Ganhei de Marcos Vieira de Moraes, em 1991, meu exemplar de Folhas das folhas de relva. Marcos se foi com os anos, mas o livro permaneceu comigo para sempre. Lí Whitman debaixo de um forte sol de abril, sol de meio-dia e completamente apaixonado pela vida. Toda a vida.
Eu estava orgulhoso, saindo de um ano de tristeza insistente. Estava enamorado de mim mesmo ( e de Lú, a menina de lábios grossos e seios generosos ).
Feliz a nação que tem por poeta Walt Whitman. Ele fertiliza todos que o escutam, ele faz música em todo canto, ele é grego e cristão. Sua voz é a dos púlpitos protestantes, suas linhas são orações à vida. Ele absorve tudo. O dito lixo, e o dito luxo. A morte como parte da vida e a vida como destruidora da morte. Ele festeja tudo. Principalmente a solidão.
E nenhum país é mais solitário que a América. E nenhum canta mais sua própria história.
Walt antecipa Bob Dylan e o jazz, antecipa os hippies e os astronautas, antecipa Pollock e The Band. O cinema de Capra e de Ford.
Leio num livro francês, que nos últimos 3 séculos, nenhuma nação leu mais que a América. O americano levou para o novo mundo selvagem uma missão : a de fazer do inóspito o paraíso de Deus na Terra. Para isso levou livros : bíblias e almanaques. E passou a idolatrar a palavra impressa : constituição e jornais. Whitman é filho desse meio : sua palavra impressa é viva e fala com todos os homens e com Deus também.
Eu lí Walt olhnado meu cão que dormia ao sol. E me tornei esse cão.
E fui à faculdade onde conhecí surfistas que fumavam erva toda hora. Eu fui esse surfista.
E conhecí snobs dandys que se afetavam beleza. Fui esse dandy dos dandys.
E fui meu cão, nada pensando e sentindo o sol que cresce.
E o pedreiro que dorme a siesta entre marretadas e pigarros. Eu fui.
A atriz metida que se exibe no palco amador e o garanhão tolo que pensa ser irresistível. Fui.
Não escolho quem sou. Todos eles me vêem.
Fui Dumbo e Clint e O'Toole e Bruce e Popeye e Ferry e Kevin Arnold e Bundy.
Estive só entre prazeres definitivos e medos indizíveis.
Walt Whitman me ensinou a ser isso que sempre fui. Vida.
Estranha coincidencia a de Walt ter nascido no mesmo dia que Clint Eastwood. Ou o fato de Yeats, Pessoa, Lorca e Whitman serem todos geminianos lunáticos ( como Dylan ). Faz com que eu queira crer em astrologia... mas não. Posso citar aqueles que deveriam ser do signo de Whitman e não são : o leonino Shelley e o libriano Eliot.
Há uma foto de um jovem Whitman : dandy, camisa aberta e um chapéu. Ele foi bonito quando jovem, não foi sempre o papai-noel que nos querem fazer crer. Dois olhos desiguais- um muito suave, outro preocupado - me lembra Paul Gauguin -- esse Whitman frances, que falou como Walt pela pintura e encontrou sua América no Tahiti.
( Gauguin é geminiano ). Não se irrite: o poeta americano me traz de volta o mundo da astrologia.
O caminho das pessoas é normalmente da solidão para as pessoas... para tipos como Whitman a coisa é inversa... ele parte da multidão e caminha deliberadamente para a solidão. Tantas humanidades o habitam que ele requer recolhimento para as escutar. E dá voz a elas.
O poeta deveria ser a bíblia das escolas do mundo, o norte dos desesperos e o Freud dos doutores. Receitem Walt para desesperados !
Ele tem a fala de pastores metodistas. E Lincoln é possível apenas na sua terra.
Bem... não é meu poeta favorito- com o tempo me aproximei de Eliot e de Keats e deixei Yeats e Whitman para trás. Mas os dois, o americano e o irlandes me fazem feliz, me dão coragem, me recordam aquilo que a vida de fato é, e aquilo que eu sou.
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Andando por Pinheiros e vendo prédios sendo derrubados pelo novo metrô : sou o novo metrô e sou o mofado prédio que cai.
E olhe aquela multidão de camelôs entrincheirados em sua guerra contra a legalidade : sou tanto o vendedor de quinquilharia quanto o fiscal decidido ou vendido.
O almofadinha que exibe sua roupa cheirosa e seu óculos Gucci e o bombado que mostra suas suspeitas linhas curvilineas : eu me vejo e me aproximo dos dois- tenho-os em mim.
E o gato no telhado imóvel e aquele pássaro que ninguém notou piar: eu notei. Era eu.
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Portanto
quando estiver com voce, serei voce
e quando estiver longe de voce, não mais o serei
e voce então não me reconheceria.
Sou um outro. Sempre. ( e Rimbaud era escorpião ).
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Eu disse que amava o filme O Atalante- o poeta está nele.
E está em todo lugar.