O HOMEM DOS OLHOS FRIOS-ANTHONY MANN ( HERÓIS )

Interessante pensar que os heróis de cinema de hoje são pistoleiros sem diálogos ou personagens de cartoon sem ideais. Os tipos feitos por Jason Statham, Vin Diesel, Daniel Craig ou Matt Damon não têm nada a dizer. Neles não existe um passado, uma história a ser superada, um destino a ser vencido. São heróis sem heroísmo, bonecos histéricos que se movem, saltam e correm sem transformação nenhuma. Eles não crescem, apenas se movem. Produtos que vendem ação.
Neste filme temos um herói. Um homem que foi alguém e que aprendeu a nunca confiar em ninguém. Ele perdeu tudo e agora vive dentro das regras do mundo. Mas vive no limite dessas regras, ele vê de fora, transita por dentro e por fora. Sabe exatamente o que esse mundo é.
A primeira cena do filme já nos pega. Ele vem em seu cavalo com um morto na garupa. Toda a cidade o observa. O sol castiga as ruas poeirentas. Ele desce e leva o corpo ao xerife de lá. O herói é um caçador de recompensas, ele mata para ganhar dinheiro, e o povo "honesto" da cidade o detesta por isso. Todos serão ríspidos e duros com ele.
O filme desenvolve a relação desse homem com o xerife dessa cidade, um inseguro e nada heróico jovem. Ele fará desse jovem seu discípulo e Mann é muito feliz no desenvolvimento dessa relação. Ela é silenciosa, travada, natural.
Mas há mais. O roteiro ( Dudley Nichols, perfeito ) toca na relação racista da cidade com os índios e o herói faz amizade com família segregada.
Há algo de muito nobre nesse homem ( como há em todo herói verdadeiro ), é a consciência que ele demonstra, lacônica, de não poder mais perder tempo com tolices como o racismo ou a vingança. Ele não deixou de ser racista por ter sido educado ou convencido a não ser, ele simplesmente percebeu que a vida é muito mais que isso. Nele existe a consciência do valor da vida e do "não-valor" dos homens.
Henry Fonda faz esse herói. Nenhum ator de seu tempo ou de hoje é como Henry Fonda. Ele é um homem inteiro, ele é o sonho dos americanos, nobre e democrata. Tem os olhos do que seria um líder perfeito. Algo nele é etéreo, suave, evanescente; mas é a suavidade da força que não se verga, do silêncio indomado. Sua atuação, já maduro, é comovente. Veja este filme e 12 HOMENS E UMA SENTENÇA e se convença de sua genialidade. ( Mas há ainda os filmes que fez com Ford, Lang e Hitchcock ).
Anthony Perkins faz o jovem xerife. Perkins, que será sempre Norman Bates, tinha uma fragilidade fascinante, e aqui essa sua "fraqueza" cai a perfeição. Ele gagueja, exita, treme, até finalmente acertar.
A fotografia, como em todo filme de Mann, tem um cuidado especial. Loyal Griggs capta as sombras prateadas das ruas e o brilho radiante do sol. A música, de Elmer Bernstein, é usada com economia, o que ajuda muito o filme.
Anthony Mann nunca errou. Todos os seus filmes são bons. Ele fazia filmes simples, porém cheios de simbolismo clássico. Equivalem às tragédias gregas, a fábulas morais, a exemplos de ensino e provação. Ele dava dignidade a tudo em que trabalhava. Ele era um homem tão vasto quanto eram vastos seus heróis. O cinema teve muita sorte em o ter, e eu tenho a sorte de poder assisti-lo.