CENA DIONISÍACA ( IN MY TIME OF DYING )

   Já vivi tantos transes dionisíacos ao som desta música que sempre acho que o mais recente será o último. Nunca é. O mais recente foi hoje.
   O primeiro é inesquecível. Junho de 1977. Eu era um pubescente. Havia abandonado a escola e ficava todo o dia só, nas ruas cheias de mato e de sapos. De tarde ouvia discos. E estava meio apaixonado por Jeanne, uma menina com a qual nunca havia falado. Num fim de tarde a música veio e me levou embora- simplesmente. Fechei os olhos e esqueci- fui. Dez minutos que parecem durar até hoje. Meus braços separaram-se de mim e minha voz cantou com uma potência que nunca foi minha. A forte batida estava dentro de mim, desde sempre.
   Após essa primeira vez a vida deixou de ser o que era. Saí da sala, fui pra rua de noite e andei a esmo, sem saber onde ir, mas indo exatamente onde tinha de ir. Pulei a janela e entrei no quarto. Havia um poster de Robert Plant nesse quarto. E de Gerry Lopez...
   O mais dionisíaco solo de guitarra.
   Hoje, tempo que nos rouba tudo de sagrado, vejo esse video. E pasmem, não me decepciono. Mais que isso, sorrio. Mais que isso: entro dentro de lá. E sei: um milagre.
   Tem coisas que são para sempre.

PARA AS MENINAS E MENINOS NASCIDOS EM 1998. E QUE OUVEM O QUE EU AMO.

   Minha última postagem do mês é para aquelas pessoas que eu conheço e que ( tanto tempo ) já fui. Vocês, adolescentes que insistem em ser inocentes, e que andam com suas guitarras em estojos de plástico e vestem camisetas justas, pretas, com Page, Plant, Jones e Bonham. Que ficaram doidos ao ver minha coleção de velhos vinis dos quatro Zeppelins, e que disseram querer ter vivido naquele tempo... Que tempo meus garotos e garotas? Aquele é este tempo para voces!
   Tantas bandas vieram e continuam a vir ao Brasil, que pena que vêem após a festa, após o auge que se acabou. Megas bandas, hiper bandas, quais? Por isso é que voces, moleques, amam uma banda que já era antiga para seus pais.
    ( E vejo no youtube comentários sobre os videos e pesco estes que são engraçados: "É este o motivo de se precisar inventar a máquina do tempo", " Quando vejo John Paul Jones sinto ódio de meus dedos", " Jimi Page faz com que eu desista de tocar guitarra" ). Pois eu conto agora, pra voces moleques de 13 anos, moleques crescidos em meio ao rap e ao funk, minha história de Led Zepp. ( Curta, mas que repercute ).
    Sol, poeira e a lage do meu amigo inesquecível, a gente ouve Tangerine em pose de guru e pensa: isto é pra sempre. Um balde de água na cabeça, outro balde nas meninas, um último pra se beber. Recortar as revistas e colar as fotos na parede do quarto. Pegar duas facas e acompanhar John Bonham batendo as facas na mesa até machucar. Tirar o celofane do disco e ouvir com meu bro, no escuro, com a respiração cortada, coração disparado, e sentir após meia-hora: Yes!!!!!Yes!!!!!! Yes!!!!!!!
   ( Sentir trinta anos depois quase a mesma coisa ao ver QUASE FAMOSOS pela primeira vez. Eu sou um deus grego!!!! )
    Sol, poeira e lage que agora é de voces, alunos. Bebam seus baldes e amem suas meninas e seus meninos. Ao som de Going To California ( quem diria? ).
    A critica foi ruim com o Led nos anos 70. Porque eles pareciam alienados. E era um tempo politico. Se esses criticos soubessem o que viria depois teriam os endeusado. Os anos 90 lhes fizeram justiça. A maior banda da história do rock.
    Última coisa: seus netos vão escutar Kashmir.
    Canto In My Time Of Dying no carro de meu pai em 1977... é hoje. É pra sempre.

Led Zeppelin - In My Time Of Dying (2)



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TRISTEZA, MELANCOLIA, ALEGRIA E FELICIDADE, COMENTANDO JABOR

  O Estadão ( que está dando de mil a zero na Folha, ontem teve até uma página sobre 'Billy Budd", dvd de Peter Ustinov já comentado aqui ), publicou ontem uma crônica de Jabor em que ele recorda sua mãe. A vida cotidiana de sua infância/adolescencia, o pai machista. Em certo momento ele fala da tristeza que acompanhava a vida de sua mãe, da tristeza dos móveis da sala. E diferencia a tristeza de então com a "tristeza esquizofrênica" de hoje. Dando a entender que a tristeza de sua mãe era menos violenta, mais gotejante, insistente e suportável. A de hoje seria esquizofrênica por se intrometer na própria alegria, por "parecer" feliz e ser sempre tristonha. Mais, ela vem como vaga de tempestade, destrói e se vai, para retornar mais forte depois.
   Não sou da geração de Jabor. Mas sei do que ele fala. Eu não chamaria a tristeza de agora de esquizo, a chamaria de histérica. É uma tristeza nervosa, que nada observa ou usufrui. Tristeza apressada, urgente, tristeza que se alimenta do não- tempo e do não- espaço. Tristeza que ri. A velha tristeza é a simples e extinta melancolia. A clássica melancolia, que não reconhece tempo. Uma melancolia que olha as coisas com saudade, uma tristeza de suspiros e de impotência. Nada nervosa, antes sonolenta. A melancolia só existe no mundo onde a alegria é rara, mas a felicidade possível. A tristeza histérica é o outro lado da moeda do mundo de alegrias constantes e felicidade distante. Uma, a antiga, é a paz triste ou a paz feliz; a atual simboliza uma triste corrida e a alegre disputa.
   É tudo uma questão de tempo e espaço.
   Existe um site na internet chamado geoportal. Nele, voce vê mapas de 2008 e pode compará-los a mapas fotográficos de 1958 ( em 58 um balão voou sobre SP e fotografou a cidade toda ). O que salta aos olhos é a questão do espaço. A cada quilômetro há espaço livre, sem dono, um horizonte para se esquecer da vida. Vejo que as lembranças que guardo da minha cidade de 1970/1972 não são fantasiosas. Lá estão os limites da cidade sem propriedade, os riachos sinuosos, os horizontes sem fim. E mais, não existem fotos de favelas. Nos limites da metrópole o que existe é mato, árvores, campos de futebol. Um nada que era o tudo verdadeiro. Silêncios.
   As imagens da cidade de hoje é uma retilinea maquinária de concreto. Tudo é linha reta, labirinto, horizontes curtos, espaços tomados e vendidos. Nosso corpos conformam-se a esse espaço dominado, curto, racional. Não há respiro, fuga, esquecimento de onde se está. Mundo onde tudo se contabiliza, se mede.
   Vivemos em espaços catalogados e restritos, nossa alma é reflexo desse ambiente.
    PS: Fato interessante para ser pensado: a internet é um prazer real ou uma necessidade criada artificialmente como foi o cigarro?

SHANE, UM LIVRO INTEIRO SOBRE O FILME DE GEORGE STEVENS ( HEIDEGGER E O WESTERN )

   Paulo Perdigão, programador de filmes da Globo, lançou em 2000 este livro. São 190 páginas analisando cena a cena o monumento SHANE ( Os Brutos Também Amam ) de Stevens. Para quem adora o filme é obrigatório, mas não vou falar de tudo aquilo que ele fala. O que mais me alegrou é o paralelo que Paulo faz entre o western e a filosofia de Heidegger. Ele sintetiza algo que eu intuia mas não conseguia ver com muita clareza.
   O cowboy é aquele que vive no limite entre dois mundos. Não faz parte da cidade/familia, e nem é parte da marginalidade. Não é da cidade e nem do campo. Não está no presente e nem pensa no futuro. Ele está na solidão e me movimento. E vem daí a filosofia Heideggeriana: o cowboy se debate por se sentir preso. Preso numa condição existencial. Mas o que ele não percebe é que ele é o único personagem realmente livre. A angústia perante o vazio e a falta de propósito é a própria sensação de liberdade. Os fazendeiros jamais ousam pensar em liberdade, o mesmo acontecendo com os homens da cidade. Eles vivem nas formas que foram para eles construídas. O cowboy é o ser que saiu dessa forma e se lançou ao limite, ao vazio. Ele sente a solidão, mas nesse sentimento ele pode ver o que acontece a seu redor. Ele vive no vazio dos espaços e dos dias, mas ele sabe, intuitivamente, que foi ELE quem escolheu, foi ele que assim o desejou.
   Todos os grandes heróis trazem embutidos em si esse trajeto existencial. Ninguém melhor que o cowboy exemplifica isso de forma tão nítida.

OS MORTOS- JAMES JOYCE

   No momento em que Joyce escreveu Os Mortos, sua alma se encontrava perturbada. Ele se irritava ao constatar que mesmo vivendo na Itália, a Irlanda permanecia viva dentro de sua mente. O conto é a constatação de que tudo aquilo que cremos morto continua influenciando a nossa vida. Mais que isso, por ser morta, e portanto fora do tempo, essas coisas têm o poder da imutabilidade. Portanto, como deixa claro esse conto, quem pode vencer um amor que morreu de tanto amar?
   No Natal, em Dublin, irmãs solteiras convidam amigos e parentes para a ceia. Música, poesia, discursos e bebidas. Ao fim da noite, Gabriel, o personagem central, descobre que sua esposa viveu uma paixão na juventude. Um jovem apaixonado por ela, de certa forma, morreu de amor por sua mulher. Caindo em si, ele constata que ninguém conhece verdadeiramente alguém, e pior, que os mortos continuam ditando, indefinidamente, os acontecimentos da vida dos vivos. Joyce, jovem quando escreveu este conto, demonstra soberba compreensão da vida e da mortalidade. Gabriel olha a esposa, olha a neve que cai ao fim da narração, e percebe o tempo.
  Não há um final nesse conto, não existe um começo. Exemplo central do tipo de história possível no mundo moderno, Joyce sabe que o mundo ordenado de Austen ou Dickens se fora. Não podemos crer mais em vidas que transcorrem em linha reta. O conto é um fragmento, uma noite numa vida, um floco de neve. Não saberemos de onde os personagens surgiram, e jamais iremos saber o que deles será feito. A narrativa é um pedaço de um pedaço, e do pedaço se tenta tirar um sentido, e esse sentido, Joyce sabia, é a busca do sentido. O único personagem definido e completo é o rapaz morto.
  Na biografia de Richard Ellman ficamos sabendo que a esposa de Joyce também teve um jovem amante que morreu.  Joyce escrevendo tenta dar rumo a uma história que o perturbou? Como saber? Uma tristeza "fofa" ronda através de todo o texto. As pessoas na festa não se percebem, não se tocam, estão em mundos paralelos, à parte. Mas é uma melancolia tola, ausente de propósito, sem força. A impossibilidade do trágico também está aqui representada. Pois a tragédia se dá em pessoas que aceitam a dor e sabem ser ela certa e fatal. Nosso tempo não mais a conhece. Negamos.
  OS MORTOS, com suas vozes empoladas, seus discursos vazios e a cena aterradora na escadaria, é, talvez, o melhor conto que já tive a glória de ler. James Joyce fala de emoções inescapáveis e da condição de se viver sem se poder saber nada. Gabriel tem seu mundo roído diante de nossos espiritos, ele desaba em meio minuto. O modo como Joyce faz isso, simples, claro e sorrateiro, deixa marca na carne de quem o lê.
  Ler é morrer um pouco, e absurdamente, é também viver mais.

