Não é uma biografia de Bowie. O autor analisa todas as canções que o rei dos anos 70 compôs, em ordem de composição, e no processo nos conta a saga do londrino genial naquilo que ele viveu de melhor, a década de 70, segundo o autor, a mais triste das décadas.
Peter Dogget escreve muito bem. Sua descrição das canções, para quem as conhece, são perfeitas. Ele aponta TODAS as influências, entrega os plágios, descreve o som de um modo saboroso. Temos vontade de correr e reouvir tudo. E descobrir aquilo que nunca escutamos ( muito pouco em meu caso ). Segundo o autor, Bowie amava Judy Garland, era seu maior ídolo, e perto dela vinham Sinatra, Sammy Davis Jr e Marlene Dietrich. Bowie era doido por cinema, por artes visuais, e o rock era apenas o meio onde ele cresceu, o modo natural de se fazer grande. Mas não sua paixão central. Daí sua importância primordial: Bowie é o cara que traz para o rock aquilo que não era do rock. Ele o vê como ator, como performer. É um artista que interpreta o papel de rock star. Ou de menestrel folk. Ou de inovador pop.
Ele poderia ter sido um folk star até 1970. Sua maior influência era a dupla Simon e Garfunkel. E Neil Young. Ao conhecer Tony Visconti, produtor de gênio, Ken Scott, engenheiro de som mágico, e Mick Ronson, seu guitarrista de blues e arranjador de extremo gosto, Bowie abraçou o rock. E o modificou para sempre.
Ele era um grande leitor. E em 1970 lia aquilo que aqui no Brasil Paulo Coelho lia. Ocultismo. Cabala. Crowley. Hermes Menegisto. Nietzsche. Impressiona a energia de Bowie. Ele estava sempre em movimento, gravando, compondo, fazendo shows, escrevendo roteiros, indo a exposições, lendo, e se drogando muito. Entre 74 e 76 ele foi o rei do pó.
O autor desgosta de várias canções de Bowie. Isso dá certa isenção ao livro. Ele acha Transformer de Lou Reed banal, e Raw Power mal é citado. Ziggy, o LP, é visto como importante e criativo, porém, musicalmente pouco instigante. As letras são o foco da genialidade de Bowie. Diamond Dogs é para ele uma obra-prima de invenção sonora. Uma massa de sons, ruídos, harmonias e símbolos ocultistas digno de um feiticeiro. Peter considera Dogs e Station To Station os mais altos pontos da vida de Bowie. ( Low e Hunky Dory vindo em seguida ). O autor destrói Lodger, considerado frouxo, e dá um retrato sublime de Young Americans, o auge da voz de David.
No final ele fala por alto do Bowie dos anos 80, 90 e 2000. O livro foi escrito um ano antes de sua morte. Outside e Heathen são considerados tão bons quanto Low ou Dogs, mas são irrelevantes. O mundo do século XXI não ouvia mais Bowie. Apenas os fãs. Os clones fizeram dele um tipo de matriz. Um molde. Mas não um cantor relevante. Bowie era um artista para descobertas e não para nostalgia. Quando fez 33 anos, em 1980, deixou de ser um descobridor e se tornou um diluidor. Juntou dinheiro como nunca. Mas o artista já dera seu recado.
Peter destaca Bowie em 1992, na homenagem à Mercury, rezando o Pai Nosso no palco, ao fim de Underpressure. Para Peter aquele era o verdadeiro Bowie. No mais inadequado dos lugares, no mais inesperado dos momentos, ele larga sua ironia e reza DE VERDADE. Ironia dentro da ironia, a ironia de não ser irônico. A luta de Bowie, luta para ser alguém, não pela fama, mas ser alguém que se possa chamar de PESSOA, acaba no retiro. Seu corpo fraqueja. Ele para de procurar. Encerra.
Leia o livro e veja a descrição que ele faz do começo de Station To Station. É exatamente o que senti na época ao ser pego de surpresa pelo som esquisito do disco. Não parecia rock. Não era pop. Não era negro. Não era nada. Mas era alguma outra coisa.
Nunca haverá outro Bowie porque o mundo do rock não precisa de artistas. E quando eles surgem, e Damon, Peter ou Harvey tentam o ser, tudo que podem fazer é estender Low ou Dogs ou Scary em novas frentes. Bowie ao parir a arte no rock, a arte depressiva e expressiva, matou o futuro dessa arte, que precisaria ser sempre nova, mas que por sua causa sempre pareceria derivada. Bowie trouxe ao rádio o que Eno, Lou, Can, Faust, Neu e John Cale faziam para poucos. No processo ele amplificou sua cópia. Vestiu o rock de arte. E vendeu o invendável como estilo e charme.
