PRÉDIOS DE VIDRO E UM CÓDIGO FLORESTAL

Em Nova Iorque existe um novo tipo de profissão. É o cara que fica na calçada, em frente a um prédio, com pá e vassoura na mão. Sua função é recolher os pássaros mortos que desabam após trombar nas janelas espelhadas dos edificios. Uma mancha de sangue é logo removida também, e a vida continua. Pássaros batem nas janelas pensando que o reflexo do céu significa mais céu, liberdade. Se esborracham. Uma amiga me conta que já viu 3 maritacas morrerem num prédio da Paulista. E dái???? Voce pode dizer. É o preço de um lindo edificio. Te respondo baby: Esse prédio lindo é uma porcaria. Lixo descartável que não vai sobreviver a seu neto. E que quando for implodido não despertará o protesto de ninguém. Construções como eles existem aos milhares, são incapazes de criar HISTÓRIA. Voce os olha e não vê qualquer sinal de personalidade. E digo mais baby: Mesmo que voce possua desprezo pela vida, mesmo que voce diga "é só uma centena de pássaros....existem tantos por aí....", eu te digo, há uma mensagem nisso, basta saber ler.
O homem consegue fazer alguma coisa sem literalmente foder alguma coisa? O simples ato de se abir uma rua, fazer uma casa ou fabricar um copo, pode ser feito sem arruinar o equilibrio? Se pode, que assim seja! Se não é possível que se deixe de fazer.
O mundo vive uma grande ditadura. A do progresso. Foi fixado na cabeça de todos que o progresso tem um preço e que é impossível não pagar esse preço. Isso é tão repetido que abaixamos a cabeça e murmuramos amém. E se alguém ousar dizer que não, que esse tipo de evolução é ilusória, será tratado como herege, tonto ou pior: um reles perdedor. O nome dessa situação é ditadura.
Um pássaro vale muito mais que todos os prédios. Pelo fato de que podemos fazer um milhão de novos prédios, mas somos incapazes de dar vida a qualquer ser. Por mais que voce sofisme, esse argumento é claro e limpo.
O problema é que nada no homem, hoje, pode ser claro e limpo. Foi um dia, mas nos embrenhamos no obscuro e sujo. E tudo o que fazemos sempre tende a sujeira e a escuridão. Prédios se farão ruinas e ruas serão imundas. O progresso se mede pela construção de lixões.
Se voce ainda não viveu o bastante não saberá, talvez, do que falo agora, mas quem tem por volta de 40 anos já sentiu na pele a decadência inexorável das coisas. Das coisas feitas pelo homem. As naturais se renovam. Uma praia deserta se revista trinta anos depois estará como sempre. Um condomino nessa praia após trinta anos é velho e ultrapassado. Tudo que o homem faz tende ao obsoleto. Com duas únicas excessões. A arte verdadeira e a religião. Que na verdade nascem do mesmo impulso, a transcendência espiritual. Daí posso dizer que aquilo que é feito com a alma vence o tempo. O resto é lixo.
Entenda por alma o que desejar crer. Mas por religião não entenda igreja.
Na pulverização do mundo da infiormação todos falam de ecologia, de bichos fofos e de arte. Mas ninguém sabe do que fala. A experiência espiritual se transforma em informação e essa informação vira uma fofoca. Como Nietzsche sabia, se voce quer matar um sentimento fale dele.
Tudo no mundo tende a fofoca e a fofoca é a conversa feita em forma de lixo. Se fala de como Thomas Pynchon é esquisito mas não se fala de seus livros. A vida pessoal de Sarkozy é dissecada, mas ninguém quer saber de suas propostas ( que não existem na verdade ). É a cultura da biografia. Não da inteligência.
Para ser artista hoje é preciso produzir fofoca. Von Trier é mestre nisso. Até o nome de seus filmes chama uma fofoquinha. Mas pior que isso, os filmes são fofocas em si. Vamos espiar, dar uma espiadinha na vida doentia e louca daquele cara que faz coisas tão esquisitas. O cinema de arte, arte que não passa de um tipo de jornal sensacionalista com pretensões a seriedade, nada mais faz que nos convidar a espionar. Nada mais.
A grande mensagem de hoje seria a da vitória sobre o lixo. Modos de vida sem destruição, coisas que não se fizessem obsoletas, arte que não fosse esquecível. Triste constatação, no vazio absoluto de propostas revolucionárias que há no mundo, nada irá mudar. Podemos optar pelo liberalismo total ( que é o equivalente a se jogar o lixo debaixo do tapete ), um esquerdismo nostálgico ( que é como tentar reviver o que não deu certo ) e o obscuro caminho dos fanatismos do oriente e seus equivalentes ocidentais ( nazismo, stalinismo etc ). Todos esses pensamentos se equivalem, pensam na produção, no objetivo e nunca no caminho enquanto é vivido. Pensam no que virá.  Fazem lixo, deixam dejetos, enferrujam.
O dia em que China, India e Brasil passarem a consumir tanto quanto um europeu, o mundo entrará em colapso. Uma conta à lápis prova isso. Se a Africa começar a comer será o fim de tudo. Nosso sistema, seja esquerda ou direita, precisa de uma casta de consumidores e vastas regiões pobres para explorar. Quando todas forem consumidas e seus moradores passarem a poder consumir, precisaremos de outros planetas para pilhar. É uma lógica do século XVIII, criada quando apenas a Europa comia e o resto do Globo podia ser comido. Tantos séculos depois a nossa cabeça continua pensando igual.
Tudo isso é simbolizado na maritaca caída na calçada.

A VIRGEM E O CIGANO- D.H. LAWRENCE

   O problema de Lawrence sempre foi as paredes. Ele as odeia. O espaço livre, sem muros, sem portas e sem paredes, esse seria seu paraíso. Todo livro seu é em síntese a tentativa de se destruir uma parede. E Lawrence sabia que as piores paredes eram aquelas feitas de carne e de alma. O sexo era para ele uma tentativa de derrubar a parede do corpo. O sexo uniria duas esferas ao destruir uma inibição: a corporal. Tradição, politica, igreja, costume, educação, contra tudo que significasse "muro" Lawrence se insurgia.
  Neste livro, sufocante, há uma familia. O pai foi abandonado pela esposa que fugiu com jovem amante. Deixou as filhas para trás. O pai cria as duas meninas com tias e avós. A velha avó, cega, domina a casa. Casa onde tudo é ressentimento, máscara, convenção e inveja. Surge então uma carroça cigana, e a irmã mais jovem irá sonhar com a liberdade. O sexo espreita.
  D.H. Lawrence nasceu em meio pobre. Casou-se com alemã ebuliente e seus livros sempre provocaram escândalo. A tuberculose marcou sua vida. Ele morreria com 45 anos, em 1930. Lutando pela vida, Lawrence viajou por México, EUA, India, Marrocos. Criou uma religião pessoal, um tipo de irmandade de almas onde Deus era a união das vidas da Terra. Glorificava tudo o que era livre, primitivo, não-civilizado. Sabendo de seu pouco tempo de vida, escreveu muito, com pressa. Mais de 50 livros.
  Lawrence não teve a calma para desenvolver a arte que sua ambição pedia. Mas nos deu de presente algumas páginas vitais, exageradas, coloridas, cheirosas, arriscadas. É hoje um dos autores "fora de moda". Ele ficou no limbo dos artistas que colocavam o idealismo acima de tudo. Nosso tempo abomina todo ideal. Harold Bloom pensa que Lawrence um dia voltará a ser "da moda". Penso que não. Nosso caminho será cada vez mais fragmentado, diminuto e sofista, o mundo dos grandes arroubos de coragem e de sonhos livres será código estranho e com o tempo indecifrável.
  Lawrence, se lido aos 15,16 anos pode dar um belo impulso a vida de seu jovem leitor. E se lido mais tarde pode recordar algo de precioso que há na vida. A vontade de ser voce-mesmo. Para Lawrence, o mais certo dos bens. E o único modo de justificar uma vida.

WYLER/ EASTWOOD/ CRONENBERG/ STURGES/ CAPRA/ SODERBERGH/ PINA/ CARY GRANT

   SUBLIME TENTAÇÃO de William Wyler com Gary Cooper, Teresa Wright e Anthony Perkins
Concorreu  a seis Oscars em 1956 e perdeu todos. Mas é um muito bom filme realizado pelo mais profissional dos diretores da América. Wyler tem uma impressionante lista de filmes, de sucessos e de prêmios. Aqui ele fala de uma familia de Quacres, que nos EUA da época da guerra civil, se recusam a lutar. O filme é lindo de se ver, cor e cenários são imagens ideais de um passado bucólico. Mas esse bucolismo é manchado pelo mundo. Perkins, muito jovem, está comovente como o filho que parte para a guerra. Ainda sem os tiques de Norman Bates, ele realmente prometia ser um novo tipo de ator, frágil, hesitante. Cooper prova mais uma vez ser um grande ator. Vemos em seus olhos a confusão de um pai que não sabe mais como agir. Cinema grande, vasto e muito satisfatório. Nota 8.
   OS ABUTRES TÊM FOME de Don Siegel com Shirley MacLaine e Clint Eastwood
No México, Clint encontra uma freira e a salva de ser violentada. Juntos, eles cruzam um deserto e lutam contra as tropas de Maximiliano. A trilha sonora é de Ennio Morricone e a foto de Gabriel Figueroa. Tem um jeitão de western italiano, um ar de não seriedade, de pastiche. Uma diversão apenas ok, feito em tempo em que tanto Clint como Shirley não eram levados a sério. Nota 6.
   UM MÉTODO PERIGOSO de David Cronenberg com Michael Fassbender, Keira Knightley e Viggo Mortensen
O elenco é bom, mas o roteiro de Hampton é banal. Caretésimo, se parece muito com aquelas séries solenes que a BBC fazia nos anos 70. No fundo, se a gente trocar os nomes dos personagens, é a velha história do filho que quer ser independente do pai. E do pai que, com sua autoridade ameaçada, passa a exigir obediência do filho. Tudo recheado por sofrido caso de amor. A criatividade passou muito longe daqui. Enfadonho. Nota 4 dada ao belo trabalho dos 3 atores.
   MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA de Peter Webber com Scarlet Johansson e Colin Firth
Revisto agora se revela uma quase ridicula recriação de um momento crucial na história da arte: a gênese da mais famosa pintura de Vermeer, o mais valorisado dos pintores. Firth, que como provou em O DISCURSO DO REI, é um dos melhores atores em atividade, nada tem a fazer aqui. O pintor é tão real quanto o é o Jung de Fassbender. Tem a profundidade de um boneco de palha. Scarlet nunca esteve tão bonita, na verdade o filme é dela. Lento, sem emoção, monótono. Nota 1.
   CONTRASTES HUMANOS de Preston Sturges com Joel McCrea e Veronica Lake
Recém lançado em DVD, mostra o talento esfuziante de Sturges.  Um diretor de filmes escapistas, resolve fazer uma obra relevante. Parte então à estrada, para conhecer e viver a vida dos pobres. Mas seus empregados seguem sua estrada e ele não consegue ser um pobre. Acaba conhecendo uma aspirante a atriz e é preso quando sem documentos é confundido com assassino. Na prisão é que ele dará valor a seu trabalho, em uma cena simples e inesquecível. Este filme foi homenageado pelos Coen em E AÍ MEU IRMÃO...Preston Sturges vive hoje um momento especial, sua obra é finalmente reavaliada. Nota 9.
   ESSE MUNDO É UM HOSPÍCIO de Frank Capra com Cary Grant
Uma dupla de adoráveis velhinhas mata seus hóspedes com veneno. Grant é o sobrinho delas que não sabe o que fazer. Relançado agora, a Veja elogiou muito, assim como o Estado. Apesar de eu ser fã de Cary Grant, eu não gosto deste filme. É exagerado, nervoso demais, passa do tom. Capra voltara da segunda guerra mudado. Se antes seus filmes eram odes otimistas ao homem comum, aqui ele se mostra confuso. Cary parece estar em filme de Hawks, sua atuação maluca não se casa com a dos outros atores. Nota 3.
   SAN FRANCISCO de WS Van Dyke com Clarck Gable, Jeannette MacDonald e Spencer Tracy
Imenso sucesso dos anos 30, é um filme quase insuportável. Uma baboseira sobre dono de bar que se apaixona por moça "certinha" que quer ser cantora. Gable faz seu papel padrão, um machão sorridente e levemente mal caráter. Jeannette canta demais. E Tracy faz um padre que a aconselha. O filme se redime em seu final, a cidade de SF é destruída pelo terremoto de 1906. Os efeitos, por incrivel que pareça, ainda impressionam. O terremoto é mostrado com cortes espertos, paredes que caem e multidões em pânico. Funciona e muito bem. Mas até chegar a esse final emocionante o filme é um nada. Nota 3.
   IRRESISTÍVEL PAIXÃO de Steven Soderbergh com George Clooney, Jennifer Lopez, Don Cheadle e Luiz Gusman
A trilha sonora de David Holmes é um show em si mesma. Uma recriação das trilhas cool dos anos 70, ela mistura Schiffrin com Hayes e funk tipo Clinton. Estupenda! O roteiro é sobre um ladrão de bancos que se envolve com policial feminina. Clooney está excelente. Ainda em sua fase galã, ele dá uma aula de estilo. Adoro esse tipo de filme que Soderbergh sabe tão bem fazer. O filme tipo "espertinho", uma recriação de Steve McQueen com Peter Yates e Norman Jewison. Foi com este filme que a carreira de Steven foi salva. Revisto agora, ele ainda diverte, Nota 7.
   PINA de Wim Wenders
Quando Wenders acerta ele faz filosofia ( ASAS DO DESEJO ), ou poemas visuais ( PARIS TEXAS ). Aqui ele faz uma filosofia poética em movimento. O cinema de agora pode ser salvo se assumir seu caráter de pesquisa visual. Os ótimos HUGO e O ARTISTA enfatizaram esse fato. O futuro está na imagem e não em dramaturgia.  Este filme nos convence do futuro possível. O deslumbre de imagens que se movem. O cinema jamais poderá se renovar ao repetir os passos de tanta gente que já esgotou a linguagem dos dramas e dos simbolos. Ele sobreviverá em seu aspecto de espetáculo plástico. Seja o movimento sem palavras ( eis a modernidade corajosa e radical de O ARTISTA ), seja em sonho de beleza ( o jogo de Scorsese em HUGO ). Wenders lança a opção do movimento puro. Poesia possível. Nota 9.

