SATIE AO SOL

Sem qualquer chance. Sem possibilidade de retorno. Eu havia fugido e era tudo um eterno já/agora/bem na hora/fim.
A volta era impossível, mas doía. Eu estava mudo. Não podia falar, não queria falar. Não havia motivo para falar. Pensava.
Nos ratos que brincavam no capim. Sim, ratos estão sempre brincando. Eles pulam, dão piruetas. Será que o homem não evoluiu do rato ?
Pensava nas formigas, que construíam belas estradas aos meus pés. E pensava que eu poderia estar me tornando um peso para meu amigo Fred, que era quem me arrumava comida.
Nunca me desesperei. Melancolia. Sim, melancolia amorosa. Eu estava cheio de amor. Eu amava Anita. Mas ela não.
Então fazia sol, era verão e meu cabelo pingava suor. O suor escorria.
Do sobrado, próximo, veio o som de um piano. Alguém tentava tocar. Hesitava, tentava, ia.
Foi nesse dia que conhecí Eric Satie. Acho que eram as Gymnopédies. A mais bela/melancólica/fria/amorosa/solitária/mortal/viva/infantil/eterna música já feita.
Naquela tarde eu me apaixonei por quem tocava aquele piano ( jamais me ocorreu que podia ser um velho gordo. Se era um velho gordo, fui um gay que amou um velho gordo).
Na época eu lia Voltaire e nasceu minha fixação amorosa/sensual pela bela França ( país que foi morto e enterrado na segunda guerra, mas eu não sabia...).
Satie compôs essa trilha. A trilha dos momentos mais verdadeiros que viví. Um brinde de Pernod e uma noite de fumaça de Gitanes.