Amar dá medo porque no fundo nós sabemos que sobre ele não há controle possível. Eu falo de AMOR, aquele dos menestréis. Encontrar esse amor depende de sorte, pura sorte, e isso nos deixa putos, porque não existe onde e como o achar. Para alguns ele pode jamais chegar e pior, para outros, correndo atrás dele em noites de bebida, ele se torna ação inconsequente. Nada pode ser feito. Ele surge quando quer, cria seu próprio lugar, sua língua e então se vai, desaparece. Somos objetos dele, bonecos em sua vontade, flexados e enlouquecidos, nada felizes a seu lado, porém, vivos. Submissos a sua ação e estranhamente libertos do mundo.
Porque amar incomoda quem não ama. Os amantes se bastam, excluem o mundo, não necessitam de nada que não seja seu amor. Vivem nesse planeta próprio, livres em sua emoção amorosa, sem passado e sem nenhum futuro. Vencem distancia e tempo, são mágicos.
No filme o amor morre quando transformado em banalidade ( todo amor de verdade é excêntrico ). Brando sai do mundo deles e segue o script do conquistador calejado. Torna-se caricatura. O misterioso- perigoso que ele foi se faz vulgar cortesão. Apenas um quarentão atrás de sexo adolescente. Ela, desiludida, o mata. Ele, quando mais dele necessitava, trai o amor.
A esposa se matou antes. O casamento mata o amor. Nada é menos amoroso que a rotina de se ter alguém ao seu lado para sempre. Tédios, culpas, conversas amenas, amantes ocasionais. O casamento faz do amor outra coisa. Se voce tiver sorte, ele se faz amizade e cumplicidade. Se tiver menos sorte, comodismo. Amor só vive no incerto, no sem nome, no ainda por descobrir, no medo. Sem medo não existe amor. Ele é o abismo.
Ele é um homem dilacerado. Topa em acaso com sua chance de vida. Penetra e é penetrado pelo sentimento que os toma. Deflora e é deflorado. Não são cumplices em nada. São amantes, são sedentos, são eros.
Marlon Brando se desnuda. Nunca um ator amou assim. Tudo o que é dito de Paul é Brando. Ele é Paul. Sua vida é a dele. Compartilha sua alma conosco. O que fala da mãe de Paul fala de sua mãe. A história que conta do pai é a história do pai de Marlon e ao encontrar o amnte da esposa fala de sua barriga e de seu cabelo. Chora choro real. Nos ama. É quase um milagre de interpretação despojada, generosa, suicida, transcendental. Brando morre nesse filme. Sua carreira termina. Nesse 1972 ele nos deu Corleone e Paul, nada mais havia a tentar. Apenas o amor ao Tahiti...
Jeanne se apaixona por ele. De verdade. E Maria Schneider, a menina atriz que esnobou o estrelato, é perfeita imagem de tentação jovem-saudável-imperfeita. O sorriso é um luar e os olhos um sonho. Seu namorado, jovem bom e saudável, feito pelo eterno Antoine Doinel de Truffaut ( Leaud ) é pura convenção. Amor para as câmeras, amor de TV, de exibição, de conformidade. Dos anos 2000... Amor que não tem o que derrotar não é amor. A coragem é a prova e sem um confronto não se faz amor. É preciso um dragão. E Paul com Jeanne é puro confronto : vontade contra liberdade, juventude contra maturidade, fé contra descrença, otimismo contra negação. O amor se faz do acidente em que se chocam dois caminhos opostos.
Sabemos que todo amor verdadeiro morre. Ela o mata. Tanto faz, o tempo os mataria. E ela diz não o conhecer, ao final. Conhecemos amigos. Ninguém conhece quem ama. Se conhecesse não amaria, gostaria. É diferente.
O filme vai corajoso. Tromba com o acaso e flerta com o vazio e o perigo. É sincero ato de amor. Bertolucci percebia que havia agora o amor convenção : jovens bonitos comprando casas a prestação e tendo um filho sadio. E o amor verdadeiro : uma navalha achada num banheiro com sangue. Flerte com a destruição e a aniquilação.
Sem perigo não existe amor. Pecado, tabú, inesperado.
Quem amou sabe : amar é amar o perigo. Acaso que bate na cara e nos leva pelo nariz.
E o resto, triste ilusão ( amar nunca é ilusório, é ver a verdade ) é frase tola :"...e viveram felizes para sempre."
PS: Quando os dois começam a se perder do amor vemos um salva-vidas afundar no Sena. Nele está escrito : L'ATALANTE... Homenagem de Bernardo ao mais belo dos filmes.
WOODY/DUSTIN/BRESSON/EDDIE/VIDOR/2012
O HOMEM QUE NÃO ESTAVA LÁ de Joel Coen com Billy Bob Thorton, Frances McDormand
Para o filme noir funcionar é preciso carisma. Você tem de torcer por alguém, se identificar, se ver no bandido ou no policial. Bogart, Alan Ladd e Mitchum tiravam isso de letra. Quando eles surgem na tela voce está no papo. Billy Bob é legal. Mas não é carismático. O filme perde o interesse. Não torcemos por ele, não odiamos Frances. Bola fora dos Coen. Nota 2.
O CAMERAMAN de Edward Sedgwick com Buster Keaton
Aqui Buster é um péssimo cameraman que tenta alcançar algum sucesso para conquistar a secretária do chefe. Eis a diferença entre os gênios : Chaplin nos faria chorar e sairia como mártir derrotado e poético; os irmãos Marx destruiriam o escritório e esnobariam a secretária; WC Fields odiaria a secretária, mudaria o enredo no meio do filme e teríamos outra coisa no final- um filme de ressaca; Laurel e Hardy fariam tudo errado até o final : que seria uma explosão; e Harold LLoyd salvaria a secretária de algum incêndio e se tornaria um herói. Buster Keaton trabalha com afinco, acaba aprendendo o oficio, jamais desiste, e consegue se superar no final. É o mais persistente e portanto, o mais heróico dos comediantes de gênio. O filme é uma obra-prima de invenção, de truques de camera, de enredo simples e jamais cansativo. Buster é o cara ! Nota DEZ.
LANCELOT DU LAC de Robert Bresson
Eis o cinema de Bresson : a idade média como ela deveria ter sido ( mas não´foi ). No iníco o sangue jorra de corpos mutilados... será o Monty Python ? Mas então vemos que se trata de um filme sobre o amor de Lancelot por Guinevere ( e nos lembramos que Merlin era francês ). Bresson não funciona aqui. É uma idade média sem mistério, sem bruma, sem magia. O filme é colorido, bonito, seco. O melhor retrato medieval ainda está em Bergman. Nota 5.
ZELIG de Woody Allen com Woody e Mia Farrow
Como uma mulher tão bonita como Maureen O'Sullivan pode ter sido mãe de Mia Farrow ? Este filme, falando do filme, é um pseudo documentário sobre um tal de Zelig, um homem-camaleão. Quando com chineses ele se tornava um chinês, quando entre negros, um negro. O filme é criativo, engraçado e bastante curto ( 78 minutos ). Mas dá uma certa frustração. Gostaria de ver Zelig falar : o filme é todo narrado e exibido como jornal de cinema, fotos e som. De qualquer modo, cenas como a dos nazistas, Zelig negro e as sessões de hipnotismo são hilárias. 7.
KRAMER VS, KRAMER de Robert Benton com Dustin Hoffman e Meryl Streep
Em entrevista recente Hoffman diz que guarda dois arrependimentos na carreira : a de não ter aceitado filmar com Fellini e Bergman. Ele pensou na época que teria tempo para fazer filmes com os dois. Não teve. " Diretores como eles não existem mais". Fellini o convidou para ser o Casanova. Dustin recusou e Donald Sutherland ficou com o papel. Bergman o chamou para a Hora do Amor em 1970 ( Bergman achava Hoffman um ator tão bom quanto Max Von Sydow ). Dustin preferiu fazer O Pequeno Grande Homem. Em 1977 Bergman tentou de novo. Era para fazer O Ovo da Serpente. Foi esnobado novamente. Bom...... se não existem mais Federicos e Ingmars, existem Bentons de montão. Este é um filme quadrado. Nada é invenção, tudo é convenção. O pai é abandonado pela esposa. É um publicitário bem sucedido. Ao ter de criar o filho vê a carreira ir pro espaço. E a megera ainda volta querendo o garoto ! Meryl é a megera. Ganhou seu primeiro Oscar aqui. Mas o filme é de Hoffman. Ele o salva do ridículo. Graaaande ator, seu Kramer é absolutamente verdadeiro. Uma aula de como ser gente-comum, gente banal, vulgarmente como nós todos somos. Ele dá um show. Kramer é um dos filmes mais detestados por fãs de cinema radiciais pelo fato de no Oscar de 1979 ter derrotado Apocalypse Now e All that Jazz ( além de O Vencedor, Muito Além do Jardim e Blade Runner ). Que culpa tem Kramer ? Ele tem cara de prêmio. O filme é comum, Dustin Hoffman nunca é. Nota 7.
48 HORAS-PARTES 1 E 2 de Walter Hill com Nick Nolte e Eddie Murphy
Deliciosos filmes de ação. O primeiro, de 1982, ainda tem jeito de filme dos anos 70. Tenta-se mostrar a psicologia dos personagens. É mais triste, vazio e árido. O segundo, de 1990, já é ação pura. Mais tiros, pulos, sangue e inverossimilhanças. Os dois são dominados por Murphy, ele é bom pra caramba ( e no segundo cria a persona do burro de Shrek , confira ). Dois bons exemplos da bela safra ( 72/92 ) de filmes de ação. Nota 7.
O MAGNÍFICO de Philipe de Brocca com Jean-Paul Belmondo, Jacqueline Bisset e Vittorio Caprioli
Veja a história : um agente secreto, Bob Sanclair, salva o mundo livre de bandidos da Albânia. Sangue jorra, mulheres são beijadas, golpes de karate. Um corte. Na verdade é um escritor- gripado, sujo, relaxado- quem escreve sobre Bob Sanclair. O filme é engenhoso : ele se balança entre a vida real do autor e a fantasia do que escreve. Desse modo, a vizinha linda e distante ( uma Bisset maravilhosa. Impossível beleza maior ! ) se torna a garota de Sanclair e o editor dos livros é o vilão. Trata-se de uma comédia deliciosa, um sátira à Bond e a filmes sanguinolentos. Belmondo esbanja carisma, ele é adorável, comediante de brilho genuíno. Quem não gosta de cinema francês terá aqui uma humilhante surpresa. Cenas como a dos personagens do livro parando de falar porque uma tecla da máquina de escrever emperrou são criativamente fantásticas. Mas também acontecem cenas reescritas, mudanças de tom, hesitações e exageros à granel. Comparar este filme com aquele lixo de Will Ferrel demonstra onde estamos hoje : oceano de pretensão vazia. Nota 8.
O PÃO NOSSO de King Vidor
Há quem considere Vidor o maior diretor que os EUA já tiveram. Não foi. Mas nobre e corajoso não houve igual. Este filme, totalmente socialista, foi feito com o dinheiro da sua casa hipotecada ( Vidor já era famoso. Mas ninguém queria financiar um filme sobre socialistas fazendeiros ) então ele vendeu tudo o que tinha e fez o filme. Seria como se Daniel Filho vendesse suas coisas para fazer um filme sobre os sem terra. Feito no auge da depressão, ele é didático e ultrapassado em seu otimismo marxista. Mas caramba, o ser-humano precisa crer em algo ! King Vidor acreditou sempre. O filme é raro e é uma peça de dignificação da profissão de cineasta. Nota 7.
STREET SCENE de King Vidor com Sylvia Sidney
Obra-prima do cacete !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Adaptando sua própria peça, Elmer Rice, importante autor de teatro americano, o cara que trouxe a vida das ruas para o palco; nos dá um texto que é milagroso. Os diálogos faíscam e ricocheteiam. King Vidor, em momento de supremo brilho, mostra a vida da rua. Todo o filme se passa na calçada. Fofoqueiras, prostitutas, imigrantes ( um italiano, um judeu comunista - o filme fala abertamente de anti-semitismo e de marxismo- e irlandeses tolos ). O centro é uma família em que a mãe chifra o marido abertamente e a filha é cortejada pelo patrão. O marido irá matar a esposa e vemos que não haverá futuro algum para a filha ( feita por Sylvia Sidney, excelente e belíssima ). O clima é todo urgente, febril e sórdido. Vemos o intelectual judeu em sua passividade assustada ( o filme é de 1931 e antecipa o espírito de opressão contra os judeus que nascia na Alemanha ), as vizinhas vigiando tudo o que todos fazem, os comentários hipócritas. King Vidor, gigante personalidade, nos dá um filme perfeito. Tomadas de Nova York, janelas com seus moradores, crianças nas ruas, carros engarrafados, polícia na rua... um filme vivo e mais de vinte anos adiante de seu tempo. E tem Sylvia Sidney... que linda ! Obrigatório. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
NO CALOR DA NOITE de Norman Jewison com Sidney Poitier e Rod Steiger
Em 1967 todo cinéfilo queria ver a vitória de Bonnie e Clyde nos Oscar. Afinal, Bonnie foi o Pulp Fiction de seu tempo. Mas assim como Tarantino perdeu para o Forrest Gump, Clyde perdeu para este filme. Que assim como Gump, é um ótimo filme. Fala sobre racismo. Mas o tom nunca é pesado. Porque há um genuíno prazer aqui : Steiger e Poitier brincam com seus papéis. Se voce quer ver dois atores brilharem e terem prazer em trabalhar veja este filme. Poitier como Mr, Tibbs faz o negro policial perdido no sul hiper-racista. Steiger, genial, é o delegado gorducho, caipira, arrogante e hilário. O filme é o trabalho dos dois, todo o resto é secundário. Nos divertimos intensamente, rimos e ficamos nervosos, mas o prazer está sempre aqui. Para ajudar há uma trilha sonora sublime, de Quincy Jones. Mereceu tantos prêmios ? É melhor que Bonnie e Clyde ? Que importa ? É genuíno cinema pop, do mais alto profissionalismo. Rod Steiger foi melhor ator e Jewison perdeu o de melhor direção para Mike Nichols. Nota 8.
2012 de Uma equipe de espertos Produtores
Em 1977, numa entrevista, George Lucas dizia que é muito fácil produzir emoção na platéia de cinema : pegue um ratinho e torça seu pescoço- está criada a emoção. Difícil é criar personagens, caráter, enredo. Lucas estava certo. O que faz Star Wars ficar são seus tipos. 2012 é um rato tendo seu pescoço torcido. Filma-se o fim de todos os ratos. Emociona ? Claro ! É tão emocionante quanto ver um motoboy ser atropelado e tem tanta arte quanto filmar uma video-cacetada. Porém, lógico, tem uma habilidade técnica espantosa. Habilidade que só o dinheiro traz. No mais, não consigo deixar de perceber que tudo aquilo é desenho animado. Não me venha falar em siglas bacanas; trata-se de animação. Não me convence : as cidades parecem cidades de cartoon. Do rato torcido eu teria pena e indignação, aqui, me deu vontade de rir. Nota 3.
A ÚLTIMA TEMPESTADE de Peter Greenaway com John Gielgud e Michel Blanc
Já se levou Peter a sério. Entre 82/92 ele foi considerado o cara. Um artista refinado, o futuro do cinema, o mais intelectual. Hoje, ele é o que é : um chato pretensioso. Seus filmes são barrocos : um carnaval de cenários coloridos, gente passando, letreiros, música minimalista, vestidos imensos, muita nudez, textos longuíssimos. É um anti-Von Trier com o mesmo espírito de Von Trier : enganação de quem nada tem a dizer de verdadeiro. Este filme, cheio de imagens "lindas", cenas postas sobre cenas, tela dividida, bailarinos de fundo, Gielgud recitando Shakespeare, é uma besteira. Tem tudo de ruim dos anos 80. Rico, afetado, luxuoso, bonito, erudito, chic e muuuuito vazio. Nota 2.
Para o filme noir funcionar é preciso carisma. Você tem de torcer por alguém, se identificar, se ver no bandido ou no policial. Bogart, Alan Ladd e Mitchum tiravam isso de letra. Quando eles surgem na tela voce está no papo. Billy Bob é legal. Mas não é carismático. O filme perde o interesse. Não torcemos por ele, não odiamos Frances. Bola fora dos Coen. Nota 2.
O CAMERAMAN de Edward Sedgwick com Buster Keaton
Aqui Buster é um péssimo cameraman que tenta alcançar algum sucesso para conquistar a secretária do chefe. Eis a diferença entre os gênios : Chaplin nos faria chorar e sairia como mártir derrotado e poético; os irmãos Marx destruiriam o escritório e esnobariam a secretária; WC Fields odiaria a secretária, mudaria o enredo no meio do filme e teríamos outra coisa no final- um filme de ressaca; Laurel e Hardy fariam tudo errado até o final : que seria uma explosão; e Harold LLoyd salvaria a secretária de algum incêndio e se tornaria um herói. Buster Keaton trabalha com afinco, acaba aprendendo o oficio, jamais desiste, e consegue se superar no final. É o mais persistente e portanto, o mais heróico dos comediantes de gênio. O filme é uma obra-prima de invenção, de truques de camera, de enredo simples e jamais cansativo. Buster é o cara ! Nota DEZ.
LANCELOT DU LAC de Robert Bresson
Eis o cinema de Bresson : a idade média como ela deveria ter sido ( mas não´foi ). No iníco o sangue jorra de corpos mutilados... será o Monty Python ? Mas então vemos que se trata de um filme sobre o amor de Lancelot por Guinevere ( e nos lembramos que Merlin era francês ). Bresson não funciona aqui. É uma idade média sem mistério, sem bruma, sem magia. O filme é colorido, bonito, seco. O melhor retrato medieval ainda está em Bergman. Nota 5.
ZELIG de Woody Allen com Woody e Mia Farrow
Como uma mulher tão bonita como Maureen O'Sullivan pode ter sido mãe de Mia Farrow ? Este filme, falando do filme, é um pseudo documentário sobre um tal de Zelig, um homem-camaleão. Quando com chineses ele se tornava um chinês, quando entre negros, um negro. O filme é criativo, engraçado e bastante curto ( 78 minutos ). Mas dá uma certa frustração. Gostaria de ver Zelig falar : o filme é todo narrado e exibido como jornal de cinema, fotos e som. De qualquer modo, cenas como a dos nazistas, Zelig negro e as sessões de hipnotismo são hilárias. 7.