Mitsuko Uchida in Piano Concerto No 20 in D minor KV 466 Allegro by W.A...



leia e escreva já!

OTTO MARIA CARPEAUX, PAULO FRANCIS, MOZART, NELSON FREIRE, COWARD E BEBÊS

   Alvíssaras! Hallellujas!!!! O maior dos pianistas toca em São Paulo a melhor das músicas! O inigualável Nelson Freire toca o concerto número vinte para piano e orquestra, de Mozart. Na sala São Paulo. Ouvir o concerto 20 de Mozart justifica toda uma vida. O gênio da Austria antecipa o gênio de Bonn. É música absoluta, existencial. Tudo o que se pode expressar de belo e de terrível em arte é dito nesse concerto. Que se inicia com os mais soberbos acordes. Já escrevi sobre esse concerto anos atrás. Digite Mozart aí ao lado e leia. Mas preciso dizer:  ninguém que diga amar a música pode ser levado a sério se não houver vivenciado a honra de escutar esta peça. Se minha vida fosse mais elevada ela seria digna de um acorde desse concerto. Recordo que ao o escutar pela primeira vez, em 1979, pensei: "Deus existe!" Pois essa música nos dá a certeza de que um punhado de neurônios e de proteína não poderia criar tanta emoção. Se Deus não existe, então Mozart criou aqui a Sua melodia. Justifique a sua vida, vá ver e ouvir.
   Sairam dois volumes com textos de Otto Maria Carpeaux. O famoso OMC. Carpeaux civilizou esta taba. Escrevendo em jornal e revista, ele formou o gosto de três gerações. Otto dá a sensação de ter lido tudo, visto tudo e escutado o que vale a pena escutar. Seu "História da Música Ocidental" é tudo aquilo que se deve ler para se iniciar nos segredos da grande música. Nestes volumes ele fala de escritores, filósofos, pintores, amigos, e outras coisas mais. Se voce quer dar um salto de qualidade em sua vida leia os dois. Foi OMC quem, com seus verbetes na velha Barsa, me abriu ouvidos para compositores e olhos para certos autores. O que me leva a pensar o seguinte: as pessoas ainda entram em enciclopédias, mesmo virtuais, para conhecer aquilo que não conhecem? Procurar quem são os maiores autores ou os grandes pintores? Ou precisa um professor, um amigo, ou pior, uma noticia de jornal, para que o garoto ouça o nome de alguém que ele já deveria ter conhecido por iniciativa própria. OMC vai ajudar muito esse garoto. Mas acho que quem irá lê-lo é aquele que já conhece aquilo sobre o que ele fala. Pena.
   Publicaram um volume com colunas de Paulo Francis. Aconselhável para aqueles que entenderam a frase de Scott Fitzgerald que Pondé citou: "Inteligência é a capacidade de ter duas ideias divergentes ao mesmo tempo. E mantê-las." Francis era o máximo da inteligência. Já falei e repito, sem ele eu jamais teria sabido apreciar os atores ingleses ( Rex Harrison, Gielgud, Redgrave e Olivier ), ou autores como Waugh e Huxley. A única coisa que me irritava nele era sua idolatria a Wagner. Fora isso ele era perfeito.
   Escrevi por aí que SP tinha a alegria de ter peça de Noel Coward em cartaz. Esqueça. Transformaram o mais fino dos ingleses em um tipo de "Sai de Baixo" de segunda. Harold Pinter não teve melhor destino. Seu beco sem saída, sua acidez, se transformaram em teatrinho de raivinha. Um saco.
   Mas "Pina" de Wim Wenders ainda está em cartaz. Espero que voce mereça ter esse deslumbramento.
   Leio na Veja que as pessoas viverão até os 100.
   O que me irrita na esquerda é sua cegueira, e o que me irrita na direita é seu otimismo cor de rosa. Vamos viver até os 100? Quem vai pagar a conta? Os jovens irão ter menores salários? Ou as aposentadorias começarão aos 85? God!!! Um mundo cheio de velhos de 90 se comportando como adolescentes!!!! Pior, uma adolescência que irá dos 10 aos 90 !!!!! Bandas de rock com 100 anos de estrada e "Se Beber não Case" parte 38.... Socorro!!!!!
   Meu professor fala que o feto é marcado para toda a vida por tudo aquilo que a mãe lhe fala e pelo som ambiente. Não tenho culpa de ter sido um feto vivendo no paraíso. Cantos de pássaros, galos de noite e Sinatra que meu pai ouvia de manhã. A depressão que sinto às vezes decorre de ter conhecido o paraíso e de hoje ter de me conformar com o apenas "legalzinho". Se hoje nossos bebês estão conhecendo a vida via Funk, carros que buzinam e anúncios barulhentos na TV; eu recebi as boas vindas ao som de conversas na sala, vozes de crianças na rua e Beatles mais Roberto Carlos no rádio de minha mãe.
   Não consigo imaginar paraíso melhor.

POLTRONAS MACIAS E IDAS À COPENHAGUEN

   Isto deveria ser lido após o texto daí de baixo: Yves de La Taille.
   Se o mundo de hoje é constituído em sua quase totalidade de "turistas", e como sabemos, com certeza, que todo turista tem pressa, não quer perder tempo ( para poder se "divertir" ), então onde ele quer chegar?
   É provável que ele saiba, mais do que qualquer pessoa comum em qualquer outro tempo, que o que o aguarda no fim de tanta pressa e de tantas realizações seja a morte. Nosso tempo tem asco de tudo que signifique antiguidade ou permanência por ter a certeza, sorrateira, de que a morte sempre vence e então tudo se faz inútil, inclusive sua própria vida. Para que se ocupar com "eternidades"? Para que pensar no bom e no bonito?
  Essa redução que a morte produz, essa humilhação, faz com que cada momento de reflexão seja momento de horror. Porque? Sim, o homem se diverte incessantemente ( ou tenta ), para se distrair do vazio, do nada, da futilidade da vida. Mas porque a vida se fez esse vazio sem sentido?
  A fixação no objetivo fez com que o percurso fosse visto como um empecilho. Tudo então passa a ser um tipo de inimigo. A montanha que obstrui o trem, a chuva que alaga a estrada, a mata que traz doenças, o próprio tempo que passa devagar demais. Na ânsia pelo objetivo o homem se torna um inimigo do tempo e da fruição natural desse tempo. Nessa forma de vida é IMPOSSÍVEL a comunhão com o tempo e com o lugar. O meio deve ser destruído e o tempo acelerado: diversão.
  O momento vazio, que seria a hora do ócio, passa a ser a hora do tédio. E tudo se torna cada vez mais entediante. E para fugir desse tédio vale tudo.
  O peregrino não sente tédio. Ele pode sentir tristeza, cansaço, melancolia, mas inexiste o tédio. Isso porque ele olha as coisas como coisas INTERESSANTES. No momento do vazio ele vê a chance de apreciar, de olhar e de compreender o que o cerca. Ele sente gosto pela hora que não passa e se encanta com a paisagem vista outra e outra vez. Ainda possui o ócio. Sabe da morte, mas entende que ela faz parte da peregrinação e não a percebe como fim. Para o peregrino o valor maior não é o prazer efêmero da diversão. Ele valoriza sobretudo aquilo que tem narratividade, que conta uma história, que ensina e que dá sentido. Coisas que são "para sempre".
   Roger Cohen, no Times de ontem, fala da covardia das novas gerações. Num texto que será visto por quem tem 15 anos como ressentido, ele conta que dá graças pela sorte de ter nascido quando nasceu. Após as guerras e antes do fim do Ocidente ( que é o que acontece agora baby ). A geração dele descobriu a liberdade, que tinha gosto de coisa nova. Era uma geração cheia de dinheiro e com a confiança em valores como cultura e crescimento ainda intactas.
   Roger Cohen exclui de suas considerações o Brasil, a India e a China. Ele diz que nesses países ainda há alguma coragem. Mas o que faz Cohen escrever tal texto?
   Um fato que tem passado despercebido. Gregos, espanhóis, irlandeses sequer tentam sair de onde estão. Eles reclamam, choram, balbuciam, mas não têm a necessária coragem para correr o risco de imigrar. Se seus avôs correram o risco de procurar o futuro na América, na Austrália ou na África, esses jovens medrosos não conseguem sair da letargia e nem à Ucrânia ou Noruega têm ânimo de ir. Vão como turistas, mas jamais ambicionam uma nova vida.
   É uma geração incapaz de abrir mão da segurança.
   Roger Cohen ainda fala do tal mundo mais aberto. Fala-se muito que o mundo está mais aberto, sem fronteiras.
   Quando Roger tinha 17 anos ele e 4 amigos foram de carro da Inglaterra até Cabul. Cruzaram pela Turquia, Irã e Afeganistão. Neste mundo aberto, isso é possível? ( Aliás isso me lembra que eu andava de carona por SP. Ir à Ubatuba de carona, é possível ? ).
   Os jovens postam mensagens de protesto sentados em poltronas macias. E acham que isso é participar. Será?
   Me parece que esse texto é um belo complemento ao texto do turista e do peregrino.

