Bryan Ferry - TOKYO JOE



leia e escreva já!

Bryan Ferry - This Is Tomorrow



leia e escreva já!

UMA CRÔNICA SOBRE O AMOR: DE LONDRES 1977 ATÉ SP 2013- IN YOUR MIND, DISCO CHAVE DE BRYAN FERRY

   Existem discos que ficam mofados. Acabo de tentar escutar Avalon do Roxy. Que coisa! Como pode um disco que gostei tanto parecer agora tão vazio? Nenhuma emoção consigo capturar. Faz dançar, é bonito, mas está distante de mim. É isso, o cara que vibrava com Avalon talvez seja hoje muito pouco eu.
   Não é o caso de In Your Mind. O disco é de 1977, mas comprei-o apenas em 1993. Na época pré-cd e muito pré-internet, certos discos eram muito raros. Este era um deles. Vendeu tão pouco que nunca foi lançado no Brasil. E o fato de ter vendido pouco foi uma surpresa.
   Em 1976, com o ego inflado, Bryan Ferry encerra o Roxy Music e se dedica apenas a carreira solo. Com o Roxy acontecera um fato que também ocorrera na mesma época com The Faces: o cantor dar mais atenção a sua carreira fora da banda, e acabar por deixar os companheiros de grupo de lado. Rod Stewart lançava todo ano um disco solo e um disco com The Faces. Ao mesmo tempo, todo ano, Ferry lançava um disco com Roxy e um solo. E ambos,  Rod em 1975, Ferry em 1976, dão um chute final na banda.
   Então em 1976 Bryan Ferry lança seu primeiro disco solo com o Roxy desintegrado ( é seu quarto album solo na verdade ). Let's Stick Together é um disco excelente e é um big hit na Inglaterra ( nunca na América ). Com Rod Stewart cada vez mais longe de seus fãs, Bowie gravando soul music e Elton John começando a decair, Bryan Ferry se torna o nome mais IN de Londres. Todas as modelos querem ele, os fotógrafos lhe perseguem e até cinema ele faz. Escolhe Jerry Hall como namorada, se apaixonam ( a texana Hall era a top model number one do mundo ). Mas, voce sabe, ele é Bryan Ferry, as coisas tinham de se melancolizar.
    Em fins de 1976 Mick Jagger vai assistir um show de Ferry, e nos camarins conhece a namorada de Bryan, Jerry Hall. Fulminante paixão! Mick e Hall serão marido e mulher por mais de vinte anos. Bryan Ferry entra numa dor de cotovelo abissal e há quem diga que seu estilo até hoje é esse: abandonado por Jerry Hall.
   In Your Mind é gravado nesse espirito. Todas as faixas falam de Hall e as vendas foram as piores de sua vida. Era 1977, Londres só tinha ouvidos para disco, punk e ska, reggae e new wave. Em questão de meses Bryan Ferry passou a parecer careta, saudosista, velho. ( Ele estava com 31 ). In Your Mind é soberbo.
   Existem discos que são "bíblias" sobre o amor. São poucos esses discos. Consigo lembrar de Forever Changes do Love, Rattlesnakes de Lloyd Cole, o disco Steve McQueen dos Prefab Sprouts... São albuns que mergulham na paixão amorosa, dialogam com nossos corações, narram os começos e os finais de histórias, nos consolam e nos guiam. In Your Mind é assim.
   This is Tomorrow abre em alto-astral. E tem um solo de guitarra espetacular de Chris Spedding. O som é rico: sinos, teclados, sax e trompete, guitarra, percussão e montes de vozes. É o Pop perfeito, o Pop refinado de Mr.Ferry. All Night Operator começa a mudar o clima e quando entra One Kiss entramos na coisa. One Kiss é um baladão. Uma canção épica de amor comum. O vocal é sublime. Ela é triste mas jamais deprimida. Bryan Ferry sempre chora como Homem, nunca como menino.
   Love Me Madly Again é uma obra-prima. Tem um arranjo de violinos no final que é coisa de gênio. Há tanto para se dizer e tanto para se ouvir nessas canções...
   Tokyo Joe foi a faixa que chegou mais perto do sucesso. É esperta, dançável, muda de andamento toda hora, cheia de barulhinhos à La Eno. E vem Party Doll.
   Party Doll é uma balada-culto. Ferry canta como se estivesse num púlpito, e não a toa ela termina com um "Amém". Tudo nessa canção tem a simplicidade dos clássicos e a complexidade dos eternos. A voz está afirmativa, se impõe e todos os instrumentos soam em coesão. É um desses momentos em que o Pop surpreende. Há muita perfeição aqui.
   Rock of Ages é uma canção que empurra a vida avante e o disco fecha em ponto sublime com In Your Mind. A sequencia dessas duas jóias poucas vezes foi igualada.
   Quando ouvi o disco a primeira vez, numa tarde de dezembro em 1993, eu estava apaixonado. Eu e a menina que amava havíamos combinado: em Janeiro ela terminaria seu noivado e ficaríamos juntos então. Claro que nada deu certo e ela ficou com o cara. Mas em dezembro eu não sabia. Eu apenas sabia que a dividia com outro. In Your Mind caiu feito uma bomba nesse momento. Era a voz certa e a música certa. O disco me consolava e me fazia esperar.
   Hoje, quase vinte anos depois, ele poderia ser mofo, como Avalon. Ser apenas uma lembrança de um amor passado. Bonito. E distante. Mas não. In Your Mind está vivo. Cada acorde dessa multidão de instrumentos, dos baixos sinuosos às percussões fortes, cada palavra da voz de Ferry estão vivos como estavam em 77 e em 93.
  Amém.

MALICIA NEGRA, UM LIVRO MUITO MUITO CRUEL DE EVELYN WAUGH

   Tudo se passa na África oriental. Uma revolução. Imagens de crueldade e personagens ridiculos. Um armênio que só pensa em negociatas. O novo rei, que por ter estudado em Oxford pensa ser um homem muito acima da média. O povo do país, que tem hábitos como os de comer carne de brancos e fazer filhos sem parar. O embaixador da França, que vê tramóias da Inglaterra em tudo. O general do exército do país, um mercenário irlandês bêbado, casado com uma mulher da África, mulher esta que tem por nome "Black Bitch". E no meio de tudo, os ingleses.
   Na embaixada inglesa todos se preocupam com o que é "civilizado". O chá, os cavalos, o correio, os jogos e o jardim. Isso é importante, não essas tais de revoluções, ou guerras ou seja lá o que for... Assim, o embaixador passa o tempo se escondendo do trabalho. A esposa cuida das rosas e a filha pensa em sexo, em homens e em...mais sexo. Enquanto isso, na Inglaterra, um jovem sujo e sexy, aproveitador falido cansado de pegar dinheiro emprestado da mãe e de ir em festas que duram três dias, resolve ir para a África. E vai.
   O novo rei logo o faz seu ministro, o ministro da modernização. O rei baixa novas leis todo dia: proibe o uso de saias para os homens, inaugura um museu, faz uma estrada de ferro, pensa em metrô, proibe a matança de animais, obriga o uso de botas...Explode uma nova revolução. O povo não aceita a obrigatoriedade de se usar camisinha.
   O livro é mirabolante, enfeitiçante e politicamente incorretíssimo. Voce dá gargalhadas com esse mundo duro, absurdo e muito real ( infelizmente ), lugar em que o terceiro mundo se obriga a crescer e a se civilizar, onde reis vaidosos dão titulos de condes e duques a canibais mentirosos. Mundo onde os europeus pouco se importam com o que acontece desde que sejam deixados com suas festas e seus palácios. E não precisem se misturar aos selvagens. Nada é sério e tudo é fatal. Os africanos nada compreendem dessas coisas como democracia, educação ou bons modos brancos; e os brancos nada querem com os africanos. Vivem no país como em sonho.
   Como o livro termina? O que posso falar é que um deles é comido e um outro nada aprende com a história.
   Uma lição que fica: a Inglaterra, como todo império, deveu sua grandeza a algumas gerações de ousados aventureiros e espertos homens de dinheiro; no começo de seu final, uma casta de mimados sem iniciativa e sem ideias passa a dirigir o país. Que funciona ainda graças aos dividendos da riquesa acumulada pelos heróicos primeiros anos. Sempre é assim na história de todo império, seja EUA ou seja Roma, e este livro exibe essa casta em toda sua mediocridade.
   Waugh era uma víbora.

The Kon-Tiki expedition-color film



leia e escreva já!

New Kon Tiki Trailer 2012



leia e escreva já!