UM LIVRO ABERTO- JOHN HUSTON ( NO TEMPO EM QUE DIRETORES DE CINEMA ERAM HOMENS )

   No final da vida, que é quando este livro foi lançado, John Huston morou numa praia escondida, no México. E é lá que este delicioso livro começa. Huston faz parte de duas tradições. A primeira, daquele típico artista americano que detesta parecer "artista". São homens que apesar de lerem poesia, filosofia e amarem teatro, temperam isso com fartas doses de esportes, lutas, mulheres e silêncio. Não frequentam o mundinho intelectual e prezam uma feroz individualidade. A outra tradição de que Huston faz parte é a dos pioneiros do cinema ( pioneiro que ele não é. Sua carreira começa em 1941, longe do cinema silencioso ). Pioneiros que tinham o cinema como uma profissão acidental. Não cinéfilos, com currículos de atletas, gigolôs ou marujos. Gente como Hawks, Walsh e Fleming.
   Huston carrega também um feito que dificilmente será igualado. Dirigiu o filme que deu o Oscar a seu pai e quase quarenta anos depois, dirigiu um filme que deu um Oscar a sua filha.
   John Huston vem de uma familia aventureira. Gente que ganhou fábricas em mesas de poker e perdeu fortunas em casamentos ruins. Walter Huston, pai de John, foi uma lenda do teatro. É dele a versão que popularizou para sempre September Song de Kurt Weill. Walter fazia de tudo: Shakespeare e burlesco. Depois ficou famoso no cinema. John veio ao mundo nesse planeta de shows, trens e hotéis. Desejou ser pintor, mas não gostava de passar fome e se fez lutador profissional de boxe. Depois, cansado de quebrar o nariz, começou a escrever contos, foi convidado a ajudar a terminar roteiros e acabou como roteirista famoso. Veio então a estréia como diretor em "O FALCÃO MALTÊS" e o sucesso.
   Os melhores filmes de Huston têm um tema em comum: a luta de gente derrotada em conseguir ganhar alguma coisa na vida. E a derrota final dessas pessoas. Mas são homens que jamais se lamentam, têm a vida que escolheram. Os filmes de Huston são profundamente existenciais, não por acaso Sartre gostava deles.
   Cinema era coisa secundária para John. Ele preferia viver. Me assusta um pouco a avidez com que ele matava animais. Caçadas na África e na India. Mas depois ele diz que jamais voltaria a matar um animal, cometer tal pecado. Ao mesmo tempo ele ama os bichos e chegou a destruir um de seus casamentos por isso. Optou por um chimpanzé e largou uma esposa, ( essa história é hilária ). De qualquer modo, foram cinco casamentos e as mulheres são beeeem secundárias no livro.
   Os amigos são mais importantes. O melhor foi um jockey. Mas Huston tinha entre seus preferidos escritores, nobres europeus, caçadores, boxeurs, tenistas e Humphrey Bogart.
   Ele fala de como foram feitos seus filmes. Nenhum é mais divertido que THE AFRICAN QUEEN. Feito em locações precárias, numa Africa ainda sem contato com o "mundo civilizado". Bogart odiando aquilo tudo, e Kate Hepburn amando a aventura. Formigas vorazes, nuvens de mosquitos, desinteria, água imunda, ruídos na noite, elefantes e leões, macacos vivendo nos sets. Tempestades. Há um filme de Clint ( meu favorito de Eastwood ), que narra esses bastidores. O papel de Huston é feito por Clint...
   O pior foram os sets de FREUD. Montgomery Clift já corroído pela bebida, o roteiro impossível de Sartre e atores que se pensavam gênios. Um inferno! Os maiores elogios de John vão para atores não-estrelas, gente como Paul Newman, Gregory Peck, Clark Gable ou Sean Connery. Gente que sabia viver e que via o cinema como profissão, se arriscavam, tentavam mudar.
   Há longos capítulos sobre boxe, sobre a India e sobre a Irlanda. Todos são ótimos, mas o melhor fala sobre a arte da caça a raposa. Acredite, é muito bom. Huston nunca tenta ser simpático e está longe da era do politicamente correto. Ele é o que é, e é isso que seus filmes ensinam.
   Casou-se em impulso de uma noite, casoú-se com amiga, casou-se muito jovem e se casou com artista. E também com uma predadora. Errou em todos. Não chora por isso. Mulheres eram importantes, mas estavam longe de ser "tudo".  Amava mais às viagens, as bebedeiras, as apostas ( Huston era desse tipo que joga cara ou coroa pra ver se aceita um trabalho ou recusa ), os bichos, os filmes. Nessa ordem de preferência.
   Ele gostava de Bergman e Fellini, admirava essa coisa de se escrever sobre si-mesmo e fazer uma série de filmes "com estilo definido". Mas preferia fazer um filme diferente do outro, sobre temas exteriores a sua vida, pegar um livro e filmá-lo. Lia muito. Quatro por semana.
   Fez grandes filmes. Obras que dão um imenso prazer. O TESOURO DE SIERRA MADRE, O SEGREDO DAS JÓIAS, A GLÓRIA DE UM COVARDE, O DIABO RIU POR ÚLTIMO, O CÉU POR TESTEMUNHA, KEY LARGO, OS MORTOS...
   Nunca haverá outro diretor assim. Todos são/serão ratos de cineclube. Fãs que citam o que viram num filme e nunca aquilo que viveram ao vivo.
   Apesar de John Huston ter sido um ateu convicto, digo: Deus salve seus filmes! Um brinde a um grande Homem!
   PS: Consegui ver um de seus documentários sobre a segunda-guerra ( ele esteve lá ), é uma obra-prima. HAVERÁ LUZ foi censurado nos EUA por trinta anos. Mostra a vida dos soldados traumatizados em centros de reabilitação. O trabalho dos psiquiatras com esses farrapos humanos. É um filme de uma nobreza infinita. É puro Huston.

John Huston's The Dead - Finale



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SE EU TIVESSE DE NASCER DE NOVO, IA QUERER SER JOHN HUSTON.

   Durante dezoito anos de sua vida John Huston morou na Irlanda. E descreve em um dos capítulos de seu livro a sensação de acordar de manhã e ver pela janela éguas e potros passeando pela relva verde. A "casa" de Huston era um castelo com dezoito empregados. Os convidados, e sempre havia vários, geralmente escritores, se trocavam para jantar. Caçadas à raposa eram organizadas. Festas em pubs. O filme de Clint Eastwood ( tenho certeza que ele também iria querer ser John Huston ), Coração de Caçador, mostra esse castelo. Mas não pense que eu queria ser Huston por causa desse castelo ou de seu amor a Irlanda. Eu queria ser esse cara por causa da vida que ele teve, John Huston viveu. Viveu a vida como ela pode ser vivida. A desafiou todo o tempo.
  Ao contrário dos livros de Bergman, Scorsese, Hitch ou Woody Allen, livros que passam 90% do tempo falando sobre cinema ( o de Bergman 80%, 20% ele fala sobre depressão ), Huston fala 30% sobre cinema, nos outros 70% ele fala sobre caçadas, cavalos, apostas, jogo, viagens, boxe e amigos. Não há fofocas, não existem lamúrias, nada de pose de "artista". Huston se casou cinco vezes, segundo ele, com cinco mulheres completamente diferentes: uma atriz linda, uma lady, uma garotinha, uma intelectual e uma jararaca. Alguns filhos, mas é bacana notar, ele mal fala sobre elas. Mulheres estiveram sempre por perto, mas não eram centrais. Huston faz parte de uma geração em que ser homem significava viver livremente, e não obter o máximo de mulheres. Jogo, humor e arriscar-se eram importantes.
  Huston jogava todo o tempo. Seja caçando raposas ou leões, seja lutando boxe. Ao ver uma luta na tv, apostava com os amigos. Mas principalmente, cada filme era uma aposta. Já se falou muito que Huston filmava para poder viajar. Mais que isso, ele filmava só o que representava riscos. Elencos problemáticos ou roteiros dificeis, locações perigosas, fracassos irrecuperáveis. A partir de 1951, até 1985, todos os seus filmes foram apostas pesadas. Alguns perderam, alguns ganharam, todos foram excitantes.
   Huston mal fala dos filmes que gosta. E até os 28 anos não teve uma profissão definida. Lutava boxe profissionalmente. Ia ao México ver touradas. Caçava e se casava. Fato do livro: ele nunca tenta ser simpático. Não se faz de sensível ou de herói.
   Quer ser pintor, acaba sendo escritor e depois passa a dirigir filmes. A impressão que dá é que ele só levou o cinema a sério por oito anos. Depois outras coisas se tornaram centrais: viver e viajar. Cada filme era uma viagem, Japão, África, Paris, Itália, Irlanda. O filme de Clint refaz as filmagens na África de "The African Queen". É a melhor parte do livro. Uma África que não mais existe ( o livro é sobre um mundo recente que já se foi para sempre ). Rios fora do mapa, canibais, manadas de elefantes, zonas incomunicáveis, perigo constante. Um quase inferno/ um quase paraíso.
   Ele fala sobre seus amigos Heminguay, Truman Capote, Steinbeck, Ben Hecht, sobre seu pai Walter Huston, sobre nobres irlandeses ( falidos ), sobre Errol Flynn, Humphrey Bogart, Mitchum, Peck... Mas o centro é sobre aqueles amigos que ninguém conhece, caçadores de raposas, médicos, donos de bares, secretárias, guias africanos, instrutores de equitação. John Huston é o típico "artista americano", ele foge da intelectualidade. Como Heminguay, Faulkner ou Whitman, a vida lhe é importante, andar, conhecer, fazer. Ser um homem, jamais um pensador abstrato.
   Seria maravilhoso ler este livro aos 15 anos. Seria um guia, tipo "Como Ser Adulto e Homem". Eu o li, emprestado por um amigo, aos 24. O devolvi e passei 20 anos procurando-o em sebos. Sempre que entrava num, ia logo às biografias atrás dele. Acabei encontrando-o dois anos atrás, no sebo em que menos esperava o achar. Li-o então, e voltei a ele agora. Não conheço melhor livro para te fazer erguer a espinha e ajeitar os ombros. 
   Sem dúvida ele poderia ter se dedicado mais. Feito as coisas com mais cuidado. Mas aí ele não seria John Huston. Seria um diretor dos anos 1970/2010, da geração cinéfila. Desses que só conhecem a vida através dos filmes que viram e dos livros ( sobre cinema), que leram. Huston lia Joyce e Cervantes, fazia um filme por ano, e mesmo assim encontrava tempo para jogar com a vida. Um touro.
   O livro se chama: "Um Livro Aberto" e é da LPM. Mais que bom, vital. Um antídoto contra os bundões, fala ainda da sua participação na segunda-guerra, da sua visão da América MacCarthista, e de um monte de apuros passados em florestas, desertos, sets de filmagem e ruas de madrugada. 
   Quando Huston tinha 12 anos o médico disse que ele tinha um problema no coração e lhe receitou cama e dieta. Ele se submeteu por dois anos. Mas começou a pular a janela do quarto de casa e ir nadar de madrugada escondido, no frio. Isso salvou sua vida e lhe deu caráter. Pelo resto da vida ele fez isso, apostou contra os prognósticos. E venceu.
   Esse é o homem. 

