MEU NOME É JOHN FORD ( NA FOLHA BY PEDRO BUTCHER )

Excelente, Folha de domingo, 26/09. Parabéns à Pedro.
Começa com uma visita ao grande diretor, no set de O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA. Quem visita Ford é um garoto de 15 anos. John Ford dá um conselho à esse rapaz: "Não enquadre o ator. Enquadre o horizonte. E quando voce souber se a linha horizontal deve ficar acima ou abaixo do personagem...aí voce será um diretor." O nome do garoto é Steven Spielberg.
Ford foi o melhor diretor nascido na América. Não há como duvidar disso. E mundialmente, somente Hitchcock e Kurosawa podem ser comparados a ele. O segredo de Ford é claramente exposto no artigo. Mas mesmo assim, ainda fica o segredo.
Todo grande artista tem um dom que pode ser explicado, mas não imitado. Voce pode explicar Billy Wilder ou Fellini. Mas por mais que voce fale sobre John Ford, alguma coisa sempre está além, inexplicada. É esse mistério que define o gênio. E sua falta de afetação também.
Ford nunca tentou ser "um artista". Como tod grande escritor, sua preocupação era contar uma história. E como todo grande homem, ele possuia um inabalável senso de moral. A família é o centro de seu universo. Ele crê na família, ele crê no bem ( mas conhece a força do mal ). Seus filmes sempre têm casamentos, enterros, refeições familiares, bailes, cenas de reencontro. Ford sabia que o ser-humano se define nas suas cerimônias. Mas há muito mais, há o herói.
O herói de Ford nunca é simples. Ele sempre é imperfeito. E sempre é alguém ferido, alguém que foi expulso do meio social. E que ansia, sem assumir, a ser aceito. Para Ford, a vida é comunitária. Mas há mais.
O senso estético de Ford. Cada tomada é uma cena perfeita. E um de seus segredos é o de que nada é esfregado em nosso rosto. Ele não filma como quem diz : "Vejam que lindo!!!", ou como quem exige que amemos ou odiemos um personagem. John Ford nos respeita, ele deixa que escolhemos o que pensar, o que sentir e o que admirar. Ele é profundamente democrático. Respeita sua platéia.
Mas nada disso é seu objetivo. O principal em John Ford é sua naturalidade. Não existe peso em seus filmes. Toda sua arte é de instinto, por isso é simples, fácil e agradável. Ele narra, ele exemplifica, e jamais foi didático.
O artigo mostra uma hilária entrevista que Ford deu à Bogdanovich : "-Como o senhor filmou a sequencia elaborada de Three Bad Men?" resposta: "-Com uma câmera."
Há também a citação de uma constatação de Tavernier ( quando crítico dos Cahiers ), a de que é nas retrospectivas que vemos o quão grande um cineasta é. George Cukor ou Minelli, por exemplo, perdem muito se vistos em sequencia. Uma sessão de 3 filmes de Cukor faz com que comecemos a ver seus defeitos. Com Ford é o contrário. Uma longa sequencia de filmes de Ford faz com que admiremos ainda mais sua obra.
Isso ocorreu quando comecei minha coleção de dvds. Alguns diretores ao serem assistidos dia a dia começavam a cansar. Já com Ford ( e Hitchcock também ) quanto mais eu o assistia , mais eu o amava. Sinto saudades de minha semana Ford e de minha semana Hitch.
Butcher conta ainda da companhia Ford. A equipe de técnicos e de atores que ele sempre usava. De seu amor a filmar ao ar livre e do modo como ele filmava. Ford montava o filme na câmera ( como Hitch e Kurosawa ). Não havia muita fita no chão da sala de edição. Fazia isso para que ninguém pudesse mexer em seu filme. Não deixava tomadas extras para o editor trabalhar. Pedro conta que hoje, com a câmera digital, tudo é filmado, quilômetros de filmagem, para deixar o editor ( e o produtor ) com centenas de opções. Que eu saiba, hoje, só Clint monta na câmera.
Há ainda o momento em que Ford enfrentou De Mille no MacCarthismo. Uma descrição que me deixou com lágrimas nos olhos. Não a descreverei, mas cito sua primeira frase ( que diz tudo sobre quem foi John Ford, diretor mais oscarizado da história, até hoje )
"-MEU NOME É JOHN FORD E EU FAÇO WESTERNS. EU NÃO GOSTO DE VOCE."
Macacos me mordam se isso não é atitude!
No fim de tudo, o maior herói de John Ford foi ele próprio.