VIVER É NÃO FAZER COISA NENHUMA ( UM CAFÉ COM YVES DE LA TAILLE )

   Amo tanto a vida que chega a dar tristeza. Porque sei que não estarei aqui para sempre. Mas não amo a vida pelas coisas que faço. De tudo o que fiz de nada sentirei falta. Amo o que há na vida. Por exemplo.
   Enquanto escrevo um galo canta longe. Isso me dói de saudade antecipada. Morrer e não ter mais galos. Sei também que a Lua viaja lá em cima. E sei que vou vê-la daqui a pouco. E da Lua sentirei uma falta que vai doer. É dessas coisas que sentirei falta e são essas coisas que eu amo. Uma poça de água, as nuvens rosadas do fim da tarde, o olhar de um cão, o bando de maritacas gritando nas árvores, cemitérios de manhã cedo e gente saindo da igreja. O barulho da chuva, o cheiro de terra molhada, as árvores numa tarde de frio, neblina e abelhas voando. O mar e o cheiro de um corpo de mulher... A vida.
   Mas há quem ame a vida por aquilo que fez nela. Vai sentir falta de certas festas, certas viagens, certas noites. OK. Mas essa não é minha praia. A vida não é o que voce faz dela ou com ela, a vida é saber apreciar sua passagem.
   Finalmente um Café Filosófico que valeu alguma coisa. O psicólogo Yves de La Taille fala sobre a vida. E para isso ele aborda a educação. Mais ainda, ele levanta a teoria de Bauman. Qual teoria? A que nos pergunta: Voce e a vida de agora, ela é um ato de turismo ou um ato de peregrinação ?
   Não se fala de viagem. Mais que isso, o que se diz é de postura na vida, modo de estar na existência. Então reformulo, voce vive dia a dia como um turista ou como um peregrino?
   Ambos estão de passagem e em movimento. Pois a vida é passagem e é mover-se. Mas as semelhanças são apenas essas. Senão vejamos...
   O turista não se interessa pelo caminho. Ele quer chegar rápido. Tem um objetivo, o lugar onde ele vai se divertir. Ou descançar. Ou se educar. Não importa, o caminho é um obstáculo a ser vencido.
   O turista não tem tempo a perder. E ele tem objetivos. Mesmo que esse objetivo seja apenas o descanço. Há algo de concreto a ser ganho, um plano, um itinerário.
   O lugar onde o turista vai é "charmoso". E ele ansia por contar aos outros o que lá fez. Há uma "informação" para ser dividida.
   O peregrino valoriza o caminho. E esse caminho deve ser longo. A estrada é observada, saboreada, vivida. Ela é a rota. Mas essa rota pode ser mudada ao sabor do acaso. Ou melhor, pela intuição. A peregrinação nada tem de racional, ela desperdiça tempo, ela se guia por motivos vagos, e nada tem de divertida.
   O peregrino mal sabe o que significa diversão. O que o move é a "fé". Ele tem a esperança de se encontar no caminho, de crescer, de ter uma iluminação. O objetivo é mero pretexto, o que ele quer é um caminho sem final.
   Esse peregrino nada tem a informar. Os amigos pensarão que ele jogou tempo fora. O lugar não é charmoso. Se ele puder falar dirá uma narração e não uma informação. 
   O turista viaja para continuar sendo e ganhar, o peregrino quer deixar de ser e vislumbrar.
   O mundo moderno é dos turistas. Todos temos a certeza de estar de passagem. E nessa passagem nos divertimos sem parar um minuto. Contradição: Nunca fomos tão pessimistas, encaramos a vida como mero acidente, um caminho árduo e sem graça, e então, assustados,  tentamos nos distrair, nos divertir.
   A diversão como bem maior só é prioridade em sociedades que perderam a fé na vida.  Onde nada faz sentido tudo é tédio e onde tudo é tédio só existem duas opções: se divertir ou morrer. E nesse mundo se voce não se diverte, voce só pode estar morto.
   Ócio.
   O ócio é uma arte  e era ensinado na Grécia. Saber nada fazer. Ficar dias, semanas sem fazer coisa alguma e ser feliz assim. Apenas observar, mais que isso, aprender a contemplar.
   Existem religiões que dizem que toda a sabedoria está na contemplação.
   Isso ainda existe?
   Meu conflito nunca foi de mim com eu-mesmo. Sempre foi de eu e o meio/tempo.
   Sou um contemplativo, mas vivo em tempo que martela em minha mente que isso é errado. Tempo em que até o descanço deve servir para algum bem.
   Mas e se eu falar que a vida melhor vivida é aquela que é contemplada? Que só essa vale a pena? Fazer é perda de tempo, viver é não fazer. Olhar o tempo se escoar em contemplação de pensamentos e de coisas "imperecíveis". Porque nada é mais futil, perecível e enganoso que a diversão, o prazer que se esvai, a ação pela ação. Isso é viver de fato? Agir e agir e agir e agir....
   Eu amo o galo que canta. Não amaria criar galos ou comer galos ou estudar galos. Quero ouvir e ver o galo que canta.
   Yves fala de um belo sintoma que exemplifica a falência de nossa sociedade:
   Quando seu pai ( e posso dizer que eu mesmo cheguei a viver isso onde nasci ), quando seu pai andava de noite sózinho, numa rua escura, ele sentia medo. Daí quando ele ouvia passos de alguém vindo em sua direção ele sentia alegria e alivio. Alguém vem vindo, que bom!
    Hoje se voce estiver só numa rua deserta, de noite, e ouvir os passos de um estranho vindo em sua direção, o que vai sentir? Medo. O que isso quer dizer? Que antes a vinda de um homem era uma boa nova. Havia a confiança na moral desse homem, em sua virtude. Agora, o que sentimos é a desconfiança desse homem, a certeza de que todo homem é imoral e nada virtuoso.  Eis a falência do mundo.
    Precisamos de mais peregrinos, de gente que saiba olhar o caminho. De gente que consiga ser ociosa.
    Eu sou um peregrino que vive em mundo de hotéis, spas e informações vazias. E sinto pena por ter perdido o maravilhoso dom ocioso que eu tinha.
    Como era bom saber não fazer nada e se sentir feliz por isso!!!

O LEILÃO DO LOTE 49- THOMAS PYNCHON

   O tema é: Ou o mundo é um delírio paranóico, onde todos somos loucos, TODOS; ou tudo faz sentido. São duas opções radicais. Se voce escolhe o não-sentido, então voce tem de assumir a vida sem nenhum sentido. E não procure encontrar um porque em voce, na história do mundo ou em teorias de intelctuais que são tão loucos quanto voce e o mundo.
   E se voce escolhe o sentido, então tenha a humildade de saber que se ás vezes voce não percebe o sentido das coisas o problema está em sua percepção e não nas coisas. ( Eu sempre pensei fazer parte do primeiro grupo. Mas mesmo a falta de sentido pra mim faz sentido ).
   Outro tema: Teria havido uma chance de diversidade na humanidade. Mas ela se perdeu. Hoje somos todos o mesmo. Todos seremos idênticos, padronizados.
   Se o mundo se dirige a uma comunhão de circuitos minúsculos de IBM ( e ele escreveu isso em 1964!!! ), nós nos tornaremos minúsculos circuitos integrados e ligados um com o outro.
   Mais um tema: Bastava apenas ter olhado...O sentido está no olhar que atenta. A vida nos manda milhões de cartas, mas ignoramos a todas. Na verdade não todas, em uma vida percebemos duas ou três. Só nos ligamos nessas mensagens quando estamos doentes, daí lemos a doença em tudo. Saudáveis nos distraímos.
   Tema: Saber ler a vida é um ato religioso. E religião é a fé na espera. ( Saber ler a coincidência: especial com Fellini na TV onde ele diz que ter fé é esperar, saber esperar, ter a paciência da espera ). Não correr, não fugir, não fazer, esperar e esperar. E então receber a mensagem. E ler os sinais.
   Tema ( mais um ): os zeros e os uns do código binário caem sobre nós. Alguns serão o um, outros serão o zero, e é tudo. O resto é paranóia. Nosso destino está feito para nós pela história e pela evolução. Ou não???
   Fazemos força para não ver. E então fazemos força para crer em qualquer coisa que nos faça deixar de esperar calados. Não percebemos os furos e erros em nossos gurús, sejam eles Marx, Freud ou Hegel. Nos cegamos e aceitamos a visão já pronta "deles".
  Édipa Maas é casada com Mucho Maas. Um ex-namorado morre, milionário, e deixa para ela o cargo de inventariante de sua fortuna. Mas ela se envolve em nóia. Símbolos de uma confraria que sabota o correio desde 1650. E tudo se preicpita, as coisas mudam. O marido se torna zen, o analista se vicia em LSD e é preso. Uma odisséia pela noite gay de San Francisco. Bandas de rock com maconha e letras tolas. Um diretor de teatro que se mata. Um autor do século XVII que deixa pistas. Uma multidão de personagens esquisitos, repugnantes, hilários.
  Édipa se desespera. Pra que saber o que tudo aquilo significa? Será tudo uma brincadeira? Será verdade?
  O livro pesa na cabeça de quem o lê. Faz sentido ou é pura loucura? O que ele tenta nos dizer, ou será que o sentido é apenas o que está escrito?
  Thomas Pynchon é odiado por muitos e torna-se obssessão de outros. Não dá pra ficar indiferente. O livro não termina.

CONTRASTES HUMANOS ( SULLIVAN'S TRAVELS ), UM ESBANJAMENTO DE INTELIGÊNCIA

   Preston Sturges é hoje objeto de culto mundial ( exceto no Brasil ). Mas durante os anos 50/60/70 e 80, ele esteve esquecido. Com os dvds foi reabilitado. Toda uma nova geração assiste seus filmes e fica surpreso: quem era esse cara???
   Sturges fez muito sucesso. De bilheteria e de crítica. Mas só durante oito anos ( 1940-1948 ). Antes disso ele foi roteirista. E antes de Billy Wilder ou John Huston, foi o primeiro escritor a virar diretor. Por ter dado certo, o sinal ficou verde para todos os que vieram depois. Incluindo Orson Welles, Joseph L. Mankiewicz e Richard Brooks.
   Uma figura excêntrica. Mais que isso, uma figuraça!
   Sturges amava as comédias sofisticadas de Ernst Lubistch, mas unia aos diálogos inteligentes e cheios de leveza, o pastelão. E uma ousadia criativa que era só dele. Veja os temas de seus sucessos:
   Num deles uma mulher sai com um bando de fuzileiros. Ao acordar da bebedeira descobre que se casou com um deles. E depois que está grávida. E não consegue lembrar com quem. Ao final dá a luz à sextuplos.
   Em outro filme, um caipira finge ter ido a guerra e se torna prefeito.  Há um outro sobre uma moça que não consegue se casar por ser uma vendedora de canos de esgoto. E tem a história do maestro que sente tanto ciúmes da mulher que acaba por obrigá-la a achar um amante. Aliás, nos filme de Sturges mentir é sempre um bom negócio.
   Preston Sturges nasceu nos EUA, mas foi criado na Europa. Sua mãe foi uma aventureira que se casou 8 vezes.  Uma das amigas da mãe de Preston se chamava Isadora Duncan e um dos amigos era o bruxo e ídolo de Raul Seixas e Paulo Coelho, Alistair Crowley. O jovem Struges cresceu entre gente muito rica, muito famosa e muito esquisita. Quando voltou a seu país, Sturges se fez escritor, ganhou um Oscar de roteiro e passou a dirigir.
   Seus sets eram o oposto de todos os outros sets. Servia bebidas, abria tudo para jornalistas, fãs e até para excursões de turistas. Fazia piadas todo o tempo, ia trabalhar montado num pula-pula. Era interessado por ciência e por comida. Inventava engenhocas e abriu um restaurante. Perdeu fortunas nos dois hobbys. E se tornou alcoólatra.
   CONTRASTES HUMANOS trata-se de um tipo de defesa da comédia. Filosoficamente ele é impecável.
   Um diretor de cinema, milionário, se sente incomodado por fazer filmes escapistas. Resolve então escrever um grande filme para os tempos miseráveis e duros em que todos vivem. O que ele faz? Se veste de mendigo e cai na estrada "para conhecer a vida real".  Mas é seguido por uma trupe de empregados e jornalistas. Tenta fugir deles, mas sempre acaba por voltar a seus cuidados. No caminho conhece uma aspirante a atriz e com ela pega trens como carona, mora em albergues, enfrenta a fila da sopa grátis. Percebe então que é impossível ser o que não se é, e desiste de sua ilusão. Mas algo inesperado acontece, ele é roubado na rua, fica sem documentos e acaba por ser preso. Torturado numa colônia penal, aprende então o que é ser realmente pobre. Vem dái o grande momento do filme: uma sessão de cinema numa igreja, onde os miseráveis assistem um cartoon do Pluto e riem. O diretor que queria fazer filmes "relevantes" percebe o valor da comédia.
   De volta a Hollywood ele dirigirá comédias, agora sabendo que são elas o máximo de "relevancia" que o cinema pode dar.
   Os irmãos Coen fizeram uma homenagem a este filme com "E AÍ MEU IRMÃO, ONDE ESTÁ VOCE?" O filme relevante, dramático, que o diretor do filme pensava em filmar se chamava "O BROTHER, WHERE ARE THOU?" O filme dos Coen é a filmagem desse filme que não foi feito pelo diretor do filme de Preston Sturges. Coisa de gente moderna né?
    Este filme é fascinante. Não conheço maior defesa da comédia, e raros diretores são tão criativos. Sturges filma como quem sabe mais do que mostra. Tudo nele tem ironia, há inteligência em cada fotograma. E ao mesmo tempo existe amor a seus atores e a seu público. Ele não sobe na cadeira e grita: - Sou um gênio!", ele apenas faz as coisas e sabe que somos nós quem iremos subir na cadeira e gritar.
   Joel McCrea tem aqui o papel de sua vida. Ator galã, ele tem o rosto do homem mimado e ingênuo, transpira boas intenções, é na verdade um tolo. Veronica Lake, sex-symbol dos filmes noir, atriz cult de hoje, tem uma presença sublime. Seu rosto duro, ácido, sério, funciona como o oposto de Joel McCrea. E ela tinha a voz mais sexy de Hollywood. Preston, sabido como era, ignora o que eles eram e os usa como seus contrários, Joel como um intelectual inocente e Veronica quase assexuada.
   Clássico do cinema, comédia incluída entre as maiores, é um filme para se reverenciar.
  