HITCHCOCK/ BUÑUEL/ LEAN/ X-MEN/ TAVIANI/ MURNAU/ HENRY FONDA

   MOVIE CRAZY de Clyde Bruckman com Harold Lloyd e Constance Cummings
Filme falado de um dos mais famosos humoristas da época. O tipo de Harold é o "americano comum". Um otimista. Aqui ele vai para Hollywood "ser famoso". Se mete em mal-entendidos. Me parece que "Um convidado Trapalhão" de Blake Edwards se inspirou aqui. Mas Lloyd é bem melhor em seus flmes mudos. Faltam aqui suas soberbas cenas de ação. Nota 4.
   O HOMEM ERRADO de Alfred Hitchcock com Henry Fonda e Vera Miles
Um original. É um dos mais angustiosos filmes do mestre-gênio. Sem qualquer cena de fantasia, sem nenhuma concessão, sem nada de "bonito". Esta história é real, verídica, e Hitch a filmou quase como um documentário. Fonda, desamparado, inconsolável, é um pai de familia que é confundido com um assaltante. Vai preso e todas as testemunhas o apontam como culpado. Nesse processo sua esposa enlouquece. Até que ocorre um milagre... É o mais pessoal filme do gênio do cinema fantasioso. Quando criança, na Inglaterra, seu pai lhe pregou uma peça: fez com que fosse preso "de brincadeira". Hitch nunca mais deixou de ter pavor da policia. Aqui nos sentimos na pele de Fonda. A cena em que ele é trancafiado e anda pelo espaço minúsculo da cela é magnífica. O filme inteiro é seco, objetivo, detalhista. Todo o processo de identificação, de detenção, de códigos legais é mostrado. Quem acha Hitchcock pouco "real" deve ver este filme. Inesquecível. Atenção para a trilha sonora de Bernard Herrman, é uma obra de mestre. Já nos letreiros iniciais somos tocados por essa melodia esquisita. Os olhos de Fonda são os melhores do cinema. Filme que não proporciona qualquer prazer imediato, ele se fixa na mente por sua poderosa dor. Nota DEZ.
   THE PLEASURE GARDEN de Alfred Hitchcock
É o prmeiro filme dirigido pelo mestre. Mas nada tem de hitchcockiano. Trata de duas coristas e suas disputas num cabaret. Uma chatice! Bons tempos em que um diretor podia fazer dúzias de filmes até aprimorar seu estilo... hoje o cara tem de acertar na primeira e depois se repetir pra sempre ( ou fazer continuações de HQ e que tais ). Nota 1.
   L'AGE D'OR de Luis Buñuel
Segundo filme de Luis. Imagens sobre bispos, que viram esqueletos; o desejo de um casal que é separado, escorpiões, mar e sol. Me desculpem, mas em termos de surrealismo prefiro os filmes de Man Ray. Nota 5.
   A SOMBRA DE UMA DÚVIDA de Alfred Hitchcock com Teresa Wright e Joseph Cotten
De todos os seus filmes este é aquele que Hitch mais gostava. Porque? Talvez por ter sido aquele com melhor clima nas filmagens. Inclusive o roteirista, Thorton Wilder, uma estrela do teatro,  não se mostrou chato ou turrão. Mas o principal talvez seja o fato de que este é realmente um grande filme. Um assassino foge de New Jersey e vai morar com sua irmã, numa pequena cidade do interior. Essa irmã é casada, e tem uma simples e alegre familia típica. A filha ansia pela quebra da rotina interiorana e fica em êxtase com a chegada do tio cosmopolita. O que vemos então é a lenta destruição da inocência dessa menina, o aparecimento, passo a passo, do mal na tranquila familia. Mas atenção! Nada de cenas de violência, nada de grandes dramalhões, o filme é sutil, a familia jamais percebe o mal, apenas a filha tem essa percepção. Fato complicador: tanto o tio como a filha têm o mesmo nome, Charlie. Serão duplos? A cena em que ela descobre quem o "querido tio" é, tem um movimento de câmera que se tornou célebre, Coisa de gênio. Aliás, este é um daqueles raros filmes perfeitos, não há uma cena a mais. Obra-prima. Nota MIL.
   PASSAGEM PARA A INDIA de David Lean com Judy Davis, Peggy Ashcroft, Victor Banerjee, James Fox, Alec Guiness
Estava querendo recordar como são os melhores filmes, então passei este semana numa dieta de Htchcock e David Lean. Escrevi sobre este filme abaixo. O que mais dizer? Que apesar de suas 3 horas ele passa voando? E que já sinto vontade de vê-lo mais uma vez? Nota MIL.
   X-MEN PRIMEIRA CLASSE de Mathew Vaughan
Apesar de durar uma hora e meia, este filme parece muuuito longo. E não é ruim. Claro que tem um roteiro tipo "guarda de trânsito", o seu objetivo é apenas o de manter tudo em movimento. Há também um dos mais recorrentes defeitos desse tipo de filme: as melhores cenas estão no começo. Mas se voce esquecer os diálogos ridiculos e a infantilidade dos "motivos dramáticos", dá pro gasto. O diretor não enfeita demais, apenas mostra o que tem pra se mostrar. E os dois "heróis" são feitos por atores competentes ( James MacAvoy e Michael Fassbender ). O que me intriga é: ninguém ainda percebeu que o encanto de um filme de ação está na dosagem entre movimento e diálogo? Nota 4.
   ACONTECEU NA PRIMAVERA de Paolo e Vittorio Taviani
Uma familia de hoje vai á Toscana visitar o avô. No caminho o pai conta aos filhos a história da familia. Desde a época de Napoleão até o século XX. O tema do filme é fascinante, a Europa teria traído o espirito revolucionário e se prostituido pelo dinheiro. Os irmãos Taviani são marxistas e isso os prejudica. Acabam se perdendo num rancor e numa nostalgia pelos "bons tempos" revolucionários. Na cena final as crianças de hoje são mostradas como pequenos monstrinhos que só pensam em dinheiro. Uma pena que um tema tão vasto, rico, seja desperdiçado numa direção que sempre opta pelo errado. Há um excesso de cenas de amor, um excesso de personagens sem carisma e no fim, o avô se mostra apenas um comunista estúpido. De qualquer modo, concordamos com a bundice atual da Europa e lamentamos que os ideias da revolução ( Igualdade, Fraternidade e Liberdade ) tenham sido jogados na vitrine de algum Shopping Center. Nota 4.
   TABU de F.W. Murnau
Em 1930, Murnau, diretor famoso então, se une a Robert Flaherty, maior documentarista do mundo, e rumam a Bora-Bora, Pacifico Sul. Lá fazem um filme que é um misto de ficção e de documento, este sublime Tabu. Há quem o considere o melhor filme já feito. Não sei se é tanto, mas há algo de mágico aqui. Os nativos, verdadeiros, são os atores. O que vemos são pescarias, danças, sol e areia e muito mar. E a história de um casal que se ama mas é impedido por um tabu. Impressiona o sorriso desses homens. Há neles uma leveza e uma felicidade que está extinta do mundo. Eles vivem em idilio, são naturais. Tudo é feito em grupo, todos são livres dentro do mundo que os aceita e é aceito por eles. Juro que não estou romantizando, eles realmente são a imagem da felicidade humana. Lembro que este foi o primeiro dvd que vi na vida, ( mas não o primeiro que comprei, que foi My Fair Lady ), e é um belo começo de coleção. Murnau faleceu logo ao final das filmagens em acidente de carro. O mundo perdeu um soberbo mestre. Nota DEZ.
  

O QUE É UM "GRANDE FILME" ? PASSAGEM PARA A INDIA, DE DAVID LEAN, TE ENSINA A ENTENDER. ( E pobre de quem nunca o assistiu ).

   É muito mais fácil escrever sobre bons diretores que sobre os grandes mestres. Por mais que os elogiemos sempre fica faltando alguma coisa a destacar. David Lean foi um mestre. Basta dizer que Steven Spielberg é seu discípulo/fã. Nenhum diretor inglês chega perto de sua quantidade de prêmios.
   Ele fazia um tipo de cinema que não mais pode ser feito. Um filme "de luxo", que levava quatro, cinco anos em produção, centenas de técnicos/artistas, meses em locação, meses em edição. Um tipo de filme que gente digna como Paul Thomas Anderson luta por fazer, e é boicotado. Filmes que não são de kinoplex e nem de festivais de cinema. Muito complexos e exigentes para adolescentes barulhentos, e muito bem feitos e bem escritos, profissionais, para os festivais. David Lean tinha o mesmo público de Kurosawa ou de Kubrick, o cinema adulto perfeccionista.
   Este filme é baseado num belo romance de E.M.Forster. Autor central da Inglaterra dos começos do século XX. Lean fez o roteiro e a edição do filme. E dirigiu a seu modo. E como é esse modo? Sem frenesi. Ele faz filmes de ação, de diálogos, de movimento, mas não sacrifica a estética a isso. Ele interrompe a ação para mostrar um rio, uma montanha, o sol. E mostra em seu explendor completo, sem pressa. Os filmes de Lean costumam ter as mais belas cenas do cinema. Este lhe faz justiça. Há cenas que chegam a estontear. Como exemplo, as várias cenas do trem. Há uma em que o trem passa sobre uma ponte no fim de tarde que beira o milagroso. Mas o filme é 100% belíssimo, todas as cenas são maravilhas de cor, de composição e de luz. A India nunca foi tão mágica e rica.
   E o tema do filme é esse. O contraste da sensualidade indiana com a rigidez inglesa. Lean nunca morreu de amores pela metrópole britãnica. Aqui acompanhamos uma jovem inglesa, sedenta por aventuras, que vai à India encontrar o noivo. O que ela lá encontra é uma comunidade de ingleses que jamais se mistura aos indianos. Ela encontra uma Inglaterra quente e úmida, apenas isso. Mas sua amiga mais velha trava contato com um médico indiano e isso irá ter sérias consequencias. Mais não conto, o que adianto é que não se trata de um caso de amor. O filme é sobre a força da India, seu excesso de cor, de vida, de sensualidade, em oposição a frieza enfadonha dos ingleses. Flores, folhas, bichos e principalmente as pessoas vão lentamente enlouquecendo os europeus. Esse é o tema. Vasto como o país.
  David Lean tem o dom de saber conduzir atores. Judy Davis, que em seguida estaria excelente com Woody Allen, faz a moça. Impressiona o olhar de curiosidade e depois de terror que ela nos dá. Grande atriz australiana, a confusão em que ela se enfia poderia ser uma armadilha para uma atriz banal. Para ela é um triunfo. Mas há ainda a maior atriz da história do teatro inglês, Peggy Ashcroft. Como a velha senhora que entende aquilo que a India significa, ela domina todo o filme. A cena de sua morte no mar é inesquecível. Como é inesquecível Victor Banerjee, o médico indiano. Modesto, de bom coração, tudo o que ele deseja é agradar seus amigos ingleses. Comove sua pureza, sua alegria simples, a forma como ele se afoba em tentar agradar. E a transformação que lhe cabe, a dolorosa maneira como ele toma consciência de si-mesmo. Uma atuação histórica. Alec Guiness faz um filósofo hindú e James Fox é um professor inglês que gosta do país. Fox poderia ter sido uma grande estrela, mas pirou ao filmar "Performance" com Mick Jagger e ficou dez anos "perdido" na India. Este filme é seu "retorno". Belo retorno.
   Tenho pena de uma geração que não tem os filmes de David Lean. Uma geração que só conhece filmes mutio idiotas ou muito cabeça. Filmes muito ricos e vazios, ou muito complexos e... vazios. Asssistir Lean é exatamente como ler um grande livro. Voce cresce se distraindo, aprende se divertindo e principalemte se extasia. As cenas do filme não saem da cabeça, a beleza é grande demais.
   Em 1984 este filme concorreu a 8 Oscars e venceu dois. Trilha sonora de Maurice Jarre e coadjuvante feminina para Peggy Ashcroft. Era o ano de "Amadeus" que o atropelou. Cá entre nós: eu adoro Amadeus, mas este é melhor.

The Who - A Quick One While He's Away (Rock and Roll Circus)



leia e escreva já!

A QUICK ONE- THE WHO, CONVERSANDO COM UM AMIGO, PERGUNTO A ELE.....

