobre um verde que nunca se abala. Quando voce for velha eu já terei sido pó e minha passagem estará perdida? Nesta tela sem verde e sem frio e sem vela eu vejo a pedra onde se escreve o nome, William Butler Yeats. E sua voz lê, agora e ontem, Velejando a Bizâncio. Eu velejo. Para sempre.
Máscaras e Budas e Islã e ruínas de Portugal. O Japão é outra vez testado ( quantas mais? ) e outra vez se absorve em si para renascer em círculo infindo. Cantos de aborígenes, passos de hindus, o que me leva são os ilhados em terra e livres, sempre, em si. William Butler Yeats é meu xamã e surge, infalivelmente nas encruzilhadas de minha velejada. Quando a água escorre e a lama traz a promessa de um Adão. Renascer.
A vida é reta, eu desconheço seu circulo, mas isso não impede que eu lute por me encircular. Seios são redondos. Nada reto nos pode seduzir com suavidade. Serei mais virtuoso? Careço de coragem, de doçura, de gentileza. Mas sou fiel, sou devoto do amor e sei o justo preço do humor. E a compaixão é o emblema que trago em meu escudo. Compaixão ao que sofre e se vai.
Um animal morto sou eu que me morro ( é isso que os janistas crêem, pasmem, eu sempre senti-me assim ), um cão abandonado sou eu que me abandono-me. Quando o tigre sumir sou eu que me sumirei. E cada árvore morta eu morto estou mais um pouco. ( E cada nascimento eu nasço outra vez ). William Butler Yeats anuncia-me, anunciou-me, guarda-me, cantará.
Aborigenes pensam que o mundo foi criado em cantos. Que para uma pedra ou um pássaro existir ele precisa ser cantado. Assim, eles andam pelo deserto sem se perder, pois eles ouvem e sabem a canção de cada rastro, de cada monte, de cada réptil. E cada um deles é responsável pelo seu canto, canto que dá vida e mantém a vida de cada coisa e bicho. E eu te digo: O que esta atual civilização criou que se compare a riquesa dessa crença? Pois no ser que canta uma pedra e que se faz responsável por essa pedra e assim responsável por todos aqueles que cantam essa mesma pedra, eu digo, esse aborigene prescende de policia, de psiquiatra, de juiz e de bordel. Ele existe com seu meio e não apesar de seu meio.
William Butler Yeats foi o primeiro a me iniciar. E eu só com ele percebi que o que parece ser normalmente não é e o que nada anuncia pode ser tudo o que voce pergunta. Nuvens alardeiam seu relâmpago, mas existem algumas que apenas chovem. Nossa civilização é a do relâmpago. Eu amo a Irlanda, o Japão e Portugal. E mesmo os lusitanos vivem numa ilha. Três países sempre próximos do fim, de imigrantes e de fome e de sonho. Contidos, voltados para dentro do âmago, pedregosos e de solo ruim, calados no matraqueio do mundo. Ilhados como beduinos e como ciganos estão.
Na manhã em que me desviei do caminho à escola e penetrei na trilha de meus cantos secretos, onde lama e ratos viviam com meus livros de páginas amareladas, nas noites em que iluminava o nada com uma vela e me cegava com versos, nas tardes de música e de amor dado para ninguém e por isso para tudo, eu digo, quando meus pés conheceram as pegadas que me eram dadas, eu desentendi a reta e me afastei da roda. E então toda a mente podia ser uma formiga andando a minha frente. Pensei-me louco, criado em iluminismo pensei-me mal. William Butler Yeats de sua ilha fez-me ver inteiro. Por mais ruins e banais que minhas imagens sejam, eu trilho a trilha dele e deles todos antes. Questão de grau, de talento, mas a ilha é aquela também.
O mundo gira, o eixo fica. As ilhas permanecem.