TRÊS MULHERES - ROBERT MUSIL
Musil, autor de O Jovem Torless e de O Homem Sem Qualidades, é um dos mais valorizados autores austro-alemães dos últimos cem anos. Os críticos adoram suas obras. Três Mulheres é um livro com três novelas centradas na personalidade de três personagens femininos. Há em todos os textos a presença do mistério, de algo inefácel. As emoções se misturam, as imagens são como feitiços. Cada uma das mulheres traz a transformação no real, elas parecem menos do que são, pois se portam discretas, mas acabam por revelar muito mais. O estilo de Musil é famoso pela concisão, o que é raro na literatura alemã. Não há longas descrições, os diálogos são curtos. Musil vai direto ao cerne. ---------------------- Nascido em 1880, Robert Musil morreu em 1942. O que me intriga é o que havia na cultura da virada do século que produziu tanta riqueza. Lembro que em 1980 se dizia que toda virada de século produzia grande arte, que fora assim em 1800, em 1900, e seria igual em 2000. Mas não foi. Com certeza não foi, e hoje, em 2025 sabemos disso. O que havia em 1800 e em 1900 era uma carga imensa de ardor revolucionário, de sonho e pesadelo sobre o futuro, de pavor e fé na e pela vida. Eu não creio em revoluções, sou um conservador desde sempre, e sou portanto um filho deste tempo. Pois hoje mesmo os que se dizem revolucionários são terrivelmente descrentes do homem, da humanidade, do futuro. No mundo de Musil, se havia Kafka ou Freud, com suas visões negativas da vida, havia uma energia que os fazia trabalhar. Trabalhar muito. Eles ambicionavam entender a vida, eram seduzidos por ela. Podiam a odiar, a criticar, cuspir nela, mas eram apaixonados pela vida, pela cidade, pelos rostos, até mesmo pelo pesadelo. ------------- Hoje somos cansados.
A IDEOLOGIA DO BRASIL
Passe décadas falando à um povo, via filmes, novelas, livros, que a favela é "cultura", que a malandragem é "ingênua", que ser pobre tem seu lado bom e que os ricos, no fundo, invejam a alegria nada neurótica do pobre. Passe décadas dizendo que "toda riqueza é roubo". Passe vidas falando que o pobre transa melhor, canta melhor, joga bola melhor, sorri mais bonito. Faça isso. ---------------- O PODER agradece. E não foi por acaso. Fazendo isso voce cria um povo que não pensa em mudar, pensa apenas em viver. Voce cria uma sociedade que jamais irá incomodar quem está em cima, pois estar por baixo é "cultura nacional". E pior, quem tentar mudar isso, será taxado de "anti povo", traidor da brasilidade. --------------- Pesquisei dados de desenvolvimento da América Latina e fiquei pasmo. Fazem 50 anos que o país não cresce. Quando não, ele recua. Até o Peru tem dados melhores. Falo em renda real. Em indicadores de educação. Em saude e violência. O Brasil regrediu em tudo. E o pobre, cheio de ginga, em sua cultura nacional, feita de vocabulário pobre, sonhos de consumo imediato e dívidas impagàveis, pouco sabe onde está o erro. Aferrados à sua identidade de pobre, ele odeia o bem sucedido, o pragmático, o real. Foi criada, por meia dúzia de bilionários, a ideologia do Brasil: voce tira do Zé e devolve 10% ao Zé, e ele agradece pelo roubo. Beija sua mão e elogia seu programa social. Para manter essa miséria moral, investe-se em ilusões: a favela é vida. O crime é brasilidade. O feio e malfeito são a Estética Nacional. Orgulhe-se dela. O primeiro mundo é mau, quem quer isso por aqui? Temos o que eles não têm: A alegria! Viva!!!!!!!!! -------------- Eu, sinceramente, não vejo a menor chance de que isso mude. O Brasil, fosse uma pessoa, seria um narcisista total, voltado à um ego que o devora e o destroi sem que ele perceba. O self do país, irrecuperável, jaz perdido em algum momento entre a Independência em 1822 e a República em 1889.