KRAMER VS, KRAMER de Robert Benton com Dustin Hoffman e Meryl Streep
Em entrevista recente Hoffman diz que guarda dois arrependimentos na carreira : a de não ter aceitado filmar com Fellini e Bergman. Ele pensou na época que teria tempo para fazer filmes com os dois. Não teve. " Diretores como eles não existem mais". Fellini o convidou para ser o Casanova. Dustin recusou e Donald Sutherland ficou com o papel. Bergman o chamou para a Hora do Amor em 1970 ( Bergman achava Hoffman um ator tão bom quanto Max Von Sydow ). Dustin preferiu fazer O Pequeno Grande Homem. Em 1977 Bergman tentou de novo. Era para fazer O Ovo da Serpente. Foi esnobado novamente. Bom...... se não existem mais Federicos e Ingmars, existem Bentons de montão. Este é um filme quadrado. Nada é invenção, tudo é convenção. O pai é abandonado pela esposa. É um publicitário bem sucedido. Ao ter de criar o filho vê a carreira ir pro espaço. E a megera ainda volta querendo o garoto ! Meryl é a megera. Ganhou seu primeiro Oscar aqui. Mas o filme é de Hoffman. Ele o salva do ridículo. Graaaande ator, seu Kramer é absolutamente verdadeiro. Uma aula de como ser gente-comum, gente banal, vulgarmente como nós todos somos. Ele dá um show. Kramer é um dos filmes mais detestados por fãs de cinema radiciais pelo fato de no Oscar de 1979 ter derrotado Apocalypse Now e All that Jazz ( além de O Vencedor, Muito Além do Jardim e Blade Runner ). Que culpa tem Kramer ? Ele tem cara de prêmio. O filme é comum, Dustin Hoffman nunca é. Nota 7.
48 HORAS-PARTES 1 E 2 de Walter Hill com Nick Nolte e Eddie Murphy
Deliciosos filmes de ação. O primeiro, de 1982, ainda tem jeito de filme dos anos 70. Tenta-se mostrar a psicologia dos personagens. É mais triste, vazio e árido. O segundo, de 1990, já é ação pura. Mais tiros, pulos, sangue e inverossimilhanças. Os dois são dominados por Murphy, ele é bom pra caramba ( e no segundo cria a persona do burro de Shrek , confira ). Dois bons exemplos da bela safra ( 72/92 ) de filmes de ação. Nota 7.
O MAGNÍFICO de Philipe de Brocca com Jean-Paul Belmondo, Jacqueline Bisset e Vittorio Caprioli
Veja a história : um agente secreto, Bob Sanclair, salva o mundo livre de bandidos da Albânia. Sangue jorra, mulheres são beijadas, golpes de karate. Um corte. Na verdade é um escritor- gripado, sujo, relaxado- quem escreve sobre Bob Sanclair. O filme é engenhoso : ele se balança entre a vida real do autor e a fantasia do que escreve. Desse modo, a vizinha linda e distante ( uma Bisset maravilhosa. Impossível beleza maior ! ) se torna a garota de Sanclair e o editor dos livros é o vilão. Trata-se de uma comédia deliciosa, um sátira à Bond e a filmes sanguinolentos. Belmondo esbanja carisma, ele é adorável, comediante de brilho genuíno. Quem não gosta de cinema francês terá aqui uma humilhante surpresa. Cenas como a dos personagens do livro parando de falar porque uma tecla da máquina de escrever emperrou são criativamente fantásticas. Mas também acontecem cenas reescritas, mudanças de tom, hesitações e exageros à granel. Comparar este filme com aquele lixo de Will Ferrel demonstra onde estamos hoje : oceano de pretensão vazia. Nota 8.
O PÃO NOSSO de King Vidor
Há quem considere Vidor o maior diretor que os EUA já tiveram. Não foi. Mas nobre e corajoso não houve igual. Este filme, totalmente socialista, foi feito com o dinheiro da sua casa hipotecada ( Vidor já era famoso. Mas ninguém queria financiar um filme sobre socialistas fazendeiros ) então ele vendeu tudo o que tinha e fez o filme. Seria como se Daniel Filho vendesse suas coisas para fazer um filme sobre os sem terra. Feito no auge da depressão, ele é didático e ultrapassado em seu otimismo marxista. Mas caramba, o ser-humano precisa crer em algo ! King Vidor acreditou sempre. O filme é raro e é uma peça de dignificação da profissão de cineasta. Nota 7.
STREET SCENE de King Vidor com Sylvia Sidney
Obra-prima do cacete !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Adaptando sua própria peça, Elmer Rice, importante autor de teatro americano, o cara que trouxe a vida das ruas para o palco; nos dá um texto que é milagroso. Os diálogos faíscam e ricocheteiam. King Vidor, em momento de supremo brilho, mostra a vida da rua. Todo o filme se passa na calçada. Fofoqueiras, prostitutas, imigrantes ( um italiano, um judeu comunista - o filme fala abertamente de anti-semitismo e de marxismo- e irlandeses tolos ). O centro é uma família em que a mãe chifra o marido abertamente e a filha é cortejada pelo patrão. O marido irá matar a esposa e vemos que não haverá futuro algum para a filha ( feita por Sylvia Sidney, excelente e belíssima ). O clima é todo urgente, febril e sórdido. Vemos o intelectual judeu em sua passividade assustada ( o filme é de 1931 e antecipa o espírito de opressão contra os judeus que nascia na Alemanha ), as vizinhas vigiando tudo o que todos fazem, os comentários hipócritas. King Vidor, gigante personalidade, nos dá um filme perfeito. Tomadas de Nova York, janelas com seus moradores, crianças nas ruas, carros engarrafados, polícia na rua... um filme vivo e mais de vinte anos adiante de seu tempo. E tem Sylvia Sidney... que linda ! Obrigatório. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
NO CALOR DA NOITE de Norman Jewison com Sidney Poitier e Rod Steiger
Em 1967 todo cinéfilo queria ver a vitória de Bonnie e Clyde nos Oscar. Afinal, Bonnie foi o Pulp Fiction de seu tempo. Mas assim como Tarantino perdeu para o Forrest Gump, Clyde perdeu para este filme. Que assim como Gump, é um ótimo filme. Fala sobre racismo. Mas o tom nunca é pesado. Porque há um genuíno prazer aqui : Steiger e Poitier brincam com seus papéis. Se voce quer ver dois atores brilharem e terem prazer em trabalhar veja este filme. Poitier como Mr, Tibbs faz o negro policial perdido no sul hiper-racista. Steiger, genial, é o delegado gorducho, caipira, arrogante e hilário. O filme é o trabalho dos dois, todo o resto é secundário. Nos divertimos intensamente, rimos e ficamos nervosos, mas o prazer está sempre aqui. Para ajudar há uma trilha sonora sublime, de Quincy Jones. Mereceu tantos prêmios ? É melhor que Bonnie e Clyde ? Que importa ? É genuíno cinema pop, do mais alto profissionalismo. Rod Steiger foi melhor ator e Jewison perdeu o de melhor direção para Mike Nichols. Nota 8.
2012 de Uma equipe de espertos Produtores
Em 1977, numa entrevista, George Lucas dizia que é muito fácil produzir emoção na platéia de cinema : pegue um ratinho e torça seu pescoço- está criada a emoção. Difícil é criar personagens, caráter, enredo. Lucas estava certo. O que faz Star Wars ficar são seus tipos. 2012 é um rato tendo seu pescoço torcido. Filma-se o fim de todos os ratos. Emociona ? Claro ! É tão emocionante quanto ver um motoboy ser atropelado e tem tanta arte quanto filmar uma video-cacetada. Porém, lógico, tem uma habilidade técnica espantosa. Habilidade que só o dinheiro traz. No mais, não consigo deixar de perceber que tudo aquilo é desenho animado. Não me venha falar em siglas bacanas; trata-se de animação. Não me convence : as cidades parecem cidades de cartoon. Do rato torcido eu teria pena e indignação, aqui, me deu vontade de rir. Nota 3.
A ÚLTIMA TEMPESTADE de Peter Greenaway com John Gielgud e Michel Blanc
Já se levou Peter a sério. Entre 82/92 ele foi considerado o cara. Um artista refinado, o futuro do cinema, o mais intelectual. Hoje, ele é o que é : um chato pretensioso. Seus filmes são barrocos : um carnaval de cenários coloridos, gente passando, letreiros, música minimalista, vestidos imensos, muita nudez, textos longuíssimos. É um anti-Von Trier com o mesmo espírito de Von Trier : enganação de quem nada tem a dizer de verdadeiro. Este filme, cheio de imagens "lindas", cenas postas sobre cenas, tela dividida, bailarinos de fundo, Gielgud recitando Shakespeare, é uma besteira. Tem tudo de ruim dos anos 80. Rico, afetado, luxuoso, bonito, erudito, chic e muuuuito vazio. Nota 2.
A CIDADE DAS REDES - OTTO FRIEDERICH
Os anos 30 em Hollywood. Mas sob um viés crítico. Para Otto, muito melhor é falar de Brecht e Thomas Mann em Hollywood que sobre Cary Grant ou Erroll Flynn. E ficamos sabendo que Brecht apresentou roteiros para os gigantescos estúdios da época. E foi devidamente recusado. Assim como Heinrich Mann, o paupérrimo irmão mais velho de Thomas.
Com o advento do som ( 1928 ) os chefões correram atrás de quem soubesse escrever bons diálogos. Os anos 1930/ 1939 são época de roteiristas. Faulkner, Huxley, Dos Passos, Steinbeck, Dorothy Parker, Ring Lardner, Ben Hecht, Herman Mankiewicz, Charles Lederer, Joseph Mankiewicz, e os futuros diretores John Huston, Billy Wilder e Preston Sturges. Os grandes estúdios ( MGM, Paramount, Warner, Columbia, Universal e RKO ) mantém rebanhos de roteiristas. Salários altos, escritórios com secretárias, a obrigação de bater ponto todo dia e de entregar dois roteiros por semestre. Ben Hecht foi talvez o melhor deles. Mas seguido de perto por Dudley Nichols, Samsom Raphaelson, Moss Hart, Morrie Ryskind, Robert Riskin... são centenas !
Nos anos 40, após o sucesso de E O VENTO LEVOU, vem a era do produtor. É tempo de Selznick, Zanuck, Goldwyn, Wallis, Cohn... época de filmes fabricados com estratégia militar. E gastos de fantasia. Como se esbanjava no período 39/ 48 !!!!! A derrocada a partir de 1949 era inevitável. Nos anos 50 teremos a época do ator. Filmes feitos ao gosto e ao modo do "Star". Nos 60/ 70 vem a era do diretor e desde então a época da empresa de marketing.
Vale aqui uma ressalva : em livro lançado recentemente ( que comentarei futuramente ) é dito que esta época em que estamos é tempo de produtores . Diretores são meros empregadinhos, hoje. E atores nada mais que bibelôs de mesinha de centro. É verdade. ( Com muito poucas excessões, é claro. ) E quando os produtores dominam o cinema atual, significa que esse produtor não é um homem de cinema. Normalmente é um grupo de midia e de marketing que vê o cinema como um negócio, um produto. O produtor dos anos 40 é outro tipo de ser. Ele é um arrogante individualista, um animal de lucro e de cifrões, mas, e aí há a fundamental diferença, ele é um ser do cinema. Respira filmes, foi feito nos filmes, só entende de fazer filmes e apesar de sua dureza para com atores e diretores, ele realmente ama o veículo. O livro conta histórias hilárias sobre a falta de tato desses produtores e de como os roteiristas tinham de brigar para serem entendidos. ( Mas a mais deliciosa história é sobre Faulkner. Chegando na Paramount ele, em entrevista com o chefão, diz querer ser roteirista " dos desenhos de Mickey Mouse ". Faulkner jamais fora ao cinema, a não ser para ver desenhos e noticiários. Ele pede também para escrever " Noticiários ". William Faulkner ficaria encostado até ser resgatado pelo grande Howard Hawks que se tornaria seu amigo de toda vida.
O maior diretor de comédias da época ( e ídolo dos irmãos Coen ) Preston Sturges, tem também uma maravilhosa história. Nasceu em milionária família de excêntricos. O pai era inventor, a mãe logo se separou e partiu para a Europa levando Preston junto. Ela se casou com sheik árabe e depois com nobre italiano. Foi amiga de Isadora Duncan e criou uma nova marca de perfumes. Preston se torna inventor e aventureiro. Volta aos EUA e por acaso escreve roteiro de sucesso. Mas sua ambição sempre foi a de ser "inventor". Seus roteiros ? A história de uma virgem que engravida na guerra e não sabe dentre os 80 soldados qual o pai da criança. Todos seus roteiros são assim : fora dos padrões, impossíveis, ousados e absolutamente corajosos. O sucesso foi imediato. Mas Preston irá morrer falido. Toda sua fortuna torrada em suas "invenções". Um personagem maravilhoso foi Preston.
O livro ainda fala de porres homéricos ( Faulkner, Erroll Flynn e John Barrymore eram imbatíveis ), maconheiros ( Robert Mitchum ) e amores destrutivos . Nesse quesito nada se compara a história de Jennifer Jones e Selznick. Ele, simplesmente foi o maior produtor que o cinema já teve. Ela, tímida jovem atriz, casada com ator ( Robert Walker ). Pois bem... Selznick e Jennifer se enamoram. Ela, que sempre foi boa atriz e bela mulher exótica, ganha Oscar logo em sua estréia, e termina o casamento. O marido abandonado bebe até morrer. Selznick irá à falência nos anos 60, mas Jennifer será fiel até o fim. Ele morre ela enlouquece e é internada. Tem alta e se torna, já mulher madura, uma respeitada psicóloga. Pelo que sei ela ainda é viva.
O Macarthismo ocupa boa parte do livro e ficamos sabendo da covardia de vários nomes e do fascismo de gente como Sam Wood, Leo McCarey e Ronald Reagan. Palmas para John Huston, Bogart, Frank Sinatra, Kate Hepburn, Spencer Tracy... gente que nunca se omitiu. Mas são páginas tristes...
Assim como é triste a perseguição a Ingrid Bergman, considerada mulher imoral por ter abandonado marido e filhos e ido encontrar seu amor adúltero, Rossellini, na Itália. Mas o tempo vinga tudo : Ingrid ganharia mais dois Oscars e seria eleita em 2007 a maior estrela feminina da história do cinema. Aliás foi Ingrid a primeira atriz a assumir seu próprio destino. É fascinante a descrição de sua primeira entrevista com o poderoso Selznick. Ela não aceita usar maquiagem, não muda seu nome de batismo e nem sequer raspa as sobrancelhas. Ela é quem cria Ingrid Bergman e não Selznick.
Como prova da eternidade mitica desse tempo, dentre os 10 maiores atores, 8 são egressos desse período, e das atrizes, 7.
Apesar de ser a era de roteiristas e depois de produtores, o período 30/49 é sim o auge de estrelas que insistem em não se apagar. Homens e mulheres originais, perfeitos, brilhantes e moldes de gerações e gerações daquilo que se chama "glamour". O livro de Friederich tenta evitar esse brilho. Não consegue. Ainda bem...
Com o advento do som ( 1928 ) os chefões correram atrás de quem soubesse escrever bons diálogos. Os anos 1930/ 1939 são época de roteiristas. Faulkner, Huxley, Dos Passos, Steinbeck, Dorothy Parker, Ring Lardner, Ben Hecht, Herman Mankiewicz, Charles Lederer, Joseph Mankiewicz, e os futuros diretores John Huston, Billy Wilder e Preston Sturges. Os grandes estúdios ( MGM, Paramount, Warner, Columbia, Universal e RKO ) mantém rebanhos de roteiristas. Salários altos, escritórios com secretárias, a obrigação de bater ponto todo dia e de entregar dois roteiros por semestre. Ben Hecht foi talvez o melhor deles. Mas seguido de perto por Dudley Nichols, Samsom Raphaelson, Moss Hart, Morrie Ryskind, Robert Riskin... são centenas !
Nos anos 40, após o sucesso de E O VENTO LEVOU, vem a era do produtor. É tempo de Selznick, Zanuck, Goldwyn, Wallis, Cohn... época de filmes fabricados com estratégia militar. E gastos de fantasia. Como se esbanjava no período 39/ 48 !!!!! A derrocada a partir de 1949 era inevitável. Nos anos 50 teremos a época do ator. Filmes feitos ao gosto e ao modo do "Star". Nos 60/ 70 vem a era do diretor e desde então a época da empresa de marketing.
Vale aqui uma ressalva : em livro lançado recentemente ( que comentarei futuramente ) é dito que esta época em que estamos é tempo de produtores . Diretores são meros empregadinhos, hoje. E atores nada mais que bibelôs de mesinha de centro. É verdade. ( Com muito poucas excessões, é claro. ) E quando os produtores dominam o cinema atual, significa que esse produtor não é um homem de cinema. Normalmente é um grupo de midia e de marketing que vê o cinema como um negócio, um produto. O produtor dos anos 40 é outro tipo de ser. Ele é um arrogante individualista, um animal de lucro e de cifrões, mas, e aí há a fundamental diferença, ele é um ser do cinema. Respira filmes, foi feito nos filmes, só entende de fazer filmes e apesar de sua dureza para com atores e diretores, ele realmente ama o veículo. O livro conta histórias hilárias sobre a falta de tato desses produtores e de como os roteiristas tinham de brigar para serem entendidos. ( Mas a mais deliciosa história é sobre Faulkner. Chegando na Paramount ele, em entrevista com o chefão, diz querer ser roteirista " dos desenhos de Mickey Mouse ". Faulkner jamais fora ao cinema, a não ser para ver desenhos e noticiários. Ele pede também para escrever " Noticiários ". William Faulkner ficaria encostado até ser resgatado pelo grande Howard Hawks que se tornaria seu amigo de toda vida.
O maior diretor de comédias da época ( e ídolo dos irmãos Coen ) Preston Sturges, tem também uma maravilhosa história. Nasceu em milionária família de excêntricos. O pai era inventor, a mãe logo se separou e partiu para a Europa levando Preston junto. Ela se casou com sheik árabe e depois com nobre italiano. Foi amiga de Isadora Duncan e criou uma nova marca de perfumes. Preston se torna inventor e aventureiro. Volta aos EUA e por acaso escreve roteiro de sucesso. Mas sua ambição sempre foi a de ser "inventor". Seus roteiros ? A história de uma virgem que engravida na guerra e não sabe dentre os 80 soldados qual o pai da criança. Todos seus roteiros são assim : fora dos padrões, impossíveis, ousados e absolutamente corajosos. O sucesso foi imediato. Mas Preston irá morrer falido. Toda sua fortuna torrada em suas "invenções". Um personagem maravilhoso foi Preston.
O livro ainda fala de porres homéricos ( Faulkner, Erroll Flynn e John Barrymore eram imbatíveis ), maconheiros ( Robert Mitchum ) e amores destrutivos . Nesse quesito nada se compara a história de Jennifer Jones e Selznick. Ele, simplesmente foi o maior produtor que o cinema já teve. Ela, tímida jovem atriz, casada com ator ( Robert Walker ). Pois bem... Selznick e Jennifer se enamoram. Ela, que sempre foi boa atriz e bela mulher exótica, ganha Oscar logo em sua estréia, e termina o casamento. O marido abandonado bebe até morrer. Selznick irá à falência nos anos 60, mas Jennifer será fiel até o fim. Ele morre ela enlouquece e é internada. Tem alta e se torna, já mulher madura, uma respeitada psicóloga. Pelo que sei ela ainda é viva.
O Macarthismo ocupa boa parte do livro e ficamos sabendo da covardia de vários nomes e do fascismo de gente como Sam Wood, Leo McCarey e Ronald Reagan. Palmas para John Huston, Bogart, Frank Sinatra, Kate Hepburn, Spencer Tracy... gente que nunca se omitiu. Mas são páginas tristes...
