Alguns amigos que encontrei recentemente apontaram certas falhas em coisas que andei escrevendo. O que mais os irritou foi o comentário sobre o texto de Walter Salles e o fato de eu ( e muitos outros ) termos dito que os anos 90 foram um tempo "Led Zeppelineano ".
Primeiro o Led.
Todos sabem que sou fã do Roxy Music, de Kevin Ayers e de Serge Gainsborg. Nada é menos Zeppelineano que esses caras. Mas também sou apaixonado pelo Led ( assim como por Rap, Mozart e Secos e Molhados ). Os anos 80 foram Roxy. O estilo era mais importante que o som. Tudo era dúbio, suave, tristonho, glacial. De Cure à Pet Shop Boys, de Bowie à Prince, a marca da época era a melancolia afetada, fake.
A década seguinte rompeu com isso. Rompeu via Pixies, Nirvana, Public Enemy, Jane's Addiction. Rompeu com shows ao ar livre, roupas largadas, guitarras e bateria "de verdade", maconha e hippismo de segunda mão. O Led deixou de ser ridículo e passou a ser cult. O pessoal do rap sampleava a batera de Bonham, assim como o povo do eletrônico cultuava "Kashmir" e sampleava tudo da banda. Me causa espanto ver gente que adora "Quase Famosos" não reconhecer tal obviedade. Queens of stone age, Foo fighters, Mettalica, todos têm a atitude "viking" do Led Zeppelin. Banda que considero a mais poderosa da história e consequentemente, a mais odiada pelas "tiazinhas do pop choroso". Tiazinhas que dominam o pop atual. ( Com belas excessões ).
Quanto a Salles, seu texto é um desabafo de quem viu o paraíso do cinema autoral e é obrigado a conviver hoje com falsos mercadores de imagens.
É claro que existem bons filmes sendo feitos ! Eu sou apaixonado pelos filmes dos Coen, de Tim Burton, os desenhos da Pixar, Almodovar, e um monte de outros. Mas o que acontece é que o cinema está estagnado. Não existe mais uma evolução. Cada filme bom é bom em sí-mesmo, não é parte de uma corrente, de um movimento ascendente ( e minha sensação é a de que todo bom filme é descendente, aponta a origem e nunca o futuro ). Os bons diretores de hoje estão acuados. Seus filmes não produzem ressonância. E ressonância é a marca do talento.
Faça uma experiência : Veja quantas vezes seus pais, tios ou avôs têm ido ao cinema. Pergunte ao garçom de seu restaurante, ao seu motorista, que filmes ele foi ver no cinema. Acredite-me, meus tios iam ver "Último Tango", "Laranja Mecânica" e "Taxi Driver", e o povão, prova maior de sucesso de bilheteria, fazia filas em "Tubarão" ou "Star Wars".
Os sucessos de bilheteria são sucessos de multiplex, e o povão não vai ao shopping. O shopping lhes deixa inibidos e frustrados. O cinema de rua era seu meio. Hoje, só a pirataria os atende.
Quanto a ressonância. Vá a sessão de cinema numa livraria e veja quais os títulos. Livros sobre Hitchcock, Audrey, Bogart, Ford e Truffaut. Porquê ? É óbvio que eles vendem. Mas é mais que isso. Eles são assunto. Dá para se escrever um livro sobre "Vertigo". Por mais que você adore "Pulp Fiction", bem, 30 páginas esgotam o assunto.
Se você vai escrever sobre Johnny Depp você acaba falando de fofocas sobre ele. Se você escreve sobre Brando, você escreve sobre a história do testro americano, a revolução de costumes, a solidão da fama, a esquisitice do egocentrismo, e o cinema autoral dos anos 70. E fofocas também. Há muito assunto. O que escrever sobre Paul Thomas Anderson ? Ele é bom e adora Robert Altman. Que mais ? E sobre Michael Mann ? Mesmo Spielberg não rende assunto. No fundo todos são fãs, nerds de salas escuras. A vida deles está nos filmes. Portanto suas experiências são citações do que viram na tela, não daquilo que viveram.
De Sica podia falar de pobreza e guerra porque viveu ao lado da guerra e da fome. Não a assistira num filme. Truffaut falava de crianças delinquentes porque fora um menino de rua. Godard podia falar de revolução, pois vivia ao lado de grupos maoístas revolucinários. Um diretor hoje, quando fala de sua vida real, falará de solidão e tédio. E da vida na escola. É tudo o que ele viveu. Quando fala de guerra, crime, miséria, está falando do que viu em De Sica, Truffaut ou Hawks. Por isso que Scorsese brilha ao falar de crime, Allen de neurose ou Almodovar de confusão sexual. Eles viveram isso. Tarantino, Coen ou Burton, por melhor que sejam ( e são ), pegam tudo de segunda mão. Eles dizem coisas que viram num filme. Quando voce vai falar deles, acaba falando de suas referências. O cinema do terceiro mundo encanta certos críticos do primeiro porque esses realisadores ainda viram alguma vida fora da tela. Viveram algo além da school. Mas mesmo esses, por falta de público, se tornam repetitivos, ratos de festivais, secam. Não dão cria. Não lançam um movimento.
Acho que respondí.