Era sábado e eu e meu irmão fomos ao Museu do Disco, no Iguatemi. Ficava no primeiro andar, hoje é uma loja de bolsas. Tentava se diferenciar da Hi Fi tendo mais importados e alternativos. Bem... então nós fomos lá andando pela Faria Lima, sete da noite, calor, rua muuuito tranquila. No Cal Center tinha três cinemas e se jogava fliperama.
Entramos no Museu e o vendedor veio logo nos indicar uns importados. Era final de 1980. Mostrou Gang of Four, B'52's, Jam e Blondie. Lembro que ele dizia que os discos eram fudidissimos!!!! Meu irmão acabou pegando um extended play do Clash. EP era um formato menor que o LP. Esse disco era feito de dubs, dubs eram faixas de reggae remixadas. Lembro que meus amigos babavam por aquele disco. Longas faixas de baixo e bateria com eco, teclados espaciais, efeitos de estúdio. Uma obra-prima. Se hoje voce tocar ele numa festa, em pleno 2010, neguinho ainda sai dançando.
A grana só dava pra esse importado ( um importado custava cinco nacionais ). Olhamos os lançamentos da WEA e acabamos experimentando Ramones e Pretenders. End of The Century era o disco dos americanos. Phil Spector na produção. Passei ele para uma fita e o ouvia no carro voltando do Objetivo. Recordo que escutando Let's Go fiquei tão chapado que cruzei uma travessa sem olhar e bati o carro numa Kombi. Perda total. O cara da Kombi chegou a ir em casa me ameaçar de morte !!!!
Eu nunca havia escutado Pretenders. Mas na Playboy Ezequiel Neves falava bem da banda. Contava que Chrissie Hynde fora jornalista da NME. Que nascera em Akron, Ohio e fora para Londres aos 18 anos levando na bagagem apenas dois discos : Raw Power de Iggy e White Light do Velvet. Namorara os caras do Clash e agora, aos 28 anos, finalmente, com 3 ingleses doidos, lançava seu primeiro disco: The Pretenders, produção de Chris Thomas, o cara do Sex Pistols e Roxy Music.
A capa do disco já era descaralhante : toda branca com os 4 vestidos de rockers. Chrissie virou obssessão. Aquele cabelo cobrindo os olhos cheios de rimel, a jaqueta vermelha e a calça de couro. Ela era uma Joan Jett melhorada. E a voz, a voz era sexy, muito sexy.
Voltando do Iguatemi, eu e meu brother botamos o disco pra rodar. Surpresa !!!!! Bateria e guitarras pesadas e mal gravadas ( sujas ) tocam juntas como se fossem um batalhão bárbaro avançando. Precious é a música. Veloz, afiada, curta. O lado A tem oito faixas. Todas curtas, agressivas, e acima de tudo, sexys. Chrissie fala de estupros, de usar seus namorados bonitinhos, de amar sexo como brincadeira. Eu deliro. É rock como eu nunca ouvira uma mulher fazer. Nada de cantora sofrida, nada de boneca gostosa, Chrissie é ativa.
No lado B ela divaga. As músicas se esparramam, a banda mostra-se genial ( pena que baixo e guitarra, Peter Farndon e James Honeyman-Scott morressem de overdose em 81 e 82 !!! ). O disco vira uma paixão. Ouço-o e reouço-o. Naquele verão democrático, em que eu escutava de Jorge Ben a Charles Mingus, de Bowie a Kurtis Blow, foi Chrissie quem virou caso sério.
Meu quarto logo tinha poster deles, eu usava uma camiseta com a banda, um broche com a capa do disco e me tornei sócio do fã-clube inglês deles. Eu andava por SP procurando ansiosamente uma menina que se parecesse com ela. ( Tempo errado. Em 80/81 todas se pareciam com Olivia Newton-John. E que ironia, hoje, trinta anos depois, meninas com cara e roupas de Chrissie Hynde se tornaram facilmente encontráveis ).
Formei uma banda que jamais soou como ela. Mas eu tentava ter o visual de Peter Farndon.
Até que ela se apaixonou por seu ídolo de adolescência : Ray Davies, dos Kinks. Os dois moraram juntos e ela quase morreu. Álcool demais. Quando a relação terminou ( e meia banda já morrera em heroína ) , Chrissie Hynde voltou como voces a conhecem, acomodada, senhora, chata. Um quase Rod Stewart versão anos 80. ( Rod foi outro que de rebelde genial se fez senhor chato. E creia, Rod foi insuperável ! ).
Mas o primeiro disco ficou. A prova do quanto eles foram grandes. E o testemunho de que mulheres podiam ser como Keith Richards. Precious.