Assim como é triste a perseguição a Ingrid Bergman, considerada mulher imoral por ter abandonado marido e filhos e ido encontrar seu amor adúltero, Rossellini, na Itália. Mas o tempo vinga tudo : Ingrid ganharia mais dois Oscars e seria eleita em 2007 a maior estrela feminina da história do cinema. Aliás foi Ingrid a primeira atriz a assumir seu próprio destino. É fascinante a descrição de sua primeira entrevista com o poderoso Selznick. Ela não aceita usar maquiagem, não muda seu nome de batismo e nem sequer raspa as sobrancelhas. Ela é quem cria Ingrid Bergman e não Selznick.
Como prova da eternidade mitica desse tempo, dentre os 10 maiores atores, 8 são egressos desse período, e das atrizes, 7.
Apesar de ser a era de roteiristas e depois de produtores, o período 30/49 é sim o auge de estrelas que insistem em não se apagar. Homens e mulheres originais, perfeitos, brilhantes e moldes de gerações e gerações daquilo que se chama "glamour". O livro de Friederich tenta evitar esse brilho. Não consegue. Ainda bem...
S & M - EU AMO ESSES CARAS !
Em 1973 eu tinha 9 anos. Faria 10 em maio. Era domingo e a TV estava no Fantástico. Em meio as matérias, chatíssimas, eram inseridos flashs de "alguma coisa" musical. Eram três seres muito coloridos e muito ridículos. Dois homens pintados e uma mulher ( seria mulher aquilo ? Meu pai tinha certeza que era uma mulher. " Não vês como é uma mulher ? E essa voz ? Já minha mãe falava : Mas não tem seios ! E aquilo não são pelos no peito ? Mas mulher ! Isso não pode ser um homem !!!!! ). Eu achei que fosse um marciano. Meu irmão, 7 anos, apenas ria, e já aprendia a música.
Continuaram os flashs por todo o programa, sem nada os anunciando, sem letreiro, nada. Só no final do programa, Sergio Chapelin falou : " A nova sensação : SECOS E MOLHADOS. "
Pegue os MAMONAS e adicione Blitz mais RPM. Essa mistura chegará perto do que foi o sucesso dos SM. Mas com uma diferença fundamental : adicione à essa fama uma dose de Cazuza e Jorge Ben. Porque eles foram POP, mas foram libertários, foram rock, mas foram tropicalmente rítmicos, foram uma febre deliciosa que durou apenas um ano. Um ano...
O fenômeno foi absoluto. Num tempo sem internet ou clip, eles pegaram todo mundo. O fã de Bowie, o fâ de Roberto Carlos; o maluco que adorava Raul Seixas e o romântico-brega de Benito di Paula. O Brasil amava os caras. Minha mãe, aos 31, eu e meu brother. Meu pai não. Ney Matogrosso era demais para seu mundo.
O fato da ditadura não ter reprimido os SM atesta a esquisitice que este país sempre foi. Porque Ney era tão transgressor quanto Bowie e as letras eram explícitas em sua ansia libertária. Para João Ricardo, português líder da banda e rock'n'roll fanático, a dor existia, mas a festa não tardaria a chegar. No palco eles eram incomparáveis ! Aquele ser andrógino, ridículo e genial, rebolando, púbis quase de fora, caras e bocas, voz de afinação impossível, dando o prazer do " tudo pode" à um povo sedento de liberdade, de quebrar tabus de folia. João em sua pose de glitter lusitano, se achando o maior sex-symbol do mundo, o Marc Bolan da Lapa. E Gerson Conrad, o Charlie Watts do grupo, com sua cara de " que que tou fazendo aqui ? ". Nada foi ou é parecido. Penso que um SM hoje seria impossível. Não há humor para isso.
O disco, recorde de vendas, é ainda coisa única. Profundamente latino-americano, totalmente rock'n'roll. Desde a linha de baixo do originalíssimo Sangue Latino, música que me deu e dá sempre vontade de cantar junto, com sua sinuosa melodia de mata virgem, com seu não-refrão, e essa voz que é enigma de sangue e de sexo. Passando por O Vira, sonho de toda banda "engraçadinha " , com arranjo festeiro de Zé Rodrix. Mas nasce na faixa 3 obra-prima das obras-primas : Amor. Linha de baixo imbatível ( Willy Berdaguer é o cara ). Amor é POP perfeito. Sinuoso, grudento, original, leve e sublime. Poucas canções são tão perfeitas. Tudo nela balança e é certeza de acerto. E esse baixo.... tem coisa melhor ? Vem então a Primavera nos Dentes, momento de reflexão linda e de profunda melancolia. Para brotar então Assim Assado, coisa séria : percussão de índios com solo glitter. A voz de Ney torna-se hilária : estamos nos tempos de Monty Python. Puramente e permanentemente genial.
Mas continua. Mulher Barriguda é Stones. O "Yéahhhh" de João trai tudo : it's only rock'n'roll but i like it ! A Rosa de Hiroxima me fez chorar aos 10 anos... é bonita bonita. Vem uma sequencia de pequenas jóias de um minuto cada. Elas vão do dolorido ao " bem louco". Abrem caminho para a poesia de Fala, beleza etérea e eterna travestida em canção de arranjo de gênio. Fala fecha esta absoluta obra-prima com melodia de sonho e letra de encanto mudo. O disco é completamente do cacete !!!!
Eles terminariam ruidosamente após um ano e mais um disco ( apenas bom ). Deixariam orfãos todos que viram esse disco voador pousar na Terra, no Brasil, e que viram descer dele 3 alienígenas. Sem sexo, sem estilo conhecido, plenos de poesia e boas intenções. O disco zarpou e os levou pra sempre.
Ney se tornou aquilo que sempre desejou ser : dono de seu próprio nariz. Um grande cantor que faz o que quer fazer. Gerson sumiu. João Ricardo teve estranha história. Lançou logo carreira solo ( lembro de um brinde da revista POP, da Abril. Um adesivo-poster de João. O estrelo-glam, terno rosa de cetim, óculos de strass, sapatões brancos, deitado languidamente em sofá de tecido rosa-choque. Um luuuuuxo ! ) mas sua carreira, muito rock, muito glitter, não engrenou. Seu ego, imenso, destruiu seu ideal.
Ficou este disco. A lembrança de uma tarde em Santos ouvindo o LP pela primeira vez. E a bomba nuclear que foi vê-los numa era tão machista, de bigodes, ternos cinzas e bons costumes. Que coragem Ney !!!!! Que audácia João !!!!!!!! Que bonito Gerson !!!!!!!!!
Os SM foram carnaval de sonho em país de trevas. Meu coração sempre será grato ao que me deram. VIVA !!!!!!!!
Continuaram os flashs por todo o programa, sem nada os anunciando, sem letreiro, nada. Só no final do programa, Sergio Chapelin falou : " A nova sensação : SECOS E MOLHADOS. "
Pegue os MAMONAS e adicione Blitz mais RPM. Essa mistura chegará perto do que foi o sucesso dos SM. Mas com uma diferença fundamental : adicione à essa fama uma dose de Cazuza e Jorge Ben. Porque eles foram POP, mas foram libertários, foram rock, mas foram tropicalmente rítmicos, foram uma febre deliciosa que durou apenas um ano. Um ano...
O fenômeno foi absoluto. Num tempo sem internet ou clip, eles pegaram todo mundo. O fã de Bowie, o fâ de Roberto Carlos; o maluco que adorava Raul Seixas e o romântico-brega de Benito di Paula. O Brasil amava os caras. Minha mãe, aos 31, eu e meu brother. Meu pai não. Ney Matogrosso era demais para seu mundo.
O fato da ditadura não ter reprimido os SM atesta a esquisitice que este país sempre foi. Porque Ney era tão transgressor quanto Bowie e as letras eram explícitas em sua ansia libertária. Para João Ricardo, português líder da banda e rock'n'roll fanático, a dor existia, mas a festa não tardaria a chegar. No palco eles eram incomparáveis ! Aquele ser andrógino, ridículo e genial, rebolando, púbis quase de fora, caras e bocas, voz de afinação impossível, dando o prazer do " tudo pode" à um povo sedento de liberdade, de quebrar tabus de folia. João em sua pose de glitter lusitano, se achando o maior sex-symbol do mundo, o Marc Bolan da Lapa. E Gerson Conrad, o Charlie Watts do grupo, com sua cara de " que que tou fazendo aqui ? ". Nada foi ou é parecido. Penso que um SM hoje seria impossível. Não há humor para isso.
O disco, recorde de vendas, é ainda coisa única. Profundamente latino-americano, totalmente rock'n'roll. Desde a linha de baixo do originalíssimo Sangue Latino, música que me deu e dá sempre vontade de cantar junto, com sua sinuosa melodia de mata virgem, com seu não-refrão, e essa voz que é enigma de sangue e de sexo. Passando por O Vira, sonho de toda banda "engraçadinha " , com arranjo festeiro de Zé Rodrix. Mas nasce na faixa 3 obra-prima das obras-primas : Amor. Linha de baixo imbatível ( Willy Berdaguer é o cara ). Amor é POP perfeito. Sinuoso, grudento, original, leve e sublime. Poucas canções são tão perfeitas. Tudo nela balança e é certeza de acerto. E esse baixo.... tem coisa melhor ? Vem então a Primavera nos Dentes, momento de reflexão linda e de profunda melancolia. Para brotar então Assim Assado, coisa séria : percussão de índios com solo glitter. A voz de Ney torna-se hilária : estamos nos tempos de Monty Python. Puramente e permanentemente genial.
Mas continua. Mulher Barriguda é Stones. O "Yéahhhh" de João trai tudo : it's only rock'n'roll but i like it ! A Rosa de Hiroxima me fez chorar aos 10 anos... é bonita bonita. Vem uma sequencia de pequenas jóias de um minuto cada. Elas vão do dolorido ao " bem louco". Abrem caminho para a poesia de Fala, beleza etérea e eterna travestida em canção de arranjo de gênio. Fala fecha esta absoluta obra-prima com melodia de sonho e letra de encanto mudo. O disco é completamente do cacete !!!!
Eles terminariam ruidosamente após um ano e mais um disco ( apenas bom ). Deixariam orfãos todos que viram esse disco voador pousar na Terra, no Brasil, e que viram descer dele 3 alienígenas. Sem sexo, sem estilo conhecido, plenos de poesia e boas intenções. O disco zarpou e os levou pra sempre.
Ney se tornou aquilo que sempre desejou ser : dono de seu próprio nariz. Um grande cantor que faz o que quer fazer. Gerson sumiu. João Ricardo teve estranha história. Lançou logo carreira solo ( lembro de um brinde da revista POP, da Abril. Um adesivo-poster de João. O estrelo-glam, terno rosa de cetim, óculos de strass, sapatões brancos, deitado languidamente em sofá de tecido rosa-choque. Um luuuuuxo ! ) mas sua carreira, muito rock, muito glitter, não engrenou. Seu ego, imenso, destruiu seu ideal.
Ficou este disco. A lembrança de uma tarde em Santos ouvindo o LP pela primeira vez. E a bomba nuclear que foi vê-los numa era tão machista, de bigodes, ternos cinzas e bons costumes. Que coragem Ney !!!!! Que audácia João !!!!!!!! Que bonito Gerson !!!!!!!!!
Os SM foram carnaval de sonho em país de trevas. Meu coração sempre será grato ao que me deram. VIVA !!!!!!!!
SEM NADA E A SENHORA DA VILA SÔNIA
Domingo faltou a luz na minha casa. Só na minha casa. Um problema de fiação velha. Eram 17 horas e fui comprar velas e fósforos. Ainda existem fósforos. Minha mãe entrou em desespero : como ficar sem luz ? Vou ficar deprê, dizia ela. Estranho. Uma mulher que não usa computador e nem sequer liga um som ficar tão nervosa por não ter eletricidade em casa.
Acendo uma vela na sala e abro a janela. Me deito no sofá e assisto a mangueira tomar chuva. O vento sacode as folhas e a água escorre pela calha. Um raio. Juro que pensei : Meu Deus ! A chuva é tão linda que irei morrer de saudades dela quando eu morrer... Que joguem minhas cinzas à chuva !
Minha mãe se deita no outro sofá e fazemos aquilo que lhe dava tanto medo : nada. E desse nada vem a conversa à toa e dessa conversa sinto, finalmente, minha mãe próxima de mim. Falamos sobre a casa, sobre os cães, sobre a morte de meu pai, sobre almas e sobre o bairro. Ela me conta de suas irmãs na França, seu pai, sua mãe... Há uma paz imensa nessa conversa, compreensão. Tempo que passa lentamente.
Conversamos por toda a noite e fazemos chá na cozinha escura. Os cães entram na sala e dormem roncando. Silêncio. Apenas a chuva e nossas vozes que viajam. O ronco de Charlie, de Leka, de Lili e de Baby.
Penso : a eletricidade entrou em nossas veias e nos fez elétricos. Mas hoje é água de chuva que flui em mim.
No dia seguinte, flanando pela Vila, fotografo uma casa que me pareceu risonha. A dona da casa vem conversar comigo. Fica contente por eu gostar de sua casa. Uma casa que é plantas e vasos de barro. Ela mora alí desde 1951. A rua era de terra, não havia água encanada, nada de eletricidade e só mais quatro casas em toda a rua. Mas ela não tinha medo ? Tinha medo sim, quando caíam raios do céu. Como conseguiam água ? O marido abrira um poço nos fundos. Manualmente ele tirava água com um balde de madeira. E sem luz ? Como era de noite ? Eles tomavam café às 18 horas e jantavam às 20. Lampiões. Ficavam na rua, conversando com quem aparecesse no caminho. O marido acendia um cigarro, ela cantarolava. Iam dormir com o som dos sapos e acordavam com sabiás. Mas o que a senhora fazia todo o dia ? Cozinhava, lavava, costurava, plantava. Com as mãos, à luz do sol, em seu próprio tempo.
Me despedí da velhinha sorridente. Ela falou para que eu aparecesse quando quisesse. Se lembrou de que eu morava lá perto, eu era para ela o moço dos cachorros. Fui acenando e desejando sentir como seria aquela rua de barro e de cheiro de café.
Sentí então : Ela nunca irá morrer.
Acendo uma vela na sala e abro a janela. Me deito no sofá e assisto a mangueira tomar chuva. O vento sacode as folhas e a água escorre pela calha. Um raio. Juro que pensei : Meu Deus ! A chuva é tão linda que irei morrer de saudades dela quando eu morrer... Que joguem minhas cinzas à chuva !
Minha mãe se deita no outro sofá e fazemos aquilo que lhe dava tanto medo : nada. E desse nada vem a conversa à toa e dessa conversa sinto, finalmente, minha mãe próxima de mim. Falamos sobre a casa, sobre os cães, sobre a morte de meu pai, sobre almas e sobre o bairro. Ela me conta de suas irmãs na França, seu pai, sua mãe... Há uma paz imensa nessa conversa, compreensão. Tempo que passa lentamente.
Conversamos por toda a noite e fazemos chá na cozinha escura. Os cães entram na sala e dormem roncando. Silêncio. Apenas a chuva e nossas vozes que viajam. O ronco de Charlie, de Leka, de Lili e de Baby.
Penso : a eletricidade entrou em nossas veias e nos fez elétricos. Mas hoje é água de chuva que flui em mim.
No dia seguinte, flanando pela Vila, fotografo uma casa que me pareceu risonha. A dona da casa vem conversar comigo. Fica contente por eu gostar de sua casa. Uma casa que é plantas e vasos de barro. Ela mora alí desde 1951. A rua era de terra, não havia água encanada, nada de eletricidade e só mais quatro casas em toda a rua. Mas ela não tinha medo ? Tinha medo sim, quando caíam raios do céu. Como conseguiam água ? O marido abrira um poço nos fundos. Manualmente ele tirava água com um balde de madeira. E sem luz ? Como era de noite ? Eles tomavam café às 18 horas e jantavam às 20. Lampiões. Ficavam na rua, conversando com quem aparecesse no caminho. O marido acendia um cigarro, ela cantarolava. Iam dormir com o som dos sapos e acordavam com sabiás. Mas o que a senhora fazia todo o dia ? Cozinhava, lavava, costurava, plantava. Com as mãos, à luz do sol, em seu próprio tempo.
Me despedí da velhinha sorridente. Ela falou para que eu aparecesse quando quisesse. Se lembrou de que eu morava lá perto, eu era para ela o moço dos cachorros. Fui acenando e desejando sentir como seria aquela rua de barro e de cheiro de café.
Sentí então : Ela nunca irá morrer.
NICHOLSON/JAMES DEAN/SCORSESE/ELLEN
CADA UM VIVE COMO QUER de Bob Rafelson com Jack Nicholson, Karen Black e Susan Anspach
Este filme causou profunda impressão em sua época. Mostrava com clareza a crise de toda uma geração. Cenas como a da lanchonete são usadas até hoje como exemplo de atuação ( Jack, aqui em atuação fantástica. ) O filme está longe de ser uma obra-prima. Algumas cenas são ruins. Mas ele tem algo de muito profundo, muito sincero e principalmente : ele inventou o tal "filminho independente tristinho ". Acompanhamos a crise de nosso herói com interesse e assistimos Jack Nicholson criar o perfeito herói existencial. Seu personagem está no limite. É uma figura de Antonioni em filme cem por cento americano. O final, uma longa tomada silenciosa, dolorosa e árida, é sim uma obra-prima. Jack nunca mais foi tão sincero. Ele é o desamparo, e faz isso sem uma careta, um grito, uma esquisitice. É de verdade. Este filme, irregular, fica em sua memória. Nota 8.
A BONECA DO DEMÔNIO de Tod Browning com Lionel Barrymore e Maureen O'Sullivan
Uma decepção. Os primeiros minutos são aquele delicioso terror dos anos 30, mas depois a melosa trama MGM toma conta de tudo. Browning, o gênio dos góticos da Universal, afunda no romantismo Metro. Não é a toa que ele abandonaria o cinema logo em seguida. Nota 3.
A PELE de Steven Shainberg com Nicole Kidman e Robert Downey Jr.
Uma pretensiosa bobagem. O filme tenta mostrar o porque de Diane Arbus fotografar gente esquisita. Inventa, lógico, um motivo romântico, e afunda numa chatice moderninha. Nicole está fria e distante e Downey alheio. O filme é lixo pseudo-sério. Nota Zero.
DOLLS de Takeshi Kitano
O visual é bonito. Frio com cores quentes, bem japonês. Mas em sua tristeza pop-teen, Kitano nada tem a dizer. Filmes deprê só se justificam quando têm grandes atuações ou quando são cheios de significados´poéticos. Aqui os atores não podem atuar ( são pastiches ) e o significado se esgota em dez minutos. É imperdoávelmente chato, vazio, sem vida. Como um belo boneco jogado ao canto, ele não respira, não se move, nada diz. Exemplo supremo da confusão que há entre arte e tédio, profundidade e tristeza. Ser triste não é ser profundo, e ser entediado e entediante não significa "filme de arte". Nota 4 pelo visual bonito.
A VIDA DE LOUIS PASTEUR de William Dieterle com Paul Muni
Muni foi grande ator. Aqui se mostra a luta de Pasteur para ter suas idéias aceitas. Filme biográfico da Warner : curto, objetivo, simples. Se assiste com prazer. Se esquece logo. Nota 6.