EXPEDIÇÃO KON-TIKI, FILME DE RONNING E SANDBERG

   Chuck Yeager é um dos meus heróis. E ele foi tema de uma obra-prima do cinema: Os Eleitos de Philip Kauffman. Sam Shepard interpretou Yeager. Agora meu outro grande herói, Thor Heyerdahl, ganha um filme, candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013. EXPEDIÇÃO KON TIKI é um belíssimo filme da Noruega. Simples, emocionante, discreto, como Thor.
   Em 2005 li em duas semanas dois livros de Heyerdahl: NA TRILHA DE ADÃO e A EXPEDIÇÃO KON TIKI. Digo sem medo de errar, que são dois dos livros que li com mais prazer em minha vida. Cheios de fotos, texto maravilhoso, eles conseguem fazer com que fiquemos plenos de alegria, de fé na vida e principalmente curiosos. Viver é ser curioso, ser inteligente é ter curiosidade, querer conhecer aquilo que não se conhece. Thor é um desses e por isso eu o venero.
   O filme conta a história sem enfeites. Heyerdahl estuda antropologia e lança a teoria ( ridicularizada ) de que os nativos da Polinésia tiveram sua origem não na Asia, mas sim na América do Sul. Ora, diziam todos, como os peruanos poderiam ter povoado as ilhas? Eles não sabiam fazer barcos, só jangadas, e uma jangada jamais poderia cruzar 8000 km no Pacifico. Heyerdahl insiste na ideia, junta uma equipe e parte. Sim, parte! Quase sem recursos vai ao Perú e lá constrói uma jangada, usando os mesmos materiais que os peruanos de 1500 anos atrás teriam a disposição. E parte.
   Detalhe importante: Thor Heyerdahl nada sabia de navegação, e pasmem, não sabia nadar! Forma uma equipe onde um é vendedor de geladeiras, outro é herói de guerra ( é 1947 ) e dos sete homens apenas um já esteve no mar. Fazem a jangada : troncos de madeira, cordas e uma cabana de folhas. Uma vela e nada de leme ou de remos. As correntes do mar irão os guiar, soltos, do Perú até a Polinésia. Essa é a certeza de Thor. E eles se jogam.
   O mar neste filme á mais belo que em PI. Não tem enfeites. E quando eles chegam a ilha, após 101 dias, voce chora com o riso de Thor Heyerdahl. Ele tinha apenas uma certeza, baseada apenas numa fé, sem qualquer evidência, e chegou. Nada pode ser comparado a bela aventura desse não-aventureiro. Nada se compara a alegre jornada desse grupo. Isso se chama heroísmo: um homem e sua certeza se dirige a seu destino sem ajuda de nada mais que sua fé. Obstinadamente ele prova sua verdade e jamais deixa de acreditar naquilo que o move. Se para mais alguém crer naquilo que ele crê era preciso refazer a viagem, ele a refez.
   O filme termina falando do destino da tripulação, e é com alegria que vejo que todos morreram velhinhos, se aventurando em outras paragens.
   Tenho neste momento em minhas mãos os dois livros. Preciso reler. Preciso novamente estar nesse mar. O filme, feito apenas de momentos claros, apenas daquilo que importa, sem firulas e sem exibições, é delicioso. Provávelmente jamais será exibido por aqui. Corram atrás! Voces irão adorar!

BERÇO DO CINEMA COMO O CONHECEMOS: A HISTÓRIA DA UNIVERSAL, CLIVE HIRSCHHORN

   Me surpreende a pobreza da história da Universal. Sempre soube que ela era, dentre as grandes, de segundo escalão. Mas não pensava que ela fosse tão de segunda! Porém, neste grande livro de Clive Hirschhorn, o que salta aos olhos é a ironia: a Universal, de certo modo, inventou sem querer aquilo que chamamos de cinema contemporâneo. Já explico como.
   O livro, cheio de fotos, traz comentários sobre todos os filmes feitos pela Universal. De 1916 até 1985. Daí em diante nem seria interessante continuar, pois aquilo que entendemos por produção deixa de ter a marca, o DNA de um estúdio e passa a ser objeto de produção indistinta, geralmente um conglomerado. Quando voce vê num filme a chancela da Paramount ou da Warner, saiba que o que essas empresas fizeram foi apenas alugar estúdios e distribuir o produto. Mas não era assim, e os pioneiros, amantes de cinema com faro para aquilo que o povo queria, inventaram e criaram os gêneros de filme, aquilo que até hoje chamamos de cinema americano.
   Ricas eram a MGM e a Paramount. Esbanjavam valores de produção e tinham as grandes estrelas nas mãos. A MGM criava filmes históricos, dramas românticos e os musicais. Aquilo que até hoje chamamos de filme de bom gosto, de filme luxuoso, é marca registrada da MGM. Já a Paramount ia pelo caminho da grande aventura e da malicia. Filmes sobre expedições a lugares exóticos, comédias escapistas, diálogos afiados. A marca da Paramount era a de ser liberal. Das companhias grandes era a que dava maior liberdade a escritores e diretores.
   Abaixo das duas, ainda ricas mas não opulentas, vinham a Warner e a Columbia. A Warner tendo como trademark um certo realismo. Warner era sinônimo de filmes mais duros, mais crús e menos escapistas ( o que não a impedia de ser a casa de Erroll Flynn ). Policiais e dramas com Bette Davis, esses eram os filmes com a cara da Warner. Já a Columbia era a casa do pão-durismo. Fazia-se o máximo com o minimo e seus filmes falavam diretamente com o povão. Eram os filmes mais simples.
   A Universal vinha abaixo desses quatro, vinha ao lado da RKO e da United Artists. Falo agora da Universal.
   Em setenta anos apenas dois Oscars de melhor filme foi ganho pela companhia. Dois grandes filmes aliás: Nada de Novo no Front e Golpe de Mestre, 1930 e 1973. Foram quarenta e três anos sem prêmio. O que era a Universal ?
   A casa de Drácula, de Frankenstein e da Múmia. A empresa nasce como a produtora de filmes de terror e de westerns baratos. As companhias mais ricas eram donas de redes de cinema, a Universal não. Imagine que desigualdade: a MGM fazia um filme e o exibia em seus cinemas, assim como a Warner, e até a RKO faziam. A Universal não. Para sobreviver ela precisou se concentrar nas cidades não atendidas pelas grandes, ou seja, o interior do país. A Universal passa a ser marcada pelos filmes populares, filmes curtos, baratos e de apelo. Terror e westerns.
   É assustador ver a pouca presença de grandes diretores e grandes atores na Universal. Claro, às vezes há um filme com James Stewart ou de Hitchcock, mas isso é bem mais tarde. Em seu começo ela é a casa de Bela Lugosi e de Boris Karloff. Voce começa a perceber o que quero dizer? A Universal como criadora do cinema de hoje?
   Séries de fantasia também são produtos da empresa. Maria Montez e Jon Hall fazem dúzias de filmes sobre As Mil e Uma Noites, assim como se fazem séries sobre um mulo que fala e uma familia de caipiras. Não há sutileza na Universal. A MGM jamais faria um filme sobre um mulo que fala!
   Musicais pobres também são produzidos e Deanna Durbin, um fenômeno, consegue estar em bons filmes. Ela se torna a primeira grande estrela da companhia. Tudo fica nesse clima até os anos 50 que é quando a empresa muda de donos. A MCA compra a Universal e uma mudança ocorre, os filmes ficam mais "bonitos". Dinheiro começa a ser gasto, É quando eles produzem seus melhores filmes: os westerns de Anthony Mann e mais tarde Spartacus para Kubrick e Os Pássaros para Hitchcock ( e observe, nada de Kubrick e Hitch é tão "cinema de agora" como Spartacus e Os Pássaros ). Nos anos 50 o produtor Ross Hunter cria na empresa aquilo que conhecemos como "comédia romântica", molde que dura até hoje e que tinha Rock Hudson e Doris Day como ícones da empresa.
   Assusta ver como a revolução dos anos 60 passou longe da Universal. Fizeram filmes ótimos como Charada de Stanley Donen, mas ignoraram o cinema de Lumet, Pollack e Frankenheimer. Penn, Nichols e Altman não teriam a menor chance lá.
   Mas sim os disaster movies. Em 1970 eles estouram com Aeroporto, e de 1970 até 1977 a empresa vive seu apogeu em bilheteria. Se desde 1930, com seus filmes de terror e suas séries para o povão, eles indicavam sem saber o que seria o cinema do futuro, na década de 70 eles criaram o cinema de 2013.
   Na década de 70, Warner e Paramount apostavam nos diretores. A Warner dava total liberdade a Altman e a Paramount bancava Coppolla, Polanski e sua turma. Essas empresas imaginaram que o futuro seria um certo tipo de filme autoral, contestador, de arte. Mas não a Universal. Ela apostou em Robert Redford, em Paul Newman e em Steven Spielberg. Em 1973, Golpe de Mestre quebra a banca ( é um filme maravilhoso ) e por toda a década Redford e Newman irão continuar fazendo seus big hits baseados em humor, ação e bons roteiros. E chega então 1975, e com ele o primeiro blockbuster como o conhecemos. Tubarão é lançado em centenas de salas, com marketing agressivo e se torna a segunda maior bilheteria da história. Mais, vira mania. As companhias grandes torcem o nariz, acham o filme careta, mas logo em seguida a Paramount dá espaço a Lucas e vem Star Wars. Pronto, nasceu o cinema como o conhecemos. Tubarão foi o primeiro, e não deixemos de falar, Lucas começou na Universal, American Graffitti é da companhia.
   No fim da década a Universal lança mais um estilo de filme desconhecido até então, a comédia grosseira e sem roteiro. John Belushi se torna star da tela grande em 1978. Um novo filão. Devo dizer também que a Universal foi a primeira grande empresa a produzir muitos filmes para a tv. Columbo é da Universal e Clint Eastwood começou também por lá.
   A MGM em seu auge tinha Garbo, Gable e Judy Garland. A Paramount tinha Dietrich, Cary Grant e Gary Cooper. A Warner era o lar de Bette Davis, Bogart e Erroll Flynn e a Columbia tinha James Stewart, Frank Capra e John Wayne. A RKO ia de Kate Hepburn e Fred Astaire....a Universal tinha Drácula, Flash Gordon e O Mulo Falante.
   Filmes de terror, séries baratas, comédias românticas, blockbusters, disasters movies e comédias grosseiras. Tudo DNA da Universal. Quem criou nosso cinema?
  PS: Imperdoavel falha! Esqueci da FOX!!!! Coloque-a logo abaixo da MGM e da PARAMOUNT. Seu caráter era o de seguir os passos das grandes. Fazia muitos musicais como a MGM. Comédias como a Paramount e aventuras tipo Warner. Só que sempre um tantinho mais pobres, mais bobinhas. Tyrone Power e Jennifer Jones eram as estrelas. E junto com a Columbia, colecionava prêmios Oscar.