DEPOIS QUE FIQUEI ADULTO ( E FOI UMA LONGA ESTRADA ), ESTA É MINHA BANDA

Roxy Music aos 30 anos.
Stones aos 20.
Mas depois dos 40 e até o dia em que me for, The Band.
Porque?
O som. É como andar um longo caminho e de repente chegar em casa. Rock feito de esperança, de verdade e de um estranho dom de amizade. Banda amiga.
Foram grupo de apoio de Dylan. Canadenses. Eram eles que estavam com Dylan na excursão à Inglaterra em 65, que mostrou a Lennon e Jagger o quanto eles eram bobos. Em 69, quando Bob deu um tempo, eles foram pro rancho dele e gravaram uma obra-prima: The Big Pink. Eric Clapton diz que esse disco salvou a vida de muito maluco perdido. Inclusive a dele. Desde de então, Clapton tenta soar como The Band.
Robbie Robertson era o guitar. Suave, delicado, sutil. É meu guitarrista favorito de todos os tempos.
Rick Danko tinha um baixo suingante.
Richard Manuel tocava teclado. E tinha voz de dor pura. Se enforcou nos anos 80. Heroína.
Garth Hudson parecia um lenhador. Tocava tudo: tuba, piano, acordeon, sax.
E havia Levon Helm, na batera e vocal. Mestre de ritmo e uma voz maravilhosa. Morreu ontem, aos 71. Este texto é pra ele.
De 2000 pra cá, eles são de longe a coisa que mais escutei. São perfeitos para quem está Middle of Road. Poesia de volta pra casa, de achar algo pra se amar, de virilidade discreta.
Em 1976 Scorsese fez o melhor filme de rock com eles. The Last Waltz. É o paradigma das gravações de show. Martin pegou os cinco melhores diretores de fotografia, deu uma câmera pra cada um e mandou bala. O show durou cinco horas! Editado, são duas horas de encanto. The best. A série de acústicos da MTV bebeu aqui.
Levon foi ator em alguns filmes muito bons. Filmes de Scorsese, Tommy Lee Jones e Kauffman. Dentre outros. Um cara que voce simpatiza de primeira vista.
Ficam os discos, tesouros, preciosidades.
É tudo.

The Band - Night They Drove Old Dixie Down



leia e escreva já!

The Band - Don't Do It....do famoso filme de Scorsese, THE LAST WALTZ



leia e escreva já!

A SOCIEDADE DE LUNÁTICOS POR THOMAS PYNCHON

Xi! A síndrome de Thomas Pynchon me pegou....
Existe uma rede mundial que fica destrinchando os livros dele. Eles, que são milhares, já editaram centenas de livros sobre cada capítulo de cada livro do cara. Chegam a ficar meses analizando uma frase. E discutindo porque ele citou aquele politico, porque aquele personagem tem aquele nome, porque aquela cidade...
Pynchon existe? Não se sabe. Só se conhecem duas fotos dele. E as duas têm mais de 50 anos. Dizem que ele tem filhos. E faz Salinger parecer sociável. Mas ao contrário de J.D., Pynchon escreve muito. ( E não é por acaso que tanto a sociedade de fanáticos , como o tipo de ermitão que ele é, são coisas típicas de seus livros ).
O estilo de Pynchon é delirante-paranóico. Ele exibe a loucura de todos nós. Em lente grande angular. Pega um monte de fatos e os conecta. No livro que leio tem uma mistura de new-age californiano com marxismo, bandas de rock inglesas, Pernalonga, motéis, cientistas do século XIX, magia negra, agentes secretos, cinema infantil, teatro do século XVII, indios, e sobre tudo isso Os Correios. Absurdo? Convincente.
Os personagens têm nomes como Edipa Maas, Baby Igor, Mucho Maas, Os Paranóicos ( é o nome da banda ), há um analista que dá LSD para suas clientes, velhinhos tarados, um advogado que virou ator, a máfia da Sicilia.... Se voce pensou em filmes dos irmãos Coen acertou na mosca. Pynchon criou o mundo do Grande Lebowski.
Voce lê e não sabe se aquele cara da Escócia, que criou a tese da energia sem custo, existiu ou não. Porque Pynchon mistura gente inventada com gente real, a saga da familia Thurn und Taxis ( que é fato histórico ), com a história de jovens gênios da California e tipos excêntricos da classe média.
Criatividade abundante. É um prazer ler um escritor que cria, que feriliza e não fica naquela lenga-lenga moderninha de medinhos e sexozinhos no escurinho tristinho de sua vidinha desinteressantinha. Se voce vive nesse mundinho estéril, fuja de Pynchon. Ele tem um pênis gigante que vai te assustar.
Mas se voce, como eu, adora tudo o que seja solar, prometeico, mefistotélico, viril, forte e ribombante, corra a qualquer canto e pegue seu Pynchon.
É pra gozar.
A sacada dele é pegar todo o mundo pop e tratá-lo em formato joyciano. É nosso Sterne. Gargalhei com algumas páginas e senti que ficava louco com outras.
Ajoelho-me perante um talento.

PARANÓIA, NARCISO ET RELAXADÃO & BUUUUM!

Coincidências não existem. Estou relendo Thomas Pynchon e sai uma resenha sobre um novo livro dele. Então, o que escrevo aqui vai em estilo Pynchoniano ( menos complexo, claro ).
Pynchon escreve no estilo EUA-1967. Paranóia. Um monte de gente e de coisas e de vozes e de tempos e de pontos de vista e de cenários. As páginas têm um excesso de vidas e de personagens e de coisas que acontecem. & então voce ri & ao mesmo tempo sente medo and irritação. Fica meio louco com aquilo tudo. ENERVADO. Saul Bellow e Philip Roth ( só naquele tempo ), também escreviam assim. Acho que começou com Thomas Wolfe em 1930. É uma escrita tipo BOOOOOOOOOOOOM!
Hoje/agora/2012 o que define a escrita é o oposto dessa nóia esquizóide: depressão e desencanto. Nada acontece de relevante e tudo parece o mesmo. Tipo hmmmmmmmmmmmmm..................
O Nobel não ter ido às mãos de Pynchon até agora é uma humilhação para os suécos. hmmmmmmmm......
Paulo, eu, tem saudades de coisas da pré-adolescência por que na pré-adolescência ele ainda podia ficar o dia todo de pijama. E comer chocolate sem parar SEM pensar em barriga ou diabetes ou dentes. ( E aos quase 50 Paulo não tem barriga nem diabetes e tem todos os dentes ). Pondé escreve para trouxas como eu. E ninguém tem humor para notar que quando ele chama seus leitores de tolos ele está os diferenciando dos inteligentinhos? De qualquer modo, Pondé, que tem uma figura hilária, fala do narcisismo como mal maior do Facebook.
Na India de 200A/C, budistas imaginaram o inferno como um lugar onde todos sentem um desejo que se renova indefinidamente. Voce quer, obtém, e continua querendo. Para sempre. E nesse querer voce deseja ser reconhecido como o grande obtedor. Eis nosso mundo em SP ano de 2012.
Tenho um amigo, Ribovaldo de Camarinha. Ele recebeu 239 parabéns em seu aniversário. Ficou feliz pacas com isso. No fim de semana ficou triste, não tinha ninguém on line. Não dá mais pra viver de pijamas. A gente fica todo o tempo tentando seduzir alguém. Na rua, no trabalho, e agora em casa, aqui em frente a esta tela. Tentamos ser bonitos ou engraçados ou inteligentes ou bem loucos. Queremos atenção de 239 pessoas TODO O TEMPO.
Paulo, eu, pensava que aos 50 iria relaxar. Finalmente poder deixar a barba crescer, comer de tudo, beber, esquecer a vontade de ter uma "boa imagem" e então só ter relaxo. Paulo, eu, começa a perceber que aos 90 irá morrer arrumando a camisa e vendo se a pele está bronzeada. Pior: nossas crianças desde sempre já estão nessa: belas fotos para seu álbum no Face e dietas para evitar problemas aos 40 anos. Pelo menos Paulo, eu, soube ainda o que era ir á escola com cabeleira suja e jaqueta qualquer coisa. Cabelo sujo não por compor um tipo, cabelo sujo por falta de cuidado. Relaxadão.
Todos os meus professores tem cara de Johann Sebastian Bach. Os invejo por isso.
Inácio Araújo desabafa, enfim. Diz que num espectro de dezenas de canais a cabo, a oferta de filmes é paupérrima. Sempre do mesmo. Ou seja, deu tudo errado. A diversidade de meios não diversificou a oferta. Criou um rebanho. Nunca o cinema foi tão uniforme. Daí Inácio lembra da Sessão da Tarde dos anos 70. E conta que qualquer garoto da época tinha na Sessão da Tarde uma oferta muito mais rica de filmes que existe em todos o cabos de hoje. E eu lembro que minha cinefilia começou na Sessão da Tarde. Creia, eu assisti Fritz Lang, Hawks, Huston, Nicholas Ray, Billy Wilder e Otto Preminger nas tardes da Globo. Hoje eles passam o que?
Jack Endino gosta da sonoridade dos lps gravados em 1971, 1972... Trnasformer de Lou Reed tem a melhor sonoridade da história do som. Só ouvindo. E tem de ser no vinyl, não adianta voce baixar, vai soar como soa tudo. Aliás, tudo tem um som igual. Seja uma banda pesada de Chicago, seja uma banda suja de New York, um cantor pop de Londres ou um metido de Birmingham, todos têm aquele som cheio, compacto, brilhante, que deixa tudo como o mesmo. Se voce ainda tem um tocador de bolacha, bota qualquer coisa gravada entre 71/ 77 e toca. É outro universo. bateria que tem personalidade, baixo lá e voz acolá. Tudo tem um som definido, limpo, distante. Tem ar entre os sons. Treina seus ouvidos.
Aula de Fono: tem gente que não consegue perceber a diferença entre duas vozes que soam juntas. Tem gente que não escuta mais. Só identifica timbres e mais nada. O ouvido pode ficar analfabeto.
Fato: Sabia que não há um só orgão feito para a fala em nosso corpo? Nada no ser-humano foi genéticamente criado para a fala. Assim como as mãos não foram criadas para escrever ou tocar piano, as cordas vocais ( que não são cordas e nem vocais ) não existem para a fala. Existem para ajudar a engolir e respirar. Só. Isso prova a imprevisibilidade da vida. O improviso que a vida é. Por que usamos algo que é pra engolir para a fala? Nunca ninguém vai saber. Então se chuta.
Tentei ser meio Pynchon. Mas ele, gênio, já teria neste espaço criado uns 20 personagens e soltado cinco frases originais. Eu, Paulo, apenas papagaeio.
BUM!