VIDAS AMARGAS de Elia Kazan com James Dean, Julie Harris e Raymond Massey
Tem alguma coisa muito irritante aqui. É James Dean. Que ator foi esse ? Ele popularizou essa coisa de que o ator deve ser "artista" e portanto deve criar sua atuação única. Então TUDO o que Dean faz é criativo : se ele pega um copo ele o pega pela borda, criativamente. Quando corre, corre de lado, braços para a esquerda e pernas para a direita. Todas as falas têm gemidos, tosse, pausas e murmúrios incompreensíveis. Ele anda tropeçando, senta-se criativamente e até o olhar é "original" : torto, semi-cerrado, louco. Foi um gênio ou um retardado ? Com James Dean termina a era dos atores "naturais" : Cary Grant, Bogart, James Stewart. Nasce a era do ator "criativo", era que dura até hoje ( Vemos tudo de Sean Penn, Nicholas Cage e principalmente de Johnny Depp em Dean. ) O filme, baseado em Steinbeck, fala do amor de pai e filho. O pai não o aceita e tudo o que ele faz é errado. A fotografia é belíssima, mas, que coisa ! James Dean estraga o filme !!!!!!!! Nota 6.
MOSQUETEIROS DA INDIA de James W. Horne com Laurel e Hardy
Uma das alegrias da vida é saber que O Gordo e o Magro existiram. Seu humor ingênuo é delicioso. Como acontece com Keaton, amamos seus filmes porque amamos a eles mesmos. Laurel foi um gênio e Hardy o complementa com perfeição. A vontade é de vê-los para sempre. Enquanto houver humor "do bem" ( os irmãos Marx são o humor "do mal" ) eles viverão. Not 7.
ALICE NÃO MORA MAIS AQUI de Martin Scorsese com Ellen Burstyn, Kris Kristofferson, Harvey Keitel e Jodie Foster
Ellen exigiu que o desconhecido Scorsese a dirigisse aqui. Ele fez um filme maravilhoso e ela ganhou o Oscar de atriz ( vencendo Gena Rowlands e Liv Ullmann ! ). Sua Alice é apaixonante e o filme tem a mais engraçada e deliciosa relação mãe/filho que já assistí. È um filme vivo, ágil, eletrizante e engraçadissimo ! Apesar de a vida de Alice ser uma desgraça... Veja o começo do filme : a criança Alice canta e num corte de 27 anos mais tarde, vemos a câmera correr e invadir a vida atual de Alice ( ao som do Mott the Hoople. O filme é do tempo do glitter. Lembra muito, no visual, Quase Famosos de Crowe ). Temos aqui três atos : o primeiro é drama puro. Alice perde o marido e cai na estrada. No segundo, ela conhece Keitel e o filme mostra o que é : comédia amarga. No ato três ela acaba em lanchonete e encontra o amor. O filme, que já era perfeito, ainda fica melhor. O elenco todo brilha ( o filho é um tipo de jovem Woody Allen que ouviu muito T.Rex... hilário ! ), Jodie é uma menina-macho que adora roubar, Keitel é um doido infantil e Kris um cowboy maduro. Mas Ellen teve aqui uma chance de ouro. Nos apaixonamos por sua Alice otimista e tão judiada. Quanto a Martin... ele vinha de dirigir Mean Streets e aqui, sempre com a câmera na mão, em movimento, usando cores claras e quentes e deixando os atores improvisarem muito, faz uma de suas maiores e melhores obras-primas e seu mais divertido filme. Única tristeza desta delícia : ela acaba. Alice deveria durar para sempre, ser box de 50 discos. Obrigatório para quem ama cinema, vida e mulheres. Nota trocentos zilhões.
A GLÓRIA DE MEU PAI de Yves Robert
Marcel Pagnol foi teatrólogo, poeta, romancista e cineasta. Foi acima de tudo um embaixador do que a França tem/teve de melhor. Este filme, baseado em suas memórias de infância, foi sucesso imenso nos anos 90 na Europa. Que filme ! Lí o livro e posso dizer que o filme é melhor. E é corajoso, pois é um filme sobre a alegria, a felicidade e o prazer de viver. Ou seja, o que vemos é desprovido de drama, de suspense e de vilões. Uma família feliz viaja em férias para a Provence. Caçam, comem, bebem, vivem. E é só isso. O filme nunca surpreende, acompanhamos a história com prazer calmo, discreto e feliz. Quando termina pensamos : é só isso ? Mas então, ao acordar no dia seguinte, nos pegamos com saudades de seu mundo. Pois o mundo do filme é nosso melhor universo. O lugar onde se fez nossa arte, nossa boa-vida, nosso amor. Tudo que nele é mostrado é atemporal, é encantador e nada tem de extraordinário. Nota 7.
O CASTELO DE MINHA MÃE de Yves Robert
Continuação do filme acima. Mostra mais uma vez as mesmas coisas. O achei melhor que o primeiro. Os franceses são desconcertantes. Fazem os filmes mais chatos do mundo. Verborrágicos e metidos. Mas também fazem, como ninguém mais, filmes sobre o prazer de viver. Tudo aqui é prazer : a luz, os pássaros, a comida, o vinho. Observe o gigantesco pão. Observe a cena em que as janelas são abertas. As caminhadas. É um filme feito de luz, de gente de bom coração. Mostra uma sociedade que não poderia ter acabado. Tem, em seu final, o único travo amargo de todo o filme : Marcel adulto, cineasta famoso, recorda a morte de sua mãe. Uma frase é dita : " e é isso a vida: momentos alegres cercados por imensas tristezas..." O filme é momento de alegria. Nota 8.
Este filme causou profunda impressão em sua época. Mostrava com clareza a crise de toda uma geração. Cenas como a da lanchonete são usadas até hoje como exemplo de atuação ( Jack, aqui em atuação fantástica. ) O filme está longe de ser uma obra-prima. Algumas cenas são ruins. Mas ele tem algo de muito profundo, muito sincero e principalmente : ele inventou o tal "filminho independente tristinho ". Acompanhamos a crise de nosso herói com interesse e assistimos Jack Nicholson criar o perfeito herói existencial. Seu personagem está no limite. É uma figura de Antonioni em filme cem por cento americano. O final, uma longa tomada silenciosa, dolorosa e árida, é sim uma obra-prima. Jack nunca mais foi tão sincero. Ele é o desamparo, e faz isso sem uma careta, um grito, uma esquisitice. É de verdade. Este filme, irregular, fica em sua memória. Nota 8.
A BONECA DO DEMÔNIO de Tod Browning com Lionel Barrymore e Maureen O'Sullivan
Uma decepção. Os primeiros minutos são aquele delicioso terror dos anos 30, mas depois a melosa trama MGM toma conta de tudo. Browning, o gênio dos góticos da Universal, afunda no romantismo Metro. Não é a toa que ele abandonaria o cinema logo em seguida. Nota 3.
A PELE de Steven Shainberg com Nicole Kidman e Robert Downey Jr.
Uma pretensiosa bobagem. O filme tenta mostrar o porque de Diane Arbus fotografar gente esquisita. Inventa, lógico, um motivo romântico, e afunda numa chatice moderninha. Nicole está fria e distante e Downey alheio. O filme é lixo pseudo-sério. Nota Zero.
DOLLS de Takeshi Kitano
O visual é bonito. Frio com cores quentes, bem japonês. Mas em sua tristeza pop-teen, Kitano nada tem a dizer. Filmes deprê só se justificam quando têm grandes atuações ou quando são cheios de significados´poéticos. Aqui os atores não podem atuar ( são pastiches ) e o significado se esgota em dez minutos. É imperdoávelmente chato, vazio, sem vida. Como um belo boneco jogado ao canto, ele não respira, não se move, nada diz. Exemplo supremo da confusão que há entre arte e tédio, profundidade e tristeza. Ser triste não é ser profundo, e ser entediado e entediante não significa "filme de arte". Nota 4 pelo visual bonito.
A VIDA DE LOUIS PASTEUR de William Dieterle com Paul Muni
Muni foi grande ator. Aqui se mostra a luta de Pasteur para ter suas idéias aceitas. Filme biográfico da Warner : curto, objetivo, simples. Se assiste com prazer. Se esquece logo. Nota 6.
VIDAS AMARGAS de Elia Kazan com James Dean, Julie Harris e Raymond Massey
Tem alguma coisa muito irritante aqui. É James Dean. Que ator foi esse ? Ele popularizou essa coisa de que o ator deve ser "artista" e portanto deve criar sua atuação única. Então TUDO o que Dean faz é criativo : se ele pega um copo ele o pega pela borda, criativamente. Quando corre, corre de lado, braços para a esquerda e pernas para a direita. Todas as falas têm gemidos, tosse, pausas e murmúrios incompreensíveis. Ele anda tropeçando, senta-se criativamente e até o olhar é "original" : torto, semi-cerrado, louco. Foi um gênio ou um retardado ? Com James Dean termina a era dos atores "naturais" : Cary Grant, Bogart, James Stewart. Nasce a era do ator "criativo", era que dura até hoje ( Vemos tudo de Sean Penn, Nicholas Cage e principalmente de Johnny Depp em Dean. ) O filme, baseado em Steinbeck, fala do amor de pai e filho. O pai não o aceita e tudo o que ele faz é errado. A fotografia é belíssima, mas, que coisa ! James Dean estraga o filme !!!!!!!! Nota 6.
MOSQUETEIROS DA INDIA de James W. Horne com Laurel e Hardy
Uma das alegrias da vida é saber que O Gordo e o Magro existiram. Seu humor ingênuo é delicioso. Como acontece com Keaton, amamos seus filmes porque amamos a eles mesmos. Laurel foi um gênio e Hardy o complementa com perfeição. A vontade é de vê-los para sempre. Enquanto houver humor "do bem" ( os irmãos Marx são o humor "do mal" ) eles viverão. Not 7.
ALICE NÃO MORA MAIS AQUI de Martin Scorsese com Ellen Burstyn, Kris Kristofferson, Harvey Keitel e Jodie Foster
Ellen exigiu que o desconhecido Scorsese a dirigisse aqui. Ele fez um filme maravilhoso e ela ganhou o Oscar de atriz ( vencendo Gena Rowlands e Liv Ullmann ! ). Sua Alice é apaixonante e o filme tem a mais engraçada e deliciosa relação mãe/filho que já assistí. È um filme vivo, ágil, eletrizante e engraçadissimo ! Apesar de a vida de Alice ser uma desgraça... Veja o começo do filme : a criança Alice canta e num corte de 27 anos mais tarde, vemos a câmera correr e invadir a vida atual de Alice ( ao som do Mott the Hoople. O filme é do tempo do glitter. Lembra muito, no visual, Quase Famosos de Crowe ). Temos aqui três atos : o primeiro é drama puro. Alice perde o marido e cai na estrada. No segundo, ela conhece Keitel e o filme mostra o que é : comédia amarga. No ato três ela acaba em lanchonete e encontra o amor. O filme, que já era perfeito, ainda fica melhor. O elenco todo brilha ( o filho é um tipo de jovem Woody Allen que ouviu muito T.Rex... hilário ! ), Jodie é uma menina-macho que adora roubar, Keitel é um doido infantil e Kris um cowboy maduro. Mas Ellen teve aqui uma chance de ouro. Nos apaixonamos por sua Alice otimista e tão judiada. Quanto a Martin... ele vinha de dirigir Mean Streets e aqui, sempre com a câmera na mão, em movimento, usando cores claras e quentes e deixando os atores improvisarem muito, faz uma de suas maiores e melhores obras-primas e seu mais divertido filme. Única tristeza desta delícia : ela acaba. Alice deveria durar para sempre, ser box de 50 discos. Obrigatório para quem ama cinema, vida e mulheres. Nota trocentos zilhões.
A GLÓRIA DE MEU PAI de Yves Robert
Marcel Pagnol foi teatrólogo, poeta, romancista e cineasta. Foi acima de tudo um embaixador do que a França tem/teve de melhor. Este filme, baseado em suas memórias de infância, foi sucesso imenso nos anos 90 na Europa. Que filme ! Lí o livro e posso dizer que o filme é melhor. E é corajoso, pois é um filme sobre a alegria, a felicidade e o prazer de viver. Ou seja, o que vemos é desprovido de drama, de suspense e de vilões. Uma família feliz viaja em férias para a Provence. Caçam, comem, bebem, vivem. E é só isso. O filme nunca surpreende, acompanhamos a história com prazer calmo, discreto e feliz. Quando termina pensamos : é só isso ? Mas então, ao acordar no dia seguinte, nos pegamos com saudades de seu mundo. Pois o mundo do filme é nosso melhor universo. O lugar onde se fez nossa arte, nossa boa-vida, nosso amor. Tudo que nele é mostrado é atemporal, é encantador e nada tem de extraordinário. Nota 7.
O CASTELO DE MINHA MÃE de Yves Robert
Continuação do filme acima. Mostra mais uma vez as mesmas coisas. O achei melhor que o primeiro. Os franceses são desconcertantes. Fazem os filmes mais chatos do mundo. Verborrágicos e metidos. Mas também fazem, como ninguém mais, filmes sobre o prazer de viver. Tudo aqui é prazer : a luz, os pássaros, a comida, o vinho. Observe o gigantesco pão. Observe a cena em que as janelas são abertas. As caminhadas. É um filme feito de luz, de gente de bom coração. Mostra uma sociedade que não poderia ter acabado. Tem, em seu final, o único travo amargo de todo o filme : Marcel adulto, cineasta famoso, recorda a morte de sua mãe. Uma frase é dita : " e é isso a vida: momentos alegres cercados por imensas tristezas..." O filme é momento de alegria. Nota 8.
TRABALHO É COISA SÉRIA...OCTAVIO PAZ
" A medida que a esfera do trabalho se alarga, a do riso diminui.
Tornar-se homem é aprender a trabalhar, a se mostrar sério.
Mas se o trabalho humaniza a natureza, desumaniza o homem. "
Octavio Paz escreveu isso. Lí um livro sobre a India desse autor mexicano ( Nobel de 1995 ). Li outro sobre os nativos americanos. E tentei ler sua poesia, que é muuuuuito modernista.
Esta frase que cito foi tirada de uma palestra...
O que posso dizer ? Posso falar de um certo mal estar que às vezes me dá. Com alunos de onze anos. Seres que não conheço mais. Seres que um dia fui, mas que agora não. Vejo-os rindo, gritando, pulando, brigando. Fazendo tudo aquilo que faz de uma pessoa saúde pura. Correm e falam tudo o que pensam. E eu, preparando-os para o trabalho, preparando-os para a cela do futuro, tenho de esquecer tudo o que fui um dia. Tenho de sufocar esse diabinho em mim e fazê-los parar de correr e ficar quietos, parar de pular e pensar no porque do pulo, interromper os gritos e deixar que sufoquem em mutismo, calar as conversas e concentrá-los em equações. Tenho de fazê-los trocar o riso constante pela seriedade. Sou o adulto que cessa risos.
O mundo é só trabalho. E somos tão bem treinados a crer nisso que um dia me peguei dizendo : O sentido da vida é o trabalho.... Mon Dieu !!!!! A que ponto posso chegar quando o assunto de conversação morre !
O sentido da vida, com certeza, não é o trabalho. Mas o trabalho cresceu, cresce e estamos condicionados nesta granja em que vivemos, a pensar o trabalho como única opção nobre de vida. Você não se define como peão, doutor ou professor. O que te define é sua vida fora do trabalho. Se é que ela ainda existe.
Num limpo e organizado escritório não se rí. Numa loja se compete. Numa fábrica há barulho. Numa mina existe medo. Rir no trabalho. Unir riso à labuta. Um sapateiro ri, um barbeiro ri, um padeiro ri, um médico pode tentar ser bem-humorado. Mas quem ri com seu computador oito horas por dia ? Quem ri extraindo dentes ? Dá pra rir no banco, na concessionária Mercedez, no tribunal ? O trabalho nunca foi tão sério. Basta atentar : profissões menos modernas riem mais. Pedreiros brincam.
Então ser homem é ser sério. Teu pai ficou orgulhoso de sua primeira foto séria. A foto que você tirou para a carteira de trabalho. Você finalmente era adulto-sério. Compenetrado em negócios importantes. Compenetrado em ser sério numa vida muito séria. Dentes travados.
Mas o homem rí. O que nos define é o brinquedo, o riso, a ironia, a piada, a surpresa. Somos o único bicho que sabe rir do destino. O único que quebra a linha natural pela comédia do improviso. A arte nasceu da alegria, do riso, da atitude de que nada é sério neste mundo adulto. Todo artista é vagabundo. Ele pode trabalhar num banco todo o dia toda a vida. Mas ele sabe, um banco não é vivo.
Frase final : o trabalho humaniza a natureza. Rio canalizado, campo cultivado, montanha cortada. O trabalho ordena a natureza, torna tudo rosto de homem. Fazemos a natureza mais séria. Um rio margeado por estrada e concreto é sério. Um rio com lodo, barro e marrecos é riso.
O trabalho desumaniza o homem. Preciso comentar ? O homem precisa conversar, rir, almoçar em paz, ir ao banheiro, flertar, bocejar, espirrar, suar à vontade, chorar quando triste. O trabalho proibe tudo isso. Trabalhar é ser eficiente, competente, ansioso, mal-humorado, sério, confiante e confiável. Nada humano. O homem é indisciplinado, criativo, falante, adora brincar, inseguro e mentiroso.
Como crianças de onze anos.
Tornar-se homem é aprender a trabalhar, a se mostrar sério.
Mas se o trabalho humaniza a natureza, desumaniza o homem. "
Octavio Paz escreveu isso. Lí um livro sobre a India desse autor mexicano ( Nobel de 1995 ). Li outro sobre os nativos americanos. E tentei ler sua poesia, que é muuuuuito modernista.
Esta frase que cito foi tirada de uma palestra...
O que posso dizer ? Posso falar de um certo mal estar que às vezes me dá. Com alunos de onze anos. Seres que não conheço mais. Seres que um dia fui, mas que agora não. Vejo-os rindo, gritando, pulando, brigando. Fazendo tudo aquilo que faz de uma pessoa saúde pura. Correm e falam tudo o que pensam. E eu, preparando-os para o trabalho, preparando-os para a cela do futuro, tenho de esquecer tudo o que fui um dia. Tenho de sufocar esse diabinho em mim e fazê-los parar de correr e ficar quietos, parar de pular e pensar no porque do pulo, interromper os gritos e deixar que sufoquem em mutismo, calar as conversas e concentrá-los em equações. Tenho de fazê-los trocar o riso constante pela seriedade. Sou o adulto que cessa risos.
O mundo é só trabalho. E somos tão bem treinados a crer nisso que um dia me peguei dizendo : O sentido da vida é o trabalho.... Mon Dieu !!!!! A que ponto posso chegar quando o assunto de conversação morre !
O sentido da vida, com certeza, não é o trabalho. Mas o trabalho cresceu, cresce e estamos condicionados nesta granja em que vivemos, a pensar o trabalho como única opção nobre de vida. Você não se define como peão, doutor ou professor. O que te define é sua vida fora do trabalho. Se é que ela ainda existe.