OS CADERNOS DE MALTE LAURIDS BRIGGE - RAINER MARIA RILKE
Leio uma edição de 1979 da Nova Fronteira desta obra prima em prosa de Rilke. É um dos textos mais fortes do século XX e já havia lido em 2008. Brigges anda por Paris, tomado pelo medo, pela paranoia e pela solidão. Ele observa ruas, pessoas, locais, e não sabemos se ele alucina ou vê o real ampliado. O livro é um pesadelo de um homem febril. ------------------------ O interessante na grande arte é isso: ela nos faz ter prazer mesmo mergulhando dentro de um pesadelo. A febre do personagem é transmitida para nós, sua doença mental se faz nossa e, incrível, temos um tipo de gosto estético em viver esse mal. Ler esta obra nos faz sofrer com ele e como ele, mas, sabendo o tempo todo ser uma martavilha estética, algo dentro de mós, que não é masoquismo, nos dá prazer. --------------------- Há obras que nos fazem ser masoqueistas, sofremos para purgar. A arte de hoje se especializou nisso, não é o caso aqui. Entrmamos em Rilke por beleza, não pela dor. E cercados pelo terrível, lá nos quedamos, por querer, por inteligência, com razão. ----------------- Isso é arte.
24 HORAS NA VIDA DE UMA MULHER E OUTRAS NOVELAS - STEFAN ZWEIG. Nós não pensamos mais. E a culpa não é da internet.
Um grande livro com algumas novelas e alguns contos desse importante autor alemão. Zweig, como voce sabe, foi na primeira metade do século XX, um dos autores mais lidos do mundo. Amigo de Freud, ele morreu no Brasil fugido do nazismo. Ler Zweig é travar contato com uma inteligência enorme. Sua prosa, rica, cheia de detalhes, profundamente psicológica, dá retratos precisos, completos, reais, de pessoas em crise. Em um conto ele explica de modo sublime, o exato momento em que duas meninas de 12 e 13 anos perdem a fé na vida e se tornam "adultas". Em outra história, ele narra a transformação de um jovem cheio de vida e de paixão em uma pessoa sem fé no futuro. Ler Zweig é aprender sobre a mente e o sentimento das pessoas. Ele é sábio. Sem jamais se exibir como mestre ou guru. Ele simplesmente narra e descreve. Com riqueza. ------------------- Agora vem à minha mente: o que houve? Porque hoje nada se escreve de tão sábio? Porque entramos na era do cinismo, como se não valesse mais a pena narrar nada, como se a vida de uma pessoa fosse isenta de interesse. Não se engane! Isso aconteceu não porque nosso mundo é pior. Não porque estamos presos na net. Não. O fato é que nossa educação, no geral, é terrivelmente pior. Falo da educação verbal, o uso da língua, o vocabulário, o saber conversar. A culpa não é da pressa, sejamos mais objetivos, a educação humanística é muito, muito pior. ------------------- Quantas palavras uma pessoa culta usa em seu dia a dia? Sem vocabulário não se transmite o que se quer dizer. O que se fala fica pelo meio. Incompleto. Nossos livros são assim. Não dizem, balbuciam. ------------------- Desse modo nossos possíveis grandes personagens não são descritos. Ficam apenas como sombras ou pior, o que ouvimos é somente a voz de autor, sempre presente, única voz que parece real. E mesmo essa, fala mal. ------------------- A educação falha, preguiçosa, pobre, vem travestida de crítica ao passado, quando na verdade é impotência diante do passado. Incapaz de se ombrear com Zweig, o autor finge desprezar Zweig. ----------------- Causa espanto o quanto mudamos! O pensamento abrangente de um autor de então nos humilha. Faziam com que a vida se mostrasse maior, mesmo em sua dor ou em sua miséria. Hoje, mesmo um autor muito bom como Houellebeq, passa o tempo dizendo o quanto nada pode ser dito porque nada faz nenhum sentido. Ele conta histórias vazias de gente vazia. E eu pergunto: porque o desespero de Kafka rendia textos densos e complexos e o de Houellebeq, mesmo sendo bom, é bom por seu vazio bem feito? A resposta é tão óbvia que parece pueril: uma falha na educação formal, um ambiente que favorece o discurso raso, uma conversação que dá valor à objetividade, mesmo que seja mal articulada. Pensamos mal porque aprendemos pouco.
SLY STONE
Não tenho dúvida nenhuma de que Sly Stone era um gênio. Que ele era maior que Stevie ou Marvin eu não duvido. Antecipou Prince em 15 anos e influenciou Hendrix e Miles. Sua filosofia era a da união, brancos e negros juntos, iguais, fazendo um som. E mulheres também. O tipo de som que ele criou era todo feitos em função do contra baixo, de Larry Graham, e assim, todos os instrumentos suingavam como um baixo funky. À isso ele uniu doses imensas de eletrônica. RIOT, seu disco de 1970, uma das 20 maiores obras que já ouvui, é uma assustadora sinfonia de ritmo, timbres e sons esquisitos ( e gritos também ). Mas então vieram as drogas, principalmente a cocaína, e sua carreira desabou. Como Brian Wilson, ele sobreviveu como sombra, uma lembrança de si mesmo. Continuou a gravar, mas começou a parecer forçado, cansado, sem parecer ser ele mesmo. Desse modo, a sequência de hits e grandes albuns, todos feitos entre 1968-1973, ficou incompleta. Sly era como se tivesse morrido. Um morto vivo. Como Arthur Lee. --------------------- Morreu dois dias antes de Brian Wilson, com quem se parece no desperdício de um dom. E como Brian, sua morte não me entristece, pois sua morte mental ocorrera a muito. ---------- De todo modo, é mais uma imagem, mais uma parte do meu mundo que se apaga.