  

CLOONEY/ SEAN CONNERY/ MARLOWE/ ANG LEE/ ALDRICH

   SETE PSICOPATAS E UM SHIH TZU de Martin McDonagh com Colin Farrell, Sam Rockwell, Abbie Cornish, Woody Harrelson, Christopher Walken e Tom Waits
Um elenco interessante em mais uma imitação de Tarantino. Diálogos sem sentido, violência de HQ, musiquinhas cool e uns personagens esquisitos. Tempere essa receita com humor e cores fortes. Certo? Não, tudo errado. Neste filmeco sobre um escritor sem inspiração e seu amigo tonto ( que vive de sequestros a cães ), tudo dá errado. O humor é medíocre e pior, os personagens são frouxos. Insuportável de tão vazio. Nota Zero.
   UM HOMEM MISTERIOSO de Anton Corbijn com George Clooney
Clooney é um assassino de aluguel que se refugia na Itália. Anton foi um famoso diretor de clips. Isso se percebe logo, ele é incapaz de encenar um diálogo. O filme é uma série de imagens frias, mal montadas e sem porque. Clooney posa e o filme é um nada absoluto. Nota Zero.
   NUNCA MAIS OUTRA VEZ de Irvin Kershner com Sean Connery, Klaus Maria Brandauer, Kim Basinger e Max Von Sydow
Em 1983 dois filmes de James Bond foram feitos. Um oficial, produzido por Saltzman e Brocolli; e um alternativo feito por outra equipe, mas com o trunfo de ter Sean Connery de volta ao papel, após 12 anos longe. É estranho, porque é um Bond sem o tipo de letreiro habitual e sem a trilha sonora de John Barry. Mas é 100% o velho Bond de sempre. A trama é sobre o roubo de arma nuclear e Connery está excelente no papel: cínico, mulherengo e frio como aço. De bônus há o fato de ele brincar com sua idade. James Fox faz seu patrão e diz que Bond está ultrapassado. O filme tem uma ótima primeira parte ( e uma péssima trilha sonora, de Michel Legrand ), mas perde ritmo no fim. Kershner vinha de dirigir O Império Contra-Ataca e Kim Basinger começava a chamar a atenção. É uma aventura que jamais se leva a sério. Nota 5.
   LOCAL HERO de Bill Forsyth com Peter Riegert e Burt Lancaster
Faz muito tempo que eu queria ver esse filme. Isso porque ele é sempre eleito pelos ingleses um de seus filmes favoritos de todos os tempos. Trata-se de um modesto filme dos anos 80 que fala de um jovem americano que vai à uma vila escocesa. Esse jovem trabalha numa enorme companhia de petróleo e seu objetivo é comprar a vila para construir uma refinaria. O filme tem seus primeiros quinze minutos sem nada de especial, mas de repente ele cresce e nos seduz completamente. A população adora a ideia de vender a vila inteira e o filme transcorre desse jeito: as coisas acontecem imprevisíveis e em ritmo normal. Nada de chocante acontece, nada é grande ou esquisito, entramos na vida banal daquela gente, que não são tristes e nem alegres, e sentimos estar diante de gente real e de vida de verdade. O lugar nem é tão bonito! Lancaster está excelente como o dono da empresa de petróleo, um solitário que é apaixonado por astronomia. O filme, discreto e bonito, é cheio de vida. Nota 8.
   MURDER, MY SWEET de Edward Dmytryck com Dick Powell
Excelente filme noir. Powell faz Marlowe, o mitico detetive de Raymond Chandler, e sua abordagem é completamente diferente daquela de Bogart. Powell faz um Marlowe muito mais pé de chinelo, sem moral, cheio de humor. Dmytryck era um ótimo diretor antes de ser pego pela comissão de McCarthy e demonstra isso aqui. O filme tem estilo, tem ritmo, ótimas cenas e diverte muito. Todo passado no mundinho de botecos, becos e sombras, é boa opção para quem quer conhecer esse maravilhoso gênero de cinema. Másculo, direto, e muito influente. Nota 7.
   COM A MALDADE NA ALMA de Robert Aldrich com Bette Davis, Olivia de Havilland, Joseph Cotten e Agnes Moorehead
Após o sucesso de Baby Jane, Aldrich reconvoca Bette Davis e lhe dá mais uma vez um filme de horror em que ela faz uma velha doida. E coloca outros veteranos a seu lado. Mas se Baby Jane foi inesquecível, este é apenas correto. Não assusta como o filme anterior e Bette não tem um papel tão forte como foi aquele. A gente percebe que alguma coisa aqui foi forçada. De qualquer modo, é um prazer ouvir Bette Davis e temos Agnes Moorehead dando um show como a maltrapilha empregada da casa. Nota 5.
   AS AVENTURAS DE PI de Ang Lee
Visualmente belíssimo, ele passa por alto das implicações contidas no primeiro terço do livro de Martell. Dessa forma, deixamos de conhecer Piscine em profundidade e nem sabemos o porque de sua familia. Mesmo assim Ang Lee produz mais um filme que nos surpreende. Vivemos uma época de cineastas pouco versáteis. Um filme de Wes Anderson ou de Thomas Anderson ou de Tarantino, por melhor que seja, sempre se parece com tudo aquilo que seu diretor sempre fez e faz. Mas não Ang Lee. Ao melhor estilo John Huston ou William Wyler ou Fred Zinnemann, Lee faz filmes em função da história a ser contada. Desse modo, Hulk nada tem que lembre Brokeback Mountain que nada tem a ver com Tempestade de Gelo. É um dos maiores talentos de nosso tempo. O filme é o que poderia ser, nem mais nem menos. Emociona menos que deveria, erra menos do que seria provável. Em mãos menos hábeis teria tudo para ser ridiculo. Nota 7.

AS AVENTURAS DE PI, FILME DE ANG LEE

   Ao contrário do que o pai de Piscine lhe tenta ensinar ( Tigres são diferentes de nós. Tenha medo. ), o jovem Piscine insiste em seu maravilhamento. Ele ama a vida e esse amor o leva a curiosidade. Dentre as várias maravilhas do mundo, nada tem um caráter tão maravilhoso: Deus. Ele passa então a procurar Deus. Onde? Nas religiões. E lá se vai o jovem inquieto na busca por maravilhamento. Mas a pressão da familia, a cobrança por coerência lhe entristece. Eis um momento importante: A vida perde seu encanto, o tédio se impõe. Piscine está pronto para ser "mais um".
   No belo livro de Yann Martel, toda essa primeira parte ocupa quase metade da narrativa. E é a melhor. Com soberbo humor e sabendo fugir do clima "auto-ajuda", voce lê tudo isso com prazer e surpresa. Os animais passam a ocupar o lugar de Deus na vida de Piscine. E vem a saga.
   Ang Lee é um dos melhores diretores vivos. Mas não é David Lean. Com todos os recursos digitais, ele não dá ao mar o que Lean deu ao deserto. O oceano de Lee é lindo, o deserto em Lawrence da Arábia era aterrador. Cada tomada de David Lean era entrada no sagrado ( como foi também o espaço em 2001 de Kubrick, para mim, o melhor dos filmes religiosos ), cada tomada de Ang Lee é apenas Disney. E que belo Disney!!! O vôo dos peixes-voadores já é uma cena clássica.
   A história é narrada para um escritor sem inspiração. E ao final ele dirá que Richard Parker, o tigre, era Piscine. Mas então quem era Piscine?
   Conhecendo alguma coisa de poesia inglesa a gente logo percebe que existem cinco poemas centrais no idioma. Aqueles que todo estudante mediano conhece. Ode ao Vento Oeste, Ao Rouxinol, Se... e de William Blake temos The Tyger ( na grafia antiga com um Y ). O poeta vê o tigre e hipnotizado sente que aquela imagem é mais do que um bicho: pode ser Deus. É impossível Yann Martell não conhecer esse poema. Ele já foi citado centenas de vezes em filmes e até em música pop. Pois bem...
   O tigre se vai na mais bela cena do filme ( e a única que me emocionou ). Com sua missão cumprida, uma terrível missão, pois o Tigre que salvou Piscine também poderia tê-lo matado ( O que não me mata me fortalece ), ele desaparece na floresta e não deixa rastros. Vem então a chave do filme: Qual a história verdadeira?
   Desde a muito eu sei que exsitem dois tipos de espirito. E saiba que eu vivo/vivi ambos. Existe gente que olha o mar e vê água e sal. E um monte de bichos. São simplificadores, sempre diminuem tudo, inclusive a si-mesmos.  Existe gente que olha o mar e vê o infinito. E trilhões de caminhos. Mais que isso, vê um mistério SEM POSSIBILIDADE DE RESPOSTA. Portanto, mesmo não admitindo, essa pessoa vê Deus no mar. Já o outro, míope, só consegue perceber o óbvio, água e sal.
   Piscine diz ao ouvinte que a história o fará crer em Deus. E muita gente se decepciona pois o ouvinte não vê uma prova de Deus. Mas não é caso de julgamento, é uma questão de ESCOLHA. Ao optar pela história de Richard Parker e não pela do cozinheiro louco, o ouvinte está se abrindo ao maravilhoso, ao além do banal, a Deus portanto. Ele não crê em Deus, mas tem uma porta aberta a Sua possibilidade.
   Dito isso o que desejo deixar claro é que acredito na religião da BELEZA, e fico entristecido e com pena daqueles que só conseguem ver a fealdade na vida. O senso de beleza pode salvar uma vida, dar dignidade a dor, dar sentido ao caminho. O maravilhamento de Piscine com Richard Parker abre seus olhos a beleza inenarrável de sua saga. E na morte em vida ele encontra a Ilha que lhe dá outra-nova vida. Sua tragédia é um reencontro com a liberdade da infância, a curiosidade e a busca.
   Tenho amigos que vivem comigo nesse Oceano. Tenho outros amigos que só querem ver o cozinheiro louco, a água e o sal, o tigre sem nome. É sempre uma questão de QUERER CRER.
   O melhor filme de Ang Lee continua sendo sua magnífica versão de RAZÃO E SENSIBILIDADE de Jane Austen, mas este filme é uma obra de coragem e de simplicidade invulgar.
   Um PS: É dito no filme que os Super-Heróis são os deuses-indianos de hoje. Sempre repito isso, nossa necessidade, humana, de transcendência nos faz adotar heróis, gurus, profetas e curandeiros, mesmo os mais medíocres. Richard Parker me parece um bom tipo de transcendência. Parker não dá nada com facilidade, não banaliza as coisas, nunca se vende. É uma força que tem de ser entendida, compreendida e aceita. Nisso reside sua beleza.

