vicky cristina barcelona e nós dois

Triste será o dia em que não tivermos mais os filmes de Woody Allen. Porque em meio a um mundo cada vez mais infantil, ele, quase sózinho nessa empreitada, insiste em produzir um tipo de cinema sofisticado, adulto e profundamente humanista. Vejamos seu novo filme.
Primeiro fato: todos os personagens são adultos ( mesmo os idiotas ). Nenhum se parece com um cartoon. Segundo fato : nada é feito com a intenção de parecer moderno, ou , nada existe para chocar. Tudo é natural, pois tudo é humano.
Tenho amigos que são como Doug e Vicky. Eles se casaram com pessoas de seu bairro, sua profissão, seu mundinho. São pessoas que jamais podem estar distantes de um celular, um lap-top, dos amigos protetores. Por mais que se droguem, viajem, comprem, nunca deixam de ser aquilo que sempre foram- crianças.
Conheci várias Cristinas. E as compreendo. O amor foge delas. Elas pensam buscar o amor. Mas apenas procuram espelhos, comprometidas com seu destino, sua dor, seu desejo.
Encontrei um único pintor hedonista como o papel de Bardem. Ele sabe. Ele sabe aquilo que artistas como Bergman, Wilde, Kurosawa, Miles e meu querido Kevin Ayers sabem : a vida não faz nenhum sentido. Nada é definitivo, nada alivia nada; e o certo é celebrar isso. Absorver o que há de belo, poderoso, valoroso ,e prosseguir, rindo, celebrando o sol.
Amei uma Maria e quase morremos juntos. E posso então dizer que compreendo o que é o amor verdadeiro. Pois amor de verdade só existe na dificuldade, na diferença, no risco.
Num mundo onde voce não arrisca um amor impossível, ou onde todo desejo é satisfeito antes de se afirmar,bem, nesse mundo o amor se torna um quase nada, um vazio, um compromisso com o já conhecido ( e o já conhecido, o previsivel, não é amor ).
Barcelona é uma mulher linda. Quem não a ama não ama a beleza e a vida. Ama o cinza.
Penelope Cruz... brilha e humilha as outras atrizes. Seu ódio é homérico, sua sensualidade fulgurante, sua presença de rainha. Ela ilumina as cenas e enche a tela de vida. E de trágica sina.
Woody deve ter se queimado muito com a América. Sua visão dos americanos se tornou ferina. Eles são um bando de bebedores de café descafeinado, plugados em maquininhas bobas e consumistas vorazes. Eles são, sabemos disso. ( Há um belo contraste: numa cena vemos o casal bebendo vinho. Surge o noivo com seu copo de café de papelão ).
É um filme melhor que qualquer candidato ao Oscar .
Sua cena final, Vicky e Cristina, andando rumo ao inevitável tédio, rumo à absoluta mediocridade... faz lembrar o Antonioni mais visceral . Allen depura sua influencia Bergmaniana e nos dá toda uma alma, radiografada, em coisa de 4 ou 5 segundos. Me fez chorar...Coisa que nem a novelinha de Fincher/Roth e nem a incrível bobagem de Daldry fez.
É muito mais real e colorido que o filme fashion sobre a India e não pode ser comparado à um lixo como Milk. É um filme fábula. É amargo. É bonito.
Woody Allen se aproxima do fim da vida menos brilhante. Menos engraçado. Porém, muito mais sábio. Bato palmas de pé para este irresistível filme.