Todo menino desde o nascimento tem de refazer, em poucos meses, toda a história feita em milhões de anos, por seus antepassados. Deixar de ser parte da mãe e ir para fora, nascer, deixar de ser da mãe e ser do mundo, deixar de ser bichinho e ser pensante, deixar de ser parte de uma família e ser só, deixar de ser do mundo e ser de sí-mesmo, deixar de ser da natureza e ser estrangeiro em seu planeta, deixar de ser ....
Responder a questão, quem eu sou, sabendo ser irrespondível.
Um amigo me disse que Lacan concluiu ser a religião imorredoura. Como ateu puro, Lacan sempre confundiu religião com igreja. A igreja não morre porque o homem precisa de algo que lhe dê consolo e direção. A igreja é um partido político, uma terapia psicológica, uma distração, mas não é necessariamente religião. ( Embora se possa ter uma experiência religiosa numa igreja. Como se pode ter em qualquer lugar. )
A religião acabou, como força cotidiana acessível, por volta de 1300 ( e não é tanto tempo assim. Quanto tempo houve antes??? ). Ela termina no momento em que o homem se estilhaça em fragmentos, pois como o nome diz, a experiência religiosa era a força que mantinha o homem unido em seus múltiplos aspectos.
Com o fim do mundo religioso o perigo não é mais exterior ao ser, ele passa a ser um dos aspectos desse ser. O bem, assim como o mal, está dentro do homem, o amor e o egoísmo são opções do homem, e daí vem o caminho para a individuação final e para a solidão abissal. Se tudo está em mim, então eu sou meu mundo. Esse modo de pensar é o menos religioso possível.
Não posso transmitir o que seria uma experiência religiosa. É sentimento maior que o sentir e mais sensacional que a sensação. É exatamente como deixar de ser, se esquecer, perder-se de sua identidade, unir-se a tudo a seu redor.
Estar sem ser. Pertencer e libertar-se.
É liberar sem forçar. Encontrar o que não existe.
A igreja ( todas elas ) está muito longe disso.