PORQUE A MEMÓRIA?

   Um dos grandes mistérios da vida: Porque certas coisas se fixam em nossa memória, para sempre, e outras desaparecem? Não falo das "grandes coisas", tipo um pé na bunda ou uma cirurgia. Falo de pedaços de imagens, momentos que parecem tão banais, mas que sobrevivem, exatos, próximos, enigmáticos, por todos os seus dias. Porque?
   Olho uma imagem na tv. E ainda estou numa idade em que aquilo que vejo na tv é tão real como o que observo pela janela. Um homem numa floresta, cercado de fadas, olha sua imagem refletida num lago e percebe que não é mais um homem, é agora um animal. Fascinado pelas imagens em preto e branco, guardo esse momento por toda a minha vida, com a força de algo recente. Tenho dúvidas se isso foi um sonho ou um filme na tv. Até que em 2008 compro o dvd de SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO, a versão da Warner de 1932, e descubro que essa era a imagem, que o homem era James Cagney e que aquilo era um filme na tv que passou de noite, num especial de Natal. E o fato de um filme clássico, de 1932,  ter passado na tv como especial, demonstra o quanto essa minha lembrança é antiga. Foi em 1966? 67? Eu tinha então três ou seriam quatro anos?
   Muito mais importante: Porque essa cena me impressionou tanto e não alguma cena de meus programas favoritos de então ( segundo meus pais ), que eram Bat Masterson e Circo do Arrelia? As fadas e a floresta, o lago e a transformação, a tristeza profunda e melancólica que James Cagney demonstrou ao se ver como bicho, porque isso me pegou tanto?
   No quintal de casa uma menina passa rodo no chão. Faz sol e venta muito e ela trabalha descalça. Usa um vestido leve e uma tachinha que não sei porque estava por lá, entra na sola de seu pé. Sem sentir dor, ela sorri e tira a tachinha do pé.
   Eu desço a rua dos Três Irmãos e olho as luzes, fracas, dos postes que se acendem lentamente.
   Uma manhã em que encosto meu rosto contra o vidro da janela de um táxi na avenida Angélica.
   Cheiro de chocolate no Itaim, andando na rua da Kopenhaguen.
   O sol entrando pela janela da sala de manhã.
   ...Todos esses são momentos comuns, preservados pela minha memória. Flashs sem enredo, sem antes e sem depois. São como planetas que orbitam ao meu redor, eternos e impassíveis, idestrutiveis. Porque esses planetas e não tantos outros?
   Talvez a chave esteja exatamente no fato de serem momentos sem enredo. Esses momentos não são prosa, não podem ser narrados, eles são poesia. O que os preserva e os faz vivos é uma qualidade de luz que eles possuem. São imagens, quadros que exibem a eternidade de um momento. Descobertas de mistérios. Nesses momentos eu vislumbrei o mistério da melancolia, da mulher, da noite, do cheiro. E todos eles, e tantos mais, são banhados por uma luz diferente, uma sombra, ou um brilho intenso. Segundos que duram para sempre e que me avisaram aquilo que eu era e não sabia ser.
   Tantos outros...Num Jeep em meio a chuva...Um graveto no mato que fura minha pele...O ruido da chuva nas calhas de lata que fazem eco...A roupa voando no varal ao sol....
   Fellini usava muito essas imagens em seus filmes. Imagens da infância em Rimini, imagens de sonho-verdade, flashs da memória, descobertas... E eu sei disso: Nossa mente ansia por poesia, por momentos de revelação. Amamos para isso, para viver esse momento, ter revelações, ter segundos de criação de planetas. É pra isso que amamos, lemos e viajamos. O resto nada vale.

Evelyn Waugh Face To Face BBC Interview



leia e escreva já!

RENDIÇÃO INCONDICIONAL- EVELYN WAUGH, O RIDICULO DA GUERRA ( E DA POLITICA )

   Adoro Waugh. Depois da brilhante geração dos anos 10/20, não há autor em inglês que eu aprecie mais. Tenho imensa admiração por Graham Greene, Saul Bellow, John Cheever, Wodehouse, Updike, Gore Vidal...Mas Evelyn Waugh é meu favorito. Questão de identificação. O modo como ele vê a vida é muito próximo do meu e ele escreve no estilo que eu adoraria ter. Se eu soubesse escrever, claro.
   Dentre os oito livros de Waugh que já li, este, terceira e última parte de sua trilogia sobre a segunda-guerra, é um dos melhores. E de certa forma, ele aqui resume toda sua brilhante carreira.
   Crouchback é um membro de antiga familia nobre. Divorciado, entediado, melancólico, ele entra na guerra como voluntário, de certo modo para ter alguma coisa que o "anime". Lá, ele acaba por conviver com seus velhos conhecidos ( mas não necessariamente amigos ). Uma turma de frequentadores de clubes, pseudo-intelectuais, esquerdistas, nobres alienados e patetas em geral. O que eles fazem na guerra? Basicamente sofrem de tédio. São treinados e transferidos, ganham patentes e são desmobilizados. Não nos esqueçamos, eles fazem parte da elite inglesa. Querem ação, querem honrar o nome nobre e guerreiro de seus antepassados, mas nada têm a fazer. A guerra, cruel e real, é para a plebe, jovem e saudável.
   Acaba por participar de duas batalhas em cinco anos. Uma delas é narrada no livro dois, e neste livro três há uma ridicula batalha farsesca na Iugoslávia. O que mais deixa Crouchback doido é a burocracia absurda, a letargia de gabinetes e sua própria indecisão.
   Waugh cria uma galeria de personagens magníficos. Tipos paranóicos, vaidosos, alienados, suicidas, todos cômicos em suas reações covardes. Não há glória nesta Inglaterra de Waugh. O que há é burrice, abjeta burrice. Evelyn Waugh esteve na guerra, sabe o que fala. Tem uma visão da guerra não-heróica, ele é desencantado.
   E vai mais longe. Já escrevi que dou muita risada com humor visual, livros cômicos são adoráveis mas não me fazem gargalhar. Waugh conseguiu me fazer gargalhar ao fim do livro. Numa patética cena de batalha em que um general aleijado avança sózinho contra os sérvios e é massacrado. A cena é tão absurda e tão tola que é impossível não rir. Rir com amargor.
   Há uma fala ao fim do livro que condensa o que pensa Waugh sobre essa guerra. Uma refugiada judia fala a Crouchback que a guerra não foi culpa só dos nazistas. Que os russos desejaram a guerra para assim invadir a Europa, que os judeus desejaram a guerra para ganhar Israel, e que os ingleses desejaram a guerra para afirmar a si-mesmos suas raízes guerreiras. Esse é o tom filosófico do livro: a guerra não tem apenas um vilão, todos são culpados por ela, todos a desejam sem o confessar. E nada há de inconsciente nisso, vão à guerra alegremente, confiantes e voltam aniquilados.
   Politicamente a guerra foi uma tragédia para a Inglaterra. Waugh culpa Churchill de falta de visão e culpa os comunistas ingleses ( e havia muitos ), de ingenuidade. A Inglaterra alimenta e arma os comunas iugoslavos e depois é expulsa do país de Tito. Oficiais ingleses, idealistas de esquerda, brindam os avanços de Stalin e depois são impedidos de entrar na Polônia e na Hungria.  Crouchback tenta salvar os judeus da Iugoslávia e é tratado como um tolo desocupado. Waugh entende o que é o humor: Nada neste livro é alegre, e tudo é engraçado. Os absurdos se acumulam sem parar, as coisas sempre saem erradas, acidentes sobre acidentes.
   Evelyn Waugh não era um niilista. Ele via uma saída. Viver. Crouchback acaba por se safar. E entende a filosofia de seu pai:  "Julgamentos Quantitativos não se aplicam".  A quantidade não importa. Um ato de bondade redime todo o mal. O que nos surpreende não é a existência do mal, mas sim a sobrevivência da bondade. Crouchback sobrevive por causa desse Bem. E afinal, sem que ele perceba, ele acaba por salvar seus judeus.
   Que delicia de livro!