   Estava conversando com esse amigo. Falávamos sobre bandas recém descobertas. Ele me contava de uma banda que fazia um tipo de "música de puteiro francês", e eu lhe dizia que andava ouvindo country de raiz. Mas então veio uma questão: porque ao escutar The Who ( que tocava agora no carro ), eu sentia sempre, e repito, sempre, uma emoção "esquisita". Uma quase vontade de chorar misturada com um desejo de viajar. Why?
  Esse meu amigo disse que é porque eles são a banda mais Sincera. Há algo de puro neles, de honesto. Concordo, e é estranho. Porque lembro que eles jamais foram uma de minhas 20 bandas favoritas. E mesmo em meus tempos de rocknroll, quando eu e meus brothers só pensávamos em rock, nunca The Who esteve entre esses 20. Mas sempre, desde aqueles tempos, quando eu me lembrava deles e os colocava pra rodar, era sempre essa emoção, esse aperto no peito, essa "elevação". ( E não posso deixar de falar da emoção de assistir o festival de Monterey pela primeira vez, aos 13 anos, e pirar com a detonação que foi My Generation ).
  Who's Next é o disco mais emocionante. Mas acabei de ouvir Quick One de novo e quero falar é dele.
  Dá pra dizer que é o primeiro LP de verdade deles. My Generation saiu antes, mas é um Lp mais para coletânea de singles. Este não, as músicas foram pensadas em sequência, e até os ecos de Tommy se encontram aqui.
  Abre com Run Run Run. Urgência no ar. Uma canção adrenalina. O que logo se percebe: são apenas 3 instrumentos, mas a banda soa como se fossem dez. Os sons ocupam espaço, vibram, eles fazem barulho. Há um zumbido de fundo, uma zoeira, é a banda mais barulhenta da época. Mais que isso, são eles que criam o conceito de noise. A bateria animalesca de Keith Moon ocupa todas as brechas, os sons dos pratos enchem cada milimetro de vazio.
  Boris the Spider vem então. Muda o registro. O baixo como centro do som. John Entwistle foi o melhor baixo branco do mundo. Os efeitos de estúdio dominam. Estúdio da Track Records, estúdio ridiculo de pequeno, e a magia de usar um equipamento tão básico para produzir tanto som.
  I Need You. É uma balada histérica. A bateria passa de todos os limites. É muito barulhenta. Keith Moon não é meu batera favorito ( Bonham ), mas ele foi o melhor. O que ele faz com os pratos é absurdo.
  Whiskey Man. Tem um arranjo de trompa que é a perfeição. Segredo de Pete Townshend: o som tem sua guitarra como fundo. O som é dominado por baixo e bateria. Esse é o estilo Who.
  Heatwave. Cover das Vandellas. Roger Daltrey é um principe. Canta forte, canta como os cantores brancos de rocknroll deveriam sempre cantar ( Jagger é preto ). Aqui está tudo aquilo que The Jam fez depois. O som a beira do colapso, com elegancia.
  Cobwebs and Strange. Uma escalafobética bizarrice. Kaos. Metais e bateria. A velocidade com que Moon toca é aterradora. Ele inventa a destruição da bateria.
  Dont Look Away. O som mais Mod do disco. Mods eram os jovens almofadinhas de Londres. Seus ídolos eram os negros americanos e Who/ Kinks. Aqui se nota a diferença maior entre Ray Davies ( Kinks ) e Pete. Os Kinks são cínicos, frios, satíricos. O Who é sempre do "bem". São ingênuos. Davies já nasceu dividido entre o bem e o mal.
  See My Way. Uma aula de baixo. Entwistle faz linhas que surpreendem. Ouvi-lo é sempre um prazer.
  So Sad About Us. Uma balada dominada por uma bateria ensandecida.
  E para finalizar: A Quick One, uma mini-opera rock em vários movimentos. Uma espécie de Beach Boys regado a gim barato. Canções com vocais sublimes ( e ácidos ) que mudam de andamento e de tom sem parar. É uma obra-prima.
  Termina o disco. Emocionante. Eles continuam a Não Estar entre meus top 20. E continuam a emocionar sempre. Why????

MEU MELHOR TEXTO NASCE INTUITIVAMENTE

   Quando Auerbach ataca violentamente a religião, ele mira o alvo errado. Lança a velha e mofada tese de que a religião foi criada pelo homem como forma de explicar a vida e aplacar o medo. Portanto, por ser criada "artificialmente", ela deve ser descartada. Se voce trocar a palavra religião por arte, ou filosofia, ou ciência, ou psicanálise, ela, a frase, se aplica a perfeição. Levi-Strauss tem uma postura mais sábia. A religião é parte integrante do cérebro, e suas explicações serão sempre válidas. Válidas por explicarem aquilo que a razão não pode ( e desistiu de ) explicar. Se um ritual simbólico é instituído, ele, por mais absurdo que pareça a razão, tem uma função, possui uma linguagem que é apreendida pelo cérebro. Ao contrário do que dizia Auerbach ( e milhares de pensadores do século XIX ), a religião não nasce antes da filosofia e da arte, e portanto seria uma etapa mais primitiva do espirito humano. A religião nasce ao mesmo tempo e com o mesmo impulso que cria a arte e a filosofia. Encarar a religião como "ópio do povo", "doença da alma" ou "filosofia de crianças", é reduzir uma lingua, é não tentar traduzir uma mensagem, é ignorância preconceituosa.
   Henri Bergson procurou, corajosamente, desobstruir essa ignorãncia no inicio do século XX. E para isso, sem medo, ele intuiu toda uma metafisica do espirito criativo. Formulou as mais duras questões: O que é o tempo? O que é o nada? Como pode haver vida onde nada existe? De onde vem nosso impulso criador?
   Não irei ousar explicar suas formulações. São cristalinas, mas são complexas. Aconselho a quem se interessar que o leia. O que escrevo a seguir são pensamentos meus, influenciados por Bergson. Quase intuições bergsonianas.
   Do nada não pode advir um ser. Pois o nada é um vazio e um não-tempo. Se no universo se institui um tempo em dado momento, um antes e um a seguir, um tempo continuo, fluido, substancial, então esse tempo sempre existiu, sempre lá esteve. E sempre estará.
   Então o nada jamais existiu e não pode existir, pois sempre haverá algo. E se o nada nunca existiu, a não-vida é impossível. Pois a vida não pode se originar da não-vida. Para haver vida é necessário outra vida, mesmo que essa vida seja imensamente simples. Se um dia um homem criar vida de matéria aparentemente inerte, será um homem, que é vida, criando vida. Mas observe, será vida criada de matéria "aparentemente" inerte. Pois essa matéria deverá ter movimento, energia, transformação, tempo.
   Sempre houve vida portanto. Antes da primeira célula já havia vida naquilo que originou a célula. No cosmos flui a vida, se esparrama, interpenetra a rocha, o fogo, a luz, o tempo. Espírito simples, primitivo, que escorre por entre a matéria, que cria a própria história dessa matéria, que jamais poderá ser um nada, porque se o nada existisse dele só poderia advir o nada.
   Nossa razão não tem como perceber essa constante passagem de vida por tudo o que há. Pois a razão existe para as mãos, para os olhos, para os ouvidos. A razão é uma ferramenta que faz objetos, que quebra ossos e constrói casas. E para isso ela precisa contar, pesar, dividir em partes menores, organizar. Fora desse universo de partículas, de ordem, de peso e medida, de ação e reação, nada pode ser percebido pela razão. Ela tem uma lingua, e só pode traduzir essa lingua. Tudo que ela pode ler e entender é razão. Em tudo que ela pensa há o objeto. Ao pensar um ser ou a vida em si, sempre a razão fará desse ser e dessa vida um objeto.
   Mas nós intuimos. Percebemos por entre os momentos, muito raramente, alguma coisa que fica de fora da razão. E que não pode ser dita ou falada. Não pode ser posta em letras e linhas porque letras e linhas são objetos da razão. Ao escrever racionalizamos.
   Os poetas tentam apreendê-la. E jamais conseguem. A música tenta transmiti-la, e não chega lá. A beleza da arte é essa tentativa que sempre falha. E a religião tenta sisematiza-la, através do rito, e falha.
   Porque não se pode explicar com palavras, que são pedaços de coisas em tempo que se divide, alguma coisa que é fluxo indivisivel, tempo que não se apreende, vida que corre e se espalha.
   Bergson chama essa vida que existe desde sempre e sempre existirá de espirito.
   Espirito que molda a matéria, que cria sem parar, que traz sempre o inesperado, a surpresa, a não divisão. Pois o tempo é criação, incessante ir-se. Já a razão é sempre uma rotina, uma causa que trará um efeito, um mistério que será desvendado ( e se não o for será chamado de ilusão ).
   Vale ainda dizer, como é bem mostrado pela moderna antropologia, que o apogeu de toda sociedade se dá na plena vitalidade religiosa. Não no poder politico da igreja, entenda, mas sim na efervescência brilhante dos símbolos, dos significados, da intuição. Na crença da transcendência. A decadência acontece conjuntamente com a descrença. A dessacralização da vida é sintoma de velhice, de falta de élan vital. Seja Roma ou Cartago, Grécia ou a civilização do Ganges, uma tribo do Xingú ou aborígenes da Austrália, sua morte e apagamento se dá pelo fim da ligação espiritual com a vida, a perda de uma significância ancestral e de descendência, o apagar dos mitos que são verdades. O fluir do espirito que é o tempo, é bloqueado, asfixiado, ignorado. Esse espirito não pode ser morto, pois é impossível criar o nada daquilo que sempre é , mas essa civilização deixa de o reconhecer, de falar com ele, de ler seus sinais. Ela morre então.
   O grau de felicidade de uma terra é proporcional ao seu grau de criação. E essa criação se dá na intuição, que é uma não-fórmula. Um eterno inesperado. Todo o resto é decadência.

LEWIS CARROLL, ATRAVÉS DO ESPELHO E NO PÁIS DAS MARAVILHAS

   A Zahar Editora lançou recentemente um pequeno livro de capa dura com as duas obras-primas de Lewis Carroll. Traz as ilustrações originais de John Tenniel e a tradução premiada de Maria Luiza Borges. Custa apenas 19,90 na Cultura. Comprem.
   No País das Maravilhas é uma das leituras mais estimulantes da história. Livro inesgotável, tem várias leituras possíveis. Há quem o leia como um manual de sedução de menores. Leitura absurda na minha opinião. Outros o percebem como sátira a monarquia inglesa. Não é apenas isso. Tem gente que vê nele um nonsense digno do Monty Python. Jamais!!!! O livro de Carroll faz todo o sentido do mundo, nada é gratuito. Então o que é?
   Prazer da escrita e felicidade da criatividade. Ler e reler e treler Alice é acima de tudo uma experiência feliz. Na loucura dos personagens ( todos fascinantes, alguns adoráveis ), e na esperteza de Alice há a faísca da vida em movimento, da inteligência humana em seu apogeu, da página fertilizada, do cérebro livre. Alice é uma sinfonia em favor da criatividade. Tim Burton errou por ver em Alice tintas de medo e de sonho ruim. Fez uma Alice Burtoniana, nada tem de Carroll.
   Mas eu nunca havia lido Através do Espelho. Abri o livro ontem às 12hs. Não parei de ler até o terminar. Foi uma das melhores experiências que já vivenciei em leitura. Voce entra no livro e não quer sair. É um novelo de lã que te absorve, é um desfile de personagens fascinantes, um pesadelo que vira poema e volta a ser pesadelo, um enigma todo centrado no jogo de xadrez.
   Alice vai das estripulias de seu gato até as peças do xadrez, passa por campos e sentidos inversos, encontra monstros e cavaleiros inventores e ao final não sabe se sonhou aquilo ou se ela "é o sonho de seu gato". Tudo cabe nesse livro que é ao mesmo tempo de um racionalismo perfeito e obra cheia de simbolismo místico. Mas acima de tudo é um prazer inenarrável, uma leitura fascinante, divertida, rica, e que ao final dá uma sensação de "abertura", de liberdade de pensamento.
   Concordo com Harold Bloom, Carroll é tão grande quanto Gogol ou Balzac, Eliot ou Conrad. Com uma diferença, Carroll é mais divertido.
   Lewis Carroll foi professor de matemática em Oxford. Alice foi criada para suas amigas de 11 anos de idade. Há controvérsias sobre a veracidade da pedofilia de Carroll. O mais provável é que tudo ficou no platonismo puro. De qualquer forma reduzir o gênio de Carroll a um caso de tara sexual é reduzir a arte a doença. Alice é uma obra-prima, um monumento a criatividade humana. E com esses dois livros Lewis Carroll vive enquanto viver nossa cultura.

