HERMES E AFINS

O homem só pode criar aquilo que já estava em sua mente. Parece um pensamento fácil, mas pense bem: o que vemos é aquilo que já, e desde sempre, estava em nós. Portanto, é impossível ao homem apreender a realidade. Porque só percebemos o que nossa mente consegue ver/entender/criar. Realidade e irrealidade são conceitos que não fazem sentido.
Criamos palavras para dar vida a coisas. E só o que tem um nome é por nós percebido. Mas no momento em que mesmo as palavras perdem seu motivo primal, em que até elas deixam de significar, toda a vida começa a se tornar sem sentido.
Mulher passa em praça etíope. Ela chora e sente fome. Ela sofre de forma total e irrecuperável. Vendo aquela mulher eu a percebo como parte daquela situação. Por detrás de seu sofrimento há toda uma história. Na sombra de seus ossos moram seus companheiros de dor, sua origem, seu terror, seus cantos e sua crença. Agora. Mulher passa em rua de Veneza. Ela usa óculos escuros e um casaco Prada. Em seu caminhar eu nada vejo. Ela não possui história. Nada significa, a não ser uma imagem/sombra que anda e desaparece. Apesar de não sofrer como a etíope ( será? ), ela é um ser de absoluta solidão. Para ela nada pertence, e ela a nada se dá. As ruas de Veneza são indiferentes a sua passagem.
É tudo uma crença. Voce cria aquilo em que acreditar. O problema é quando não se acredita na vida. O inconsciente cria sem parar, cria independente de tempo ou de espaço. Ele prepara o mundo e cria a vida. Nele mora aquilo que chamamos de Deus. Mas há mais:
Todo arquétipo vive nele e arquétipo é Deus. Deuses que tememos olhar, todos eles, de todos os tempos, alguns sem nome. De Dionisio a Odin, de Xangô a Krishna, milhões de seres que criam a terra, que criam a história e que influenciam a vida de todos, criando acidentes, lembranças, sinais. Símbolos que simbolizam aquilo que faz a vida. Símbolos que são tudo aquilo inominado. Deuses que são imortais, que sempre estão presentes, que nos guiam. Saber falar com eles, entender suas mensagens, eis o que é a vida plena.
Nossa vida não é nossa. Nossa mente não é nossa. O que eu sou não sou eu ( tudo o que tento controlar é minha máscara, raiz de minha doença e de minha cegueira ). Porque eu sinto, quando tenho a coragem de me isolar do mundo, ou quando estou tomado pelo amor profundo, ou pelo mais violento ódio, eu sinto que há algo sem nome em mim, algo que vive em meus joelhos, que pensa em meu fígado, que respira pelos meus pés. Eu sinto que há uma vida fora de mim, me cercando, me sussurrando, muda, incompreensível. Sinto que esse eu não é Paulo e não é Tony. Nem homem ele é. Rio que flui, raio que brilha ou pássaro que pousa. Sinto que esse ser é o que é. Inominável. E que ele pode me matar, me enlouquecer, ou dar sentido a vida.
Cada um de nós deve fechar-se em seu abrigo. E mergulhar nesse rio. Porque para salvar o mundo é preciso salvar voce. Individualismo? Cada rio é rio que pertence ao mundo. Iluminar esse rio é iluminar o mundo.
O Oriente ( India e China ) sairá de seu mundo passivo/interior/feminino e se descobrirá ativo. Cabe ao Ocidente a sabedoria de sair de cena e retornar a sua vida passiva/feminina/interior. É preciso que o Oriente se ative e que o Ocidente se recolha em sí. Os símbolos do ocidente precisam ser iluminados.
No Novo México existe um povo ( ainda hoje ) chamado "Pueblo". O chefe diz que os brancos não deveriam acabar com eles. Pois são eles que fazem o sol nascer. Toda manhã eles ajudam o sol a se erguer. Quando eles se forem, será sempre noite. O que pensar? Pode haver povo mais feliz que um povo que crê ser responsável pelo sol? Somos responsáveis por alguma coisa natural? E mais: um povo que acredita ser forte como o sol, que se une ao sol todo dia, que se pensa como um igual ao sol, torna-se ele mesmo, sol.
Sincronicamente captamos no rio do inconsciente mensagens que unem pessoas afim. E de repente me pego falando aquilo que voce queria dizer. E um artista-poeta consegue ser voz de todo um grupo disperso. E vorazes homens de aço começam a devorar o mundo ao mesmo tempo. E eu encontro voce e ouço sua voz e já te conheço. E falo o que voce fala e ouço o que eu queria ouvir. Pegamos do rio a mesma coisa, eu e voce. Alguns pegam a morte, outros a dor. A maioria nem sabe que o rio existe.
Sabendo ou não sabendo, chamando-o ou não, Deus está lá.
Sua ânsia é ansia de rio. Voce se droga para tentar chegar lá. Voce vai a igreja para tentar chegar lá. Pula em baladas futeis, grita em show de rock, paga terapias, engole pilulas. Voce tenta encontar voce. Tenta ver Apolo ou Eros ou Jesus. Não sabe que voce não é, pois na verdade voce está.
Agora, enquanto escrevo isto, sou um velho de 99 anos da Mongólia. Uma hora atrás eu fui um Bem-Te-Vi numa árvore. E acordei cachorro hoje. E saiba, se quando voce me ver eu estiver Tony Roxy ou Paulo Mané... não sou eu, é a persona que criei.
Há tanta coisa pra aprender......