007/ LINCOLN/ COLE PORTER/ WILLIS/ TOM HANKS

   A VIAGEM de Tykwer e os Wanchowski com Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent, Hugh Grant
Em 1998 nada era mais excitante que Run Lola Run e Matrix. Em 2013 nada é mais cool que meter o pau nos diretores desses dois filmes ( Shyalaman é outro ex gênio daquela geração ). Este filme não tem pé nem cabeça! Faz uma mistureba de espiritismo, fisica, futurologia e termina como apenas uma ode óbvia a all you need is love. São três horas de profundo tédio. Tom Hanks se diverte em imitar Alec Guiness, faz um monte de personagens.  É a única diversão do filme, descobrir quem é quem debaixo daquela montanha de maquiagem. Nota 1.
   LINCOLN de Spielberg com DD Lewis e Tommy Lee Jones mais a grande Sally Field
Escrevi sobre ele abaixo. Como aula de história, vale. Como cinema é enfadonho. Lincoln fala e fala e murmura. Salas escuras e negociações. Lewis está ok. Tommy é o único que dá vida ao filme. Longe de ser um grande filme, não diverte e jamais emociona. Mas dá dignidade a profissão de politico. O que hoje é louvável. Cavalo de Guerra era bem melhor. Quem quiser saber mais sobre o presidente, veja o muito superior filme de John Ford. Nota 6.
   SKYFALL de Sam Mendes com Daniel Craig
Ó James Bond...então é esse o nosso Bond versão 2013? Craig não é mal ator de todo, ele apenas nada tem a ver com o personagem. Fleming sonhava em ver Cary Grant como Bond e ninguém é menos Cary Grant que Craig. Esse Bond tem cara de burro com suas orelhas de abano. Nada sedutor, ele parece sempre estar fingindo ser James Bond. Well...cada época tem o Bond que a reflete, Danny é um pseudo-Bond numa época de virtualidades. O filme tem ação banal, enredo pobre e nunca mostra aquela coisa divertida e sacana que fez a lenda de Bond. Alguns criticos o elogiaram. Com certeza são aqueles que nunca gostaram de 007. Nota 1
   E A VIDA CONTINUA  de George Stevens com Jean Arthur, Cary Grant e Ronald Colman
Este roteiro é muito esquisito. Começa como drama, vira comédia leve e termina como drama novamente. A impressão é a de que as 3 partes não se unem. Fala de um acusado de assassinato que foge e se esconde na casa de ex-namorada. Um famoso juiz se hospeda lá... Stevens foi um dos gigantes de Hollywood e o fato deste filme ser agradável, mesmo tendo roteiro tão confuso, mostra o quanto Stevens sabia dirigir. Ele começou como montador nos filmes de Laurel e Hardy, sabia dar ritmo aos filmes. Nos anos 50 Stevens faria clássicos como Giant, e Shane. Cary está meio fora de papel e Colman domina o filme com muito tato e humor. Agradável. Nota 6.
   ALTA SOCIEDADE de Charles Walters com Bing Crosby, Frank Sinatra e Grace Kelly
Um filme com Bing e Frank cantando ótimas canções de Cole Porter. O que mais se quer? Grace Kelly, bonita como uma deusa. E ainda tem Louis Armstrong fazendo Louis Armstrong. O filme, modelo de chique, fala de uma moça frigida que vai se casar. O ex-marido fica por perto e a perturba. O roteiro é uma simplificação da peça de Philip Barry que fez a glória de Kate Hepburn. Hollywood teve duas aristocratas atrizes: Kate e Grace, as duas fizeram este papel. O filme é alegre, leve, colorido, elegante, um exemplo do que antes se chamava de "diversão civilizada". As canções de Porter são sensacionais, saltitam. True Love foi um hit depois regravado por George Harrison. Grace brilha intensamente. Frank nunca esteve tão simpático. Nota 9.
   HUDSON HAWK de Michael Lehmann com Bruce Willis, Danny Aielo e Andie MacDowell
O filme que quase acabou com a carreira de Willis. Superprodução, foi um fracasso em 1991. É uma comédia sem graça que fala de plano para roubar pedras que formariam uma máquina de Leonardo da Vinci que transformaria chumbo em ouro. As piadas não têm graça, Willis está exagerado e a ação é confusa. De qualquer modo há a bela Itália e o estilo de Andie. Nota 4.
   ZOOLANDER de Ben Stiller com Stiller e Owen Wilson
Fuja! Nada aqui tem graça. Nota Zero.
  

JANE EYRE- CHARLOTTE BRONTE, UMA COMPARAÇÃO ENTRE ONTEM E AGORA

   Somos hoje todos nós, heróis. Me veio essa ideia ao ler este livro. Já falo dele, antes vou falar dessa ideia.
    Como é que conseguimos? Ter de ,a cada dia, pela vida toda, criar um sentido e um papel na vida? Criar enquanto se faz: Improvisar todo o tempo. Improvisar teorias, ambições, comportamentos. Como conseguimos suportar? Ser exposto a tanta coisa: vozes, imagens, desejos, mentiras, fatos, violências, risos. Tantos convites! Uff...Porque me veio isso? Por causa do livro, enquanto o lia.
    Jane é uma menina orfã que é desprezada pela tia. Alvo de torturas dos primos, vai viver em colégio interno. Lá passa fome e vê amigas morrerem em surto de tifo. Já adulta, é empregada como professora na casa de homem rico e taciturno. Claro, os dois se atraem, mas o livro, 500 páginas, reserva loucura, mistério e sofrimento aos borbotões.
    A vida narrada é sofrida, triste, escura. Comida e luz são luxos. Penso em como a vida era escura e no prazer que se sentia em se poder comer. As pessoas não-ricas, na Inglaterra mais de 90%, imagine aqui, passavam a vida sentindo fome. E vivendo longas noites no escuro, velas eram poucas. No inverno sentiam frio todo o tempo. O que dizer? A vida era pior que hoje? Em termos fisicos biológicos, sem dúvida. Mas o que me fez pensar é em como os cérebros deveriam ser pouco exigidos. A vida era mais que lenta, ela era previsível. Era silenciosa, discreta, com poucas coisas excitantes e desejos humildes. Conversava-se muito, se fazia pouco ruído. De nada se sabia. O que importava uma guerra na África ou um casamento em Boston?
   E então, a partir de fins do século XIX tudo muda. Eletricidade, luz, calor, fotos do mundo todo, jornais aos milhares, rádio e cinema. Nos eletrificamos e agora, em 2013, vivemos a obesidade, a fartura, o excesso de tudo. Todos somos tribunos romanos, nos entretendo em bancos preguiçosos. Mas em certo sentido heróis, heróis do tipo egoísta, auto-absorvidos, lutando para acreditar, para ter, para responder a altura aquilo que a vida nos exige. Improvisar!
   Isso cansa!
   Charlotte Bronte, uma das irmãs de Emilly, a mágica autora do sublime MORRO DOS VENTOS UIVANTES, morreu de tuberculose, como as irmãs. Seu livro é tão escuro e ruidoso como a obra-prima de Emilly. O cenário também tem função de personagem. Mas Jane Eyre é um pouco mais "novela", um pouco mais pé no chão que o romance de Emilly. E Jane Eyre, como personagem, não tem a estatura mítica de Heathcliff ou de Catherine. De qualquer modo, é um belo exemplo de romance vitoriano, onde na verdade é o dinheiro e não o amor que rege a vida dos personagens e seu destino. Jane é fria em suas decisões e não há como não ver Rochester como vitima de sua paixão. Ela joga.
   Boa tradução de Heloisa Seixas. Existem 3 ~traduções nas livrarias, vá atrás desta.