Num limpo e organizado escritório não se rí. Numa loja se compete. Numa fábrica há barulho. Numa mina existe medo. Rir no trabalho. Unir riso à labuta. Um sapateiro ri, um barbeiro ri, um padeiro ri, um médico pode tentar ser bem-humorado. Mas quem ri com seu computador oito horas por dia ? Quem ri extraindo dentes ? Dá pra rir no banco, na concessionária Mercedez, no tribunal ? O trabalho nunca foi tão sério. Basta atentar : profissões menos modernas riem mais. Pedreiros brincam.
Então ser homem é ser sério. Teu pai ficou orgulhoso de sua primeira foto séria. A foto que você tirou para a carteira de trabalho. Você finalmente era adulto-sério. Compenetrado em negócios importantes. Compenetrado em ser sério numa vida muito séria. Dentes travados.
Mas o homem rí. O que nos define é o brinquedo, o riso, a ironia, a piada, a surpresa. Somos o único bicho que sabe rir do destino. O único que quebra a linha natural pela comédia do improviso. A arte nasceu da alegria, do riso, da atitude de que nada é sério neste mundo adulto. Todo artista é vagabundo. Ele pode trabalhar num banco todo o dia toda a vida. Mas ele sabe, um banco não é vivo.
Frase final : o trabalho humaniza a natureza. Rio canalizado, campo cultivado, montanha cortada. O trabalho ordena a natureza, torna tudo rosto de homem. Fazemos a natureza mais séria. Um rio margeado por estrada e concreto é sério. Um rio com lodo, barro e marrecos é riso.
O trabalho desumaniza o homem. Preciso comentar ? O homem precisa conversar, rir, almoçar em paz, ir ao banheiro, flertar, bocejar, espirrar, suar à vontade, chorar quando triste. O trabalho proibe tudo isso. Trabalhar é ser eficiente, competente, ansioso, mal-humorado, sério, confiante e confiável. Nada humano. O homem é indisciplinado, criativo, falante, adora brincar, inseguro e mentiroso.
Como crianças de onze anos.
QUATRO QUARTETOS- T.S. ELIOT
Os poetas sentem antes aquilo que será sentimento comum no futuro. Conheço um cara que aos 16, nos anos desbundados ( 1979 ) teve uma crise, rara na época, de " não sentido". Nada lhe interessava e a vida lhe parecia já vivida. Sentia-se velho, no fim da picada. Esse mesmo ser, aos 23, em plenos efervescentes anos 80, adquiriu uma sindrome de pânico, num tempo em que ela era confundida com frescura-aguda. Ele não é um poeta, mas tem um espírito meio poético, meio vago, meio meio... Imagine então o que não deve captar a antena de um verdadeiro poeta !
Conheço hoje um garoto de 19 anos. Ele tem dinheiro, mora num belo lugar. Está sempre rindo e fala com qualquer um. Cheio de amigas, vai pegar onda, e está na faculdade que escolheu. Ele vive atualmente uma crise e toma anti-deprê. Diz que nada mais o interessa na vida. Não, não vou falar da falência de nosso tempo. Este mundo não nos oferece nada mais que pareça verdadeiro/ belo e eterno. Vivemos o falso/ desequilibrado e fugaz. Bom...
Eliot foi maior que Wallace Stevens. E ser maior que Stevens é ser quase um deus. Quatro Quartetos se divide em quatro poemas. Eis...
BURNT NORTON é o primeiro.
O TEMPO PRESENTE E O TEMPO PASSADO
ESTÃO AMBOS TALVEZ PRESENTES NO TEMPO FUTURO
E O TEMPO FUTURO CONTIDO NO TEMPO PASSADO.
SE TODO O TEMPO É ETERNAMENTE PRESENTE
TODO TEMPO É IRREDIMÍVEL.
O QUE PODERIA TER SIDO É UMA ABSTRAÇÃO
QUE PERMANECE PERPÉTUA POSSIBILIDADE,
NESSE MUNDO DE ESPECULAÇÃO.
Eliot nasceu americano. Seus ancestrais vieram da costa inglesa, três séculos antes. A vida de Eliot foi a procura dessa origem. Não por acaso, ele começa sua carreira poética como um modernista, e a encerra como, em suas palavras : " Católico, monarquista e conservador ". É mais um dos americanos que se fez inglês.
Os Quatro Quartetos são sua última grande obra. The Waste Land é melhor. É em Waste Land que Eliot antecipa ( 1922 ) aquilo que hoje nos é cotidiano. Mas estes dias ando relendo os Quartetos. ( 1946 ).
SOBRE FACES TENSAS REPUXADAS PELO TEMPO
DISTRAÍDAS PELA DISTRAÇÃO DA DISTRAÇÃO
CHEIAS DE FANTASMAGORIAS E ERMAS DE SENTIDO
TÚMIDA APATIA SEM CONCENTRAÇÃO
Ele quase consegue sair do tempo. Você lê Eliot e sente que o sentido final de tudo está lá, que falta um passo, uma frase, um segundo... Mas a expectativa não se resolve. Eliot é o poeta de nosso tempo por ser o poeta da irresolução.
Mais um trecho.
O AMOR É EM SI MESMO IMÓVEL
APENAS CAUSA E FIM DO MOVIMENTO
SEM TEMPO E SEM DESEJO
EXCETO EM SUA MÁSCARA DE TEMPO
CAPTURADO SOB FORMA DE LIMITAÇÃO
ENTRE O SER E O NÃO-SER.
Parte dois : EAST COKER
EM MEU PRINCÍPIO ESTÁ MEU FIM.
UMAS APÓS OUTRAS AS CASAS SE LEVANTAM, TOMBAM, DESMORONAM, SÃO AMPLIADAS, REMOVIDAS, DESTRUÍDAS, RESTAURADAS, OU EM SEU LUGAR
IRROMPE UM CAMPO ABERTO, UMA USINA OU UM ATALHO....
... TERRA AGORA FEITA CARNE, FEZES E PELE...
Eliot procura mostrar o tempo como abstração. Nada daquilo que percebemos como antes e depois pode existir. A vida é fora do tempo. Mas acreditamos nesse passar de tempo...
DESPONTA A AURORA E UM NOVO DIA
PARA O SILÊNCIO E O CALOR SE APRESTA. O VENTO DA AURORA
DESLIZA E ONDULA NO MARALTO. ESTOU AQUI,
OU ALÍ, OU MAIS ALÉM. EM MEU PRINCÍPIO.
QUE VALOR PODE TER A CALMA TÃO LONGAMENTE ESPERADA
COM TANTO ARDOR DESEJADA, A SERENIDADE OUTONAL
E A SABEDORIA DA VELHICE ? TERIAM ELES NOS LOGRADO
OU LOGRARAM-SE A SI PRÓPRIOS, OS MAIS VELHOS DE FALA COMEDIDA,
QUE NOS LEGARAM APENAS O RECIBO DE UMA FRAUDE ?
A SERENIDADE NÃO PASSA DE EMBRUTECIMENTO VOLUNTÁRIO
A SABEDORIA ENCERRA APENAS O CONHECIMENTO DE SEGREDOS MORTOS,
Sim, Eliot não nos dá o que gostaríamos de obter. Consolo. Quando ele beira o místico, dizendo que o tempo é ilusão, ele também ataca a facilidade do consolo. Não existe sabedoria ou experiência. Pois o tempo é de cada um, individual, e conhecimento profundo não pode ser dividido. Eu vivo em meu tempo, voce vive seu tempo; e estamos sós nesse nosso particular universo.
NO CONHECIMENTO QUE DERIVA DA EXPERIÊNCIA
O CONHECIMENTO IMPÕE UM MODELO, E FALSIFICA,
PORQUE O MODELO É VÁRIO PARA CADA INSTANTE
E CADA INSTANTE UMA NOVA E PENOSA AVALIAÇÃO DE TUDO QUANTO FOMOS.
....
QUE NÃO FALEM DA SABEDORIA DOS VELHOS, MAS ANTES DE SEU DELIRIO.
DE SEU MEDO DO FRENESÍ, DO MEDO DE SEREM POSSUÍDOS
DE PERTENCEREM A UM OUTRO, OU A OUTROS OU A DEUS.
A ÚNICA SABEDORIA A QUE PODEMOS ASPIRAR
É A SABEDORIA DA HUMILDADE : A HUMILDADE É INFINITA.
TODAS AS CASAS SUBMERGIRAM NO MAR.
TODOS OS BAILARINOS SUBMERGIRAM NA COLINA.
PARA CHEGARES ONDE ESTÁS, PARA SAÍRES DE ONDE NÃO ESTÁS
DEVES SEGUIR POR UM CAMINHO EM QUE O ÊXTASE NÃO MEDRA.
PARA CHEGARES AO QUE NÃO SABES
DEVES SEGUIR PELO CAMINHO DA IGNORÂNCIA.
PARA POSSUIRES O QUE NÃO POSSUIS
DEVES SEGUIR O CAMINHO DO DESPOJAMENTO
PARA CHEGARES AO QUE NÃO ÉS
DEVES CRUZAR PELO CAMINHO EM QUE NÃO ÉS.
E O QUE NÃO SABES É APENAS O QUE SABES.
E O QUE POSSUIS É O QUE NÃO POSSUIS
ESTÁS ONDE NÃO ESTÁS.
Eliot amava sobretudo dois livros : A Comédia de Dante Alighieri e os Upanishads, da cultura hindú. Ele foi moderno sendo antigo, ou melhor, atemporal. Quando ele fala da tolice dos velhos ele fala daqueles sábios que se dizem mestres, dos conselheiros, dos doutores em sociologia, em filosofia, em psicologia, em física, em vida. Ser sábio é negar a vida, pois todo saber está preso ao tempo, cristalizado no momento em que foi emitido/criado, está morto.
O MUNDO INTEIRO SÓ NOS VALE DE HOSPITAL
ÚLTIMO BEM DO MILIONÁRIO ARRUINADO
E ONDE, SE TUDO CORRER BEM, PODEREMOS
MORRER DO ABSOLUTO E PATERNAL CUIDADO
QUE A CADA INSTANTE NOS AMPARA E TIRANIZA.
É SEMPRE UM NOVO COMEÇAR E UMA NOVA ESPÉCIE DE FRACASSO
POIS APENAS SE APRENDEU A ESCOLHER O MELHOR DAS PALAVRAS
PARA O QUE NÃO HÁ MAIS A DIZER.
EM MEU FIM ESTÁ MEU PRINCÍPIO.
Parte 3. The Dry Salvages. ( Todas as partes são nomes de lugares que marcaram a vida do poeta ).
Aqui Eliot diz uma coisa que me toca muito profundamente :
NÃO SEI MUITO ACERCA DE DEUSES, MAS CREIO QUE O RIO É UM DEUS PODEROSO DEUS CASTANHO- TACITURNO, INDÔMITO E INTRATÁVEL
PACIENTE ATÉ CERTO PONTO, A PRINCÍPIO RECONHECIDO COMO FRONTEIRA,
ÚTIL, CONFIDENTE, COMO UM CAIXEIRO-VIAJANTE.
DEPOIS APENAS UM PROBLEMA QUE AO CONSTRUTOR DE PONTES DESAFIA.
RESOLVIDO O PROBLEMA, O DEUS CASTANHO É QUASE ESQUECIDO PELOS MORADORES DA CIDADE-- SEMPRE CONTUDO, IMPLACÁVEL, FIEL ÀS SUAS IRAS E ÉPOCAS DE CHEIAS
RECORDANDO O QUE OS HOMENS PREFEREM ESQUECER.
DESPREZADO PELOS ADORADORES DA MÁQUINA, MAS ESPERANDO, ESPREITANDO.
SEU RITMO ESTAVA PRESENTE NO QUARTO DAS CRIANÇAS
NOS QUINTAIS DE ABRIL
NO AROMA DAS UVAS SOBRE A MESA OUTONAL
NO HALO DOS LAMPIÕES DE INVERNO.
O RIO FLUI DENTRO DE NÓS E O MAR NOS CERCA POR TODOS OS LADOS.
Como eu disse, poetas antecipam. O que Eliot escreve em 1946, hoje todos nós sentimos. Tememos. Vivemos.
São tantos os trechos maravilhosos que minha vontade é copiar tudo para dar de presente a quem me lê...
E TODA SUBIDA É UMA DESCIDA, TODO RETORNO UMA PARTIDA
NÃO O PODES ENCARAR FACE À FACE, MAS ISTO É O CERTO :
O TEMPO NADA CURA, E AQUI JÁ NÃO ESTÁ MAIS O PACIENTE.
...
NÃO SOIS OS MESMOS QUE DEIXARAM A ESTAÇÃO
BOA VIAJEM, NÃO !
MAS ADIANTE, VIAJANTES.
Parte 4. Little Gidding.
NÃO CESSAREMOS NUNCA DE EXPLORAR
E O FIM DE TODA EXPLORAÇÃO
SERÁ CHEGAR AO PONTO DE PARTIDA
E O LUGAR RECONHECER AINDA
COMO DA PRIMEIRA VEZ QUE O VIMOS.
PELA DESCONHECIDA/RELEMBRADA PORTA...
O tamanho de um artista é medido pelo tamanho da tarefa que ele se dá.
TS Eliot desejou transcender a vida.
Se ele conseguiu ? Claro que não. Mas o percurso que Eliot percorreu... a voz que ele nos fez ouvir... as palavras mortas que ele fez reviver...
Ler os Quartetos. Leia com muita calma, em momento fora do tempo. Não busque sabedoria ou beleza neles. Não procure sequer poesia.
Você encontrará tudo isso neles. Mas não procure. Dispense.
Há um maravilhoso momento nesses poemas em que ele diz que podemos escolher entre ser e não ser. Mas que na verdade podemos ter uma terceira opção : alhear. Ficar alheio ao tempo, a vida.
Leia distante da leitura. Talvez dê pra entender. Talvez o segredo se faça transponível.
Leia o rio também. O desprezado rio. Eliot é um rio assim como Yeats é uma nuvem que chove nesse rio. Feliz tempo o tempo de água.
Conheço hoje um garoto de 19 anos. Ele tem dinheiro, mora num belo lugar. Está sempre rindo e fala com qualquer um. Cheio de amigas, vai pegar onda, e está na faculdade que escolheu. Ele vive atualmente uma crise e toma anti-deprê. Diz que nada mais o interessa na vida. Não, não vou falar da falência de nosso tempo. Este mundo não nos oferece nada mais que pareça verdadeiro/ belo e eterno. Vivemos o falso/ desequilibrado e fugaz. Bom...
Eliot foi maior que Wallace Stevens. E ser maior que Stevens é ser quase um deus. Quatro Quartetos se divide em quatro poemas. Eis...
BURNT NORTON é o primeiro.
O TEMPO PRESENTE E O TEMPO PASSADO
ESTÃO AMBOS TALVEZ PRESENTES NO TEMPO FUTURO
E O TEMPO FUTURO CONTIDO NO TEMPO PASSADO.
SE TODO O TEMPO É ETERNAMENTE PRESENTE
TODO TEMPO É IRREDIMÍVEL.
O QUE PODERIA TER SIDO É UMA ABSTRAÇÃO
QUE PERMANECE PERPÉTUA POSSIBILIDADE,
NESSE MUNDO DE ESPECULAÇÃO.
Eliot nasceu americano. Seus ancestrais vieram da costa inglesa, três séculos antes. A vida de Eliot foi a procura dessa origem. Não por acaso, ele começa sua carreira poética como um modernista, e a encerra como, em suas palavras : " Católico, monarquista e conservador ". É mais um dos americanos que se fez inglês.
Os Quatro Quartetos são sua última grande obra. The Waste Land é melhor. É em Waste Land que Eliot antecipa ( 1922 ) aquilo que hoje nos é cotidiano. Mas estes dias ando relendo os Quartetos. ( 1946 ).
SOBRE FACES TENSAS REPUXADAS PELO TEMPO
DISTRAÍDAS PELA DISTRAÇÃO DA DISTRAÇÃO
CHEIAS DE FANTASMAGORIAS E ERMAS DE SENTIDO
TÚMIDA APATIA SEM CONCENTRAÇÃO
Ele quase consegue sair do tempo. Você lê Eliot e sente que o sentido final de tudo está lá, que falta um passo, uma frase, um segundo... Mas a expectativa não se resolve. Eliot é o poeta de nosso tempo por ser o poeta da irresolução.
Mais um trecho.
O AMOR É EM SI MESMO IMÓVEL
APENAS CAUSA E FIM DO MOVIMENTO
SEM TEMPO E SEM DESEJO
EXCETO EM SUA MÁSCARA DE TEMPO
CAPTURADO SOB FORMA DE LIMITAÇÃO
ENTRE O SER E O NÃO-SER.
Parte dois : EAST COKER
EM MEU PRINCÍPIO ESTÁ MEU FIM.
UMAS APÓS OUTRAS AS CASAS SE LEVANTAM, TOMBAM, DESMORONAM, SÃO AMPLIADAS, REMOVIDAS, DESTRUÍDAS, RESTAURADAS, OU EM SEU LUGAR
IRROMPE UM CAMPO ABERTO, UMA USINA OU UM ATALHO....
... TERRA AGORA FEITA CARNE, FEZES E PELE...
Eliot procura mostrar o tempo como abstração. Nada daquilo que percebemos como antes e depois pode existir. A vida é fora do tempo. Mas acreditamos nesse passar de tempo...
DESPONTA A AURORA E UM NOVO DIA
PARA O SILÊNCIO E O CALOR SE APRESTA. O VENTO DA AURORA
DESLIZA E ONDULA NO MARALTO. ESTOU AQUI,
OU ALÍ, OU MAIS ALÉM. EM MEU PRINCÍPIO.
QUE VALOR PODE TER A CALMA TÃO LONGAMENTE ESPERADA
COM TANTO ARDOR DESEJADA, A SERENIDADE OUTONAL
E A SABEDORIA DA VELHICE ? TERIAM ELES NOS LOGRADO
OU LOGRARAM-SE A SI PRÓPRIOS, OS MAIS VELHOS DE FALA COMEDIDA,
QUE NOS LEGARAM APENAS O RECIBO DE UMA FRAUDE ?
A SERENIDADE NÃO PASSA DE EMBRUTECIMENTO VOLUNTÁRIO
A SABEDORIA ENCERRA APENAS O CONHECIMENTO DE SEGREDOS MORTOS,
Sim, Eliot não nos dá o que gostaríamos de obter. Consolo. Quando ele beira o místico, dizendo que o tempo é ilusão, ele também ataca a facilidade do consolo. Não existe sabedoria ou experiência. Pois o tempo é de cada um, individual, e conhecimento profundo não pode ser dividido. Eu vivo em meu tempo, voce vive seu tempo; e estamos sós nesse nosso particular universo.
NO CONHECIMENTO QUE DERIVA DA EXPERIÊNCIA
O CONHECIMENTO IMPÕE UM MODELO, E FALSIFICA,
PORQUE O MODELO É VÁRIO PARA CADA INSTANTE
E CADA INSTANTE UMA NOVA E PENOSA AVALIAÇÃO DE TUDO QUANTO FOMOS.
....
QUE NÃO FALEM DA SABEDORIA DOS VELHOS, MAS ANTES DE SEU DELIRIO.
DE SEU MEDO DO FRENESÍ, DO MEDO DE SEREM POSSUÍDOS
DE PERTENCEREM A UM OUTRO, OU A OUTROS OU A DEUS.
