CARPE DIEM/ MEMENTO MORI

Leio um texto sobre o barroco. Diz que o Brasil é barroco. Que é o país do torto. Das pernas tortas de Garrincha à barriga de Ronaldo, é nação que ama as curvas e abomina a reta. Para nós, ir de um ponto A até um ponto B é caminho curvo e tortuoso. E tem o carnaval, mixórdia de formas, cores e intenções. É um país sensual e conservador.
Voce sabe o que é barroco? Eu descubro que não sabia. E surpresa, descubro que eu sou barroco.
Porque barroco é o cara que fica no conflito. Ele ama os anjos e sabe ser um diabo. Luta por ser religioso, mas sabe que sua carne é finita. Sempre cai na tentação, sempre aspira ao Divino. Vive no fogo olhando o éter.
Detesta a linha reta. Tudo o que é limpo, pragmático, sem treva. O sol é amado, mas a Lua também. Idolatra a razão e o controle, mas é apaixonado pela magia. Sabe que a verdade nunca tem nome. Complica o que parecia simples. Tortura-se. É barroco.
Carpe Diem é um lema barroco. Aproveite o dia. E aproveitar o dia é ir ao fundo de toda curva. Por detrás de cada verdade sua mentira, por detrás de toda aparência, sua alma. Rir e chorar, amar odiando.
Memento Mori é o outro lema. Lembre-se, tudo morre. E se tudo morre, todo saber é ilusório, pois toda afirmação morrerá em sua negação. Todo sim carrega seu não.
Roger Bastide veio ao Brasil para dar um curso e foi ficando ficando.... ele dizia que a mata atlântica era a última catedral barroca do mundo. Caceta! É isso!
Naquela exuberância de curvas e arabescos, aquele monte de verdes que se movem, insetos e cheiros e cobras e macacos, e montes e águas e quedas... Penso em Deus ao ver a Serra e sua mata. Penso em anjos e em humanos. Mas também vejo a morte e o escuro. O calor do inferno e a eternidade do paraíso. E sinto minha carne em festa sensual na visão daquela mata que apela a meu espírito. Minha catedral, lugar de paz celeste e de dúvida cruel.
Não existe um amor simples e não me interessa essa arte reta. Linhas me sufocam, música tem de ser sangue e alma, pecado e remissão. Prédios me aprisionam. Quero ruínas, curvas, cantos secretos, porões e alpendres. Poços, minas, escadas. Seios, bundas, mas também corações e prantos sufocados. Flores.
País barroco, eu barroco. Anjos de pedra e duendes de ácido. Minhas mãos em oração manchadas de tinta e da seiva de seu sexo. Dilacerado homem.
Iluminismo? Certezas? Ismos vários? Á mierda com tudo isso!
Um canto de mata humilha seu aço e seu atomismo. Uma lua na madrugada destrói todo seu raquitismo. A curva de uma mulher entorpece toda certeza. A alma é grande, a dúvida, imensa.
Entre as ramas e a espuma, eis onde estou.