GRACE KELLY- ROBERT LACEY, A MAIS BELA

   Como namorou essa menina!!! Grace traçou todos os atores dos 11 filmes que fez. Desinibida, quando queria um homem ( seus favoritos eram bem mais velhos e seguros ), logo se jogava na cama e ia tirando a roupa. Mas seu fascínio, que fazia com que os homens a respeitassem, e mais que isso, ficassem loucos por ela, se devia ao fato de que por mais que ela se desse sem medo, havia algo nela que sempre parecia secreto, frio, não desvendado.
   O pai de Grace Kelly foi herói olímpico americano. Campeão em remo individual, milionário no ramo de construções, morando na Filadélfia, Jack Kelly, católico, foi um exemplo para a América dos anos 20. Belo, rico, musculoso, viril, sempre sorrindo. Ele teve cinco filhos. Um deles também ganhou ouro em olimpíada e as outra foram todas um retrato do pai. Menos Grace Kelly. Ela não se interessava por esportes. Era frágil, sonhadora, quieta e muito tímida. A mãe, alemã luterana, rigida, tinha um irmão, tio George, ganhador de um pulitzer como autor de teatro. Solteirão, alegre, cheio de histórias, é esse ramo que Grace irá puxar. Grace irá estudar teatro, aprimorar a voz ( onde cada consoante é pronunciada ) e começará a carreira na tv, em peças ao vivo. Sempre elegante, quieta, católica devota, ela era vista no meio como alguém que não parecia ser como eles eram. Não parecia boêmia. Grace nunca precisou passar pelos testes, pelos apuros que atores iniciantes passam. Se tornou modelo e logo no primeiro filme, Matar ou Morrer, obteve sucesso. Com Hitchcock ela se torna uma estrela e em 1954 ganha um imerecido Oscar de melhor atriz ( adoro Grace, mas foi uma das maiores injustiças da história ). Em meio a esses bons modos, às idas à igreja e as compras, Grace manteve vários casos. Ela jamais foi desleal com ninguém, nunca manteve duas relações ao mesmo tempo, mas era, segundo relatos, um vulcão absoluto. Ela amava sexo.
   O melhor filme de Grace, claro, é de Hitchcock : Janela Indiscreta. Onde ela está mais bonita, também é de Hitch: Disque M para Matar. Mas onde ela é mais ela-mesma, onde tudo é feito para ela: High Society.
   Em 1956 Grace Kelly larga o cinema no auge de seu sucesso. Tinha só 26 anos. Casa-se com Rainier, o principe de Mônaco. Seu novo papel é ser princesa. Dedica-se a causas sociais e tem 3 filhos, Albert, Caroline e Stephanie. Em 1982, eu lembro do dia, acabara de voltar da França, ela morre em acidente de carro em Mônaco. Num Land Rover que ela dirigia. Tinha 52.
   Grace Kelly, como James Dean, poderia ter passado como estrela pelo cinema dos anos 60. Em 1970 ela teria 40 anos, ou seja, estaria em seu apogeu ( ela nasceu no mesmo ano que Clint ). Poderia ter feito filmes chiques com Blake Edwards e Stanley Doner, ter participado da renovação com Lumet e Pollack. Ter contracenado com Steve McQueen ( outro nascido em 1930 ) e Paul Newman. Mas, se ela tivesse feito tudo isso não seria Grace Kelly. Na verdade o cinema lhe foi um acidente. Ela deu a ela a honra de sua presença, tão breve ( 1952/1956 ) e tão inesquecível.
   O livro não tem muito o que dizer. Na verdade ele é muito interessante enquanto fala da familia de Grace, os Kelly. Quando ela vai para Hollywood o livro cai, isso porque a vida de Grace foi simples, sem grandes dramas. Não há bebida, droga ou doença. Tudo se resume a sexo, roupas e filmes.
   Há uma cena em Janela Indiscreta em que Hitch dá um close em Grace. É logo em sua entrada em cena, a hora em que a vemos no filme. Amigos, eu vos digo, essa é a mais bela imagem de feminilidade que o cinema já mostrou. O rosto dela brilha de tal maneira, há tanta saúde e confiança naqueles olhos, que me sinto completamente subjugado ao rever a cena.
   Grace Kelly foi a imagem idealizada da América. Saúde, retidão e bons modos. Se Audrey foi um anjo, e se Ava era um diabinho, Grace foi a imagem da pura beleza. Ideal, inacessível, incorruptível. Sensacional.

O RIDICULO NA BENEDITO CALIXTO

   Podem me chamar de chato, mas eu acho deprimente um certo aspecto dessas feirinhas de coisinhas, tipo a da Benedito Calixto. As antiguidades me incomodam. Acho aquilo tudo bastante ridiculo. Tá bom, vou explicar essa minha sensação...
   Comprar a bolacha do Dr Feelgood que te falta, tudo bem. Delirar com um casaco de aviador da Segunda-Guerra, lindo. Assim como é sinal de bom gosto ( e gosto existe e se discute ) um vaso de Murano ou uma porcelana de Sévres. Isso porque depois de comprar voce vai ouvir Dr Feelgood, vestir o casaco e apreciar o cristal e a porcelana. Então onde o ridiculo? Nesses casos, nenhum.
   Anéis de ouro e pedras "de familia", brinquedos quebrados vintage, cartões postáis antigos e com mensagens escritas, discos semi-destruídos, livros infantis ilegíveis, tudo isso é patético. E então chegamos ao absurdo: Velhas fotos de familia. Veja, fotos de familia dos anos 30, 40, familia que não é aquela do comprador. O que há de ridiculo? O desejo, tolo e vulgar, de se construir uma tradição histórica que não existe.
   A pessoa que compra essas fotos não possui fotos de sua familia, assim como não guardou seus brinquedos ou seus velhos gibis. Jogou no lixo os vinis do Kiss e agora compra todos outra vez. Ansiosamente ela compra o velho triciclo de lata "parecido com o do meu pai", e coleciona isqueiros de ouro "que lembram aqueles das velhas familias de Higienópolis". É tudo virtual !!! A familia do cara nunca fumou e o triciclo não é o dele. É uma simulação, um teatrinho que ele faz pra si-mesmo.
   Quem leu o deslumbre que tive ao reencontrar meu primeiro livro, uma velha edição do Renard, que encontrei afinal, deve ter percebido que mais que o ato de reavivar lembranças, o que me emocionou foi poder LER Renard outra vez. Objetos devem ser usados, mesmo os de coleção, e esse uso deve dar prazer. Não a compra, o uso. O prazer maior é usar.
   Duvido que o cara ande no triciclo ou o dê de presente a algum filho. Duvido que use o isqueiro de ouro.
   Patético ver aquelas pessoas comprando coisas que "contam história". Uma pinóia! Os velhos objetos contavam narrativas para aqueles que viveram ao lado deles. Para quem os compra agora eles nada podem contar. São tão mortos como uma embalagem de Big Mac.
   Objetos são sagrados. Ou não. Se voce jogou os seus fora, não venha agora comprar os ossos do vizinho e achar que eles trarão de volta o sentido de história e de permanência à sua vida vulgar. Narre a história da ausência de seus objetos perdidos. Mas não venha alucinar com as lembranças de quem voce não conhece.