A ÚNICA SABEDORIA A QUE PODEMOS ASPIRAR
É A SABEDORIA DA HUMILDADE : A HUMILDADE É INFINITA.
TODAS AS CASAS SUBMERGIRAM NO MAR.
TODOS OS BAILARINOS SUBMERGIRAM NA COLINA.
PARA CHEGARES ONDE ESTÁS, PARA SAÍRES DE ONDE NÃO ESTÁS
DEVES SEGUIR POR UM CAMINHO EM QUE O ÊXTASE NÃO MEDRA.
PARA CHEGARES AO QUE NÃO SABES
DEVES SEGUIR PELO CAMINHO DA IGNORÂNCIA.
PARA POSSUIRES O QUE NÃO POSSUIS
DEVES SEGUIR O CAMINHO DO DESPOJAMENTO
PARA CHEGARES AO QUE NÃO ÉS
DEVES CRUZAR PELO CAMINHO EM QUE NÃO ÉS.
E O QUE NÃO SABES É APENAS O QUE SABES.
E O QUE POSSUIS É O QUE NÃO POSSUIS
ESTÁS ONDE NÃO ESTÁS.
Eliot amava sobretudo dois livros : A Comédia de Dante Alighieri e os Upanishads, da cultura hindú. Ele foi moderno sendo antigo, ou melhor, atemporal. Quando ele fala da tolice dos velhos ele fala daqueles sábios que se dizem mestres, dos conselheiros, dos doutores em sociologia, em filosofia, em psicologia, em física, em vida. Ser sábio é negar a vida, pois todo saber está preso ao tempo, cristalizado no momento em que foi emitido/criado, está morto.
O MUNDO INTEIRO SÓ NOS VALE DE HOSPITAL
ÚLTIMO BEM DO MILIONÁRIO ARRUINADO
E ONDE, SE TUDO CORRER BEM, PODEREMOS
MORRER DO ABSOLUTO E PATERNAL CUIDADO
QUE A CADA INSTANTE NOS AMPARA E TIRANIZA.
É SEMPRE UM NOVO COMEÇAR E UMA NOVA ESPÉCIE DE FRACASSO
POIS APENAS SE APRENDEU A ESCOLHER O MELHOR DAS PALAVRAS
PARA O QUE NÃO HÁ MAIS A DIZER.
EM MEU FIM ESTÁ MEU PRINCÍPIO.
Parte 3. The Dry Salvages. ( Todas as partes são nomes de lugares que marcaram a vida do poeta ).
Aqui Eliot diz uma coisa que me toca muito profundamente :
NÃO SEI MUITO ACERCA DE DEUSES, MAS CREIO QUE O RIO É UM DEUS PODEROSO DEUS CASTANHO- TACITURNO, INDÔMITO E INTRATÁVEL
PACIENTE ATÉ CERTO PONTO, A PRINCÍPIO RECONHECIDO COMO FRONTEIRA,
ÚTIL, CONFIDENTE, COMO UM CAIXEIRO-VIAJANTE.
DEPOIS APENAS UM PROBLEMA QUE AO CONSTRUTOR DE PONTES DESAFIA.
RESOLVIDO O PROBLEMA, O DEUS CASTANHO É QUASE ESQUECIDO PELOS MORADORES DA CIDADE-- SEMPRE CONTUDO, IMPLACÁVEL, FIEL ÀS SUAS IRAS E ÉPOCAS DE CHEIAS
RECORDANDO O QUE OS HOMENS PREFEREM ESQUECER.
DESPREZADO PELOS ADORADORES DA MÁQUINA, MAS ESPERANDO, ESPREITANDO.
SEU RITMO ESTAVA PRESENTE NO QUARTO DAS CRIANÇAS
NOS QUINTAIS DE ABRIL
NO AROMA DAS UVAS SOBRE A MESA OUTONAL
NO HALO DOS LAMPIÕES DE INVERNO.
O RIO FLUI DENTRO DE NÓS E O MAR NOS CERCA POR TODOS OS LADOS.
Como eu disse, poetas antecipam. O que Eliot escreve em 1946, hoje todos nós sentimos. Tememos. Vivemos.
São tantos os trechos maravilhosos que minha vontade é copiar tudo para dar de presente a quem me lê...
E TODA SUBIDA É UMA DESCIDA, TODO RETORNO UMA PARTIDA
NÃO O PODES ENCARAR FACE À FACE, MAS ISTO É O CERTO :
O TEMPO NADA CURA, E AQUI JÁ NÃO ESTÁ MAIS O PACIENTE.
...
NÃO SOIS OS MESMOS QUE DEIXARAM A ESTAÇÃO
BOA VIAJEM, NÃO !
MAS ADIANTE, VIAJANTES.
Parte 4. Little Gidding.
NÃO CESSAREMOS NUNCA DE EXPLORAR
E O FIM DE TODA EXPLORAÇÃO
SERÁ CHEGAR AO PONTO DE PARTIDA
E O LUGAR RECONHECER AINDA
COMO DA PRIMEIRA VEZ QUE O VIMOS.
PELA DESCONHECIDA/RELEMBRADA PORTA...
O tamanho de um artista é medido pelo tamanho da tarefa que ele se dá.
TS Eliot desejou transcender a vida.
Se ele conseguiu ? Claro que não. Mas o percurso que Eliot percorreu... a voz que ele nos fez ouvir... as palavras mortas que ele fez reviver...
Ler os Quartetos. Leia com muita calma, em momento fora do tempo. Não busque sabedoria ou beleza neles. Não procure sequer poesia.
Você encontrará tudo isso neles. Mas não procure. Dispense.
Há um maravilhoso momento nesses poemas em que ele diz que podemos escolher entre ser e não ser. Mas que na verdade podemos ter uma terceira opção : alhear. Ficar alheio ao tempo, a vida.
Leia distante da leitura. Talvez dê pra entender. Talvez o segredo se faça transponível.
Leia o rio também. O desprezado rio. Eliot é um rio assim como Yeats é uma nuvem que chove nesse rio. Feliz tempo o tempo de água.
DA VIOLENCIA E DO JARDIM
Cabeças de inimigos eram penduradas em postes na entrada da cidade. Um corpo é exposto em carrinho de supermercado. Inimigos. O ser-humano é violento por natureza. Violento por ser covarde. Nossa violencia não nasce da necessidade, nasce do medo. Não somos um Leão caçando para comer. Somos uma Zebra que aprendeu a destruir.
O iluminismo nos deu a ilusão de que com o uso da razão tudo de ruim e sujo seria eliminado. Mera questão de educação, de evolução, de tempo. Adquirimos essa fé no progresso. É dificil perceber que o progresso é só o das Coisas. O mundo vivo, a natureza e o homem, esses continuam iguais. Provávelmente mais sujos, menos virginais, mais desencantados; mas com os mesmos impulsos, desejos, fenômenos e medos.
A única coisa que ganhamos foram vinte anos a mais de vida. Para morrer mais vinte anos de tédio. O que perdemos foi a sensação de possuir uma alma. A cabeça pendurada no poste era um símbolo. Simbolizava a vitória, a morte do mal, o afastamento do inimigo. O corpo no carrinho é uma compra no supermercado. Adquiri este corpo, fiz dele o que desejei, ele é um produto. Eu sou foda !
O corpo não é mais sagrado. Abre-se uma barriga para extrair um tumor, abre-se uma barriga para matar um mané. Não se ama um corpo como invólucro de mistério sagrado. Penetra-se nesse monte de carne quente como posse de coisa que desejo. A nobreza não vem mais do modo de olhar e da atitude de uma refinada alma. Vem de fora para dentro : a plástica certa, a roupa certa, a dieta certa. O corpo manda, mas o corpo é falível, perecerá, é máquina química, é coisa sólida e desvendável. Todo ato desse corpo é portanto banal.
A morte então se banaliza. Como o sexo se banaliza. Eu disse, o homem sempre foi violento. Mas a morte nunca foi banal. Sofria-se por ela. Havia um sentido, mesmo que falso e injusto. Mas agora é um corpo que morre. Carne desvendada. Máquina que elimina máquina. Como o ato sexual. Corpo dentro de corpo. Simbolizando o gozo de dois corpos. E nada mais que isso.
Quando trucidava-se um inimigo, um pecador ou um bandido, eu o trucidava pela vida da nação, da fé ou da justiça. O trucidamento agora é por meu narcisismo, meu ego, porque sou mais fodão que ele.
Talvez a verdade tenha sido sempre essa. No fundo toda violencia sempre foi uma questão de egos. Mas os símbolos nos consolavam. O que nos consola hoje ?
Voltaire dizia que no fim tudo que importa é que cada um cuide de seu jardim. É o que tento fazer. Viver como eu quero. Com meus valores, meus símbolos e meu sentido. Tentando me sentir um cara do século XVIII. Tentando ignorar esta hora errada em que nascí. Mas é impossível. Violentamente sou invadido pelas imagens de corpos destroçados e do carrinho do supermercado levando a coisa morta pela rua. Pior que a violencia é esse sensacional frenesí pela divulgação do mal. As coisas assistem coisas sendo destruídas.
Não seja bobo. Cada corpo destruído num atentado é mais um passo na futilização de seu interior. Cada filme novo que mostra a destruição de tudo que é vivo, é mais um tijolo na parede que nos aliena da vida. Tudo tem uma direção : a falência do símbolo. Cristo crucificado se torna apenas um bom homem que pagou o pato. Todo o sentido do sacrifício e da dor se faz pó.
Cuidar do jardim. Nunca isso foi tão necessário.
O iluminismo nos deu a ilusão de que com o uso da razão tudo de ruim e sujo seria eliminado. Mera questão de educação, de evolução, de tempo. Adquirimos essa fé no progresso. É dificil perceber que o progresso é só o das Coisas. O mundo vivo, a natureza e o homem, esses continuam iguais. Provávelmente mais sujos, menos virginais, mais desencantados; mas com os mesmos impulsos, desejos, fenômenos e medos.
A única coisa que ganhamos foram vinte anos a mais de vida. Para morrer mais vinte anos de tédio. O que perdemos foi a sensação de possuir uma alma. A cabeça pendurada no poste era um símbolo. Simbolizava a vitória, a morte do mal, o afastamento do inimigo. O corpo no carrinho é uma compra no supermercado. Adquiri este corpo, fiz dele o que desejei, ele é um produto. Eu sou foda !
O corpo não é mais sagrado. Abre-se uma barriga para extrair um tumor, abre-se uma barriga para matar um mané. Não se ama um corpo como invólucro de mistério sagrado. Penetra-se nesse monte de carne quente como posse de coisa que desejo. A nobreza não vem mais do modo de olhar e da atitude de uma refinada alma. Vem de fora para dentro : a plástica certa, a roupa certa, a dieta certa. O corpo manda, mas o corpo é falível, perecerá, é máquina química, é coisa sólida e desvendável. Todo ato desse corpo é portanto banal.
A morte então se banaliza. Como o sexo se banaliza. Eu disse, o homem sempre foi violento. Mas a morte nunca foi banal. Sofria-se por ela. Havia um sentido, mesmo que falso e injusto. Mas agora é um corpo que morre. Carne desvendada. Máquina que elimina máquina. Como o ato sexual. Corpo dentro de corpo. Simbolizando o gozo de dois corpos. E nada mais que isso.
Quando trucidava-se um inimigo, um pecador ou um bandido, eu o trucidava pela vida da nação, da fé ou da justiça. O trucidamento agora é por meu narcisismo, meu ego, porque sou mais fodão que ele.
Talvez a verdade tenha sido sempre essa. No fundo toda violencia sempre foi uma questão de egos. Mas os símbolos nos consolavam. O que nos consola hoje ?
Voltaire dizia que no fim tudo que importa é que cada um cuide de seu jardim. É o que tento fazer. Viver como eu quero. Com meus valores, meus símbolos e meu sentido. Tentando me sentir um cara do século XVIII. Tentando ignorar esta hora errada em que nascí. Mas é impossível. Violentamente sou invadido pelas imagens de corpos destroçados e do carrinho do supermercado levando a coisa morta pela rua. Pior que a violencia é esse sensacional frenesí pela divulgação do mal. As coisas assistem coisas sendo destruídas.
Não seja bobo. Cada corpo destruído num atentado é mais um passo na futilização de seu interior. Cada filme novo que mostra a destruição de tudo que é vivo, é mais um tijolo na parede que nos aliena da vida. Tudo tem uma direção : a falência do símbolo. Cristo crucificado se torna apenas um bom homem que pagou o pato. Todo o sentido do sacrifício e da dor se faz pó.
Cuidar do jardim. Nunca isso foi tão necessário.
MURILO MENDES E CAXINGUI E ANJOS E SONO
A idade do Serrote, de Murilo Mendes. Não vou falar do livro mas só vou falar do livro. Os anjos de Charles Citrine. ( Citrine é o cara. Um herói, um herói ). Diz :
O mundo é mistério. O encantamento acontece todo o tempo. O que podíamos ver na infância continua no mesmo lugar e do mesmo jeito. Não percebemos porque somos treinados a não ver. Portanto não tenha saudades do mundo como foi. Toda magia será sempre viva, pois ela NÃO LIGA PRA NOSSA RAZÃO. O que vemos hoje, adultos em linhas retas, é ínfimo perante aquilo que existe. Educados para a cegueira.
Mais.
Anjos não existem. Eu os uso como símbolos para aquilo que não tem nome. E símbolos é tudo que me importa. Citrine diz que neste mundo, com tanto barulho, bips, crás, zuuuum e tanta informação acumulada na cabeça ( números de telefone, de cartões, convites, leis, deveres, notícias distantes ), anjos, que podiam ler nossa mente enquanto dormíamos, não conseguem mais se comunicar conosco. É uma bela imagem : um anjo pairando sobre nosso quarto e dialogando com a criança que fomos : sol, vai chover ? , gosto de Roseli, sapos, porão, medo de cobra... São pensamentos de cristal, legíveis, nitidos, de água que corre. O anjo lê.
A insônia é a vergonha de ser lido. Que belo pensamento de Charles Citrine !
A IDADE DO SERROTE é para ser lido por anjos.
O CAXINGUI ERA UM SAPO. Era preciso tomar cuidado para não pisar neles. E toda noite era uma sinfonia de rãs cantando. Mas de manhã eu acreditava que todos morriam para ressuscitar às 18 horas. Porque detrás das nuvens estava Deus. E o raio, que caía lá pros lados de Santo Amaro ( tudo era pros lados de Santo Amaro, tudo de ruim. Tudo de bom era aqui. ) o raio era um bandido que Deus pegava pelos cabelos, jogava ao chão da nuvem, e a queda do bandido produzia a faísca que era o raio. Era assim. Como por detrás de cada parede de casa havia um quarto secreto e um dia eu derrubaria essas paredes e veria esse segredo.
No Morumbi abundavam cupinzeiros e onde existia cupinzeiro existia uma cobra-cega. Abundavam trabalhos de macumba também, e se voce pisasse na macumba seu pé caía. Assim como olhar pra cobra-cega te deixaria cego. As nuvens eram habitadas e no porão de casa morava um rato que falava ( mas eu nunca o escutei ).
O bairro era cheio de água. Quando fazia calor voce ficava surdo de tanta cigarra cantando. O som do Caxingui era o som de cigarras de dia e dos sapos de noite. Um gambá apareceu num buraco e uma preguiça numa árvore. Apareceu sim, assim como uma menina foi atropelada pelo caminhão do lixo.
Cada quarteirão tinha próximo seu córrego e havia tanta mamona que daria para em nossas guerras destruir o mundo. Pinheiros era longe...... ao lado do rio corria o trem, fazia neblina e umas casinhas ficavam onde surgiria a marginal. Nos córregos meu coração batia forte ao ver peixinhos quase transparentes atravessados pelo sol que cruzava a água. EM CADA METRO UMA VIDA VIVIA.
Coloquei espelho retrovisor na bicicleta ( que não era bike, era magrela ). Paralamas também e buzina. Descia sem freio pela terra. Na granja matavam galinhas, e os galos cantavam enquanto eu andava para a escola. Às sombras dos eucaliptos. Cheiro de terra, de folha de eucalipto e de galinha viva. Minha escola cheirava a eucalipto. O dentista elogiava meus dentes e eu amava uma lourinha que se chamava Dona Baratinha, esse tinha sido o papel dela numa peça que não fiz. Dona Baratinha passava e eu me sentia Charlie Brown.
O Japão havia invadido o bairro e eu andava com eles. Comentávamos Nationalo Kido. De tarde dava pra ouvir todas as casas ao mesmo tempo sintonizadas no SPEED RACER. Mas aos domingos era "SILVIO SANTOS VEM AÍ..." Eu bebia Cerejinha.
Mas eu pensava que só eu assistia OS MONKEES. E eu amava os Monkees e pensava ser pecado gostar mais de David Jones que de meu pai. Mas eu gostava e decorava as músicas e obrigava meu irmão e minha prima a me ouvir cantar. TAKE THE LAST TRAIN TO CLARKSVILLE. E minha professora usava uma saia muito curta e eu sentia um calor na barriga quando a via de pernas cruzadas.
Quando chovia a água corria pelas calhas de lata e fazia barulho de sono. Da janela de meu quarto eu via vários quintais com cães e árvores e hortas e galinhas e patos. Eu cavava a terra úmida e os patos comiam as minhocas. Na janela havia uma aranha que eu assistia. E na cama, toda noite, um anjo me assistia. Eu o vi uma vez. E cobri minha cabeça, com medo. Não queria que ele me visse.
No terrão da escola os moleques brigavam e se faziam festas juninas. Eu recebia medalhas douradas e desenhava guitarras dos Monkees nas carteiras. O tempo era longo e a vida era sem conta. Minhas primas cheiravam a meia branca, sandálias novas e cabelo escovado. Mamãe cantava enquanto lavava a louça e meu pai trouxe uma tartaruga numa caixa de sapatos.
Citrine diz : todo esse encanto está intacto. Nossa cabeça é que se alienou.
O livro de MURILO MENDES é a confirmação e o testemunho disso.
Minha prima sentava-se no chão, abria seus livros e estudava. Os pássaros cantavam e eu me sentava ao lado dela, abria meus cadernos e fingia estudar. Ao lado dela. E na casa onde eu ia ler livros de religião, havia no jardim um jacaré com olhos de vidro. Ele era vivo mas não se mexia. Ele era vivo. E a dona da casa permitia que encostássemos a mão nele se aprendêssemos a lição. Jamais tive tanta coragem.
O mundo é mistério. O encantamento acontece todo o tempo. O que podíamos ver na infância continua no mesmo lugar e do mesmo jeito. Não percebemos porque somos treinados a não ver. Portanto não tenha saudades do mundo como foi. Toda magia será sempre viva, pois ela NÃO LIGA PRA NOSSA RAZÃO. O que vemos hoje, adultos em linhas retas, é ínfimo perante aquilo que existe. Educados para a cegueira.
Mais.