KON ICHIKAWA/ POLLACK/ RISI/ MINELLI/ CLARK GABLE/ WALSH/ BURT LANCASTER

   A HARPA DA BIRMÂNIA de Kon Ichikawa
A segunda guerra acabou de terminar. Estamos na Birmânia e um soldado japonês, que toca harpa, tenta convencer grupo de soldados kamikazes a se entregar. Depois o acompanhamos em suas caminhadas pelo país. Sua jornada é ao mesmo tempo uma reportagem sobre os horrores da guerra e um mergulho em sua alma. Belíssimo filme de um dos grandes do Japão. O fato de filmes como este serem lançados em dvd dignifica e justifica a invenção do formato. Se o inicio desta obra parece banal, conforme ela se desenvolve seu crescimento se agiganta. Imperdível. Nota 9.
   A DEFESA DO CASTELO de Sidney Pollack com Burt Lancaster, Peter Falk e Patrick O'Neal.
Pollack em seu momento mais "artístico". O filme é maneirista. Cheio de zoons, cortes abruptos, som que invade a cena seguinte, pistas e rastros de simbolismos vários. Fala de um pelotão de soldados americanos que toma posse de um castelo belga para deter avanço nazista. Até aí tudo normal, mas o que vemos é um bando de yankees que desejam destruir o castelo. Lancaster faz o capitão do grupo. Uma de suas falas é exemplar "-A Europa não está sendo destruída, ela já morreu." Há em sua voz e em seu olhar um imenso desprezo pela arte que abunda naqueles salões, pelos nobres que lá moram. Seu desejo é vencer os nazis, mas também ver o castelo em ruínas. Falk faz um italo-americano, tudo o que ele quer é fazer pão na padaria da vila belga. O'Neal é um amante das artes patético. O filme está longe da perfeição, mas faz pensar e é original. De ruim a trilha sonora de Michel Legrand. Para onde foi esse Pollack tão ousado? Nota 6.
   A MARCHA SOBRE ROMA de Dino Risi com Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi
Maravilhosa diversão. Estamos na Italia de 1920. Gassman ( excelente como sempre ), é um desempregado metido a malandro. Um colega, que agora se tornou fascista, o convence a se juntar ao partido. No inicio suas ações são patéticas, mas com o tempo eles terminam por matar. Tognazzi ( outro ator fantástico ), é um camponês que se une ao grupo, mas ao contrário de Gassman, ele tem dúvidas. Todos tentam chegar em Roma, onde haverá um grande comicio dos fascistas. O filme é uma estupenda comédia. Faz aquele misto que o cinema italiano tão bem sabia fazer, une coisas muito sérias com o riso, une emoção com educação. O filme não tem um só momento ruim. Nota 9.
   A RODA DA FORTUNA de Vincente Minelli com Fred Astaire, Jack Buchanan e Cyd Charisse.
Um dos meus filmes favoritos. De todos os gêneros de cinema, em termos de prazer puro, nada se compara ao musical. União de design, ação, humor, teatro, dança e melodia, o musical quando acerta é completo. Este é um deles. Astaire dança pouco, mas as músicas são todas coisas de gênio. Clássicas. A meia-hora final, toda em musica e dança é delirantemente deliciosa. É um dos que eu levaria para uma ilha deserta. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
   O CAMINHO DO GUERREIRO de Sngmoo Lee com Geofrey Rush, Kate Bosworth e Danny Huston
O céu é uma coisa amarela. Os cenários são todos como desenhos de graphic novel. Cada faca ou tiro desferido é fake e o sangue abunda em vermelho rubi. A luz que ilumina as cenas parece doentia, é de um azul cobalto viciado e putrido. A história, algo a ver com vingança em vila de western, chega a ser irrisória. Como é possível um adulto escrever algo tão ruim? Uma certeza: OS PIORES FILMES DA HISTÓRIA DO CINEMA ESTÃO SENDO FEITOS AGORA. Impossível negar, é o fundo do poço. Filmes ruins sempre foram feitos. Mas nunca tantos em tão grande ruindade. E o pior, tão caros. Nota(.........)
   TO PLEASE A LADY de Clarence Brown com Clark Gable e Barbara Stanwyck
É sobre um muito macho piloto de fórmula Indy. Interesse principal: corridas de Indy em 1950 muito bem filmadas. Os caras corriam sem capacete, sem barra Sto. Antonio e sem cinto de segurança!!!! E vestidos de camisa pólo!!!! As pistas não têm guard-rail e o piso é de areia dura. Haja cojones!!!!!! Gable faz, com seu jeito de machão protetor e decidido, um piloto arrogante. Barbara é a jornalista snob que cai de amores por ele. A gente vê o filme e torce por mais cenas de corrida. Elas logo vêm, são muitas. Boa diversão. Nota 6.
   TRÊS DIAS DE GLÓRIA de Raoul Walsh com Errol Flynn e Paul Lukas
Errol Flynn em seu primeiro filme após problemas com a lei ( uma acusação de estupro de uma menor ). Faz um condenado a guilhotina que troca sua execução pela vida de cem franceses. Como? Se entregando aos nazis como sabotador francês procurado. O filme é totalmente inverossímel. Mas Errol e Walsh eram profissionais maravilhosos. Gostamos de olhar e ouvir Errol Flynn, e Raoul Walsh tinha o dom do corte na hora exata. Nota 6.

BEATLES E ROLLING STONES, A GENÉTICA DO POP ( BASEADO EM TESE DE KEN EMERSON, ENCICLOPÉDIA DO ROCK, ROLLING STONE )

   Os Beatles nasceram pobres. Tiveram uma educação truncada e começaram a ralar desde cedo. Seu objetivo era a sobrevivência. Trabalhar e ser aceito.
   Os Stones que contam ( Jagger, Keith e Brian ), cresceram no seio da ascendente classe média inglesa dos anos 50. Estudaram em escolas de arte ( Mick se formou em economia ). Seu objetivo era se exibir. Ser famoso e incomodar.
   Essas são as duas atitudes opostas que marcaram todo o pop feito desde então.
   A atitude Beatle, em que a banda ama seus fãs, e em que a ingenuidade idealista permeia tudo o que é feito. Os Beatles, mesmo quando de vanguarda, sempre procuram se comunicar com seu fã. E fundam a Apple em pensamento de extrema naive. Uma gravadora de amigos para os amigos.
   Os Stones sempre foram indiferentes a seus fãs. Eles desejam ser amados, nunca nos amam. Nada neles é ingênuo, tudo é calculado. A Rolling Stone Records existe apenas para administrar a carreira do grupo. A atitude deles é sempre a de "vejam como sou diferente".
   Ingenuamente Paul acreditou nos Beatles, ingenuamente John acreditou na paz, ingenuamente George acreditou em gurus e ingenuamente Ringo acreditou nos anos 60.
   Jagger e Richards jamais acreditaram em nada que não fosse neles mesmos. Jagger acreditou também em sexo e dinheiro. Richards em drogas e no blues. E todos os Stones nunca tiveram a ingenuidade de crer em seus fãs. Para eles os anos 60 foram cinicos.
   Os Beatles sempre são sérios. E tudo o que cantam luta para ser sincero. São reis do lá lá lá cantado em coro com seus fãs. Devolvem o afeto que recebem.
   Os Stones nunca parecem sinceros. E jamais são sérios. Eles podem ser assustadores, vaidosos, sexys ou raivosos, mas nunca são confessionais. Não fazem nada para ser cantado em coro e sugam o afeto que recebem. Devolvem ele em forma de risos e deboche.
   Nos Beatles há toda a herança do meio em que cresceram. Eles são trabalhadores. E têm um modo cristianizado de agir. Há dor e culpa sinceras neles.
   Os Stones são pagãos. Seu modo de ser é completamente classe-média. Estão na coisa para se dar bem. Para fazer algo contra o tédio, contra o anonimato. São blasé.
   Let it be ou Hey Jude, All You Need Is Love ou I Am The Walrus são impossíveis no mundo dos Stones. Elas são todas confissões. São espirito.
   Sympathy For The Devil ou Under My Thumb, Let It Bleed ou Brown Sugar são impensáveis para os Beatles. São todas "do mal". São carne.
   Todo o pop desde então conformou-se a essas atitudes. Ou voce ama seu público ( U2 ), ou é frio com eles ( Led Zeppelin ).
   Amável ou excitante, naive ou cínico.

The Paris Match - The Style Council & Tracey Thorn



leia e escreva já!

THE STYLE COUNCIL, A ANSIEDADE PELA MUDANÇA

   Tem rolado uma certa polêmica com o critico gringo ( infelizmente não lembro seu nome... Nick Kent ? ), que escreveu que a música atual não apresenta mais nada de novo por culpa da internet. É que o fácil acesso a bandas do passado fez com que toda uma geração passasse a cultuar tudo o que fosse passado. Mais que isso, é como se para eles tudo já tivesse sido criado, o que restasse fosse a eterna repetição. Wellll.... eu já havia falado disso séculos atrás. E isso não é mérito algum, é fato óbvio, inclusive no cinema. Mas o que me deixou surpreso foi a resposta de outro crítico "importante". A resposta é de que essa opinião ( do crítico que critica a internet ), é tipica de alguém que cresceu nos anos 78/84, quando a critica inglesa descobria uma nova tendência por semana e transformava em velharias bandas com dois anos de estrada.
   Isso é resposta? O cara então concorda com o outro. Ou ele quer dizer que música não deve ser nova? Que ansiar por novidades foi apenas um surto de uma época específica?
   Em 1983 eu corria para acompanhar as novidades. Em época sem internet, era preciso comprar umas quatro revistas gringas por semana, ler os jornais, ouvir rádios e procurar amigos informados. Mas só pra citar os menos lembrados, só naquele verão a gente ouviu falar de Abc, Squeeze, Ultravox, Aztec Camera, Prefab Sprout, Dead Can Dance, Cabaret Voltaire, Orange Juice, Xtc, Madness, Altered Images, Bow Ow Ow, Cocteau Twins, Psychedelic Furs, General Public, Bananarama, Heaven 17, Adam and The Ants, John Foxx, Colourfield, Clannad,Big Country, Fun Boy Tree...e do Style Council, de Paul Weller.
   Assistindo ontem ao Duran Duran no SWU ( a mais típica banda daquela época de bandas atípicas ), recordei como é blasé um show de então. Nada de suor, nada de descontrole, tudo absolutamente frio, ensaiado, profissional. São as lições de Bowie muito mal assimiladas. Desde então, seja Oasis, Blur ou Pulp, quase tudo o que vem da ilha tem essa coisa distante, essa coisa tipo "olhem como não estou nem aí pra voces". Se existem excessões, bandas emocionais, elas, que até 1982 seriam a regra, se tornaram desde aquele verão oitentista, raridades. Pois em 1983 Paul Weller sai do seu The Jam ( emocional ), e monta o Style Council. Naquele ambiente, em que tudo tinha de ser novo, em que caras de 27 anos eram chamados de veteranos, bandas se desfaziam a toda semana, e artistas solo mudavam de estilo como quem troca de blazer rosa. Paul Weller lança o disco: Café Bleu, e com esse nome ele cria o pop-fresco.
   1958/1963. Em 1983 como em 2011, todos acham que esse período, fim dos anos 50, anos 60 antes dos hippies, é o mais chic da história. Filmes daquela época realmente impressionam, as roupas, carros, móveis e principalmente os modos de viver parecem ser os melhores, os mais elegantes. Café Bleu tem a alma daquela época. Uma mistura de O Sol Por Testemunha de René Clement com Charada de Stanley Donen. A capa, azul, traz Weller de sobretudo. Ele cria um apelido: The Capuccino Kid. Style Council trará a praga dos discos para "gente elegante". Mas este foi e ainda é um belo disco.
   Começa com jazz. Jazz de verdade. Um belo e alegre tema urbano. Esse é o tom, o disco é alegre, bem tocado e muito urbano. Em seguida vem uma bossa-nova, Weller e guitarra apenas, e é preciso dizer, o cara canta muito bem. Belo tema de amor. Blue Café é o nome da terceira faixa, mais um jazz instrumental com belos solos de piano e de sax. Na sequencia vem The Paris Match. Uma obra-prima de jazz-blues. Penso que toda a carreira de N cantoras está sintetisada aqui. Melancólica sem ser deprê. Tem gosto de madrugada de ressaca pensando no amor possível. É linda. Colada nela eis My Ever Changing Moods, outra jóia de Weller, piano e voz em absoluta comunhão. É daquelas músicas que não cansamos de ouvir e reouvir. Perfeita imagem de amores, de saudades, de sensações que doem e que dão prazer. Em seguida um jazz-hot que ninguém é de ferro.
   As outras 6 faixas ( lado b ) são outra praia. Weller deixa o alto nivel cair, mas ainda é bastante digno o que se tem. A Gospel é o tipo de som mais antigo que existe, rap branco dos anos oitenta. Na sequencia uma dance music interessante. Paul Weller joga os fãs do Jam no lixo. E eles eram muitos!
   You're The Best Thing todo mundo conhece. É a música que faz nascer o "som de bom gosto" dos anos 80. De Simply Red a Sade Adu, indo até Amy Winehouse e Cee Lo, todo mundo bebeu aqui. Mas não se preocupe, depois tem Here's One que é muito melhor, e na sequencia vem Headstart for Happiness, uma das canções mais alegres já gravadas, euforia amorosa em linhas de baixo e metais soul music. Council Meet termina o disco em jazz.
   Quando ouvi este lp pela primeira vez me senti chic, esperto, sofisticado, um tipo de "capuccino kid". Casou com o amor que eu vivia na época, com os filmes que eu queria ver e não tinha onde, casou com a ansiedade por diversidade daqueles tempos esquisitos. Escutado hoje, após tantas obras-primas que eu não conhecia então, ele é ainda bonito, leve, pop, confuso e bastante relax. Pra quem quiser conhecer a "frescura" da época, eis o disco.

