PROVA DE QUE A PAIXÃO MATA: EXILE ON MAIN STREET- THE ROLLING STONES

Comento o dvd recém lançado.
Scorsese, Benicio del Toro, Black Eye Peas, Liz Phair, Jack White, Kings of Leon, Don Was nos comentários. Primeira surpresa: foi o primeiro disco gravado fora de estúdio. Isso, em 1971, foi considerado tontice. E foi. Uma apaixonada, apaixonante e definitiva tontice.
É dificil para mim falar deste disco. Ele é o enigma, o nó e a morte. O enterro dos anos 60 e desde então o desafio para todas as bandas.
Entenda. Na história do rock todo cara tenta uma vez fazer seu Sgt. Peppers ou seu Exile. Bandas mais metidas a besta tentam um Peppers, bandas carregadas de raiva tentam um Exile. Ninguém chega lá, mas é bacana tentar.
E estranhamente, todas morrem nesse processo. Ou voce duvida que os Stones terminaram após Exile on Main Street ?
( Assim como o Clash morre com London Calling, os Pumpkins com Mellon Collie e o Led com Graffitti ).
Vamos lá....
Naquele tempo o governo trabalhista de Wilson resolveu taxar fortunas acima de um milhão de libras. Se voce ganhasse seu milhão, ficava com setenta mil libras!!!! Nesse processo, várias bandas inglesas fugiram da ilha. Mais fácil dizer quem ficou: Faces ( até 1975 ) e Paul MacCartney ( na Escócia ). Todos aqueles que fugiram foram chamados de anti-povão e passaram a ser esnobados pela classe operária inglesa ( e foi isso que abriu as portas para o punk ). Alguns adoraram ir para New York ou LA, outros morreram de saudades e perderam a inspiração. Na primeira parte do dvd ficamos sabendo que os Stones eram extremamente britânicos e detestaram sair da ilha. Sentiam falta do chá, do leite, das casas, dos jardins e do clima. Foram para Nice, onde Keith alugou uma mansão.
Resolveram gravar um novo disco, e como os studios franceses eram péssimos, transformaram o porão da mansão em estúdio. Detalhe: o imenso porão era quente, úmido, cheio de mofo, de goteiras e escuro. Eis o clima de Exile.
Pessoas começaram a ir pra lá. Tudo gente boa: mafiosos italianos, traficantes de Marselha, prostitutas da Cote d'Azur, astros do rock, amigos ingleses, desconhecidos da França, ladrões. Gente entrava e saía e crianças ( filhos dos Stones ) brincavam pelos corredores enquanto seus pais bebiam, se drogavam e tocavam. Foram nove meses nessa vida de sol, doideira e música. E esse é outro lado de Exile.
O dvd é cheio de fotos em p/b da época. Jamais houve banda mais fotografada e mais fotogênica. Muito do sucesso dos Stones se deve ao visual. Eles sabiam captar o clima do tempo e transformar isso em desafio visual. O Jagger de 1966 é uma linda bicha glamurosa. Em 1972 ele é um playboy do alto mundo. Keith, ainda muito jovem e muito belo, já é o pirata bandido, o rebelde cowboy....mas a surpresa: eles são tãaaaao ingleses!
E vemos as fotos de Anita Pallemberg.
Anita foi paixão minha de adolescencia. Eu queria ser Brian Jones e queria encontrar a Anita do Brasil. Jamais a achei. Anita Pallemberg namorou Brian e o largou por Keith. Foi isso que começou a destruir Brian Jones. Keith e Anita ficaram juntos por dez anos e tiveram dois filhos. No dvd vemos confirmada a lenda: se Anita fez de Brian Jones-Brian Jones, ela fez de Keith, Keith Richards. Ela era a loucura verdadeira, ela é que se drogava com heroína, ela é que fazia sexo livre. E ela era maravilhosamente linda. Com seu cabelo louro à Brian, seus vestidos listrados e seu corpo magro e atlético. E um sorriso capaz de matar de paixão.
Mas acontece uma coisa mágica. Há uma entrevista com a Anita de hoje. E é assustador!!!!! Como sempre suspeitei, ela é uma bruxa!!!!! Tornou-se uma ruína de sexo indefinido, assustadoramente sólida, marcada, rouca, endiabrada. Lembra o velho Miles Davis e mais que isso TORNOU-SE KEITH RICHARDS!!!!! Separados desde 1980, são a imagem de duas almas gêmeas. Idênticos. Amor verdadeiro diante de seus olhos. Wild Horses foi pra ela.
O processo de gravação era puro estilo jazz. As pessoas iam ao porão sem nada em mente. Começavam a tocar e viam o que saía. Se a coisa prometesse, gravavam. O estilo Keith era começar as dez da noite e ir direto até as três da tarde. Jagger parava a meia-noite. Nove meses nisso, para se gravar nove músicas.
Estou evitando falar dessas músicas. Liz Phair fala exatamente o que sinto: Exile é meu e não gosto de dividi-lo com ninguém. Da febre demoníaca de Rocks Off até o desespero ateu de Soul Survivor, tudo nele é como uma febre, uma possessão e também uma viagem pelo melhor da América. Soul, rock, blues e country. As melhores músicas da melhor das bandas.
Quando o disco saiu a crítica não entendeu nada. Era um som muito sujo, mal gravado, cheio de ecos e de agudos. Não tinha hits. Não parecia um disco de uma super banda.
Lentamente ele foi se tornando um mito e é hoje considerado um dos 3 melhores discos de todos os tempos. E é o fim de uma paixão.
Aqui morre a relação íntima entre Jagger e Keith. Jagger se casa com Bianca e se torna adulto. Aqui morre a relação dos Stones com o sub-mundo. Eles se dispersam por NY, Paris e Nice, cada um com sua vida. Aqui morre a revolução dos anos 60.
A primeira vez que o escutei, já fã de Let It Bleed e de Beggars Banquet, o odiei. Me deu medo, angústia, vazio. O disco me pareceu feio, desesperado, sem "beleza". Demorou para o aceitar. Quando aceitei, entendi. Há algo de muito profundo nele. Algo de ancestral, de vudu. Ele é uma luta entre o paganismo e o cristianismo. Ele é ateu e tenta deseperadamente crer. Exile é sim um exílio.
Se um dia voce passar na frente de minha casa e ouvir Happy sendo tocada a alto volume, saiba que isso significa que estou apaixonado outra vez. Eu nunca havia notado, mas sempre que começo a amar ponho Happy pra rodar e rodar e rodar.
E se um dia voce for a meu enterro, coloque Sweet Virginia.
Bem, o dvd termina e quando saio de casa estou diferente. Lembro então o porque de eu ter amado Brian, Mick, Keith, Charlie, Marianne e Anita com tanta intensidade. Lembro do porque de eles terem salvado minha vida aos 15 anos e me iluminarem desde então.
Saio de casa e me sinto completamente solto. Livre de qualquer medo. Estou pouco me lixando. Estou dizendo foda-se para a morte, para a solidão ou para voce. Estou deixando sangrar, deixando ir, deixando rolar. E esse foda-se é a atitude saudável que a banda de mr. Jagger trouxe ao mundo. Foda-se.
Se voce está nessa este dvd é só seu.