Anjos não existem. Eu os uso como símbolos para aquilo que não tem nome. E símbolos é tudo que me importa. Citrine diz que neste mundo, com tanto barulho, bips, crás, zuuuum e tanta informação acumulada na cabeça ( números de telefone, de cartões, convites, leis, deveres, notícias distantes ), anjos, que podiam ler nossa mente enquanto dormíamos, não conseguem mais se comunicar conosco. É uma bela imagem : um anjo pairando sobre nosso quarto e dialogando com a criança que fomos : sol, vai chover ? , gosto de Roseli, sapos, porão, medo de cobra... São pensamentos de cristal, legíveis, nitidos, de água que corre. O anjo lê.
A insônia é a vergonha de ser lido. Que belo pensamento de Charles Citrine !
A IDADE DO SERROTE é para ser lido por anjos.
O CAXINGUI ERA UM SAPO. Era preciso tomar cuidado para não pisar neles. E toda noite era uma sinfonia de rãs cantando. Mas de manhã eu acreditava que todos morriam para ressuscitar às 18 horas. Porque detrás das nuvens estava Deus. E o raio, que caía lá pros lados de Santo Amaro ( tudo era pros lados de Santo Amaro, tudo de ruim. Tudo de bom era aqui. ) o raio era um bandido que Deus pegava pelos cabelos, jogava ao chão da nuvem, e a queda do bandido produzia a faísca que era o raio. Era assim. Como por detrás de cada parede de casa havia um quarto secreto e um dia eu derrubaria essas paredes e veria esse segredo.
No Morumbi abundavam cupinzeiros e onde existia cupinzeiro existia uma cobra-cega. Abundavam trabalhos de macumba também, e se voce pisasse na macumba seu pé caía. Assim como olhar pra cobra-cega te deixaria cego. As nuvens eram habitadas e no porão de casa morava um rato que falava ( mas eu nunca o escutei ).
O bairro era cheio de água. Quando fazia calor voce ficava surdo de tanta cigarra cantando. O som do Caxingui era o som de cigarras de dia e dos sapos de noite. Um gambá apareceu num buraco e uma preguiça numa árvore. Apareceu sim, assim como uma menina foi atropelada pelo caminhão do lixo.
Cada quarteirão tinha próximo seu córrego e havia tanta mamona que daria para em nossas guerras destruir o mundo. Pinheiros era longe...... ao lado do rio corria o trem, fazia neblina e umas casinhas ficavam onde surgiria a marginal. Nos córregos meu coração batia forte ao ver peixinhos quase transparentes atravessados pelo sol que cruzava a água. EM CADA METRO UMA VIDA VIVIA.
Coloquei espelho retrovisor na bicicleta ( que não era bike, era magrela ). Paralamas também e buzina. Descia sem freio pela terra. Na granja matavam galinhas, e os galos cantavam enquanto eu andava para a escola. Às sombras dos eucaliptos. Cheiro de terra, de folha de eucalipto e de galinha viva. Minha escola cheirava a eucalipto. O dentista elogiava meus dentes e eu amava uma lourinha que se chamava Dona Baratinha, esse tinha sido o papel dela numa peça que não fiz. Dona Baratinha passava e eu me sentia Charlie Brown.
O Japão havia invadido o bairro e eu andava com eles. Comentávamos Nationalo Kido. De tarde dava pra ouvir todas as casas ao mesmo tempo sintonizadas no SPEED RACER. Mas aos domingos era "SILVIO SANTOS VEM AÍ..." Eu bebia Cerejinha.
Mas eu pensava que só eu assistia OS MONKEES. E eu amava os Monkees e pensava ser pecado gostar mais de David Jones que de meu pai. Mas eu gostava e decorava as músicas e obrigava meu irmão e minha prima a me ouvir cantar. TAKE THE LAST TRAIN TO CLARKSVILLE. E minha professora usava uma saia muito curta e eu sentia um calor na barriga quando a via de pernas cruzadas.
Quando chovia a água corria pelas calhas de lata e fazia barulho de sono. Da janela de meu quarto eu via vários quintais com cães e árvores e hortas e galinhas e patos. Eu cavava a terra úmida e os patos comiam as minhocas. Na janela havia uma aranha que eu assistia. E na cama, toda noite, um anjo me assistia. Eu o vi uma vez. E cobri minha cabeça, com medo. Não queria que ele me visse.
No terrão da escola os moleques brigavam e se faziam festas juninas. Eu recebia medalhas douradas e desenhava guitarras dos Monkees nas carteiras. O tempo era longo e a vida era sem conta. Minhas primas cheiravam a meia branca, sandálias novas e cabelo escovado. Mamãe cantava enquanto lavava a louça e meu pai trouxe uma tartaruga numa caixa de sapatos.
Citrine diz : todo esse encanto está intacto. Nossa cabeça é que se alienou.
O livro de MURILO MENDES é a confirmação e o testemunho disso.
Minha prima sentava-se no chão, abria seus livros e estudava. Os pássaros cantavam e eu me sentava ao lado dela, abria meus cadernos e fingia estudar. Ao lado dela. E na casa onde eu ia ler livros de religião, havia no jardim um jacaré com olhos de vidro. Ele era vivo mas não se mexia. Ele era vivo. E a dona da casa permitia que encostássemos a mão nele se aprendêssemos a lição. Jamais tive tanta coragem.
ALL THAT JAZZ/TARANTINO/PAUL NEWMAN/BECKER
A LENDA DOS DESAPARECIDOS de Henry Hathaway com John Wayne e Sophia Loren
Aquele tipo de filme de cara que vai pro Saara descobrir tesouro. A fotografia de Jack Cardiff ajuda, Wayne exibe seu carisma e Loren faz a italiana emotiva. Competente. Nota 6.
BASTARDOS INGLÓRIOS de Tarantino
Os 3 grandes defeitos do cinema atual : 1. péssimos diálogos, 2. roteiros cheios de complicações que existem sem razão nenhuma. Apenas disfarçam banalidades, 3. visual de TV, muitos closes, muitos zooms, imagens estouradas, edição frenética ( tenta se dar ação pela edição ! ). Pois bem. Neste filme Tarantino faz um filme com cara de cinema. A estética é a dos grandes filmes de aventura dos anos 60. O roteiro é certo e direto, nada de pseudo-intelectualismos. E os diálogos são dignos dos anos 30. Ele faz seu filme mais adulto. O cara sabe tudo e ama a arte com sinceridade. Ele me dá esperança. Nem tudo se perdeu ! Nota DEZ.
O INDOMÁVEL de Robert Benton com Paul Newman, Bruce Willis, Jessica Tandy, Melanie Griffith e Philip Seymour Hoffman
O último grande desempenho do mais simpático dos atores americanos ( de 1960 pra cá... ). Paul é um velho quebra-galhos numa cidade pequena. É um perdedor. O filme não é triste, é quase uma comédia lenta. Willis é seu patrão muito mal caráter. E a maior atriz do teatro americano, Tandy, é sua senhoria; Melanie é a esposa do patrão e Philip um guarda fascista. Robert Benton foi um roteirista de gênio ( Bonnie e Clyde ). Como diretor sempre foi apenas OK. Mas o filme é bonitinho. Paul Newman é excelente. Nota 7.
PAIXÃO PROIBIDA de Serge Gainsbourg com Jane Birkin, Joe Dalessandro e Depardieu
Dalessandro foi ator dos filmes de Andy Warhol. Ele se parece com um jovem Iggy Pop mais bonito. Péssimo ator, ele apenas posa fazendo cara de mau. Ele aqui é um caminhoneiro. Gay. Ele viaja com seu namorado. O filme foi feito nos USA. É um filme estradeiro. A trilha sonora, do próprio Serge, é um tipo de som "Bonnie e Clyde". Pois bem... o caminhoneiro conhece num posto de gasolina uma moça que é muito magra. Tão magra que se parece com um garotinho andrógino. Joe se apaixona por ela. Mas por ser gay, ele só faz com ela "sexo gay". Entendeu ? A moça é Jane Birkin, esquisita e com um rosto lindo. O filme é cheio de lixo, poeira e fedor. É ruim pra caramba. Serge põe a câmera sempre em lugares errados e os atores ficam perdidos. Os diálogos são de doer ! Gerard Depardieu faz um gay sempre de branco, longos cabelos e sobre um cavalo também branco. O filme nunca teme o ridículo. Eu achei muito divertido. Mas é um lixo. Lixo que me seduz. Nota invisível. ( ).
ERA NOITE EM ROMA de Roberto Rossellini
3 homens fogem da prisão dos nazistas. Se abrigam na casa de uma romana. O filme mostra o cotidiano da Roma da guerra. Os fugitivos são cada um de uma nação. Roberto dirige daquele modo seco e pobre de sempre, parece televisão educativa. nota 2.
FANTASMA de F.W.Murnau
Ele seria o grande diretor na América dos anos 30/40 se não houvesse morrido em acidente de carro tão cedo. Este é um filme silencioso sobre a perdição da paixão. Há uma cena de baile que usa câmera na mão, efeitos de zoom e fundo psicodélico !!!! Em 1922 !!!!! Murnau sabia ser ousado. Mas este roteiro é bastante piegas.... nota 4.
MULHERES NO FRONT de Valerio Zurlini com Anna Karina, Marie Laforet, Lea Massari
Fala dos grupos de prostitutas que eram usadas no front pelos soldados italianos. Cada moça era objeto de um batalhão inteiro !!!!! Zurlini era um diretor maravilhoso ! Seus filmes são poemas à melancolia que não nos deprimem. Anna está lindíssima como uma prostituta que ainda vê humor na vida, uma bela comediante. O filme é trágico e apesar de ser um dos menos conhecidos de Zurlini, é ainda invulgarmente bom. Nota 7.
LE TROU de Jacques Becker
Um milagre ! Eis um filme de duas horas e quinze minutos, todo passado entre uma cela e uma rede de buracos, que jamais entedia ou irrita. Becker, grande diretor, se deu este desafio, e o venceu. O filme é viril e apaixonante aventura. Tem, inclusive, um dos melhores e mais terríveis finais que já assisti. São cinco prisioneiros, que com engenho e calma, tentam fugir da prisão. O filme evita os chavões : a prisão é limpa e tranquila, não há violência alguma, o diretor é compreensivo e os presos comem bem e são camaradas. Mas eles estão confinados ! E como o homem está condenado à liberdade.... O filme não tem trilha musical nenhuma, e os sons do esforço físico daqueles homens abrindo túneis na rocha pura é aterrorizante ! Fime diferente de tudo que voce já viu, ele permanece na memória. Becker ( pai do também bom diretor, Jean Becker ) era um talento gigantesco ! Esta OBRA-PRIMA o prova. Nota DEZ.
OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR de Jacques Demy com Catherine Deneuve
Ah!!!!!! Jovem Deneuve... tão lindamente perfeita que chega a parecer uma ficção ! Este filme, com trilha musical de gênio de Michel Legrand, é todo cantado. Quando digo todo é todo : quando alguém diz : - Quanto custa ? Isso é falado em música. Ou seja, é uma ópera. Mas em ritmo de jazz pop. O filme é colorido, fantasioso, feliz e hiper-romântico. Se voce gosta das melodias vai amar, se detesta musicais, irá rir dele. Nota 6.
ALL THAT JAZZ DE BOB FOSSE COM ROY SCHEIDER E JESSICA LANGE
FELLINI JAZZ E ANSIA POR VIVER = O FILME DA MINHA VIDA.
Quantas vezes ? Vinte... mais... trinta...talvez. Só no cinema foram quatro. Este não é o filme que penso ser o melhor que já assisti, mas é MEU filme. Tenho de o rever todo ano.
Bob Fosse... ele foi o mais sexy coreógrafo e diretor da Broadway , e é, até hoje, o único cara a ter ganho no mesmo ano os 3 grandes prêmios : Oscar/Tony e Emmy- cinema, teatro e TV, tudo em 72. Se ele escrevesse teria ganho o Pulitzer naquele ano... Bob Fosse era como Joe Giddeon, o personagem deste filme ( ah... se voce não sabe, o Oscar de 1972 foi por Cabaret, vencendo O Poderoso Chefão ). Mas voltando, Fosse era fumante doido ( quatro maços por dia, inclusive no chuveiro e na cama ), mulherengo, egocêntrico, anfetamínico, criativo, cardíaco e genial. Morreu na reestréia de Chicago, Broadway... Como acontece aqui, em ALL THAT JAZZ, morte na estréia. Fosse escreveu o roteiro de sua futura partida.
A verdade é que nunca desejei ser O Homem-Aranha ou Bill Gates. Eu queria ser Joe Giddeon/ Bob Fosse. Brinquei disso por mais de uma década, na faculdade e na vida. Namorei e escrevi como se "fosse" Joe Giddeon. Confesso. Foi muito bom...
Cada década tem um musical que espelha o que ela foi. Não é necessariamente o melhor da época, mas é seu retrato. Os anos 2000 têm o chatíssimo CHICAGO, que desmerece o trabalho no palco de Fosse. É um filme cheio de acontecimentos, truques e baboseiras. É a cara deste cinema. Os anos 90 são representados pela jovialidade colorida de ROMEU + JULIETA, aquele de Baz Luhrman com Di Caprio. Bobinho e bacaninha, como os 90. Nos 80 temos FLASHDANCE, e nem preciso dizer nada... e os 60 têm o muito otimista e cômico POSITIVAMENTE MILLIE. Nos anos 70, os anos de drogas, sexo, loucura e nóia, existe este plásticamente exagerado, histéricamente fascinante ALL THAT JAZZ.
Bob Fosse pega o roteiro de OITO E MEIO de Fellini, diretor pelo qual ele tinha obsessão confessa, e o refilma. No lugar do diretor de cinema em crise, um diretor de teatro. Sai a Itália, entra New York. Continuam as mulheres, as memórias e a doença. Permanece a absoluta e completa genialidade. A memória, sonhos, ideal de beleza, música.
Joe Giddeon, numa impressionante atuação "de macumba" de Roy Scheider, acorda ( esta cena é repetida por todo o filme ) e ao som de Vivaldi, se entope de bolinhas e cigarros ( o Camel que eu fumava...) Pinga colírio no olho vermelho, e em frente ao espelho, ele repete a sí-mesmo : "- SHOWTIME FOLKS!" Todas as manhãs..... Hoje, quando em ansiedade, ainda me pego neste " Showtime folks! " para mim mesmo... Então ele vai ao teatro ensaiar uma peça que não evolui. Ele está em crise.
Ao mesmo tempo ele sofre com a consciencia de ter estragado um bom casamento, mas continua não resistindo às jovens atrizes. E ainda tem de editar seu novo filme, ineditável. E sofre a pressão de um ator perfeccionista e crítico temível ( o filme, na vida real era LENNY e o ator carrasco era Dustin Hoffman, famoso por torturar diretores com sua mania de perfeição ).
Giddeon sofre infarte e o anjo da morte é Jessica Lange, de branco, maravilhosamente linda ( em Fellini foi Claudia Cardinale ). O filme ousa : sua hora final é a descrição da morte do diretor do filme. Giddeon conversa com a morte/mulher, e beleza das belezas : tenta flertar com ela.
Joe/Bob Fosse tem apenas um grande amor real : aquele anjo da morte.
As cenas de ensaio, de bastidores e a atuação dos bailarinos chega a ser comovente. Mas na morte do diretor, longa cena dançada, com enfermeiras, corações de plástico, sangue e seringas, Bob Fosse atinge o mal-gosto e o sublime, o mais feroz pessimismo, mas também uma garra vital dionisíaca. Não há filme que nos dê tão explícita imagem da força da arte dionisíaca. A agonia da criação está toda em exposição. Dor e prazer, vaidade e aniquilamento.
ALL THAT JAZZ mostra a vida que desejei ter. Bela e perigosa, glamurosa e podre. É óbvio que não sou Fosse ou Giddeon. Sempre soube disso, minha viagem não foi tão doida. Mas a graça estava em seguir a miragem. Bob Fosse me deu um presente que iluminou meu caminho. É pouco ?
Perfeição é sempre sinal de má arte. Perfeição é para ciência. Chicago tentou ser perfeito. Moulin Rouge é perfeito. ALL THAT JAZZ é todo errado. E por ser torto, chega lá. Não é feito de luz e música. Ele é semem, tabaco, coxas, traição, sangue, suor, solidão, tosse, doença e inenarrável beleza. Transcende. Ele é eterno. Anjo da morte que seduz Joe Giddeon e nos arrebata.
Continuo fã deste filme. Não precisaria de nenhum outro se tivesse de levar um só para a tal ilha deserta. Me diverte, me inspira e me guia. Joe Giddeon é meu xamã.
ALL THAT JAZZ. Voces queriam saber ? Sempre ( desde 1979 ) foi meu filme favorito. Não o melhor, mas o mais amado.
Fecho o zíper : riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiipppppppppppppp..... fim.
Aquele tipo de filme de cara que vai pro Saara descobrir tesouro. A fotografia de Jack Cardiff ajuda, Wayne exibe seu carisma e Loren faz a italiana emotiva. Competente. Nota 6.
BASTARDOS INGLÓRIOS de Tarantino
Os 3 grandes defeitos do cinema atual : 1. péssimos diálogos, 2. roteiros cheios de complicações que existem sem razão nenhuma. Apenas disfarçam banalidades, 3. visual de TV, muitos closes, muitos zooms, imagens estouradas, edição frenética ( tenta se dar ação pela edição ! ). Pois bem. Neste filme Tarantino faz um filme com cara de cinema. A estética é a dos grandes filmes de aventura dos anos 60. O roteiro é certo e direto, nada de pseudo-intelectualismos. E os diálogos são dignos dos anos 30. Ele faz seu filme mais adulto. O cara sabe tudo e ama a arte com sinceridade. Ele me dá esperança. Nem tudo se perdeu ! Nota DEZ.
O INDOMÁVEL de Robert Benton com Paul Newman, Bruce Willis, Jessica Tandy, Melanie Griffith e Philip Seymour Hoffman
O último grande desempenho do mais simpático dos atores americanos ( de 1960 pra cá... ). Paul é um velho quebra-galhos numa cidade pequena. É um perdedor. O filme não é triste, é quase uma comédia lenta. Willis é seu patrão muito mal caráter. E a maior atriz do teatro americano, Tandy, é sua senhoria; Melanie é a esposa do patrão e Philip um guarda fascista. Robert Benton foi um roteirista de gênio ( Bonnie e Clyde ). Como diretor sempre foi apenas OK. Mas o filme é bonitinho. Paul Newman é excelente. Nota 7.
PAIXÃO PROIBIDA de Serge Gainsbourg com Jane Birkin, Joe Dalessandro e Depardieu
Dalessandro foi ator dos filmes de Andy Warhol. Ele se parece com um jovem Iggy Pop mais bonito. Péssimo ator, ele apenas posa fazendo cara de mau. Ele aqui é um caminhoneiro. Gay. Ele viaja com seu namorado. O filme foi feito nos USA. É um filme estradeiro. A trilha sonora, do próprio Serge, é um tipo de som "Bonnie e Clyde". Pois bem... o caminhoneiro conhece num posto de gasolina uma moça que é muito magra. Tão magra que se parece com um garotinho andrógino. Joe se apaixona por ela. Mas por ser gay, ele só faz com ela "sexo gay". Entendeu ? A moça é Jane Birkin, esquisita e com um rosto lindo. O filme é cheio de lixo, poeira e fedor. É ruim pra caramba. Serge põe a câmera sempre em lugares errados e os atores ficam perdidos. Os diálogos são de doer ! Gerard Depardieu faz um gay sempre de branco, longos cabelos e sobre um cavalo também branco. O filme nunca teme o ridículo. Eu achei muito divertido. Mas é um lixo. Lixo que me seduz. Nota invisível. ( ).