A MAIOR BANDA DA HISTÓRIA DO ROCK-CELEBRATION DAY, LED ZEPPELIN

   É muito impressionante. A primeira imagem é de uma reportagem de 1973, onde se anuncia que o Led Zeppelin, em tour pelos USA, andava quebrando todos os recordes dos Beatles em shows. Daí se vê o palco escuro. De repente a explosão de um riff. Voce sabe, aquele tipo de riff que apenas Jimi Page consegue tocar. Mais que isso, o som metálico, sinfônico da Gibson, o som de puro volume, de estridência semi-indisciplinada, o som do Led Zeppelin. Eles estão no palco, um palco pequeno, sem frescuras, porque a banda sempre se garantiu pelo som. E a gente sabe, estamos lá para ver os caras.
   A vida inteira tenho repetido que minha banda favorita se chama Rolling Stones. Mas o Led Zeppelin é como uma familia para mim. E os caras só me lembram bons momentos. Sério, nunca tive um momento ruim ouvindo Led Zeppelin, e que coisa mágica, recordo a primeira vez em que escutei cada um dos discos deles. Sim, desde o primeiro que comprei, o Led II, até o último, In Through The Outdoor. Lembro com detalhes do lugar onde ouvi, o que senti, quem estava comigo, como estava o tempo, que horas eram. Isso só acontece com eles. Dos Stones só me recordo da primeira vez em que ouvi It'Only Rocknroll, do Roxy só de Avalon. Dizem que esse tipo de memória significa amor. Well, foi o que senti ontem. A segunda música do show foi Ramble On e nessa hora meus olhos ficaram molhados.
   Todo show de veterano tem muito de prestação de tributo. Voce aplaude e se emociona com aquilo que eles representam em sua vida e não com aquilo que eles fazem ali, naquele segundo. O Led Zeppelin me surpreendeu, é um grande show! Jimi Page continua se arriscando. As músicas da banda são muito dificeis de tocar ao vivo, todas são obras de estúdio, e Jimi se vira como só ele pode. Sola, dá riffs, harmoniza. Erra muito, acerta muito, alucina. O ataque que ele executa é único. Mesmo coroa, ele faz muito barulho, solta ruídos, piruetas. O slide em In My Time of Dying é divino. E além de tudo lá está John Paul Jones, o gênio. Ele manda bala com seu dedo. Toca baixo com um dedo esticado e fica inquieto, é essa uma das melhores coisas do show, JP Jones fica tenso, há ali, ainda, um certo receio, no rosto do contrabaixista se percebe uma dúvida: será que Jimi vai se perder? Jones é um maestro, o melhor baixo da história do rock.
   Cada música é um desafio. Assisti o show com um músico ao lado e ele me conta como é dificil tocar aquele repertório. As músicas mudam de andamento todo o tempo, há paradas e retornos, voltas e sinuosidades, riscos constantes. São músicas que convidam ao erro, a anarquia, armadilhas. Eles não se perdem.
   Robert Plant é o cara boa-gente. Perdeu o sex-appeal, perdeu parte da voz. Compensa com inteligência. Coloca a voz no ponto exato e sabe poupar. Fica no palco como um dos fãs. Se diverte e jamais passa a impressão de estar com o ego inflado. Poderia. Ele tem esse direito. ( E falo aqui de Jason. Ele tocou como seu pai. Sem o peso do old John Bonham, mas fez justiça ao pai. )
   Misty Montain Hop foi o auge do show. Puro fun.
   O público esteve em transe. Há algo de sublime naquela audiência. Sei o que é: a consciência de se estar num momento histórico. É um dos melhores shows já vistos. Espertamente eles não farão outro. Seria um anticlimax.
   O Led Zeppelin sempre foi uma banda muito bem dirigida. Se expunham pouco. Não lançavam singles, não apareciam na TV, pararam quando Bonham morreu. Quem quiser saber o que eles significam para minha geração basta ver QUASE FAMOSOS. Tá tudo lá.
   Recentemente os Stones fizeram um bom show de 50 anos da banda. Foi bacana, mas não foi emocionante. Eles são tão cool, tão blasé, que a emoção sempre é a de se estar numa festa e apenas isso.
   No show do Led Zeppelin vi muito mais que isso. Risco, celebração, reencontro com amigos, amor, muita, muita emoção. É a maior banda da história do rock. E o mais lindo é que desde o começo, lá nos idos de 1968, Jimi, John, Plant e Bonham sabiam disso. Eles entraram no rock como arrogantes deuses gregos de falo ereto. E saem como senhores muito relax, que sabem fazer e sabem dar, possuem fé em si-mesmos e tem a plena convicção de que após tantos anos e tantas bandas, Clash, Oasis, Aerosmith, Queen, Metallica, U2, são eles ainda o Led Zeppelin, os originais, os machos, os donos da coisa, o modelo a ser seguido ou a ser negado. A maior das bandas. Amo esses caras. Valeu.

FIN DU SIÉCLE- OTTO MARIA CARPEAUX

   Decadentes. O mundo como lugar de decadência, anuncios do fim do homem como ser de cultura.
   Esteticismo. A beleza e a arte como um tipo de nova religião. A palavra como um simbolo, magia capaz de dar vitalidade àquilo que decai. Eis o Simbolismo.
   Estranho: O mundo vivia a última era de otimismo ( até agora foi a última ). Progresso e fim das guerras. Entre 1870 e 1914 a Europa viveu inéditos 44 anos de paz. Aviões, cinema, carros, prédios, filosofia positivista, pragmatismo, tudo apontava para a felicidade final. Burgueses podiam atingir o poder, livros eram editados às toneladas, dandys nas ruas. Mas os artistas se isolavam, levavam os ideais dos romanticos de 1790 ao limite. Porque?
    Sentiam-se excluídos dessa festa. Artistas eram considerados inuteis pelos burgueses, vagabundos, loucos. Ao contrário dos aristocratas que os compreendiam, o novo poder não os tolerava. A vulgaridade tomava as rédeas do mundo. Como reagir? Tornando a arte incompreensível para essa ralé espiritual. Ou denunciando a falta de gosto, de beleza nesse novo mundo. Ou usar essa burguesia tosca.
    Carpeaux nos situa nesse mundo. Momento, segundo ele, em que a literatura atinge seu apogeu. Nunca tantos autores interessantes escreveram ao mesmo tempo. Lia-se muita coisa boa, havia espaço para as coisas mais esquisitas. A nova classe dirigente logo foi seduzida pelos novos artistas. A busca da beleza se torna uma febre mundial ( menos nos EUA ). E estranhamente, nas entrelinhas, tudo anunciava o desastre que logo aconteceria. A destruição da "Europa Feliz" nas guerras de 14 e de 39. Impossível  compreendermos o que era essa outra Europa. Nascemos já com a terrível marca do medo, da desconfiança, da falta de fé no futuro e no poder. Não era assim. E estranhamente, os simbolistas fizeram isso todo o tempo: avisar sobre o iminente desastre.
    Claro que existiam excessões! Se Baudelaire é o primeiro simbolista, temos de dizer que ele amava a cidade grande e o progresso. Mas Rimbaud, Mallarmé e Verlaine não. Esses três, e Laforgue com eles, são os verdadeiros pais do simbolismo. Negam o mundo otimista de então, criam uma linguagem própria, procuram revivificar a vida, revitalizar o mundo. Está nascido o mundo do símbolo, poetas se jogam às mais perturbadoras experiências. Ansiam pelo estranho, pelo exótico, pelo inusitado, é um novo romantismo. Dessa vez, um romantismo não-satanico, eles trocam o culto ao anjo caído pelo culto a beleza decadente. São todos tristes, mas é uma tristeza orgulhosa, corajosa, dandy.
   Carpeaux fala de mais de 500 autores. Holandeses, noruegueses, romenos...Literaturas que mal conhecemos e que descobrimos com ele. E também as estrelas da época. Desses, Carpeaux critica Oscar Wilde. Diz que suas peças serão esquecidas. E também não morre de amores por Shaw. Os maiores elogios do livro vão para William Butler Yeats, Paul Valéry, Joseph Conrad e Marcel Proust. Mas há tanto mais! D'Annuzzio, Tchekov, Benavente, Forster, Rilke, Mann, Kipling, Wells, Henri Bergson, Nietzsche, Anatole France, Verne, Blok... e centenas de outros.
   Ele dá uma geral na história, na filosofia da época e deduz do porque das transformações. Disseca as diferenças entre as nações, a Espanha humilhada e se reerguendo, a Inglaterra que começa a perder seu dominio mas não sua pose, a Alemanha e suas ambições coloniais, a Itália pobre e atrasada... e a França, que volta a se sentir centro do mundo. Nos EUA a coisa é diferente. Eles não tiveram simbolismo, foram sempre realistas. A literatura que produzem nesse período é aquela "da fronteira", da aventura de se construir um país.
   Vou citar uma das histórias do livro, história que demonstra o espirito simbolista alemão, espirito que anuncia o nazismo e que ao mesmo tempo foi morto após a tomada de poder por Hitler. Stefan George, poeta central, tinha um namorado adolescente que morreu. Arrasado, George muda seu estilo e começa a escrever sobre seu namorado morto. Para o poeta ele se torna uma encarnação de um deus, um objeto de culto sagrado e exotérico. Pois bem, forma-se ao redor de George um círculo de seguidores. Todos passam a cultuar esse "deus", criam-se dogmas, regras rigidas e uma hierarquia. Quem não as seguir é banido do circulo. Para Carpeaux, esse é um fenômeno tipicamente alemão. Na Inglaterra, desconfiada, cinica, essa idolatria é impensável. Mas a Alemanha, seja por Wagner, por Goethe, por Marx, tem essa tradição de cultos, de sociedades fechadas em dogma, de mestre e seguidores fiéis. Após o desastre hitlerista esse aspecto do caráter alemão foi suspenso, mas desde sempre houve essa fé em lideres e em messias. Conto essa história para mostrar a linha mais interessante do livro, Carpeaux exibe a sociologia da literatura, a relaciona com o momento histórico e com o espirito da época. Não é mera exibição de autores e obras, é História.
   Quem me lê sabe que esse é meu tempo. Dandys nas ruas, decoração de Beardsley, a dubiedade da sexualidade, sentimentos estranhos, inusitados, a busca por algo mais, por revelações, por êxtases, pela verdade da vida. Eles experimentavam: religiões, linguas, drogas, sexo, isolamentos. As aventuras eram todas "para dentro", o espirito era dissecado, revirado, desafiado. Divino momento onde os mais terríveis e os mais sublimes escreveram.
   Fácil de ler, didático, profundo e direto. Deve ser lido e relido por todo leitor sério.