A MELHOR DAS VOZES, OTIS REDDING

  Voce seguia uma ruazinha no meio do nada. E então encontrava uma casa branca, daquelas de madeira, bem caipira, ao lado de um terreno baldio. Dentro dessa casa se gravavam discos, era o estúdio da Stax. A cidade é Memphis, um dos centros racistas dos EUA, e é comum que se joguem pedras na casa, nas janelas, nos telhados. Os músicos são ofendidos ao sair de lá, principalmente os brancos que gravam com negros. É nesse clima de confronto, de atrito, que se gravaram alguns dos melhores discos da história.
   As vozes principais são as de Aretha Franklyn e de Otis Redding. Vozes cultivadas em igrejas, nas cerimônias onde se perde a razão e se grita Jesus! ou Hallelujah, sem parar. Vozes que sobem da terra e atingem o céu, vozes que falam de ódio, de dor e de orgulho. Mas qual o segredo do som?
   Há a guitarra de Steve Cropper, e Cropper era um caipira branco que tocava com esses negros. Os acordes que ele tira são de country, o sentimento é de blues. São comentários perfeitos para a voz de Otis. Steve seria idolatrado por gente como Keith, Harrison ou Clapton. Mas é da voz que eu quero falar.
   Otis canta quente. A voz, muito viril, não demonstra dor como Ray Charles, nem sexo como Marvin Gaye. Ela exala calma, sabedoria. Dos grandes astros da black music dos anos 60, e são dúzias, Otis é o que menos vendeu, mas foi aquele mais "respeitado" pelos colegas. Morto em 1968, num desastre de avião, ele só teve tempo de gravar por seis anos, e atingiu apenas uma vez o primeiro lugar. No dia em que ele morreu, Sittin'On, a mais linda de todas as canções, atingia o primeiro lugar.
   Mas antes disso ele fizera muito. Sua apresentação em 1967, no festival de Monterey, fora uma surpresa para os branquelos que não o conheciam. Shake é uma das maiores apresentações da história do pop. Otis não enlouquece como o The Who, não é ousado como Hendrix ( para citar outras atrações do festival ), ele é um "mestre". Não perde o controle, faz o que deseja fazer. É um homem no palco, os outros são crianças.
   Ouça aquilo que ele gravou em 1962. Pain in My Heart por exemplo, que foi regravada pelos Stones em 65. Se voce sentiu dor alguma vez vai se apaixonar pela forma como a voz de Otis diz tudo. Te aconselho a na sequencia atacar de THAT'S HOW STRONG MY LOVE IS, que os Stones também gravaram em 65. Se nos cinco primeiros segundos não vierem lágrimas aos seus olhos voce está morto e não sabe. E ainda há mais...Otis tem um repertório infindável... I'VE BEEN LOVING YOU TOO LONG TO STOP NOW talvez seja a melhor...como escolher? O cara tem uma versão de Satisfaction que é melhor que a original!
   Mas vamos a Sittin On.
   São os 3 minutos mais perfeitos da história ( não é uma opinião só minha ).
   Do som do mar, passamos ao embalo de um baixo, um piano de poucos acordes e a voz. A letra diz tudo, é filosofia de vida, poesia existencial das mais profundas. Ela tem frases que se gravam na mente e voce cantarola e se emociona... Experimente cantar com Otis, a voz bem alta, calma, sábia ( não existe canção mais sábia ). Eu nunca consegui cantá-la sem chorar. Não estou inventando, jamais a cantei sem que lágrimas molhassem meus olhos. São 3 minutos tão equilibrados, belos, criativos, de tamanha perfeição, que eles condensam tudo aquilo que o pop foi e pode ser.
   Nada no mundo é por acaso. Leio um artigo sobre Otis que diz que toda essa paz foi conseguida no "atrito" entre brancos e negros, orgulho e humilhação, soul music e country music. A oposição que dá a criação do novo. Sem essa luta não há vida que valha a pena.
   O filho de Bryan Ferry tem o nome de Otis. Van Morrison, Eric Burdon, Mick Jagger, Peter Gabriel, Steve Winwood, George Harrison, a lista de pessoas que foram tocadas ao escutar a voz de Otis pela primeira vez é longuíssima. Hoje ele é um tipo de pai da black music. Com Gaye e James Brown, ele forma a trindade do soul. Marvin sendo o espirito, Brown o pai e Otis a alma feita matéria.
  Crescer passa pela encruzilhada de uma rua em Memphis. Onde Steve Cropper tinha de correr dos caipiras que o xingavam, onde Duck Dunn andava disfarçado pra não apanhar, e onde Otis cantou algumas das mais refinadas e apuradas canções já cantadas. Poder ouvir tudo isso é como encontrar um tesouro. Ou melhor, saber que a vida é grande.
  

Otis Redding - Shake....



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OTIS REDDING: (Sittin' On) The Dock of the Bay, A mais perfeita das canções....



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UM MÉTODO PERIGOSO ( E UM FILME MEDROSO )

   Críticos podem causar mal. Veja o que aconteceu comigo...
   Lendo uma crítica leviana, que dizia que este filme era terrivelmente injusto com Jung, resolvi evitá-lo. Eu simplesmente não estava com saco para mais um discurso conservador sobre a "irracionalidade" de Jung. Nosso covarde mundinho já me expõe demais aos palpites de quem jamais leu Jung e julga por ouvir falar.
   Mas então um professor me fala que o filme, segundo ele "apesar de ruim", tem uma bela imagem do gênio suiço. Uma imagem pobre, americanizada, mas digna. Então resolvo vê-lo.
   O filme é chato, muito chato. E me impressiona seu conservadorismo. É um filme freudiano, ou seja: solene, sóbrio, controlado, modesto. O filme sobre Freud, feito por John Huston em 1962 é muito mais moderno. Talvez por ter sido feito no auge do sopro renovador de Lacan e Jung, ou simplesmente por ser de um diretor melhor.
   O filme é tão raso, que se voce, por acaso, não souber nada sobre quem foi Jung ou quem foi Freud, o que voce entenderá é que ali está uma história de amor inconvincente ( o filme de Huston é tão melhor que nem apela para qualquer tipo de love story ), e um conflito entre um velho autoritário e meio tolo e um jovem atrapalhado. Só isso.
   O que me surpreende é que o roteiro foi escrito por um grande autor, Christopher Hampton. Apesar de que desde LIGAÇÕES PERIGOSAS ele tem se perdido...
   Viggo Mortensen foi ator de teatro de Bergman. Ele faz Freud se parecer com o Bergman do tempo de FANNY E ALEXANDER. Montgomery Clift está muito mais próximo do que Freud  deve ter sido. Fassbender é o ator da moda. Qualquer coisa que ele fizer será elogiada. Não estou dizendo que eles estão ruins, apenas falo que os papéis são superficiais. Não respiram, não têm vida.
   Meu professor estava certo, o filme é lisongeiro com Jung. Ele é um jovem tentando achar uma voz própria. Freud não admite qualquer tipo de nova atitude. É o patriarca de seu condado. O filme tem a sensibilidade de mostrar a mania de todo freudiano de se colocar a salvo numa poltrona e analisar a vida, os amigos, os amores a segura distância, como se Freud os salvasse da existência. Puro comodismo conservador. 
   O final do filme é exemplar: Jung antecipa em sonho a primeira guerra mundial, e revela a diferença entre seu método ( muito perigoso ) e o de Freud ( seguro e modesto ). Jung não quer a domesticação, quer que cada um encontre seu caminho, que seja aquilo para que foi talhado a ser, seja um louco, um suicida ou um santo. Após um longo percurso ele organizaria sua teoria do "self". Freud reduz todo ser a uma questão de adaptação "ao mundo como ele é". Nada mais patriarcal que isso.
   Mas eu seria falso se não concordasse com meu professor, o filme é frio, chato, sem chama.
   E eu seria mais falso ainda se não dissesse que amo qualquer filme que se passe entre 1880/1920. A extrema elegância daquela gente, a luz fria daquelas janelas, as salas sólidas e viris, o som dos cavalos e das janelas que se abrem... é um filme bonito de se ver.
   Por fim, o filme joga uma ideia de que a separação entre Jung e Freud foi um tipo de "mal" para o futuro da psicologia. Tolice! A ruptura nos deu o livre desenvolvimento do pensamento de Jung, que jamais floresceria á sombra do vienense. E ao mesmo tempo o mais velho pode ficar em paz, sem o perigo de ideias que lhe eram intoleráveis.
   Mas na verdade o que o filme faz é reduzir tudo a uma torta love story. Báh!!!!!

O CASTELO DE OTRANTO- HORACE WALPOLE

   Otto Maria Carpeaux fala que o romance gótico surge em 1764 porque as pessoas, presas numa realidade cinza e rotineira, preferem sonhar com castelos e fantasmas do que com a casa da moeda ou as minas de carvão. Essa linha de criação vai se ramificar. Do romance gótico nascerá o terror, o suspense, o policial e a ficção científica. As pessoas continuam precisando de sonhos. E continuam preferindo sonhar com casas abandonadas, cemitérios enevoados, futuros escuros e úmidos ou vielas suspeitas. Não sonham com escritórios de advocacia, shopping centers ou academias de ginástica. O gótico surge para aumentar o limite da realidade. Dar a seu leitor algo mais, algo que ele perdeu, o sentimento do medo irracional, do susto, da surpresa inexplicada.
   A idade média ou a renascença não poderiam criar o gótico em romance. As pessoas viviam dentro desse mundo. Fantasmas, maldições, vinganças eram coisa cotidiana. O gótico surge quando tudo isso começa a desaparecer. As pessoas perdem o contato com esse lado do inconsciente e passam a sentir a necessidade de serem recordadas do que renegaram.
   Horace Walpole, nobre inglês que em 1764 lança este livro, é o pai de toda essa tradição. É óbvio que ele não fazia ideia do alcance que seu romance teria. O que ele desejou foi escrever um livro que entretivesse, que desse satisfação aos amigos. Mas eis que ele cai nas graças dos pequenos burgueses e se faz um best-seller. Desde então ele nunca mais saiu do prelo. Nele se encontra tanto a raiz de Poe e Emilly Bronte, como dos livros de vampiros para adolescentes e das novelas da Globo.
  Simples, curto, direto e cheio de furos. Tanta coisa acontece em tão poucas páginas que fica dificil resumir. Mas voce verá agora tudo o que ele contém ( e perceberá sua influência ):
  Nobre vilão que deseja se perpetuar no poder, mortes terríveis, filho que não sabe quem é seu pai, amor fadado ao fracasso, santas donzelas, duelos, aparições, alucinações, vinganças, maldições, arrependimentos... tudo isso em 120 páginas! O mais influente de tudo isso: um final melancólico, a impossibilidade de ser feliz. O herói viverá na saudade, numa tristeza compartilhada com sua esposa. Sementes do romantismo que nascia na mesma época.
   Os personagens nada têm de verdadeiro. Mudam de personalidade, de tática, sentem medo e de repente se esquecem dele. Walpole está longe da realidade psicológica de Stendhal ou de Balzac, seu foco é a ação, a surpresa. E ele consegue, o livro corre e nos leva com ele.
   Filho do momento revolucionário que nos fez ser o que somos, merece ser conhecido por aqueles que se interessam em conhecer o nascedouro de muitas de nossas fixações.
   Que tenha nascido no meio de uma sociedade culta, racional e ligada às aparências, diz muito sobre a função inconsciente do romance.