ERA NOITE EM ROMA de Roberto Rossellini
3 homens fogem da prisão dos nazistas. Se abrigam na casa de uma romana. O filme mostra o cotidiano da Roma da guerra. Os fugitivos são cada um de uma nação. Roberto dirige daquele modo seco e pobre de sempre, parece televisão educativa. nota 2.
FANTASMA de F.W.Murnau
Ele seria o grande diretor na América dos anos 30/40 se não houvesse morrido em acidente de carro tão cedo. Este é um filme silencioso sobre a perdição da paixão. Há uma cena de baile que usa câmera na mão, efeitos de zoom e fundo psicodélico !!!! Em 1922 !!!!! Murnau sabia ser ousado. Mas este roteiro é bastante piegas.... nota 4.
MULHERES NO FRONT de Valerio Zurlini com Anna Karina, Marie Laforet, Lea Massari
Fala dos grupos de prostitutas que eram usadas no front pelos soldados italianos. Cada moça era objeto de um batalhão inteiro !!!!! Zurlini era um diretor maravilhoso ! Seus filmes são poemas à melancolia que não nos deprimem. Anna está lindíssima como uma prostituta que ainda vê humor na vida, uma bela comediante. O filme é trágico e apesar de ser um dos menos conhecidos de Zurlini, é ainda invulgarmente bom. Nota 7.
LE TROU de Jacques Becker
Um milagre ! Eis um filme de duas horas e quinze minutos, todo passado entre uma cela e uma rede de buracos, que jamais entedia ou irrita. Becker, grande diretor, se deu este desafio, e o venceu. O filme é viril e apaixonante aventura. Tem, inclusive, um dos melhores e mais terríveis finais que já assisti. São cinco prisioneiros, que com engenho e calma, tentam fugir da prisão. O filme evita os chavões : a prisão é limpa e tranquila, não há violência alguma, o diretor é compreensivo e os presos comem bem e são camaradas. Mas eles estão confinados ! E como o homem está condenado à liberdade.... O filme não tem trilha musical nenhuma, e os sons do esforço físico daqueles homens abrindo túneis na rocha pura é aterrorizante ! Fime diferente de tudo que voce já viu, ele permanece na memória. Becker ( pai do também bom diretor, Jean Becker ) era um talento gigantesco ! Esta OBRA-PRIMA o prova. Nota DEZ.
OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR de Jacques Demy com Catherine Deneuve
Ah!!!!!! Jovem Deneuve... tão lindamente perfeita que chega a parecer uma ficção ! Este filme, com trilha musical de gênio de Michel Legrand, é todo cantado. Quando digo todo é todo : quando alguém diz : - Quanto custa ? Isso é falado em música. Ou seja, é uma ópera. Mas em ritmo de jazz pop. O filme é colorido, fantasioso, feliz e hiper-romântico. Se voce gosta das melodias vai amar, se detesta musicais, irá rir dele. Nota 6.
ALL THAT JAZZ DE BOB FOSSE COM ROY SCHEIDER E JESSICA LANGE
FELLINI JAZZ E ANSIA POR VIVER = O FILME DA MINHA VIDA.
Quantas vezes ? Vinte... mais... trinta...talvez. Só no cinema foram quatro. Este não é o filme que penso ser o melhor que já assisti, mas é MEU filme. Tenho de o rever todo ano.
Bob Fosse... ele foi o mais sexy coreógrafo e diretor da Broadway , e é, até hoje, o único cara a ter ganho no mesmo ano os 3 grandes prêmios : Oscar/Tony e Emmy- cinema, teatro e TV, tudo em 72. Se ele escrevesse teria ganho o Pulitzer naquele ano... Bob Fosse era como Joe Giddeon, o personagem deste filme ( ah... se voce não sabe, o Oscar de 1972 foi por Cabaret, vencendo O Poderoso Chefão ). Mas voltando, Fosse era fumante doido ( quatro maços por dia, inclusive no chuveiro e na cama ), mulherengo, egocêntrico, anfetamínico, criativo, cardíaco e genial. Morreu na reestréia de Chicago, Broadway... Como acontece aqui, em ALL THAT JAZZ, morte na estréia. Fosse escreveu o roteiro de sua futura partida.
A verdade é que nunca desejei ser O Homem-Aranha ou Bill Gates. Eu queria ser Joe Giddeon/ Bob Fosse. Brinquei disso por mais de uma década, na faculdade e na vida. Namorei e escrevi como se "fosse" Joe Giddeon. Confesso. Foi muito bom...
Cada década tem um musical que espelha o que ela foi. Não é necessariamente o melhor da época, mas é seu retrato. Os anos 2000 têm o chatíssimo CHICAGO, que desmerece o trabalho no palco de Fosse. É um filme cheio de acontecimentos, truques e baboseiras. É a cara deste cinema. Os anos 90 são representados pela jovialidade colorida de ROMEU + JULIETA, aquele de Baz Luhrman com Di Caprio. Bobinho e bacaninha, como os 90. Nos 80 temos FLASHDANCE, e nem preciso dizer nada... e os 60 têm o muito otimista e cômico POSITIVAMENTE MILLIE. Nos anos 70, os anos de drogas, sexo, loucura e nóia, existe este plásticamente exagerado, histéricamente fascinante ALL THAT JAZZ.
Bob Fosse pega o roteiro de OITO E MEIO de Fellini, diretor pelo qual ele tinha obsessão confessa, e o refilma. No lugar do diretor de cinema em crise, um diretor de teatro. Sai a Itália, entra New York. Continuam as mulheres, as memórias e a doença. Permanece a absoluta e completa genialidade. A memória, sonhos, ideal de beleza, música.
Joe Giddeon, numa impressionante atuação "de macumba" de Roy Scheider, acorda ( esta cena é repetida por todo o filme ) e ao som de Vivaldi, se entope de bolinhas e cigarros ( o Camel que eu fumava...) Pinga colírio no olho vermelho, e em frente ao espelho, ele repete a sí-mesmo : "- SHOWTIME FOLKS!" Todas as manhãs..... Hoje, quando em ansiedade, ainda me pego neste " Showtime folks! " para mim mesmo... Então ele vai ao teatro ensaiar uma peça que não evolui. Ele está em crise.
Ao mesmo tempo ele sofre com a consciencia de ter estragado um bom casamento, mas continua não resistindo às jovens atrizes. E ainda tem de editar seu novo filme, ineditável. E sofre a pressão de um ator perfeccionista e crítico temível ( o filme, na vida real era LENNY e o ator carrasco era Dustin Hoffman, famoso por torturar diretores com sua mania de perfeição ).
Giddeon sofre infarte e o anjo da morte é Jessica Lange, de branco, maravilhosamente linda ( em Fellini foi Claudia Cardinale ). O filme ousa : sua hora final é a descrição da morte do diretor do filme. Giddeon conversa com a morte/mulher, e beleza das belezas : tenta flertar com ela.
Joe/Bob Fosse tem apenas um grande amor real : aquele anjo da morte.
As cenas de ensaio, de bastidores e a atuação dos bailarinos chega a ser comovente. Mas na morte do diretor, longa cena dançada, com enfermeiras, corações de plástico, sangue e seringas, Bob Fosse atinge o mal-gosto e o sublime, o mais feroz pessimismo, mas também uma garra vital dionisíaca. Não há filme que nos dê tão explícita imagem da força da arte dionisíaca. A agonia da criação está toda em exposição. Dor e prazer, vaidade e aniquilamento.
ALL THAT JAZZ mostra a vida que desejei ter. Bela e perigosa, glamurosa e podre. É óbvio que não sou Fosse ou Giddeon. Sempre soube disso, minha viagem não foi tão doida. Mas a graça estava em seguir a miragem. Bob Fosse me deu um presente que iluminou meu caminho. É pouco ?
Perfeição é sempre sinal de má arte. Perfeição é para ciência. Chicago tentou ser perfeito. Moulin Rouge é perfeito. ALL THAT JAZZ é todo errado. E por ser torto, chega lá. Não é feito de luz e música. Ele é semem, tabaco, coxas, traição, sangue, suor, solidão, tosse, doença e inenarrável beleza. Transcende. Ele é eterno. Anjo da morte que seduz Joe Giddeon e nos arrebata.
Continuo fã deste filme. Não precisaria de nenhum outro se tivesse de levar um só para a tal ilha deserta. Me diverte, me inspira e me guia. Joe Giddeon é meu xamã.
ALL THAT JAZZ. Voces queriam saber ? Sempre ( desde 1979 ) foi meu filme favorito. Não o melhor, mas o mais amado.
Fecho o zíper : riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiipppppppppppppp..... fim.
TÉDIO E FUTILIDADES
Primeiro a futilidade. Adoro listas. Como Nick Hornby, adoro fazer listas. Livros favoritos, livros mais chatos, amores inesquecíveis, músicas que mais me fizeram chorar. O TIMES fez a sua lista. Os cem melhores filmes desta década. Pela lista desse jornal, se voce passou a década sem ir ao cinema não perdeu nada. Qualquer um sabe que a qualidade nas telas já foi bem melhor. Esta década é a pior da história dos filmes. Mas o Times não precisava esculhambar ! A lista mostra que mais que os filmes, a crítica está no fundo do abismo.
Você pode fazer uma lista alternativa, com ironia, contra as expectativas. Uma lista anti-intelectual. Ou ir pelo caminho do bom senso. A lista do Times é apenas tosca.
Para eles, CACHÊ de Michael Haneke é o filme da década. Forte ele é, mas o melhor ? Melhor em que ? O segundo é O ULTIMATO BOURNE de Greengrass... aí a coisa pega. Talvez seja uma bela aventura, meia fru-fru, mas se este é o segundo maior filme de uma década inteira... bem, então a década foi dispensável.
A coisa melhora com o terceiro : ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, dos Coen. Adoro e acho que é um dos cinco melhores em qualquer lista. Mas O HOMEM URSO de Werner Herzog como quarto ! É um grande filme, mas é exagero colocá-lo aqui. No resto dos dez primeiros vêm TEAM AMERICA de Trey Parker, o filme de Danny Boyle em sexto, O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA, CASSINO ROYALE do veterano Martin Campbell em oitavo, A RAINHA do grande Stephen Frears em nono e em décimo HUNGER de um diretor que se chama Steve McQueen. BORAT é o décimo primeiro...
Adoro os Coen e gosto muito de Herzog e Stephen Frears. Mas de 2000 pra cá não houve nada de melhor ? Lí toda a lista dos 100. Tem Cidade de Deus, mas tem também o medíocre Irreversível !!!! Tem Os Anéis, tem Lynch bem colocado e tem até alguns desenhos ( o melhor classificado é PROCURANDO NEMO ). Mas dá pra levar a sério uma lista que ignora TUDO o que Tim Burton e Clint Eastwood fizeram nesta década ? Que coloca Almodovar lá atrás e não cita KILL BILL ( nem em centésimo.... ) Qual é ? O filme com que Scorsese levou o Oscar é pior que a bobagem de Danny Boyle ?
Falando agora de algo mais importante.
Lí em algum lugar isto : Que o ser-humano só é feliz quando está cem por cento em esforço. Como um motor : você tem uma potência e só se realiza quando esse motor solta toda essa força. Pois bem. Os deprimidos são aqueles que têm um potencial jamais utilizado. Tipo de falcão preso num mundo de galinheiros. Neste mundo, onde tudo é facilitado e já vem pronto, o ser-humano estaria condenado ao tédio e a deprê. Pois a vida, só pode ser plenamente vivida, na dificuldade, na luta, no esforço. Quem luta vive. Livra-se da sensação, terrível, de vida jogada fora, de energia desperdiçada, de viver por nada.
Em um mundo onde se lutava por tudo ( pela comida, pela liberdade, pelo direito de fazer sexo, pelo voto, pela vida enfim ) a deprê era inviável, o tédio, um luxo. Ficava-se triste, morria-se até de tristeza ou de melancolia, mas não se definhava no desinteresse por tudo, no fastio que nunca passa, enjôo de viver. Fazer sexo era uma festa de liberdade, trabalhar era questão de honra. Hoje tentamos encontrar essa luta no "amor". Procuramos o amor como a grande luta, o campo onde podemos jogar tudo, deixar irromper toda energia. Ou então nos matamos num esporte desumano ou em drogas suavizantes. ( E talvez as pessoas se viciem para depois ter algo pelo que lutar : a cura. )
Não é a toa que os doentes desenganados sentem-se ao mesmo tempo aterrados e muito vivos. É uma briga verdadeira que ainda podemos ter, a briga contra a doença. Filmes com velhinhos perdendo a memória ou com jovens aidéticos provam isso. Nosso herói de hoje é o doente que sobrevive.
O meu e o seu potencial, adormecido, espera ansioso, com medo e ao mesmo tempo com ansiosa alegria, pela batalha que nunca chega. Que batalha ? Que luta ? Ir pro Big Brother ? No Limite ? Ou um tumor escondido ? Onde podemos lutar, usar toda nossa inteligência, fé, força muscular, habilidade manual, espírito de cooperação, raiva, desejo ? Onde ?
Num mundo sem revoluções, sem tabús para romper, sem ideologias para alcançar, sem inimigos reconhecíveis, sem tiranos e cheio de "tudo pode", brigar pelo que ?
Então vem os rachas no asfalto, tiros na policia, tráfico na rua, viagens sem destino. É a luta que resta, é a promessa de vida vivida. Lutas pelo mal, já que as lutas pelo bem foram decididas em outra geração.
Triste ironia. Quanto melhor nosso corpo, quanto mais protegido, cuidado, acalmado, paparicado; mais nossa alma se aflige, grita, se debate, se exaspera e por fim se entrega, dócil, podada e totalmente inutilizada. A alma/potencia não se desenvolve no conforto absoluto, na ausência de fome, de dor ou do "dragão a ser vencido".
Como disse em outro texto, Goethe temia que o mundo se tornasse um grande hospital. Que no futuro todos tivessem alguma doença para tratar. Eu completo isso dizendo : estamos sim num grande hospital. Um misto de clínica cardíaca com spa. Mas esse hospital não tem camas. Ele tem berços.
Você pode fazer uma lista alternativa, com ironia, contra as expectativas. Uma lista anti-intelectual. Ou ir pelo caminho do bom senso. A lista do Times é apenas tosca.
Para eles, CACHÊ de Michael Haneke é o filme da década. Forte ele é, mas o melhor ? Melhor em que ? O segundo é O ULTIMATO BOURNE de Greengrass... aí a coisa pega. Talvez seja uma bela aventura, meia fru-fru, mas se este é o segundo maior filme de uma década inteira... bem, então a década foi dispensável.
A coisa melhora com o terceiro : ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, dos Coen. Adoro e acho que é um dos cinco melhores em qualquer lista. Mas O HOMEM URSO de Werner Herzog como quarto ! É um grande filme, mas é exagero colocá-lo aqui. No resto dos dez primeiros vêm TEAM AMERICA de Trey Parker, o filme de Danny Boyle em sexto, O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA, CASSINO ROYALE do veterano Martin Campbell em oitavo, A RAINHA do grande Stephen Frears em nono e em décimo HUNGER de um diretor que se chama Steve McQueen. BORAT é o décimo primeiro...
Adoro os Coen e gosto muito de Herzog e Stephen Frears. Mas de 2000 pra cá não houve nada de melhor ? Lí toda a lista dos 100. Tem Cidade de Deus, mas tem também o medíocre Irreversível !!!! Tem Os Anéis, tem Lynch bem colocado e tem até alguns desenhos ( o melhor classificado é PROCURANDO NEMO ). Mas dá pra levar a sério uma lista que ignora TUDO o que Tim Burton e Clint Eastwood fizeram nesta década ? Que coloca Almodovar lá atrás e não cita KILL BILL ( nem em centésimo.... ) Qual é ? O filme com que Scorsese levou o Oscar é pior que a bobagem de Danny Boyle ?
Falando agora de algo mais importante.
Lí em algum lugar isto : Que o ser-humano só é feliz quando está cem por cento em esforço. Como um motor : você tem uma potência e só se realiza quando esse motor solta toda essa força. Pois bem. Os deprimidos são aqueles que têm um potencial jamais utilizado. Tipo de falcão preso num mundo de galinheiros. Neste mundo, onde tudo é facilitado e já vem pronto, o ser-humano estaria condenado ao tédio e a deprê. Pois a vida, só pode ser plenamente vivida, na dificuldade, na luta, no esforço. Quem luta vive. Livra-se da sensação, terrível, de vida jogada fora, de energia desperdiçada, de viver por nada.
Em um mundo onde se lutava por tudo ( pela comida, pela liberdade, pelo direito de fazer sexo, pelo voto, pela vida enfim ) a deprê era inviável, o tédio, um luxo. Ficava-se triste, morria-se até de tristeza ou de melancolia, mas não se definhava no desinteresse por tudo, no fastio que nunca passa, enjôo de viver. Fazer sexo era uma festa de liberdade, trabalhar era questão de honra. Hoje tentamos encontrar essa luta no "amor". Procuramos o amor como a grande luta, o campo onde podemos jogar tudo, deixar irromper toda energia. Ou então nos matamos num esporte desumano ou em drogas suavizantes. ( E talvez as pessoas se viciem para depois ter algo pelo que lutar : a cura. )
Não é a toa que os doentes desenganados sentem-se ao mesmo tempo aterrados e muito vivos. É uma briga verdadeira que ainda podemos ter, a briga contra a doença. Filmes com velhinhos perdendo a memória ou com jovens aidéticos provam isso. Nosso herói de hoje é o doente que sobrevive.
O meu e o seu potencial, adormecido, espera ansioso, com medo e ao mesmo tempo com ansiosa alegria, pela batalha que nunca chega. Que batalha ? Que luta ? Ir pro Big Brother ? No Limite ? Ou um tumor escondido ? Onde podemos lutar, usar toda nossa inteligência, fé, força muscular, habilidade manual, espírito de cooperação, raiva, desejo ? Onde ?
Num mundo sem revoluções, sem tabús para romper, sem ideologias para alcançar, sem inimigos reconhecíveis, sem tiranos e cheio de "tudo pode", brigar pelo que ?
Então vem os rachas no asfalto, tiros na policia, tráfico na rua, viagens sem destino. É a luta que resta, é a promessa de vida vivida. Lutas pelo mal, já que as lutas pelo bem foram decididas em outra geração.
Triste ironia. Quanto melhor nosso corpo, quanto mais protegido, cuidado, acalmado, paparicado; mais nossa alma se aflige, grita, se debate, se exaspera e por fim se entrega, dócil, podada e totalmente inutilizada. A alma/potencia não se desenvolve no conforto absoluto, na ausência de fome, de dor ou do "dragão a ser vencido".
Como disse em outro texto, Goethe temia que o mundo se tornasse um grande hospital. Que no futuro todos tivessem alguma doença para tratar. Eu completo isso dizendo : estamos sim num grande hospital. Um misto de clínica cardíaca com spa. Mas esse hospital não tem camas. Ele tem berços.
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