BRIAN WILSON
Ele não é um cara do rock. Nunca foi. Brian Wilson foi um homem do POP. como foram Phil Spector ou Neil Diamond. Gênio? Talvez. ------------------ Surgiu em 1961 com deliciosos pop surfistas. Os Beach Boys, maior grupo vocal do Pop rock, criaram aquilo que até hoje nos recorda Hawaii e Surf de long board. Surfin USA é uma jogada de mestre e Get Around, de 1964, foi a primeira canção ambiciosa. O vocal engrena como um hot rod e a melodia tem arranjo de supremo talento. Ela gruda na memoria e é linda. Help me Rhonda de 1965 é sua obra prima. Sim, eu gosto muito mais de Rhonda que de Good Vibrations. Rhonda é uma das maiores obras primas de seu tempo, tempo cheio de obras primas. O refrão tem ecos de desespero misturados à leveza juvenil. Wilson atinge o Everest. ------------------ Mas vieram os Beatles e as drogas e Wilson pirou. Ele jamais foi rival dos Beatles, sua produção não os ameaçava nas paradas, os rivais eram os caras da Motown e Stax, mas havia uma admiração entre Brian e MacCartney e concorrência também. Wellll....... um cara que concorra com Paul em 1965-1966 precisava ser meio louco e Brian era. Após Pet Sounds sua mente explodiu. Como artista top ele termina aí. -------------------- Pet Sounds é um album hiper valorizado, mas sim, é muito bom. ------------------ Penso naquilo que Brian Wilson teria produzido nos anos 70 se sua mente não tivesse afundado. Assim como sei que Syd Barret teria sido artista de ponta em 1975-79 se tivesse alguma saúde mental. Mas eles eram isso aí, uma mente que deu tudo em poucos anos e então ruiu. ----------------- Nada triste pela morte de Brian. Ele precisava a muito tempo partir.
MESTRES ANTIGOS - THOMAS BERNHARD
Reger é um crítico musical que vive em Viena. Aos 82 anos, ele visita, dia sim, dia não, o museu nacional. Senta-se sempre no mesmo banco e fica por horas diante do quadro de Tintoretto, Velho com Barba Branca. Rico, ele escreve crítica musical no Times de Londres. O narrador vai ao seu encontro, são amigos faz muito tempo. O observa, pensa nele e depois ouve o que Reger tem a dizer. -------------------- Thomas Bernhard, o mais importante escritor em língua alemã dos últimos 50 anos, é um autor corajoso. Ele não tem pudor em nos mostrar uma personagem absolutamente antipática. Reger odia tudo. Goethe, Tintoretto, Tiziano, Schiller, Mahler, mas acima de tudo Heidegger. Seu ataque é absoluto. O mundo foi tomado pelo kitsch e se voce olhar com atenção ou ler com atenção para qualquer obra de arte poderá perceber seu kitsch. Mais: artistas como Rafael ou Bach ou Mozart nada mais eram que funcionários públicos, serviçais do estado, do maldito estado. Tudo que fizeram foi produzir aquilo que o estado, ou a igreja, que também é estado, pediam. Já a arte moderna é ainda pior, ela odeia o mundo, a vida, as pessoas. E rastejam atrás de prêmios, diplomas, patrocínio oficial. Por 185 páginas, em um único parágrafo, Thomas Bernhard nos faz entrar na mente desse homem, um viúvo agressivo, cruel, metódico. -------------------------- Tendo lido outros livros de Bernhard eu sei que muito de Reger é Bernhard, mas não tudo. O ódio à mediocriadade austríaca é 100% Bernhard. O nojo aos colegas também. --------------- Mas então, quase ao fim do livro, vemos um traço de humanidade em Reger. Sua esposa morreu e o deixou só. Reger pensou que seus livros, quadros, música, poderiam o consolar. Mas então ele sentiu: quando na dor real, profunda, toda a arte mostra o que é: nada. Sua alegria, sua vida era sua esposa. Sem ela, a arte nada significa, porque a vida nada significa. Ironia: a arte que deveria nos salvar só é util quando somos felizes. ---------------- Olavo de Carvalho escreveu um texto onde diz que autores como Dostoievski ou Stendhal parecem maiores, e são, porque em seu tempo ainda se tentava captar toda a vida em uma obra de arte. No tempo moderno é impossível entender ou expressar o que seja viver. Portanto, um livro, para ter valor precisa se concentrar no simbolismo, na criação de um mundo fechado, fora da realidade. O texto em prosa se torna poético, isso quando bem sucedido. ----------------- É o que faz Thomas Bernhard. Seu parágrafo de 185 páginas é um poema sem rima. Sem poesia. Ele cria um estilo onde tenta captar algo do mundo em que viveu. No modo Dickens, Balzac ou Tolstoi isso seria hoje kitsch, como kitsch é todo romance deste século que procura ser "romanesco". Kitsch e sentimental. ---------------- PS: Bernhard através de Reger chama a atenção para o excesso de música no mundo. A arte musical perdeu seu valor porque hoje se ouve música todo o tempo em todo o lugar e é preciso produzir música para todos os momentos da vida. Uma bela sacada.