A ILUMINAÇÃO DA SIMPLICIDADE

   Acabei de assistir um filme: Sublime Tentação de William Wyler. Conta a história muito simples, de uma familia quaker. Nada de complexo há neste filme, nada. O que vemos é gente banal vivendo uma vida banal. Mas esse banal se reveste de encantos. Bem, não estou aqui para falar de mais um dos bons filmes de Wyler. Estou aqui para falar sobre a simplicidade.
   Eu, como filho de meu tempo, confesso que sou incapaz de compreender, ou pior, participar do que seja simples, puro, único. Numa aula de poesia junguiana confessei ser impossível para mim atingir o nivel de pureza que o poema analisado exigia. Porque?
   O professor fala de Baudelaire como um dos primeiros a perceber o fim da simplicidade, mas eu penso em Wordsworth. O fim da simplicidade se liga ao fim do mundo sólido. Quando, por volta de 1775, na Inglaterra, o progresso passa a "destruir" eternidades ( paisagens, modos de viver e depois valores ), a visão humana se torna fragmentária, os mais observadores se tornam caçadores do fugaz, seres que tentam salvar alguma coisa da voracidade do tempo que corre. Em um segundo estágio, a visão se faz desconfiada. O homem não crê mais naquilo que vê e passa a procurar o que está escondido nas coisas.
   O homem fragmento é o poeta do século XIX, o homem desconfiado é o do século XX, e hoje temos o homem que desistiu de olhar. Um ser exposto a tantas visões que se cansa, e deixa de observar. Bate os olhos e deixa de ver.
   Há pessoas, bastante século XX, que procuram o complicado em tudo. E que ao topar em algo simples tratam de complicá-lo, ou pior que isso, desvalorizá-lo. É como se a complicação fosse um valor. Uma peça de arte só poderia ser superior se fosse complexa, ininteligivel, múltipla. Essa situação cria dois tipos de "apreciadores de arte" bastante conhecidos: o chutador filosófico e o miope à vida.
   O chutador vê sentidos onde não há. Ele sempre explica as coisas, aumenta o alcance de peças que não possuem alcance algum. É incapaz de ver um filme por pura diversão, ou de se divertir com uma piada ou um cartoon. Só respeita o que é complexo. O miope é caso pior ainda. Esse já se tornou incapaz de perceber a simplicidade, ele a descarta sem a enxergar. Não faz conexões complexas, simplesmente nada percebe. Tudo para ele é tão complicado que ele meio que naufragou. Foge então do que lhe parece complexo e vive, que ironia, no mar da complicação. Óbvio que os dois vêem espelho em tudo. Toda obra lhes parece refletir seu "eu" ( um eu que eles desconhecem e pensam conhecer ). Quando encaram algo de puro, simples, direto, profundo, fogem sem entender nada. Percebem apenas que aquilo lhes parece infantil, comum, banal. Tolo engano. Mortal engano.
   O ser poético é aquele que ama apaixonadamente toda a simplicidade. Ele sente que o simples é superior, superior pelo fato de lhe parecer eterno, imortal, além da fugacidade de modas e tendências. Mas sua frustração vem do fato de que para atingir essa paz simples, esse nirvana do atemporal, ele deva utilizar caminhos complexos, fragmentados, hiper-racionais. Eis a contradição que cria a arte moderna.
   Assim temos Picasso tentando pintar como um selvagem, mas carregando em si toda a complexidade do modernismo. Temos poetas como Yeats, procurando a simplicidade nas tradições irlandesas, mas atingindo essa tradição com uma mente fragmentada, sofisticada, artistica. Fernando Pessoa, criando racionalmente um poeta do campo, e dando a esse poeta uma voz que se auto-analisa todo o tempo. Whitman, Pound, Drummond, Lorca, Rilke, todos procurando o simples, seja no passado, no futuro, no não-corporal ou na carne sólida. E todos sendo terrivelmente complexos nesse processo.
   Mas eles têm uma crucial vantagem sobre o mero vivente da época. Sentiram a iluminação do atemporal. Um momento em que souberam do sabor da simplicidade. E se enamoraram desse instante. E deram a essa simplicidade, que é perdida, mas ao mesmo tempo é imortal, o nome de poesia, ou de pintura, cinema, música, filosofia....
   O espectador/apreciador moderno ao ver o simples irá pensar: "mas é só isso?" O artista irá dizer: " Quanta beleza há nessa pureza!"
   Conheci o simples. Conheci o simples num quintal, numa chuva ou no sorriso. Chuva que era apenas chuva. Sorriso que significava apenas um sorriso. Me apaixonei por essa beleza para sempre. E tenho a absoluta certeza de que ela vive. Que aquela chuva continua a chover e o sorriso ainda sorri. Essa é a religião da arte. A fé na beleza. A certeza inquebrantável no simples.
   Mas sou tão complicado....
   PS: O tal professor gosta de dizer:
   Percebem o que é o moderno? Transformar o simples no complicado e vender isso como simplificação.
   Todo um aparato para se fazer algo tão antigo como fofocar, conversar ou brincar.
   Cercados por uma tecnologia complexa para fazer, de modo complicado, aquilo que 5000 anos atrás era feito  da mais simples das formas.
   O que mudou?

IDA LUPINO/ DRIVE/ MORETTI/ LINKLATER/ JACK CARDIFF/ FORD

   OS LEGENDÁRIOS VIKINGS de Jack Clayton com Richard Widmark e Sidney Poitier
Há uma crença, que compartilho, de que roteiristas dão bons diretores, editores se tornam bons diretores, até atores podem ser bons diretores, mas diretores de fotografia não se tornam bons diretores. Acostumados a ver filmes como apenas luz e sombra, se esquecem de ritmo e de história. Jack Clayton pode ter sido um dos 3 ou 4 maiores diretores de fotografia, mas como cineasta ele nada apresenta. Este filme é pavoroso! Uma mixórdia que mistura vikings com árabes e a busca de tesouro. Elenco perdido, roteiro cheio de furos, aventura chatíssima. Fuja!!! Nota Zero.
   O MUNDO ME ODEIA de Ida Lupino com Edmond O'Brien, Frank Lovejoy e William Talman
Godard disse em seus bons tempos que para se fazer um filme bastava uma arma e uma garota. Depois ele complicou tudo e passou a crer que era preciso uma tese e uma filosofia. Aqui temos uma arma e uma garota na direção. Ida Lupino foi uma diretora num tempo em que diretoras eram olhadas como coisa suspeita. O filme, barato, que fala de bandido que corre da policia em carro com dois reféns, tem clima, emoção, inventividade. É uma pequena jóia noir feita com cenários naturais e pouquíssimo dinheiro. Uma quase obra-prima do filme B. Nota 7.
   THE WAGON MASTER de John Ford com Ben Johnson e Ward Bond
Ford resolve filmar um bando de carroças crusando o deserto. Para isso usa uma história de mórmons que são conduzidos por cowboys até a terra onde viverão. Mas é tudo desculpa, o que Ford quer é filmar cavalos, pó, sol e rochas. E vemos por duas horas alegres pioneiros conduzindo sua caravana. O clima nas filmagens foi de pura amizade. Acampados, longe de Hollywood, Ford podia se dar ao luxo de filmar o quase nada. Nota 7.
   DRIVE de Nicolas Winding Refn com Ryan Gosling, Carey Mulligan e Albert Brooks
Criticos muito desavisados falaram em Tarantino. Será que esses caras viram algum dia um filme de Quentin? Este em nada lembra o grande cineasta americano. Trata-se de um filme bastante desequilibrado. Temos um roteiro de uma pobreza constrangedora, e ao mesmo tempo uma direção forte, que jamais se deixa acomodar. Na verdade seria um filme sobre o vazio, o vácuo na cabeça de um driver. Bastante aparentado aliás, com um certo filme genial de Scorsese, ele nos permite fazer um paralelo: o driver de 1975 seria exagerado, paranóico, saturado de energia demais. Aqui, o driver 2012 é vazio, sem nada em seu interior, quase catatônico. Um amigo lembrou de Lynch vendo este filme. Não. Lynch é cheio de simbolismos, de pistas, labirintos cheios de sentido, aqui nada temos, o que vemos é tudo o que existe. O filme é um tipo de filme dos anos 80 ( a trilha de Cliff Martinez, que foi guitarrista de Robert Plant, é hiper 80's, uma delicia brega ), com o estilo sonado e oco dos anos 2010. Não é um filme satisfatório. Quando pegamos a pista da influência de Taxi Driver ele se esvazia. Mas o diretor tem pegada, sabe enquadrar e conduzir cada ação em seu tempo certo. Não há uma só cena longa ou curta demais. Mas o roteiro....que mancada..... Nota 6.
   HABEMUS PAPAM de Nanni Moretti com Michel Picolli
Graças aos Céus!!!!! Temos um filme com gente de verdade!!!! Aqui há humanidade e não apenas um chavão psiquiátrico. As pessoas falam, sentem, sofrem, se perdem e, que bom, elas apresentam voz e rosto de pessoas comuns. Penso que o público irá até estranhar. Se desacostumaram a ver gente nas telas de cinema.  O roteiro, brilhante, fala de um papa que sente pavor em ser papa. Um psicólogo vem o tratar. Moretti, socialista e ateu, não fala sobre a igreja. O que ele exibe é a inadaptação a um papel. Quem em nosso mundo, de gente tão pequena, pode ser um papa? A mensagem é profunda e belíssima: quem consegue hoje seguir o papel que se espera que seja seguido? Quem consegue ser pai, professor, presidente, escritor, esposa, filho? Somos incapazes de assumir nossa função, ou será que esses papéis não têm mais porque? O filme, adulto, deixa questões abertas, não as responde. É o melhor filme do ano. Mais verdadeiro que O Artista, muito mais profundo que Os Descendentes, e incomensurávelmente mais complexo e honesto que todas as tolices "de arte" para crianças grandes e mimadas. Homens de verdade no cinema...nem tudo está perdido afinal.... Nota 8.
   DAZED AND CONFUSED de Richard Linklater com Mathew McCornaghy, Ben Affleck, Parker Posey, Milla Jovovich.
É um filme considerado clássico na América. Tarantino chega a dar-lhe o posto de número 10 entre seus favoritos. Mas em todo o mundo ele é ignorado. Feito em 1993, sem grana nenhuma e com atores então desconhecidos, ele não tem um "motivo". O que vemos é um filme quase que improvisado, sem uma só fala que seja relevante. É 1976 e estamos no último dia de aula. Os alunos fumam muita maconha, bebem , batem em calouros, namoram e vão a festa. Nada é muito forte, nada de muito dramático acontece. Não é uma comédia, muito menos um drama. O que vemos são os atores, ruins em sua maioria, se comportando como jovens "comuns". E nem mesmo um personagem central existe. Mas aí vem a surpresa. O filme consegue passar a sensação de verdade. Aquilo que vemos é realmente "como era". Não são garotos especiais e nem aquele é um lugar especial. Acabamos gostando de estar lá. Linklater foi esperto, usou músicas apenas daquele ano específico. Excelentes. Mathew esbanja carisma, faz um conquistador mais velho, de botas, voz de Marlon Brando e bigode à Redford. É considerado um grande papel. Os maconheiros convencem muito. E as meninas se parecem realmente com meninas de escola. Nota 7.
  

PRA QUE SERVE A POESIA? ( DE ACORDO COM HEGEL E OCTAVIO PAZ )

Hegel: "A lírica nasce do desacordo com o exterior. E a confiança no mundo interior do poeta."
( Antes de tudo um obrigado oa professor Alcides, aulas instigantes demais! )
A chave da frase de Hegel é; Confiança no mundo interior.
Houve uma fase terrível em minha vida em que me era impossível ler poesia. Tudo o que significasse adentrar àquilo que poderia escapar a minha razão me era assustador. Eu disfarçava esse medo com o rótulo de "sem tempo". Eu não tinha tempo para a poesia. Na verdade, não tinha a confiança.
Mas afinal, o que é e pra que serve a poesia?
Sigo agora uma ideia de Octavio Paz.
O tempo é como uma linha. Voce anda, pensa, teme, come, dorme, trabalha e lê. Sempre nesse fluxo temporal retilineo. Ontem eu comi peixe, hoje eu escrevi para Maria, amanhã irei ver meu avô. Então agora, imagine essa sua/nossa vida, como uma linha, começo, meio e fim, tudo encadeado em fluxo constante: --------------------
Agora pense. Eu ando pela rua dentro dessa linha de vida e tempo. E observo um lindo prédio, gente que anda, uma menina bonita, uma árvore. Até mesmo filosofo sobre a menina, sobre o tempo que passa e sobre a morte de tudo. Mas então, súbito, alguma coisa acontece. Como se fosse uma flexa, uma linha vertical cai sobre a linha horizontal.
Na rua alguma coisa se faz. E essa coisa que se faz NÂO faz parte da linha do tempo. Essa coisa não é um sentimento, não é uma filosofia, não é uma emoção. Essa coisa que quebrou a linha não pode nem mesmo ser escrita em linha, pois a escrita em linha é a escrita do tempo ordenado. Essa coisa é a poesia.
A poesia é a escrita não linear, não temporal, que salvo algo ou alguém da linha do tempo. Eterniza um ponto recolhido do esquecimento do instante que passa. Cito Paz:
" No aqui e agora algo se principia, uma luz especial cai sobre o momento. Esse fragmento se faz um mundo em si. Sem passado ou futuro, um eterno agora."
Ler poesia é sempre entrar em contato com o que sobrevive. O agora que fica sendo agora. Não há nela a ordenação da prosa. O começo e o fim. Poesia pode ser lida em qualquer ordem, sem senso de linha e de final. Pode ser relida indefinidamente. E quando bem realizada, é atemporal.
Gaston Bachelard disse:
" A poesia só pode ser mais que a vida se ela imobilizar a vida".
A poesia é portanto o momento que se faz para sempre um aqui e agora. Aquele segundo se torna longo como a eternidade e tudo o que nele havia se salva do esquecimento.
Todos nós ( será? ), vivemos momentos de poesia. São raros e são menos raros na infância. Momento que somos incapazes de esquecer e que parece ter acontecido agora mesmo. É a lembrança que não é passado, pois a levamos viva sempre em presente. Fato antigo que continua reagindo com o agora e portanto não é velho e muito menos antigo. Vida interior sem linha e sem razão.
O poeta vive com acesso a esse estado sem tempo. Percebe o extra-linha na pomba que passeia na calçada, na pedra do caminho, na maçã sobre a mesa, na face do espelho.
O poeta vê com olhos sem idade, vê o que nega a linha da vida, dá valor ao que merece sobreviver.
Mundo sem poesia seria mundo com idade bem contada, linha de vida definida e onde tudo seria esquecimento. Vida retilinea, sem surpresas e sem epifanias. Onde um pombo é um pombo e a maçã é sempre apenas mais uma maçã. Mundo mediocre, sovina e conformado. Banguela.
Mas não eu. Vejo em cada rua uma rachadura que é sinal, uma folha que se salva, uma face que é para sempre.
Desperdiço tempo com poesia, gasto linhas as entortando, jogo fora tempo com eternidades.
Não sou poeta, mas vivo na poesia.