PRA ONDE VAMOS? - TEMPO, ESPAÇO E BERGSON

   Para os gregos o tempo nada modificava. Você nascia corajoso ou covarde, inteligente ou um asno, e nada no transcorrer da vida poderia mudar isso. Daí sua alegria inenarrável. Você nascia feito, pronto, como parte da Terra, como árvore ou rocha, você era o que era, nada para ser construído, destino pronto que seria cumprido. Em casa.
   Ao morrer todos iam para o mesmo lugar, o Hades, reino do sub-solo, seja herói ou não.
  Com o judaísmo/cristianismo institui-se o tempo como o conhecemos. E é por isso que digo que quem ignora a religião é uma mula. Você, mesmo sendo tão científico, não consegue perceber que a própria ciência vive numa realidade criada pela tradição religiosa do ocidente. Well... nessa tradição criada pelas tribos de judá, o tempo tudo modifica. Existimos em fluxo contínuo, e nesse "espaço temporal" , somos postos à prova. Temos o livre arbítrio, podemos optar pelo bem ou pelo mal, pela fé ou pela descrença, pela verdade ou pela mentira. O tempo passa a ser o centro da vida. E ao contrário das lendas gregas, todos os personagens bíblicos se modificam em sua saga. As histórias da Biblia são sempre histórias de mudança. De vidas no tempo.
   Henri Bergson aprova a visão do ocidente. Ele não nega a existência do tempo e a modificação constante da vida. Mas ele faz um acréscimo radical. A de que essas mudanças são criativas, inesperadas e não previsíveis. Mais, a vida não é o ir de lá para cá, a vida é um fluir de constante e inapreensível mudança. Inapreensível pela razão, pois a intuição consegue captar o que seja a vida.
   A vida na ciência, que é a vida que hoje vivemos, é uma vida no tempo, mas é um tempo previsível. Para a razão é insuportável a vida em imprevisibilidade. A ciência então, sempre irá nos dizer que "isto mais aquilo será isso". Ela aceita o tempo, mas crê em que tudo será o que deverá ser. A evolução foi desse modo, o mundo caminha para um destino x, se você fizer assim será assado. Regras e mais regras, inescapáveis regras, verdades e mais verdades, previsibilidade. Eis o mundo entediado e deprimido da ciência, tédio nascido da não-surpresa, depressão advinda desse "mecanismo inescapável".
   Para Bergson essa não é a realidade.
   A vida da ciência é a vida da razão, apenas uma das possibilidades do real.
   Se o tempo é a vida, ele é imprevisível, criativo e sensível. É impossível prever a vida. A história só pode ser estudada após acontecer, a ciência só pode conhecer coisas mortas, coisas capturadas, MOMENTOS CONGELADOS E DIVIDIDOS. Mas a vida é movimento, é fluxo que não se captura, é tempo que não se detém. Estudar ou crer apenas num momento ou numa partícula é ver apenas uma fração e jamais o todo. A união de vários átomos pode formar uma molécula, mas a vida desse átomo, sua transformação no tempo é incompreensível na razão e em nossos sentidos.
   A mitologia grega erra ao crer que a origem da vida é construída pelos deuses. Ignora o que vem antes desses deuses.
   A religião ocidental ( assim como a ciência ), crê que antes da vida houvesse o nada. Constatação óbvia: do nada só pode nascer o nada. Como nascer algo daquilo que não é? Bergson resgata a filosofia humanística ao se propor esse estudo. Seu interesse é a existência, o tempo.
   Berson acredita que estamos em evolução. Que a intuição será cada vez mais presente e que todas as virtualidades se farão presentes...
   Virtualidade, intuição.... mais detalhes em breve.

The Band Wagon - Fred Astaire and Cyd Charisse



leia e escreva já!

E O PARAÍSO EXISTE! - A RODA DA FORTUNA, FILME DE VINCENTE MINELLI, DIVERSÃO DE LUXO.

   Betty Comden e Adolph Green escreviam filmes. Escreviam bem. Para demonstrar que Fred Astaire faz aqui um ator em decadência, nada de se mostrar uma notícia, nada de voz em off, nada de Fred andando sózinho pela rua; a primeira cena do filme é de um leilão de objetos hollywoodianos em que a cartola e a bengala de Fred Astaire não recebem um só lance. Em seguida dois executivos em viagem de trem comentam por onde andará Fred. Ele está na cabine, lendo jornal e os escutando. Tudo é demonstrado de forma simples, leve e sem forçar. Habilidade e elegância dos escritores.
  As três primeiras cenas do filme já são do mais alto requinte, sofisticadas  em sua pureza, em sua concisão, na habilidade de dizer muito com um mínimo de meios. Fred desce do trem e encontra seus amigos. Mas antes cantarola By Myself, e então, após o encontro, anda pela avenida cheia de gente, cores e brinquedos. Vem um número de dança com um engraxate negro. O público está ganho, The Band Wagon ( A Roda da Fortuna ) é uma festa.
  O roteiro trata desse ator velho e esquecido, que é convidado por seus amigos, um casal de roteiristas de teatro, a estrelar sua nova produção. Para esse show eles convidam o melhor diretor da Broadway e uma bailarina clássica. O filme irá satirizar diretores que se acham gênios e defender a arte para as massas, o musical.
  Cada cena é uma explosão de cor e de bons diálogos. Vemos os ensaios desastrosos ( o diretor teima em transformar tudo em Fausto de Goethe ), as reuniões com os patrocinadores, a estréia trágica e a aproximação de Fred e da bailarina. Todas essas cenas são sem música, e aqui explico pela enésima vez como se aprecia uma cena de musical ( quando ela é bem feita ).
  Fred leva Cyd Charisse para um passeio no Central Park. É noite e casais dançam. Os dois caminham sem falar e sem se tocar. A música entra e Fred arrisca dois passos, Cyd tenta mais dois... e então eles começam a dançar. Por que? Pra que?
  Cenas como essa demonstram o tipo de sensibilidade que se perdeu no cinema popular. As pessoas entendiam imediatamente que todo movimento de dança era a simbolização daquilo que acontecia no interior da pessoa, era o desejo explícitando-se e se fazendo exterior. Quando a música tem letra e se faz canção, tudo o que é dito demonstra o diálogo poético e direto de duas almas que se tocam. A música é desse modo a verdade mais verdadeira da vida. Nunca é mera fantasia, é a realidade interna da história narrada. Isso em bons musicais, nos ruins a música é arbitrária e nada conta.
   Toda a parte final do filme é em música. A cena dos Triplets é das coisas mais perfeitas e divertidas já feitas em filme. A letra se encadeando no humor da situação, e os três atores atuando com o máximo de prazer. ( Outro segredo de musicais: os atores têm de estar no limite todo o tempo. ) Mas é a cena que brinca com os contos "pulp" policiais que se tornou uma das mais famosas do cinema.
   Fred faz um detetive e tenta desvendar um crime. Tudo isso faz parte do novo show montado dentro do filme. Cyd Charisse, famosa por ter as pernas mais bonitas do cinema, é a mulher fatal. Ela abre a capa e exibe seu vestido vermelho. Para mim, uma das mais belas cenas da história. Se algum ser-humano quiser saber em profundidade o que é "jazz", basta assistir esta cena. Se um marciano quiser saber o que os seres-humanos fazem de melhor, que veja este filme.
  Não falarei sobre Astaire. Nem sobre Minelli, o diretor. Direi que no elenco há Jack Buchanan, como o diretor egocentrico, e que Buchanan foi um grande entertainer do West End londrino em seu auge. As músicas, nenhuma menos que ótima, algumas de gênio, são de Howard Dietz e Arthur Schwartz. Dancin in the Dark e That's Entertainment bastam para demonstrar seu alcance.
  Assistir um filme como este é um prazer. Um presente dado a si-mesmo. Assiti-o a primeira vez na TV Manchete, em 1990, numa madrugada de sábado muito deprimente. Quando o filme terminou eu estava completamente de bem com a vida. Isso é magia, isso é um musical.

QUEM É TELMO?

   O festival de Gramado está tomando providências. Vai contratar aviões líbios para o transporte de filmes e de críticos para o seu concurso anual. O festival de Gramado está impressionado com a tranquilidade e desfaçatez com que esses aviões transportam bombas e outros explosivos pelos ares.
   Fernando Henrique Cardoso, o pavernu do palanque já mandou engomar e polir seu melhor blazer. Ele aguarda o convite que insiste em não chegar. É que um jornal paulista fará debate com politicos negros. FHC está magoado com tanto esquecimento. Ninguém se lembrou de sua recente declaração, na qual se anunciava, sestroso e orgulhoso, como um autêntico senateur mulâtre.
   Fernando Gabeira, o único escritor do mundo que ao escrever seu primeiro livro escreveu suas obras completas.
   Maluf e seus quarenta Ali-Babás....
   Carla Camuratti é a única atriz da Globo que dá a certeza de que aquilo é mesmo a Globo. Todas as outras só nos faz lembrar os motivos que levaram a Tupi a falência.
   Franco Montoro, o último fã de Zazu Pitts, perdeu toda uma noite lendo livros sobre cucos, queijos e fondues. Enganado por mais uma distração, ele estava convencido de que iria receber os reis da Suiça. Já ia começar a falar sobre chocolates quando notou uma total falta de garbo entre seus assessores. Como garbo é associável a Greta, Franco Montoro só então se deu conta de que aquele era o rei da Suécia.
   Elba Ramalho, a frajola do flagelo, está desnorteada. Apesar de todo seu jogging joazeiro, ela deixou de ser a rainha do Palace. Foi destronada por Caetano Veloso. Caetano em São Paulo está atraindo um público que ainda não o conhecia. São as dames cultivées que resolveram prestigiar a turma do jábá e jabô. As dames cultivées vão e ficam encantadas. Com muita eau de vie na joie de vivre, elas deliram com entusiasmo: - É o Mallarmé do afoxé! É o Cocteau do agogô!
   Washingtan Olivetto, o golden boy da publicidade, esteve no Rio. Foi para um daqueles festivais em que publicitários se confraternizam em autocelebração, e dizem uns aos outros como são geniais.
   O jantar que Abilio Diniz ofereceu aos politicos foi um retumbante sucesso. Tancredo Neves, Ulysses Guimaraens e Franco Montoro até repetiram a papinha.
   Alguns jornalistas estão adorando a greve dos correios. Não recebem mais convites para peças de Antonio Abujamra no Lira Paulistana. Nem para lançamentos de livros de contistas mineiros.
   Feliz Ano Velho já virou peça de teatro. Agora vai virar filme. Quem sabe um dia não vire livro?
   Desde que lhe cobraram mais conhecimento de periferia, FHC, o senateur mulâtre, tem sempre o mesmo pesadelo. Ele caminha, caminha e caminha e nunca chega a Etoile, a Concorde ou a Passy.
   Patti Smith escrevia poemas e ninguém lia. Depois de se lançar no rock, agora todos querem seus poemas. Mario Chamie está tendo aulas de new wave.
  