DUAS DAMAS DE RESPEITO - JANE BOWLES
Zelda Fitzgerald é o maior exemplo. Correntes feministas tentaram e tentam criar a lenda de que Zelda tinha um talento imenso, e que seu marido, Scott, invejoso, destruiu o dom da pobre Zelda. Wellll..... quem tem alguma cultura literária sabe que Zelda, esquizofrênica, destruiu Scott. Tendo de cuidar de Zelda, gastando muito com ela, ele desenvolveu muito menos seu talento do que poderia ter feito se fosse um homem livre. Heminguay e todo o povo que circulava perto de Scott testemunha isso. ------------- Muita gente vai me odiar agora, mas o grande mérito daquela pintora mexicana é ter sido amante de um grande pintor. E claro, assim como Zelda, uma doença ajuda a criar aura de santa. --------------- O filme de Bertolucci, THE SHELTERING SKY, Debra Winger e Malkovich perdidos na loucura do mundo árabe, o romance é bem diferente do filme, Bertolucci estragou tudo, bem, como eu dizia, o filme joga a ideia de que Jane Bowles era mais interessante que Paul Bowles, seu marido escritor de quem li 3 livros de romance e contos. Ele é bom. ---------------- Agora li esse tal de Duas Damas, único romance, curto, escrito por Jane. Fala de duas mulheres que caem na gandaia. Feministas devem adorar. O que posso dizer? Ele é assustadoramente ruim. Tão mal escrito que chego a achar que o romance dever ser uma gozação, uma brincadeira. Não é. Os diálogos parecem falas de filme B mal dublado, descrições não há e a ação é completamente sem sentido. Parece muito um desses livros em que autor novato paga toda a edição. ------------- Truman Capote, amigo dela, escreve um elogioso texto sobre o livro. Mas mesmo elogiando ele se trai. Comenta que o livro parece traduzido do alemão, que o inglês dela é original. Ruim seria melhor dito.
ALQUIMIA - MARIE- LOUISE VON FRANZ
Acenda um cigarro. Primeiro veja a chama do isqueiro. Tire o cigarro do maço. Coloque na boca. Acenda. Solte a fumaça e veja-a subir. Respire fundo. Olhe o cigarro queimar. Observe a transformação da brasa. E pense. Sua mente, levada pelo ritual do fumo, entra em um novo modo. ------------- Isso é a alquimia, e Von Franz consegue explicar um assunto tão complicado. Para isso ela cita montes de textos árabes, egípcios, europeus medievais. O livro é uma coleção de palestras, cinco, dadas pela assistente de Jung no fim dos anos 50. Lendo este livro, longo, voce afinal começa a entender o que é a alquimia. -------------- Seria leviandade minha tentar dar uma geral em assunto tão delicado no exíguo espaço que uso aqui. Alquimia envolve a criação do mundo, o funcionamento da alma, a lingua do inconsciente, a transformação da vida. Lida com o feminino, o masculino, o racional e o intuitivo, tudo isso acontecendo dentro de uma redoma de vidro, de louça, de metal, em um laboratório, na presença de um alquimista e seu assistente. Nada há de milagroso ou de mágico, é entrar dentro da mente enquanto se faz uma transformação química, é como quando voce se percebe fora de si enquanto vê a sopa ferver, fuma um cigarro, observa uma fogueira. O que acontece fora provoca uma reação dentro de voce.
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