JUNG, UM CASO DE AMOR COM FREUD

   Deve ter sido terrível para Freud ter de encarar a independência de Jung. E perceber que o jovem suiço não entendia seu medo, ou pior, zombava dele. Vejamos, Jung jamais entendeu o porque de Freud ansiar tanto em ser aceito. O vienense rompia tabus, mas de forma incompreensível para  Carl Gustav Jung, desejava ansiosamente ser aceito como "cientista sério e responsável". Porque? O que Jung não compreendia, e nem poderia, é que Freud vinha do gueto, sabia o que era não fazer parte, ser olhado com desdém. Jung por outro lado, podia ousar sem medo, pois seu meio era a elite européia, ele jamais seria isolado em gueto. Mas havia algo de mais doloroso ainda.
   Todos os relatos, inclusive Peter Gay, dizem que Jung era muito atraente. Alto, bonito, corpo de esportista, sempre rindo e brincando, as mulheres choviam aos pés de Jung. Ele era assediado. Há uma piadinha, que conheci através de Paulo Francis, que fala que Freud achava intolerável o sexo entre analista e paciente pelo fato de que nenhuma paciente iria querer dar para ele. Então era melhor proibir. Baixinho, sempre de cara amarrada e muito feio, Freud nada tinha de erótico e seus contatos com mulheres eram sempre marcados pela ansiedade. É impossível não se imaginar que Freud invejava Jung. E que Jung se ressentia da seriedade "messiânica" de Sigmund. O vienense havia criado algo novo, Jung seria sempre um discipulo, por mais que criasse e ousasse. Um filho, nunca pai.
   Qual dos dois está certo? Fazer essa pergunta já é um erro. Nenhum deles pode estar certo e com certeza ambos sabiam ter errado. Toda a teoria de Freud será sempre isso, apenas uma teoria. E para ele, esse é seu grande fiasco.
   O mundo arriscado e libertário de 1955/1975 colocou Jung nas alturas. Ele passou a vender de tudo. Astrólogos se diziam junguianos, drogados tentavam atingir o self de que Jung falava. É óbvio que ninguém entendeu nada. E nisso Freud tem uma vantagem grande, suas teorias são bem mais simples, não requerem grandes vôos de erudição e experiência pessoal. Jung exige muito de quem busca o entender. E nessa busca existem centenas de armadilhas.
   Hoje o mundo está confortávelmente refestelado num divã freudiano. Sem ter culpa alguma nisso, ele é usado como um tipo de tiozão sisudo que nos livra das grandes questões que fazem a vida valer a pena. Assim como em 1968 os malucos gostavam de achar que Jung dizia que tudo valia para ser voce mesmo, os reprimidos de agora gostam de pensar que Freud é um tipo de garantia contra a doideira. Um filme pop-hollywoodiano jamais poderia tomar o partido de Jung, para ser de Jung ele teria de ser  um filme sem enredo e sem direção. Dessa forma o que temos é Jung visto pelos olhos repressores e invejosos de seu ex-mentor. Mentor que nunca admitiu a independência de um discípulo. Jung deveria ser seu testa de ferro gentio, e tão somente isso. Admitir que além de mais "feliz", ele fosse dono de ideias próprias, foi a mágoa de sua vida.
   Aliás há um pensamento que ocorre a quem assiste o filme com olhos livres: se Jung estudou e entendeu tudo em Freud, Sigmund não entendeu uma só linha de Jung. Preso ao dogma e a vaidade, Freud jamais reviu suas ideias. Passou a ser um propagandista de si-mesmo, um cada vez mais solitário messias.
   E enquanto isso Jung partia em viagem rumo ao absoluto risco. Pouco se lixando para a aceitação da ciência, para as opiniões de honrados doutores, com um unico objetivo: entender a vida, o que ela é e o que ela pode ser. Fracassou. Mas ao menos deixou escrita a aceitação de seu fracasso. Aprendemos com suas tentativas, com sua insaciável curiosidade, nunca com suas conclusões.
  Entender a relação dos dois passa por entender a dualidade da vida e do ser: eros e thanatos, sol e lua, macho e fêmea, carne e alma. Não podia durar.

The Waterboys - The Stolen Child (1988) William Butler Yeats é meu mestre



leia e escreva já!

A MÁQUINA DO TEMPO- H.G.WELLS

Existem livros que não nos dão muito o que dizer. E se alguém começa a discorrer muito sobre os sentidos de tal obra, pode crer, um monte de abóboras está sendo "discorrida" sobre sua cabeça. Há quem consiga desfiar laudas e laudas sobre um filme de David Fincher ou um poema de cummings. Esse laudador é muito mais um agricultor que um razoável resenhista.
O livro de Wells, lançado no fim do século da razão exaltada, ( o XIX ), fala sobre o futuro. Um homem constrói máquina que o leva ao ano 8 milhões. Lá ele conhece os Elóis, um povinho doce e feliz e topa com os Morlocks, povo das profundezas, asqueroso, que trabalha e se alimenta das carnes tenras dos Elóis.
Wells era fabianista, e o fabianismo era a versão inglesa do socialismo. O livro mostra em que a elite se transformaria, em Elóis. Os Morlocks seriam os trabalhadores, que viriam a dominar o planeta por serem mais fortes e industriosos que a elite. Mas por terem sido maltratados por essa mesma elite, se transformariam em humanos condenados a escuridão. A mensagem ainda é válida? Racionalmente penso que não, no futuro todos seremos iguais em nossa bundice rosada. Mas já me peguei várias vezes pensando em que numa guerra civil, onde tudo valesse e a economia se fizesse um kaos, a elite se tornaria presa fácil dos homens acostumados a improvisar e a sobreviver com pouco.
Curto, sem floreios, o livro de Wells deve sua imensa popularidade a habilidade que ele tem em descrever climas e dosar suspense. Wells não foi um grande escritor, seu estilo é pobre; mas tinha ideias, tinha vontade, e nenhum receio em ser direto.
O filme de 1960, de George Pal, é delicioso. Fiel ao sabor vitoriano de Wells, época que criou tanta coisa que hoje usufruimos. Tantas modas e tanta´fés. Inclusive o culto da própria celebridade. E o medo/ fascinio pelo distante futuro.

CRITICO, RAÇA EM EXTINÇÃO

   As pessoas morrem de medo, hoje, de serem chatas. Chatos são colocados fora da "cena", são chamados de rabugentos. A década de 80 viu o apogeu de chatos profissionais. Foi uma época em que era cool falar mal. Mas neste século falar mal é ser apenas um cara demodée. Um "Paulo Francis/Matinas Suzuki/Gerald Thomas" da vida.
   Criticas morreram. Todas são suspeitas. Falo da critica em midia impressa. E sou motivado pela ausência de critica ao Lollapalooza. O festival deu milhares de motivos para a escrita de criticas certeiras. Ninguém as escreveu. Quem ler o que se imprimiu pensará que tudo foi lindo ( Ora seu trombone chato, não foi? ).
   Voce só cresce ao se criticar. Se voce tiver a ilusão de que tudo em voce está lindo voce já era. É isso que se faz com a arte hoje. Elogia-se tudo, e mesmo quando o critico ousa dizer que não gostou, isso vem temperado por várias luvas de pelica. Não se ataca com coragem, se dá conselhos. Dessa forma a arte deixa de ser criticada e assim não evolui. Dessa forma ninguém falou do ridiculo de Gypsy Punk, Foster, Friendly ou Band of Horses. Essas bandinhas se pensarão bandonas. E ficarão estagnadas.
   Mas os criticos também não se criticam. Inexiste o critico que ousa criticar seu "colega". E o que vemos são criticos também estagnados.
   Às vezes surge algum filme que alguém ousa falar mal. Mas são sempre os mesmos tipos de filme, filmes que são vitimas fáceis, filmes que são cool falar mal. E ninguém ousa os defender. Obras que são feitas para festivais ou prêmios nunca são demolidas.
   Óh menino imberbe, creia-me, não era assim. Kubrick era demolido, Hitchcock era chamado de comercial e superficial, Ford era considerado ultrapassado e Godard era tratado como lixo. E ao mesmo tempo alguns defendiam todos esses autores como se fossem gênios. Não havia o medo do risco, do ridiculo. Na musica, criticos punk demoliam Stones, Led, Floyd etc. Alguém destruiu alguma coisa nos últimos vinte anos? Falar mal de funk ou sertanejo não vale, quero ver mostrar o podre de Strokes, Oasis ou Pumpkins. Não um simples "disco fraco", mas sim a demolição da banda, a dissecação da falta de inspiração do grupo, o ato de se dessacralizar o sagrado. E também, por outro lado, a explicação de uma genialidade.
   Ler uma critica com cinco linhas e algumas estrelas é transformar arte em dica de restaurante. Ou de motel.
   Na internet se arrisca um pouco mais. Mas Barcinski ou Butcher, que são corajosos, ficam perdidos em meio a um mar de bonzinhos e bundinhas. Pior, gente que não tem parâmetro algum para julgar se mete a critico. Sim, eu sou chato, te avisei.
   Como levar a sério a opinião, que é de fã na verdade e jamais de critico, sobre o disco "criativo e original" do Dead Weather, se tudo o que esse critico conhece de "criativo e original" são meia dúzia de bandas surgidas nos últimos cinco anos? A tendencia desse arauto da opinião será a de elogiar tudo aquilo que ele já conhece e ignorar o que lhe é estranho. A função principal do critico que é a de abrir caminhos fica negligenciada. Se torna uma coluna de babação babaca e não de risco e acerto.
   No cinema a coisa é bem pior. Criticos internéticos tendem a trabalhar como espelho. Elogiam o que reflete aquilo que eles são. O resto inexiste. São seres estéticamente analfabetos, que se metem a discorrer sobre "a nova sensação do cinema de arte" sem terem a menor ideia do que seja cinema ou arte. Crianças que conhecem o ABC e dão palpites sobre XYZ.
   Viva a democracia? Ora, por favor! Seria ótimo se quem os lesse tivesse a noção de sua futilidade, mas existem outras crianças que os lêem e de balbucio em balbucio aquela "critica" passa a valer como "coisa real".  O circulo se fecha e teremos de cada opinião furada mais cem chutes no vazio.
   Por outro lado isso me dá prazer. Se o mundo se tornar cada vez mais idiota, os poucos que têem alguma cultura serão arautos da civilidade. Basta dizer que em meio culto eu sou um jeca, mas no universo internético sou considerado "de boa cultura geral". Pobre universo internético!
   O que eu quero é uma critica que me abra os olhos para sentidos que não percebi. E que tenha a coragem de destruir e construir. Não li nada sobre nenhum filme em cartaz que me mostrasse uma nova visão. Ou que demolisse a enganação. E se eu falar sobre música a coisa fica pior.
   A tendência é a de que cada um permaneça em seu minúsculo mundinho, elogiando tudo que faz parte desse mundinho e não se deixando surpreender por nada que seja novo para si-mesmo. Conheço amigos que são tão fechados em seu espelho, que me dão o gosto de eu poder adivinhar TUDO o que eles irão gostar antes de que eles mesmo o saibam.
   A critica existiria para abrir os olhos desses cegos. O que ela faz hoje é polir os espelhos.

