O DIA EM QUE JOHN LENNON MORREU

Os americanos dizem que todos lembram, com estranha clareza, de onde estavam e o que faziam no dia em que Kennedy foi morto. Eu recordo de cada detalhe do dia em que John Lennon foi morto. ( E eu não era um fã. Em 1980 eu amava os Stones e ouvia muito Police, B'52's, Clash, Pretenders e Jorge Ben ).
Foi a melhor época da minha vida. Primeiro colegial, Objetivo Pinheiros. Apaixonado pela Aninha. Que era louca pelo meu melhor amigo, Carioca. E ele era o cara mais hilário do mundo. Uma amiga dele gostava de mim. Mas eu não gostava dela. De tarde eu jogava volei na escola e andava à toa, com Tinho e Carioca, pelos fliperamas e pelo Iguatemi. É maravilhoso quando somos felizes e temos consciência disso. Eu vibrava de alegria.
Naquela manhã eu escovava os dentes. Pensava no fim das aulas. Já sentia falta de Aninha. Meu irmão, que ouvia rádio na sala, veio ao banheiro e me perguntou: - Sabe quem morreu? John Lennon ! Mas não deve ser verdade....
Dei de ombros. Que história mais besta. Beatles não morrem, são eternos.
Mas na escola o professor de inglês estava com olhos vermelhos. Era verdade. E não me perguntem porque, o dia inteiro eu senti vontade de chorar.
Como na morte de Tancredo Neves, aquele foi um momento em que parecia que todo mundo se unia no luto. Na tarde de 9 de dezembro, eu e meu irmão ouvimos Imagine no rádio e eu não segurei o choro. Durante dois meses o que se ouvia era Woman e Starting Over. Foi o mais belo de meus natais e foi um natal com trilha de Lennon. Happy Xmas.
Era lindo andar por Pinheiros e ouvir em cada loja uma música de John Lennon ( não existiam camelôs ). No bar era Imagine, na loja de roupas Woman, no mercado Starting Over e na rua Dream. Nas lojas de discos os lps de Lennon se esgotavam. Comprei Walls and Bridges ( é meu favorito dele ) e os dois primeiros dos Beatles. Além de um poster. No shopping ( só existia o Iguatemi e o Ibirapuera ) só se ouvia Lennon. Todo o tempo.
A sensação foi terrível. Se Lennon não era imortal então todos podiam morrer. E nos anos seguintes se foram Miles Davis, Kurosawa, Laurence Olivier, David Lean e até Bergman. Todos os deuses eram mortais. De certa forma eu perdia a infancia ali.
O disco dele foi ridicularizado quando saiu. Diziam ser o pior disco de Paul feito por John. Mas após sua morte todos disseram que não era tão ruim. Era ok. Eu nunca o escutei. Mas gastei o Walls and Bridges de tanto ouvir. E o primeiro dos Beatles tem uma música chamada Anna! Aninha!
John Lennon desde então me recorda natal. E nada de triste, mas sim uma época de alegria plena. De roubar salgados em supermercado e de tomar sorvete com Fanta falando de Ana. Calor e chuva. E daquele dia triste, em que o mundo inteiro escutou Happy Xmas e chorou junto.