THE LAST WALTZ - THE BAND & MARTIN SCORSESE

No tempo em que toda banda tinha de ser a mais louca, The Band surgiu como uma ilha de sanidade. Nesse mesmo tempo em que todo grande guitarrista dava solos de meia hora, The Band tinha o mais influente guitarrista e ele fazia solos de meio minuto. Na enciclopédia do rock, da Rolling Stone, é dito que este grupo salvou a vida de milhares de caras que haviam se perdido e não conseguiam voltar das loucuras psicodélicas. E acredite, ela foi a mais amada das bandas e o primeiro grupo de rock a aparecer na capa da Time ( em 69. Os Beatles só apareceram em 70. ) Foi o grupo que fez com que Clapton largasse o Cream, e com que montes de músicos lembrassem que o importante era uma boa canção.

Eles surgiram no Canadá e tocavam de tudo. Quando Dylan resolveu fazer rocknroll os chamou para excursionar... o resto é lenda. Meu amigo Fabio diz que são considerados musicalmente um exemplo de entrosamento. Todos são cobras, mas ninguém é líder de nada. The Band tem quatro vocalistas e nenhuma estrela. É desde 2000 minha banda favorita. Eles falam fundo para aqueles que tiveram o coração partido, mas que mesmo assim não se tornaram cínicos. Eles são cowboys, eles falam de fé, de amizade, de lendas da estrada, do que é ser homem.

The Band é para homens. Não serve para meninos.

Em 1976, num ato exemplar, resolveram terminar o grupo. Eles não tinham mais nada a dizer, viajar não era mais divertido, não queriam enganar ninguém. Chamaram o amigo Scorsese e fizeram um filme desse final. THE LAST WALTZ. Na época ninguém convidava ninguém para tocar em homenagens, o show foi inovador por trazer convidados especiais. E o cenário de palco foi a base estética dos MTV acústicos.

Martin Scorsese, fã, faz as entrevistas. Os caras esbanjam simpatia. O som que eles fazem é a cara deles : amigáveis sem jamais serem engraçadinhos. São adultos, e são muito rocknroll. É bom demais ver os caras tocando. Eles sorriem todo o tempo. Totalmente anti-afetação.

Os convidados... alguns são banais como Ronnie Hawkins, chamado por ser o cara que os lançou no Canadá. Eric Clapton é engolido por Robbie Robertson. Os solos de Robbie são como Miles Davis em rock. O menos que é muito. Seu timbre é único, a guitarra de Robbie nunca grita ou chora, ela balbucia, ela sussurra, enfeitiça.

Dr. John vem com seu boogie de Orleans e a coisa pega mesmo é com os Staples. A voz daquele negro velho, como um anjo de bondade... é pra chorar de alegria.
Mas tem mais. Tem Joni Mitchell. Joni fez música com Charles Mingus. A música que ela canta é um pop-jazz absurdo : pura delícia, pura genialidade. É tudo aquilo que o Style Council tentou fazer e nunca conseguiu. O tempo foi bom para Neil Diamond. Na época do show ele era a carta fora do baralho. O brega. Ouvindo-o hoje eu o sinto como um baladeiro maravilhoso ! E que voz ! Aliás, este show é uma aula de vocais.
E vem Van Morrison. Um pequeno elfo desajeitado. Soltando aquele vozeirão e dando chutes no ar. E tudo explode quando Muddy Waters traz o voodoo do Mississipi e manda Mannish Boy. Caraca!!!!! Que do cacete ! Que voz, que momento histórico, que tesão inigualável !
E ainda tem Neil Young, que parece realmente comovido por estar lá ( quantos canadenses ! Young, Joni, Hawkins e a Band ).
E no final, ele : Bob Dylan, o cara.
Aqui um adendo :
Em 1966 Dylan ia morrer. Anfetaminas demais. Mas ele sofre um acidente de moto sério que o faz convalescer com seus amigos em Woodstock, numa casa de fazenda, a tal BIG PINK. Nessa casa, eles andam, cavalgam, e cantam no porão. Dylan renasce. Os caras que moravam na BIG PINK eram Robbie Robertson, Rick Danko, Levon Helm, Garth Hudson e Richard Manuel : THE BAND. Dylan sai de lá com o disco THE BASEMENT TAPES e a Band com seu primeiro disco, MUSIC FROM THE BIG PINK, uma das mais belas coisas já gravadas.
Voltando... eis Dylan no palco e eis como é Bob com The Band. Dylan rí !!!!!!! E milagre : até diz thank you após os aplausos ! Ele está totalmente em casa, os caras são os únicos que se casaram com Dylan. Foi com eles que Dylan enfeitiçou a Inglaterra em 1965.
Todos voltam ao palco e vemos Neil Young, Van Morrison, Clapton e agora Ringo Starr com Ron Wood fazendo backing vocals para Bob Dylan. Mas vemos todos homenageando THE BAND. Inclusive Scorsese.
Mas apesar de todos esses convidados, o melhor é a própria banda. Rick toca baixo como se fosse da Motown e canta com imensa paixão. Levon é O baterista. Sua batera é básica, mas que riquesa em pratos e em ritmo, e que voz rascante, rouca, do pântano ( Levon Helm é o único americano ). Há ainda o teclado de Richard, que cantava em falsete e que morreu em 87 de heroína... e Garth, o pacato e sério Garth, que conta a real, que o "lance deles era ficar na BIG PINK, pintando uma porta, arrumando uma janela, pescando...que essa coisa de rocknroll, de celebridade torna a música impossível...." um belo momento pego pelo microfone de Martin.
Se houver um céu para onde os amantes do rock vão, com certeza Garth, Rick, Robbie, Richard e Levon estarão no portão nos esperando. São a coisa mais nobre do pop, a total honestidade de carreira e de filosofia. Fizeram discos que trazem para sempre a luz do fim do túnel, a flor no asfalto, o sorriso no abismo.
Assim como os Stones são o sexo do rock e os Beatles são o cérebro, The Band é o coração. THE LAST WALTZ maravilhosamente filmado por Scorsese com a mesma equipe de TAXI DRIVER é digna homenagem a quem a merece.
Um toque : Faltou Gram Parsons. Não tivesse morrido em 73, o maravilhoso Parsons estaria naquele palco. Mas a musa de Gram, Emmylou Harris cantou com a Band... lindo !
A foto famosa dos Beatles de 68, todos de preto, barbas e chapéus, é uma citação deles ao novo grupo que surgia : The Band....
Apesar de assinar Tony Roxy e de o Roxy Music ser a banda que mais gostei na vida, é na The Band que me vejo. Se eu pudesse voltar a vida e pudesse escolher, eu não queria ser Bergman e nem Fellini, não queria estar na guitarra dos Stones e nem no vocal do Led Zeppelin... eu queria segurar as baquetas de THE BAND e tocar CHEST FEVER....
É isso!