criação- um livro de gore vidal

Fazia muito tempo que não me apaixonava tanto por um livro. CRIAÇÃO foi lançado por Vidal em 1982 e logo se tornou um sucesso. Do que trata ?
Em 500 ac. um senhor de 75 anos conta sua vida. Ele é persa e tem um belo desprezo pelos gregos. Através de sua história ficamos sabendo o porque de a civilização grega ter causado muito mal para nosso mundo, como erros cometidos por Xerxes e más escolhas de Dario mudaram o futuro da humanidade para sempre.
Num texto simples e cheio de humor pessimista, Vidal faz deliciosas fofocas. Ele desbanca Sócrates e Anaxágoras, eleva Pitágoras e nos dá um retrato colorido do que seria o mundo persa. Mundo que os gregos difamaram sempre.
Na segunda parte nosso herói serve Dario na India e temos todas as religiões pré-budistas muito bem explicadas. Gurus e charlatões são exibidos com todo seu ridiculo e com toda sua eterna atualidade.
Depois a China é explorada e acontece o retorno ao mundo do ocidente. Nosso herói volta transformado, sem poder mais encarar o tempo, a religião, a história do mesmo modo.
Todos os mitos fundadores são avaliados, todos os " e se... " da história são cogitados e no final percebemos algo de muito perturbador :
Se a vida tem por única função a obtenção da sabedoria... e se a sabedoria só pode ser obtida pelo afastamento daquilo que é futil, vazio, temporal... se a vida só pode ser verdadeiramente usufruida em quietude, solidão e calma... neste mundo de ruido, comunicação desenfreada e invasão de intimidade... em que absorvemos toneladas de conhecimento inutil e estamos sempre presos ao tic tac do momento... onde a sabedoria ?
Creio firmemente ( e foi a única coisa que aprendi em 35 anos de leituras ) que a maneira de transcender o tempo e a sina da existencia é obter contato com aquilo que nos convida a transcender o mundo real.
Quando olho uma tela de Chagall, quando ouço Satie ou leio um verso de Eliot estou indo além do lugar/ tempo/ espaço que ocupo. Estou entrando na esfera daquele iogue que meditou em 500 ac., do poeta que pensou sobre o espirito em 1770 ou do músico que ainda virá.
Pois se o tempo, ao contrário do que os gregos nos legaram, não é uma linha reta, mas sim um circulo perfeito, onde o começo mora no fim e todo final antecipa o começo, é através da obra de arte perfeita, do testemunho dos homens que enxergaram além das aparencias, que podemos nos aperfeiçoar, crescer, inspirar e vencer o tempo e a morte.
No tempo de hoje, que nos dá o acesso a toda essa riqueza, é obrigatório a qualquer homem comprometido com a vida e o viver, usufruir, mergulhar, compreender esses tesouros do tempo eternamente presente.
Sons, cores e palavras daqueles que guiam a eterna e imutável alma humana pela dor e pela loucura de se viver.