Foda.
Peter Dogget escreve muito bem. Sua descrição das canções, para quem as conhece, são perfeitas. Ele aponta TODAS as influências, entrega os plágios, descreve o som de um modo saboroso. Temos vontade de correr e reouvir tudo. E descobrir aquilo que nunca escutamos ( muito pouco em meu caso ). Segundo o autor, Bowie amava Judy Garland, era seu maior ídolo, e perto dela vinham Sinatra, Sammy Davis Jr e Marlene Dietrich. Bowie era doido por cinema, por artes visuais, e o rock era apenas o meio onde ele cresceu, o modo natural de se fazer grande. Mas não sua paixão central. Daí sua importância primordial: Bowie é o cara que traz para o rock aquilo que não era do rock. Ele o vê como ator, como performer. É um artista que interpreta o papel de rock star. Ou de menestrel folk. Ou de inovador pop.
Ele poderia ter sido um folk star até 1970. Sua maior influência era a dupla Simon e Garfunkel. E Neil Young. Ao conhecer Tony Visconti, produtor de gênio, Ken Scott, engenheiro de som mágico, e Mick Ronson, seu guitarrista de blues e arranjador de extremo gosto, Bowie abraçou o rock. E o modificou para sempre.
Ele era um grande leitor. E em 1970 lia aquilo que aqui no Brasil Paulo Coelho lia. Ocultismo. Cabala. Crowley. Hermes Menegisto. Nietzsche. Impressiona a energia de Bowie. Ele estava sempre em movimento, gravando, compondo, fazendo shows, escrevendo roteiros, indo a exposições, lendo, e se drogando muito. Entre 74 e 76 ele foi o rei do pó.
O autor desgosta de várias canções de Bowie. Isso dá certa isenção ao livro. Ele acha Transformer de Lou Reed banal, e Raw Power mal é citado. Ziggy, o LP, é visto como importante e criativo, porém, musicalmente pouco instigante. As letras são o foco da genialidade de Bowie. Diamond Dogs é para ele uma obra-prima de invenção sonora. Uma massa de sons, ruídos, harmonias e símbolos ocultistas digno de um feiticeiro. Peter considera Dogs e Station To Station os mais altos pontos da vida de Bowie. ( Low e Hunky Dory vindo em seguida ). O autor destrói Lodger, considerado frouxo, e dá um retrato sublime de Young Americans, o auge da voz de David.
No final ele fala por alto do Bowie dos anos 80, 90 e 2000. O livro foi escrito um ano antes de sua morte. Outside e Heathen são considerados tão bons quanto Low ou Dogs, mas são irrelevantes. O mundo do século XXI não ouvia mais Bowie. Apenas os fãs. Os clones fizeram dele um tipo de matriz. Um molde. Mas não um cantor relevante. Bowie era um artista para descobertas e não para nostalgia. Quando fez 33 anos, em 1980, deixou de ser um descobridor e se tornou um diluidor. Juntou dinheiro como nunca. Mas o artista já dera seu recado.
Peter destaca Bowie em 1992, na homenagem à Mercury, rezando o Pai Nosso no palco, ao fim de Underpressure. Para Peter aquele era o verdadeiro Bowie. No mais inadequado dos lugares, no mais inesperado dos momentos, ele larga sua ironia e reza DE VERDADE. Ironia dentro da ironia, a ironia de não ser irônico. A luta de Bowie, luta para ser alguém, não pela fama, mas ser alguém que se possa chamar de PESSOA, acaba no retiro. Seu corpo fraqueja. Ele para de procurar. Encerra.
Leia o livro e veja a descrição que ele faz do começo de Station To Station. É exatamente o que senti na época ao ser pego de surpresa pelo som esquisito do disco. Não parecia rock. Não era pop. Não era negro. Não era nada. Mas era alguma outra coisa.
Nunca haverá outro Bowie porque o mundo do rock não precisa de artistas. E quando eles surgem, e Damon, Peter ou Harvey tentam o ser, tudo que podem fazer é estender Low ou Dogs ou Scary em novas frentes. Bowie ao parir a arte no rock, a arte depressiva e expressiva, matou o futuro dessa arte, que precisaria ser sempre nova, mas que por sua causa sempre pareceria derivada. Bowie trouxe ao rádio o que Eno, Lou, Can, Faust, Neu e John Cale faziam para poucos. No processo ele amplificou sua cópia. Vestiu o rock de arte. E vendeu o invendável como estilo e charme.
Foda.