LOU REED, MEU HERÓI

   Todo mundo morre baby, alguns não vivem. Oh God, Lou Reed também morreu!
   A história de Lou em minha vida está toda viva em minha memória. Isso porque eu o conheci já aos 18 anos. Até então, naquele mundo sem internet, eu vira fotos de Lou e sabia do Velvet, mas não tivera a chance de ouvir. Então, em 1981, eu e meu irmão compramos no Museu do Disco, sábado de noite, no Iguatemi, White Light/White Heat. Eu era então um fã de Hendrix, Stones, Traffic, meu irmão, mais antenado, era de Clash, Police e B`52`s. Nossos gostos não batiam. Mas o Velvet nos uniu. Porque aquilo era arte, mas também era punk. Era muito simples, e também muito sofisticado. E tinha a arrogância corajosa do verdadeiro talento. Minha vida mudou naquela noite. Lembro de ter criado em minha cabeça a ideia de que ser um maldito podia ser bom. Comecei a me vestir de preto, e o principal, nada mais me parecia louco o bastante. Perto do lado 2 deste disco, tudo parecia pop. Tive viagens memoráveis ouvindo o disco inteiro, noite após noite. E o melhor de tudo, nada era menos hippie que Lou. E súbito eu me fiz um anti-hippie. Um mundo de arte avant-garde se abriu para mim. O Velvet ia do dadaísmo a arte-pop, de John Cage a Stockhausen. Perto deles os Stones eram castos, os Beatles hiper-conservadores e Zappa um chato.
   Esse meu desabrochar ingênuo me levou a bad trips e a um tipo de niilismo insuportável. Mas logo passou. E então descobri Transformer e o que era bom ficou melhor.
   Nestes anos de Trombone com Vara devo ter falado duas vezes de "melhor disco da história". Dei esse título a Low de Bowie e me contradisse ao lembrar de Exile on Main Street dos Stones. O mais constante em meu coração é Transformer, porque ele mistura os dois, Low e Exile, e ainda oferece algo mais. A ironia glitter. O disco tem rocknroll como Exile, guitarras rascantes e razantes como Keith, mas também tem aquela coisa fria e sob controle de Bowie e o som chique, limpo, sexy e noturno que Lou desenvolveu na época. De Vicious até Good Night Ladies, tudo lá é arte, é rock, é glam e é ironia. A capa de Mick Rock, a guitarra de Mick Ronson, os backing vocals de Bowie, tudo é superlativo. Como diria Ezequiel Neves, "descaralhante"!
   Foi o disco que abriu o caminho para o nascimento de minha persona TONY ROXY. As noites no Satã, vodka e lixo, eram Transformer.
   Falar dos filhos do Velvet e de Lou? Quantas laudas? De Television a Joy Division, de Cars a Roxy Music, de Smashing Pumpkins a Talking Heads, Cowboy Junkies e Echo, Jesus and Mary Chain, Ultravox, Suede...Bandas de preto, moços contidos e cool, baladas com sons desafinados, barulho, confusão, escuro, niilismo e poesia, muito noise...Sonic Youth, Pixies....
   Meus amigos sempre piravam quando eu lhes tocava The Gift ou Waiting from my Man...ou viravam fãs ou abominavam. Mas nunca a indiferença. Mal eu sabia que a reação era a mesma em todo o mundo. E que, como disse um repórter da Rolling Stone em 1981, pareceu sempre que os poucos caras que ouviam Velvet Underground montavam sempre uma banda. Porque Lou nos liberava, fazia com que a gente botasse tudo pra fora, pirasse a caísse na estrada.
   Lou agora foi pro céu de Rimbaud, de Poe e de Leadbelly. 
   E a gente fica aqui. Waiting From My Man...