   Eis alguns trechos curtos de Telmo Martino publicados no JT.
   Seus textos longos são ainda mais melhores. Estes petiscos são apenas para que voce entenda do que falo.
   Enjoy it.

MONICELLI/ KAZAN/ BILLY WILDER/ MARILYN/ GASSMAN/ SWEET SWEETBACK...

   GREMLINS de Joe Dante
No auge de seu poder juvenil Spielberg produziu para seu amigo Dante este estranho filme divertido. Acho que todo mundo já viu um dia. O roteiro é de Chris Columbus e é preciso dizer que Chris tem um estilo. A gente sente que é coisa dele. Os atores são impagáveis: ruins, perdidos, sem expressão. Mas tudo se compensa pela graça dos bichos, são simples, mal feitos até, e geniais. Pena os atores tão inaptos e um começo que demora a engrenar. Nota 5
   A GRANDE GUERRA de Mario Monicelli com Vittorio Gassman, Alberto Sordi e Folco Lulli
Ninguém fazia comédias como os italianos dos anos 50/60. Eram engraçadas, mas também eram tristes, poéticas. O segredo era esse dom para fazer humor sem perder nunca o pé da realidade. E ter à disposição a melhor safra de atores do mundo. Vejam Gassman. O rosto de nobre-pé rapado que ele tem. A vaidade misturada a mais desamparada miséria. A voz ( Gassman foi ator shakespeariano, dos melhores ), clara e alta, dando entonações de tolice e de pretensão a esse personagem patético. A história? Dois soldados na primeira guerra. A incompetência do exército italiano, a crueldade da violência fria e matemática, o espírito humanista tentado respirar nas trincheiras. Eles são covardes, são sonhadores, se envolvem com prostitutas e com contrabando, e ficam felizes ao poder comer. O filme, imenso, é um tipo de afresco sobre a luta, é cheio de graça, de leveza, de beleza suja. Monicelli havia acabado de fazer uma obra-prima ( OS ETERNOS DESCONHECIDOS )  e na sequencia nos dá mais um filme histórico. Maravilhosa diversão e arte de primeira categoria. Nota 9.
   A CANÇÃO DE BERNADETTE de Henry King com Jennifer Jones
Jennifer ganhou o Oscar com este filme. Filme que é praticamente sua estréia. Fala das aparições de Nossa Senhora para a muito simples ( burrinha até ) Bernadette Soubirous, em Lourdes, no século XIX. O filme tenta ser comedido e consegue. Exibe o clima hiper-racional da época e jamais deixa de insinuar que tudo pode ter sido uma alucinação. Mas para quem tem fé será filme de profunda emoção. Para os descrentes, é um belo conto sobre o que poderia ter sido. Atenção: nada é mostrado como lenda cor-de-rosa. Defeito grave: é longo demais! Nota 6.
   BABY DOLL de Elia Kazan com Carroll Baker, Karl Malden e Eli Wallach
Tennessee Willians escreveu esta história sobre uma mulher-criança que apesar de casada não tem relações sexuais com o marido. Isso ocorre porque o marido empobreceu e ela se sente lesada. O casamento, já em seu primeiro ano, ainda não teve sua lua de mel. O cenário é a vastidão do "sul". Negros desocupados comentam e riem do marido ridiculo. O casarão cai aos pedaços. E surge um "latino", rico, que seduz a menina. As cenas de sedução são das coisas mais eróticas já filmadas. Sem trocar um beijo, sem nenhuma nudez, há uma hiper volatização do desejo. Eli Wallach, como o sedutor, está excelente. Um cafageste ambicioso, mentiroso, vaidoso. Malden faz o marido, tolo, bronco, impotente em seu desejo, ansioso. Baker poderia ter sido uma estrela. Não foi. Linda, faz aqui o que a Lolita de Kubrick não fez, excita. Mas é um dos filmes mais fracos de Kazan. O texto de Tennessee é limitado. Perdemos o interesse no terço final. Daria um bom filme de hora e meia. Apesar dos atores, a nota não pode ser mais que 6.
   O PECADO MORA AO LADO de Billy Wilder com Tom Ewell e Marilyn Monroe
É estranho ver MM. Ela foi tão imitada e caricaturada que vê-la é como ver um cartoon, ela não parece real. É o primeiro personagem virtual da história. Billy, dos grandes diretores de Hollywood é o que menos me agrada. Há algo de muito grosseito nele que me incomoda. O filme, sempre interessante, raramente engraçado, fala de marido que sózinho em casa no verão, passa a se imaginar em caso com a vizinha. É aqui que há a famosa cena da saia de MM se erguendo na rua. O cinema tem 3 cenas emblemáticas, essa, Gene Kelly cantando na chuva e Ingrid Bergman pedindo para tocar As Times Goes By. É um filme de cores fortes, envelhecido, mas que ainda pega pela sua agilidade e pelas boas falas. Nota 6
   O ÚLTIMO DUELO de Budd Boetticher com Audie Murphy
Se hoje existe o terror de rotina e o filme de tiros, antes esse lugar era ocupado pelo western classe B. Quando o western decaiu, seu posto de filme POP, foi ocupado pela ficcção científica. Mas com o encarecimento da sci-fi, hoje esse posto POP é do horror em série e do policial tipo Statham. Este filme, sobre ladrão bonzinho que não consegue se regenerar é ok. O problema é que Audie não me convence. Budd é adorado por alguns críticos. Não é meu caso. Nota 4.
   TIROS NA BROADWAY de Woody Allen com John Cusak, Dianne Wiest, Jennifer Tilly, Chazz Palmintieri, Jack Warden
Um autor de teatro dos anos 20 aceita ajuda de mafioso para produzir sua nova peça. A namorada do gangster passa a fazer parte do elenco e o guarda-costas reescreve o texto, para melhor. Woody de 1994, momento dificil em sua carreira. Cusak é o pior Woody Allen de todos que já o fizeram. Ele exita, se apaga, é como um nada em cena. O filme perde por não termos por quem torcer. Kenneth Branagh foi o melhor ( em Celebridades ). Mas o resto do elenco é excelente ( ele sabe dirigir atores como ninguém ), destaque para Jim Broadbent, que faz um ator inglês que engorda muito. O filme flui bem até sua metade, mas de repente começa a enjoar e seu final é muito ruim. Mesmo assim ele vale pelos belos cenários e pela classe que todo filme de Woody tem. Nota 5.
   SWEET SWEETBACK BAAAADAAASSSS SONG de Melvin Van Peebles com Comunidade Negra
Vamos lá.... Ele subverte tudo e faz um filme que vai contra o que se chama "bom gosto" ou "bom cinema". Cores berrantes, cenas de sexo explícito que nada têm de erótico, perseguições policiais sem climax, escatologia... tudo filmado de improviso, com cenários reais e atores amadores. Sexo com adolescentes, gente no banheiro, shows pornô, música black. Essa é uma visão do filme. Filme mítico que encanta ainda hoje os Tarantinos e que tais. Mas.... ele é irritantemente sem sentido, sem história, gratuito, feio, sujo, nojento e odiável. Qual o porque de se ver alguém no vaso sanitário defecando? Pra que tanta nudez grotesca? Efeitos de cor, qual o sentido? Se Shaft ou Superfly são ainda divertidos em sua tolice cafona e sua vivacidade black, este é um filme antes de tudo ruim, muito ruim. Nota ZERO

WITTGENSTEIN, O FIM DA FILOSOFIA

   Quando Bertrand Russel conheceu Wittgenstein pensou que ele fosse um louco. Russel, maior lógico do século XX, não percebeu de primeira mão o alcance do pensamento de Ludwig. E nem o perigo que havia naquela mente. Pois em Witt ( me permitam o chamar assim ) morava o fim da filosofia. Pouco depois desse primeiro encontro, Russel reconheceria que em Wittgenstein havia um gênio. O inglês se maravilhava com a clareza do pensamento do austríaco.
   Ludwig herda uma fortuna então. Vai para uma floresta na Noruega e lá constrói uma cabana. É nessa cabana de madeira que ele escreve seu "Tratado..."
   Vem a primeira guerra e ele combate. É feito prisioneiro. Após a guerra, em 1920, lê Tolstoi, que o deixa profundamente tocado. Influenciado pelo gênio russo, estuda os evangelhos e distribui sua fortuna aos parentes.
   Torna-se um professor primário na Austria e desenha para sua irmã a primeira casa modernista do país.  Conhece o círculo de Viena, círculo que o endeusa. Em 1929 está em Cambridge, onde se torna professor. Na Inglaterra, pobre, rompe definitivamente com Russel. Com Russel, renega todo racionalismo.
   Vai à Irlanda onde escreve as "Pesquisas Filosóficas". Converte-se ao catolicismo. Naturaliza-se inglês em 1938. Falece de câncer em 1951.
   Seu pensamento permeia todo o pensamento do século. Vai da linguística ao racionalismo matemático, depois vai da lógica ao intuitivo. Mais que tudo, ele VIVEU o que pensou.
   Critica a filosofia tradicional.
   A filosofia desconhece o símbolo. E, portanto, não sabe usar a linguagem. Wittgenstein, nesse primeiro momento, tenta criar uma linguagem perfeita, lógica.
   Mas, o que há de comum entre a linguagem e o ser não pode ser dito, mas apenas mostrado. Pois tudo o que pode ser dito participa da estrutura da linguagem, que é artificial.
   A maior parte das questões e proposições filosóficas não é própriamente falsa, mas desprovida de sentido. Não podemos responder tais questões, mas apenas afirmar sua falta de sentido.
   As proposições filosóficas são apenas má gramática. Uma discussão filosófica é sempre um erro.
   A FILOSOFIA NÃO É UMA TEORIA, É UMA ATIVIDADE, DEVE ESCLARECER A LINGUAGEM.
   É impossível dizer o que quer que seja em relação ao mundo enquanto totalidade, e tudo o que se diz e se pode dizer se refere a partes do mundo, pois não se está fora, mas dentro dele.
   O QUE NÃO PODE SER PENSADO NÃO PODE SER DITO. TUDO É INEXPRIMÍVEL E O INEXPRIMÍVEL COMPREENDE A TOTALIDADE DA LÓGICA E DA FILOSOFIA.
   Esse um resumo dos resumos do pensamento de Witt.
   Depois disso, dizer mais o que?

EXISTEM PALAVRAS ESQUECIDAS. SOFISTICAÇÃO É UMA DELAS. TELMO MARTINO É O REI DA SOFISTICAÇÃO. LEIA.