THE RISE AND FALL OF PONDÉ AND THE LITTLE SMARTS FROM MARS

   E o glamouroso Pondé coloca o rabitcho entre as pernas e explica aos inteligentinhos tudo que eles jamais poderão chegar perto de entender. Affff...a explicação de Pondé faz tudo aquilo que ele condena: vulgariza, higieniza e pasteuriza. Ele consegue em um só texto desagradar seus negativos ( os inteligentinhos que nunca entenderam patavina do que ele fala ), e gente como eu, que sempre o levou a sério. Pondé jogou alto com sua coluna de Páscoa. Errou por arrogãncia. Sua conclusão hoje cheirou a capitulação. Pior, ele nunca escreveu um texto tão simplório. Falo aqui o que ele não falou.
   A vida é violenta. Viver é matar. O leão adulto trucida uma zebra filhote e a come ainda viva. A vida só pode existir com a morte de alguém ou de algo. Isso é óbvio. Povos primitivos vivem em comunhão com essa lei, neles não se fez a divisão entre humano e natural. A religião desses povos dramatiza a vida, a torna explicável. O conceito de bem, de piedade não existe. O que há é o que é. Com o perdão dessa frase.
   Todas as religiões pré-históricas sacrificavam gente. Em imensas hecatombes de sangue. Maias, aborigenes, navajos, zulus... e mesmo ´civilizações que nos são próximas, como gregos clássicos ou celtas, tinham sacrifícios. Os judeus são os primeiros a praticarem o sacrificio animal e apenas animal. Se dá entre eles uma radical divisão, o homem se faz à parte do cosmo. Instituem um deus único. É nesse momento que o homem passa a olhar para a natureza com estranheza e depois com horror. Foi esse o momento que Nietzsche tanto condenava. Ele não era contra a religião, era contra a religião civilizada.
   O homem sempre foi um bicho estranho. Nos rituais de morte e massacre ele teatralizava aquilo que lhe aterrorizava. Matava para suportar a consciência do fim, maldição que só ele possui, a certeza da finitude. Enchia-se de sangue na tentativa frenética de não mais temer o seu sangue.
   Lendo Comte-Sponville, Pascal e Spinoza, tomo consciência da revolução sem paralelo que foi o cristianismo. Pela primeira vez, de súbito, instituia-se uma religião sem sacrificio ritual. Tudo se faz símbolo. Mais que isso, a piedade deixa de ser sinal de fraqueza e passa a ser força. É a primeira religião do amor e apenas do amor.
   Pondé temeu dizer isso. Perdeu-se em bobagens e enrolou-se. Tentou pela primeira vez agradar.
   O homem comia cérebros ( há quem os coma ainda ), matava rivais e se enchia de sangue. E ao contrário do que ele diz, não há uma só evidência que diga que esse ato de destruição não fosse considerado mágico. O ato de comer o inimigo era homenagem ao rival, e como qualquer antropólogo sabe, era uma comunhão em que o eu-que-comia se tornava o eu-que-era-comido. No Brasil os indios comiam macacos para ser macaco e cobras para ser cobra.
   Isso é rompido. No mundo pós-cristão voce não é o que come ou aquilo de onde vem. Passa a ser aquilo que faz. Isso começa com o cristianismo onde voce é o bem que voce pensa e realiza. Matar se torna um pecado. Voce não precisa mais matar para sobreviver à ideia da morte, voce vive simbolicamente a morte de um Deus para superar a sua morte futura. A poesia mora muito perto destas afirmações. O inconsciente é vivo neste universo.
   O que Pondé nos deu, em dois capítulos, foi sensacionalismo barato. Tudo aquilo que ele não pregava.
   Que mal....

PRAZERES SECRETOS

Uma coisa que é só sua e de mais ninguém. A revolução da mente humana se deu quando o homem se viu, pela primeira vez, como individuo único. Ele percebeu que só ele vivia aquela vida, só ele sentia o que ele sentia e só ele sabia o que ele sabia. Mais que tudo, ele possuia sua vida e com ela seus segredos e mistérios.
Todos, ou quase todos, viveram um primeiro amor. E é nesse amor envergonhado e recolhido que pela primeira vez descobrimos o prazer de se ter um segredo. Nossos pais não podem saber disso. É aí que damos o salto, ficamos á parte da familia, temos algo que é só nosso, o amor. E o acalentamos. O deixamos crescer dentro de nós. Torna-se sagrado. Entenda, em sociedades arcaicas isso não existe. Tudo ocorre ás claras, não há segredo e individuação, voce é sua comunidade, voce é tudo.
Ontem, conversando com um amigo, ele me conta da "vida compartilhada" de agora. Tudo que voce faz deve ser dividido com os outros. Voce só existe para eles.
Ora, isso é antigo, muito antigo. E é irônico que a tecnologia nos leve cada vez mais para hábitos de um remoto passado. A certeza de que uma coisa só tem valor se for "da comunidade, da rede". Seja um show, uma festa ou uma viagem, ela só é válida e "importante" se for dividida e de preferência bastante compartilhada. A pessoa abre mão da experiência pessoal, e a transforma sempre num tipo de reportagem para todos.
O caminho que temos, cerebral, sempre foi o de sentir, absorver, guardar, elaborar e memorizar. Depois vinha a transmissão. Agora o trajeto é sentir, elaborar e transmitir. Não há tempo de absorver, nada se guarda e a memória se encurta. A experiência é logo expelida para a rede e prontamente esquecida. O cérebro se esvazia e fica ávido por mais uma experiência ( cérebros abominam o vazio ), e essa nova experiência logo vem...e outra e outra e outra.... O amadurecimento se torna impossível. A vida interior se faz rala.
Penso então nos Beatles. Sim, nos Beatles. Eles tiveram a sorte de passar anos à margem do mundo. Tocando, compondo, se afirmando. Elaborando toda uma carreira dentro de si. Pegando aquele som tão "cover", Buddy Holly e Everly Brothers, e fazendo suas tentativas de originalidade. Até que anos mais tarde explodissem e se tornassem mundiais. O que seria deles hoje? Em 1960 já teriam videos na rede e faixas para download. Sentiriam desde o inicio o "gosto" da exposição. E pior, seu espirito se atiraria para fora, para o que os outros esperam. Amadurecimento, recolhimento, espera, jamais.
Outro exemplo. Ingmar Bergman.
Bergman passou dez anos fazendo um filme por ano. E nada acontecia fora da Suécia. Ninguém o conhecia. Então o que ele podia fazer? Podia aprender. Com calma, sem se sentir exposto, dentro de si, ele foi desenvolvendo um estilo pessoal. Sem pressa, filme a filme. Quando estourou em 1956 já tinha firmeza, certeza, calejamento. Estava pronto. O que seria dele hoje? Teria desde "PORTO", em 1946, seu fã-clube. E normalmente o que ele faria? Se conformaria em ser para sempre o ídolo desse fã. Na rede, precocemente ele se acreditaria pronto. Faria fé do hype criado a seu redor.
Prazeres secretos. Alguém ainda os tem?
Existe algum segredo? O prazer de comprar um disco do Velvet Underground no Brasil em 1981. E saber que nenhum amigo conhecia essa banda. E então, amar essa banda em solidão. E chegar a crer que ela é sua. Mais ainda, que seu amor a mantém viva. Cuidar desse amor que é seu e portanto se TORNA VOCE. Esse é o aprendizado da individuação.

LOLLAPALOOZA PARTE DOIS

   Uma banda como o Friendly Fire consegue um milagre: fazer todo um show baseado em um refrão do Duran Duran! Em todas as músicas deles voce tem a impressão de que o cara vai passar a cantar, "Dance into the Fire...", experimente cantar junto com eles e enxertar esse refrão de Simon Le Bon....sempre encaixa!!!! Friendly Fire é uma banda para não se esquecer de esquecer. Se em 1985 os Durans comprassem suas roupas nas Casas Pernambucanas e bebessem cerveja em lugar de champagne teríamos os Friendly. Mas como tudo sempre pode ser piorado, os Foster deveriam ser os Fofos. Que coisinha tão lindinha do papai !!!!! Eles conseguem fazer com que o Coldplay pareça o Velvet Underground e que Elton John soe perigoso. Assexualidade, teu nome é Foster.
   O Manchester Orchestra promete pelo visual. Os caras têm cara de homem, e isso é muito raro no pop. Dizem que fazem um tipo de grunge furioso. Mas quando tudo começa voce vê que é apenas mais um som à Live. Anódino. O público adora. Aliás o público adora tudo. Parece que desgostar é um pecado mortal. Saudades das latas que atingiram Carlinhos Brown....
   Gypsy Punk não merece ser comentado. Gypsy Kings piorado. Uns tiozinhos disfarçando sua caretice com uma guitarrinha "punk". E um cantor que é xerox de Ian Anderson em 1975. Só faltou a flauta. Se ele parasse tudo e começasse com "Aqualung my friend...." nada seria estranho. O modo como ele pula e joga o violão é Ianandersoniano puro.
   Será que tudo hoje é anos 80? Veja os Monkeys. Eu juro que já ouvi musica deles no radio achando ser alguma musiquinha de 1983 que eu esqueci de quem fosse. Pelo menos eles tocam ok.
   Fazem décadas que eu sonho com uma avalanche punk que lave o marasmo e mude tudo. Não virá. Antes dessa nova tempestade se formar as bandas já estarão na rede, popularizadas e separadas em suas carreiras virtuais. No mundo hiper-globalizado não há como uma banda amadurecer quieta e isolada. Então ficamos assim: o festival foi deslumbrante... pra quem nunca havia visto show nenhum e pra quem acha que o rock começou em 1980 com o Joy Division.
PS: gostei dos TV ON THE RADIO. E os CAGE THE ELEPHANT foram muuuuito bons.

CONTEMPLAÇÃO

    Prometi e aqui está o texto de Oscar Wilde sobre poesia. Após falar sobre o maravilhoso dom romântico de Yeats, Wilde cita este parágrafo de Walter Pater.... leiam....
    "O fim da vida não é ação, é sim a contemplação- ser se diferenciando de fazer- uma certa disposição da mente: isto é, em um aspecto ou outro, o principio de toda a mais alta moralidade. Em poesia em arte, se voce penetra no seu verdadeiro espirito, voce toca rapidamente seus principios que, devido a sua esterilidade, são uma espécie de observador que está aí pelo simples prazer de observar. Tratar da vida no espirito da arte é fazer dela algo cujos significados e fins já são conhecidos: encorajar de fato este tratamento, o verdadeiro significado moral da arte e da poesia. Seus trabalhos não são para dar lições ou criar regras, ou mesmo para nos estimular a nobres fins, mas para remover por um certo tempo os pensamentos do simples mecanismo da vida e prepará-los para as emoções , seja sobre o espetáculo de grandes fatos da existência humana sem qualquer sentimento mecãnico, as grandes e universais paixões do homem, as mais gerais e interessantes  de suas ocupações e o complexo mundo da natureza.
   Testemunhar esse espetáculo com as emoções apropriadas é a meta de toda cultura, e a poesia é a grande fomentadora e estimuladora dessas emoções. Enxergar a natureza repleto de sentimento e excitação. Observar homens como parte da natureza, excitados, apaixonados, em conexão com a beleza do mundo natural, imagens do sofrimento humano em meio a formas tão poderosas e terríveis".
   Observar. O dom da poesia é o dom da observação. Olhar sem fazer, ver e seguir o movimento que é a vida. Não conheço melhor modo de definir poesia. Observar, saber ver sem a conciência de se estar vendo. Integrar o olhar que olha ao objeto que está sendo visto. Fazer do que é observado parte de seu espirito que olha. Olhar passivo, olhar que integra.
   A poesia é então uma visão, olho. Ver tudo, o que é e aquilo que deveria ser. O que será e aquilo que era e se torna presente pela visão poética. Saber da complexidade da vida e da natureza. Intuir a linguagem do que se vê ( e não falar ).
   A verdade é poesia. Conhecer a vida, saber da vida. Liberar.
   Oscar Wilde, que disse que toda arte que merece ser arte deve ser absolutamente inútil, diz então que Pater define o que é a poesia: observar. Ver sendo o ápice da vida, ver contemplando, não julgando e nem pensando em fins ou utilidades. Apenas contemplar.
   É um dom raro, dificil, mas é o que dá valor a vida.