GRAVAÇÃO

Era assim: Um rádio, mono, sintonizado na Difusora ou na Excelsior. Muito raramente na América. Das 9 até as 13 horas. Depois do almoço eu ia pra escola. Um gravador Aiko. Com um microfone. Uma fita k7 TDK ou Basf. E o suspense. Toda manhã, o suspense. Será que eles iriam tocar a música que eu queria gravar? E se enquanto eu estivesse na Excelsior ela tocasse na Difusora? As músicas das paradas de sucesso eram faceis de ouvir, mas e aquelas do ano passado? E se durante a gravação minha mãe entrasse na sala e fizesse barulho? E se o cão latisse, a campainha tocasse ou um carro buzinasse? Pior de tudo: e se o apresentador falasse alguma coisa no meio da música, tipo "Excelsior, a Máquina do Som" ou "Di Fu So Ra, Jet Music"? Todas as músicas eram gravadas sem os primeiros segundos, que era quando o cara falava: " Harold Melvin and The Blue Notes!!!! " ou " A nova de Billy Paul!" O final também era cortado, para evitar o "Voce ouviu David Bowie com Young Americans". Era uma luta! Mas, como toda luta, com derrotas horrendas e vitórias que me dão prazer até hoje. Lembro por exemplo de mudar para a Difusora e ouvir os últimos segundos de Sugar Sugar, canção dos Archies, então já antiga, e que eu sonhava gravar a meses. Com ódio gravei só o último refrão. Lembro de perder Sorrow, do Bowie, que eu caçava a mais de um ano, por ter ido ao banheiro. Pior eram aquelas que eu não conhecia, escutava e sentia que devia ter gravado. Já era. Algumas só voltei a ouvir já neste século, graças à net. Mas existiam as vitórias. E a emoção era a mesma de um caçador conseguir capturar um tigre branco. Com 12 anos eu já tinha várias canções velhas, que eu havia ouvido aos 8 ou 10 anos, e que rezava para que tocassem e eu pudesse gravar. Uncle Albert do Paul MacCartney foi uma enorme alegria. Na Difusora, Flash Back era a sessão, eu apertei o REC-Play com o coração na garganta: Thank You God! Eu ia poder ouvir agora quantas vezes eu quisesse. Fã dos Monkees desde os 7 anos, um dia tocou She na rádio Excelsior e eu gravei aos pulos. Que vitória! Lembro ainda de uma sequência que gravei numa TDK aos 13 anos: Sweet-America-Suzi Quatro-Alice Cooper-David Essex-Casa das Máquinas e Left Side, típica play list da Excelsior. Cada emissora tinha um estilo: a Excelsior era mais rock inglês, lá tocava glitter, alguma coisa de rock pauleira e muito rock nacional. A Difusora era mais black music, tinha muito Stylistics, Commodores e Barry White. Mas também tocava Rebel Rebel do Bowie, Bad Company com cant get enough e Grand Funk com Locomotion. Era uma salada, no meio de Stevie Wonder e John Lennon rolava um Benito di Paula e Originais dos Samba. A gente se educava assim.