   O que voce lê aos 12 anos é muito importante! Mesmo os Cebolinhas e Tio Patinhas de sua cabeceira irão, para sempre, ser parte de sua cabeça. Vivo dizendo que tudo começou com Paulo Francis pra mim. Claro que após Recreio, Zorro, Ilha do Tesouro e Tom Sawyer. E montanhas de Pato Donald e Mad. Mas antes de Francis houve TELMO MARTINO, e a união dos dois deu em Tony Roxy. Meu melhor lado é discípulo da união de Paulo e Telmo. Francis Martino.
   Telmo escrevia no JT. Era uma coluna gigante, onde ele falava daquilo que queria. Mas o que mais fazia era jorrar veneno. Telmo odiava os anos 60 e TUDO o que havia neles. Estávamos em 1977, e pra ele, nada era mais velho que 1968. Mal sabia, pobre Telmo, que 68 seria pra sempre.
   Estou relendo o livro que saiu em 2005, SERPENTE ENCANTADORA, textos de Telmo no JT, 1975/1985. Uma deslumbrante delícia. Existem palavras que saem de circulação. Sofisticado é uma delas. Fazem anos que não leio uma crítica chamando um filme novo de sofisticado. Música então, nunca mais. Pois Telmo é ultra-sofisticado, inteligente e chic, wit e muito esperto.
   Nasceu no Rio, rico e belo, aprendeu francês aos 4 anos, estudou no mesmo colégio que Paulo Francis. Se mandou pra Paris, fazer história da arte, fez direito e jornalismo na USP, morou cinco anos em Londres, e só então começou a trabalhar. Londres é sua paixão. Para Telmo, existe Londres e a periferia. Nós somos, e ele não se cansa de dizer, o interior, a terra virgem. E não pense que pra ele as coisas mudaram, nós não melhoramos, o mundo civilizado é que voltou às cavernas.
   Telmo é do mundo de Noel Coward. Lendo-o eu me sofistiquei. E me surpreendo ao perceber, décadas depois, que várias opiniões e frases que ainda uso são dele. O gosto estético grudou em mim. Para Telmo, como para mim, o auge da cultura POP do século XX é MY FAIR LADY e fim de papo.
   Telmo é sempre Pop. Ele fala de TV, de cine, de livros, de teatro. Da forma como ele escreve, seria hoje processado. Não mede seu humor, dá estocadas, mas sempre com classe. Tem elegância, é britânico, of course.
   Não há como ficar aqui citando frases de Telmo sem desmerecê-lo. Seu texto é cheio de meandros, de frases em francês, de ironia e duplo sentido, de inesperado. Deve ser lido inteiro. Caetano, Chico, Glória Menezes, Tony Ramos, FHC, Sarney, Maria Bethânia, Glauber, Cacá Diegues, Di Cavalcanti, Jorge Amado.... todos recebem suas estocadas movidas a champagne e porcelana azul.
   Fico pensando como seria Telmo escrevendo hoje. Provávelmente não escreveria. Telmo falar de um mundo em que vivem Ivette, Rafinha, Sandy e Mulher Melancia seria como escutar funk do Rio no Convent Garden.

HENRIQUE IV - SHAKESPEARE ( PRA QUE SERVE SHAKESPEARE? )

   Uma das coisas mais idiotas dos tempos que correm é a burrice de certas pessoas "inteligentes" que crêem na "utilidade prática" da arte. Bláaaaaah! São aqueles asnos que assistem uma série da HBO apenas e tão somente porque ela fala de algo "relevante". São os mesmos caras que fazem a glória de Michael Moore, de livros "sérios" sobre a crise moderna ou a questão "mais relevante" de agora. Esses tipinhos confundem jornalismo com arte, pensam que arte é a manchete do dia, e pior que tudo, empobrecem sua própria vida ao enxergar na existência apenas a concretude do jornal do dia, do pão quente, do último blá blá blá da aldeia. Mas também, a pobreza deles não lhes é justa?
   Essa é a questão central: cada um tem aquilo que lhe é de justo tamanho. Não adianta nada meus professores bradarem que o livro "velho sobre gente velha e morta" de Stendhal ou de Balzac tem tudo a ver com a vida de hoje. Não adianta tentar demonstrar que o velho filme de Murnau ou de Carné tem tudo a ver com aquilo que voce vive agora. Com sua visão míope de galinha de granja o tipinho inteligente nada poderá perceber. Azar dele. Eu nada tenho a ver com esse mundinho granjeiro.
   Pois pegue esta peça. Nesta bela tradução de Barbara Heliodora. Fala de uma rebelião contra um rei. E da relação de um herdeiro do trono com um gordo malandro de rua e de boteco. O galinho castrado de granja irá ler isto e nada, nada compreender. Vai ler a história de uma disputa por trono, um filho que assume seu destino e umas trapalhadas de um gordo bêbado. E só. Será incapaz de perceber que ali está nosso mundo interior de sempre, os embates entre dever e prazer, entre responsabilidade e medo, entre se deixar viver e tomar a vida nas mãos. Mais até, não sentirá a elevação da linguagem, linguagem que faz com que voce PENSE MELHOR, com mais clareza, e que faz com que esse pensar claro lhe conduza a sentimentos mais nítidos, mais definidos. Falstaff é o inglês medieval, amoral, meio ateu, que só quer se dar bem; Hal é o inglês que fará a glória da nova nação, determinado, cheio de senso de dever, orgulhoso. Um é nossa alma ansiosa e secreta, outro é nossa máscara social. Quem venceu?
   Estranho pensar que nos tempos de Shakespeare um ingresso de teatro custava o preço de um pint de cerveja preta. Era a ralé de comerciantes pobres e de soldados de segunda que assistiam a essas peças. Vibravam, uivavam, vaiavam e aplaudiam em cena. Entendiam. Dificil de acreditar que isto foi um dia diversão popular.
   Pensamos com palavras e vivemos aquilo que conseguimos pensar. Textos de lingua elevada enriquecem nosso palavreado, nosso pensamento se expande, e consequentemente nossa vida se enriquece. É esse tipo de ração refinada que as galinhas da granja jamais conseguirão engolir.
   Tá dito.
  
  

PLATÃO E WITTGENSTEIN E CANÇÕES DE AMOR ( AOS CINCO ANOS )

   Há uma teoria platônica que diz que nascemos com sabedoria e morremos sem nada saber. Bem, é quase isso o que a tal teoria diz. Que a gente vem à vida com a mente ligada ao espírito e que quanto mais a gente aprende coisas ( e falar é a primeira e mais fatal delas ), mais a gente perde essa conexão e se perde daquilo que é VERDADEIRO. Isso bate com aquilo que Wittgenstein dizia na sua maturidade ( tão curta ), que a lingua obscurece tudo, que a lingua é capaz de expressar apenas MENTIRAS. Que a vida é inalcansável pela linguagem ( e pela razão, que é lingua ). E não me importa saber se Plato ou Witt estavam certos. Nem eles se preocuparam com isso. Pensar não é disputa ou esporte, pensar é fome.
   Mas pra que eu estou dizendo tudo isso? Ah.... é pra falar que eu sei na carne ( e saber na carne é o que importa ) que Platão chegou perto da coisa. Que desde minha infância eu fixei na memória um monte de coisas, mas que de todas essas coisas as únicas que me valem são as que têem uma conexão com aquilo que eu já sabia aos 5 anos. Como é este disco.( e ele não tem a canção 5x20 ).
   Mais que amor. Deixar ir. O ar de dentro sair e ir embora e se misturar. Mais que amor-mistura geral. A sabedoria da criança é fazer parte do que está por aí. Ir-se. Quem não lembra disso tá bem morto.
   O disco começa com Love The One. Alegria de estar vivo. Eu cantava aos gritos e não sabia se estava cantando por estar muito feliz ou desesperado. Tava lá, botando os coisos pra fora. Depois vem mais: é uma coleção de canções sobre facetas/fases de amar e amor. Sei que Stills adora velejar e o disco sempre me lembrou praia, corrente marinha, vento salgado. Tem uma fração desse mistério, da chegada ao sopé da Serra, da primeira onda.
   Os hippies tentaram uma coisa muito simples: jogar o relógio no lixo. Hoje nós somos um relógio. Este disco existe de antes do tic tac. É lento, calmo, suave e nada frouxo.
   Ele me lembra também o mundo de Kevin Arnold e de Winnie. E se voce não sabe quem eles são, esqueça-o. Grama, muita grama, e sol de manhã cedo. Mas é o coração na boca quando ela vem.
   Escuta que é legal. Falar mais é ser adulto. E a gente sabe né? Deus me salve dos adultos.
   Stepehen Stills I.

CSNY - Stephen Stills - 4+20 (Big Sur, CA 1969)



leia e escreva já!

ALAIN DE BOTTON E A RELIGIÃO ( UM ATEU QUE PENSA )

  Eu não gosto de Alain de Botton. Mas gostei um dia. Hoje seus livros me parecem escritos para aquelas pessoas que gostariam de ler mas não conseguem. Ele escreve exatamente para o povo de que ele reclama, os desatentos, os filhos da internet, zumbis incapazes de atenção e concentração.
  Ontem saiu um artigo no Estadão com ele. Mais um livro. Aos 41 anos ele já escreveu dúzias. Botton é ateu convicto, e nesse novo livro ele fala de religião. Apesar de ateu, ele discorda da ferocidade anti-religiosa de certos intelectuais ingleses. Mais que isso, ele constata ( coisa que já percebi várias vezes ) que hoje é muito fácil ser ateu, a coragem é necessária para se ter uma verdadeira religião ( e falo de religião, não de igreja ). Botton diz que as pessoas NÃO QUEREM NEM PENSAR EM RELIGIÃO. Para elas é um assunto resolvido e acabado. O que mostra a covardia e a cegueira dessas pessoas.
   Sou obrigado a admitir que concordo com Alain. Mesmo os ateus vivem em um mundo criado pela religião. Seus valores internos, seus sentimentos foram criados por culturas religiosas e mesmo seu ateísmo é uma reação religiosa. Fugir disso, se recusar a pensar sobre isso é negar uma porção imensa de vida interior e de história social. O modo como a sociedade inglesa nega qualquer pensamento religioso hoje é sinal de algum tipo de problema muito mais grave do que uma mera "luz iluminista". Botton passa então a escrever sobre o porque da necessidade da religião, não como negação, mas sim na procura de que necessidade é essa.
   Eu faria diferente. Eu pesquisaria do porque da religião ter entrado em colapso no capitalismo. Não pode ser coincidencia o fato de a revolução industrial ter matado o mundo espiritual do homem. Mais que isso, eu faria a análise do porque hoje somos obrigados a ser ateus, pois se não o formos seremos considerados burros ou no mínimo ingênuos. De onde nasceu essa lei? A questão aqui não é saber se Deus existe, a questão é do porque ter-se jogado ao lixo o que de melhor havia no homem ( e o que nos diferencia do animal ) a religião, mãe da arte e da filosofia. O porque de crermos em qualquer bobagem que venha com a cancela de ciência.
   Alain diz ter impedido seus filhos de acessar o facebook. E de que agora compreende o porque das celas dos mosteiros. O homem necessita de períodos de silêncio, de isolamento, de comunhão consigo mesmo. O novo mundo que se avizinha, de hiper-atividade e nenhuma privacidade lhe parece o fim da cultura individual.
   Faço então uma ponte com a coluna de ontem de Pondé. Ele fala de sua irritação com a vulgarização do turismo, da profanação de lugares sagrados, da transformação de Jerusalém em Disneylandia. O principal é ele intuir que no futuro os homens sofisticados e cultos não viajarão, viverão isolados. Acorde Pondé, as coisas já são assim! Conheço gente que é incapaz de ler ou assistir qualquer coisa que não faça parte de um certo hype "chic". Esse tipo de "consumidor de cultura moderna e relevante" é o que há de mais conformista. Lêem livros úteis, assistem filmes novos e sérios e se dizem ateus, realistas e alternativos. No futuro serão considerados tão impessoais quanto os positivistas do século XIX são hoje.
   Escrevi que ser diferente seria ser velho ( pois tudo TEM de ser novo ), alegre ( pois tudo pede por melancolia ) e isolado ( pois devemos ser ligados ). Cada vez mais creio nisso. Precisamos de monges, como a idade média deles precisou. Disciplina, solidão e fé numa missão.
   Voltando a Botton, ele diz que os saques em Londres foram das coisas mais tristes que ele já viu. Os jovens desconectados de tudo, sem pertencimento, sem interioridade. Intuo que a religião tem muito a ensinar a esses jovens. Mas a chance de eles admitirem isso é a mesma de que eu um dia creia em um Deus pessoal.