NIETZSCHE E O QUE IMPORTA NELE

   A Alemanha começou a crescer muito por volta de 1880. De repente burgueses exibiam nas ruas suas posses. Vaidosos, posavam otimistas, eram arautos do futuro. Militares mandavam em tudo. Era um regime militarista, prussiano. E os artistas, até então centro da vida alemã, se viram jogados ao canto, longe do poder, longe do centro. Goethe e Wagner não eram mais os heróis da nação, esses heróis eram a familia Krupp e Bismarck. Reis da indústria e o militar que arquitetou a Alemanha.
   Nietzsche surge nesse meio. Cheio de ressentimento. Filósofo sem sistema, jamais pode ser comparado a Kant ou a Hegel, ele está muito mais próximo de Pascal ou de Platão. Poeta-filósofo.
   Ele era um saudosista. Queria fazer da Alemanha uma nova Grécia. Via em Wagner o deus que traria á Alemanha a vitalidade do Mediterrâneo. Nietzsche ansiava por vitalidade. Via a seu redor uma nação em queda. Não percebeu que quem caía era ele. A Alemanha se erguia industrialmente, os artistas se perdiam, aturdidos pela nova pátria ambiciosa,  imperialista e materialista.
   Nietzsche foi um gênio do aforismo. Mas há aí um perigo, seus aforismos servem para tudo. Um orientalista verá neles a confirmação de sua crença, e assim será com um ateu, um simbolista, um fascista, um anarquista, um liberal. Eles parecem servir a tudo e a todos. O que devemos ter em mente é o que na verdade eles eram.
   Ele começa como pessimista, na escola de Schoppenhauer e ao final se torna um otimista, um cantor da alegria da carne e do fogo da vida. O que se manteve foi seu amor a beleza, ele sempre foi um esteta. Nietzsche idolatrava a beleza fisica do Mediterrâneo, a saúde dos corpos latinos, o sol. Ele via no cristianismo a negação de tudo isso, o culto a tristeza e a morte. Como diz Carpeaux, Nietzsche foi incapaz de compreender a humildade, via nela  ressentimento. Mas tudo no alemão aponta por um desejo absoluto por fé, por religião. Ele a encontra numa espécie de retorno ao paganismo, ao primitivismo. Ressentido com a nova nação, Nietzsche sente nostalgia do barbarismo.
   O ponto mais fraco de Nietzsche é aquele que ele considerava o mais forte, o Super-Homem. Esse ser seria para ele a salvação da Europa, a volta do europeu vital, da força do engenho e da vida. Engano que Burkhart logo percebeu e não aceitou ( Nietzsche era fã de Burkhart, o intelectual mais forte na Alemanha da época ), Burkhart viu que o Super-Homem seria o fim da Europa, um tipo de hiper-individualista que destruiria qualquer chance de união entre os homens.
   Fato estranho passa a ocorrer com Nietzsche após sua morte. Ele passa a ser, principalmente na França, um tipo de advogado para o hedonismo. Mal entendido, uma casta de burgueses privilegiados passa a viver à beira mar uma existência "nietzschiana", ou seja, sem regras, sem culpas e sem deveres. O poeta alemão ficaria chocado ao ver a leviandade com que sua filosofia de negação se torna para essa gente um tipo de álibi para o "bom-viver". Tudo pode e Tudo sem Culpa, esses se tornam os slogans de Nietzsche, slogans que ele jamais assinaria em baixo.
   Um grande poeta. Herdeiro de Holderlin, que ele adorava, último representante do humanismo puro na Alemanha, Nietzsche exerceu uma influência imensa sobre 90% da literatura feita entre 1900/1920. Genial criador de imagens, de frases, de efeitos, vivesse mais dez anos, se livre da loucura, ele teria encontrado o que? Em que alturas ele planaria?
   Nietzsche, como Jesus, Tolstoi ou Darwin, não tem culpa do que fizeram com sua herança. O tempo lhe deu sentidos postiços e distorceu o que ele desejava.
   Para ser entendido, deve ser lido sempre como um poeta. Poeta-filósofo, como o foi Platão. Poeta a procura da verdade. Em construção. Criança que descobre e pergunta, que nega e afirma, que se perde. Visto assim, ele foi imenso.

LINCOLN

   Leio hoje que o século XX não mereceu o século XIX. Eu jamais havia pensado isso. Que o século XIX preparou o mundo para ser um lugar muito melhor. Que o ano de 1900 prometia paz, progresso e cada vez mais justiça. O século XIX desenvolveu a ciência, trouxe a ideia de democracia de volta às mentes, popularizou as artes, e acabou com a escravidão. Mas meu século, o XX, destruiu quase todas essas ideias. Tudo o que os sonhadores do século anterior sonharam, o XX desfez.
  Lincoln não é um grande filme. Spielberg depois de velho resolveu ser John Ford. Mas ele não pode ser Ford porque o mundo onde Ford foi formado foi o idealista mundo do século XIX. Mas Spielberg tenta e devo dizer que pelo menos nesta época de cinismo e de negativismo blasé, Spielberg insiste em nos oferecer humanismo. O filme é digno, solene, seco e não faz concessões. Fala do tempo em que os homens faziam politica.
   Politica...Voce pode não acreditar mas a politica já foi a coisa mais importante da vida. Hoje ela não existe. Não se faz politica, se administra um banco. A economia tomou seu lugar. Porque politica não é pensar em termos de lucro e divida. Politica é ter projetos, pensar o futuro, acreditar em ideologias e saber fazer aliados e calar inimigos. Não há um só lider nacional que pense em termos politicos hoje. Pensam em conseguir lucros e assim garantir mandatos. São gerentes de bancos.
   Lincoln nos mostra a politica. E recordo de outra coincidência. Não faz mais de dois dias que li que o sexo tomou o lugar da politica na vida dos jovens. Nenhum jovem pensa em politica e isso é bom para quem odeia a politica mas ama o poder. Pois Lincoln amava a politica.
   Cheguei a acompanhar o último politico grande vivo: Maggie Thatcher foi pura politica. Uma raposa, uma gênial mistura de crueldade e de visão a longo prazo. Depois dela...vácuo.
   Terá a geração teen a consciência da importância histórica do que lá é recordado? De que enquanto nós aqui pagávamos o mico de ter uma familia real de sangue europeu, os EUA, na vanguarda, continuavam a construir seu projeto de nação? ( Que foi traído no século XX ). Podemos odiar os yankees, mas é a verdade, os EUA do século XIX são um projeto racional, duro, teimoso de nação. O filme mostra isso. Se Lincoln errasse o país negaria seu destino, ele não errou. O erro viria em 1898 com o começo do imperialismo nas Filipinas e Porto Rico. Como dizia Gore Vidal, a partir daí os militares passariam a ser o poder do país. No tempo de Lincoln não. Há o projeto civil, republicano e representativo. Um projeto que ousa, em 1864, dar a liberdade aos negros africanos.
   Spielberg apenas filma, nada inventa. O filme não tem uma grande cena. Daniel Day-Lewis está pegando todos os grandes papéis. Além de ser grande ator, tem concorrentes fracos. Quem mais poderia ser Lincoln? Sean Penn? Não temos mais Gregory Peck, Gary Cooper ou Henry Fonda. Esse tipo de ator, digno, viril, elegante, de voz poderosa, ponderado, desapareceu. Então quando precisamos desse tipo de ator temos Daniel. E Daniel. Ele está muito bem. Assim como Sally Field, melhor que ele, menos composta, mais quente que o inglês. E o grande Tommy Lee, cada vez melhor ator, que na verdade é o que mais me agradou, fazendo uma interpretação natural, matreira, cheia de nuances.
   Não é um grande filme. Longe disso. Espertamente Spielberg fez o filme certo na hora certa. O tema é muito bom. ( O roteiro é de Tony Kutchner. É aquele Tony, de Angels in America? ).
   Na verdade Cavalo de Guerra, como filme, me agradou bem mais. Mas todos devem ver este filme. Nem que seja para saber que um dia se fez politica no mundo. Que ela não é apenas isso que agora vemos, a administração de dinheiro e de negócios. Foi uma ideia, um plano e uma visão.
   Tá dito.

David Bowie - Fashion



leia e escreva já!

A VOLTA DA DECADÊNCIA

Alvíssaras! Vivas! Manés Manés! Parem de olhar o umbigo do vizinho, encerrem as divagações realísticas! O último representante da decadência voltou ! O derradeiro símbolo da inefabilidade temporal volta a nos guiar ! David Bowie manda sinais de vida e nós, súditos de fidelidade absoluta, respondemos.
Agora nossas camisas de seda estão menos solitárias e as noites roxy são mais plenas. Bowie é vivo !
Ecos de Walter Pater podem ser respondidos e olhares bovinos de Wilde têem novamente um objeto. A aposentadoria de seus suspiros terminou: Bowie está vivo !
2013 já se justifica e este mês não mais padece de ardor. As dores derretem-se e a noite se molda, o cara está vivo !
Tudo volta a ter sentido. A decadência ainda existe em frases de falsidade sincera. Relaxe baby, nem tudo se perdeu. Os óbvios da mortal certeza podem miar, Bowie nunca deu a mínima pra eles. Os babaquinhas continuam se indo sem saudades no rastro.
David Bowie continua a nos decair. Pretty Things forever.
Ele não cabe no mundo, porém, simbolista que é, estar fora lhe é um prazer rude. Sabe Bowie que sua pose é sombra que reaviva o mundo.
Alvíssaras! Vivas! Manés!

2010-1910- fin du siécle

   Estou lendo FIN DU SIÉCLE, o volume 8 da História da Literatura de Otto Maria Carpeaux. Dificil escolher, fico em dúvida na livraria se compro aquele sobre o barroco, o outro sobre o romantismo...escolho este ( já li a Idade Média ). Afinal, 1880/1914 é meu período favorito.
   Acabo de ler uma afirmação de Otto que preciso dividir com voces ( o que escrevo é um ato de amor, ou voces nunca perceberam isso? ), ele diz que os anos 1900-1914 são os mais ricos de toda a história da literatura. Prova disso ( Otto escreveu em 1965 ), são as constantes reedições dos livros daquele tempo. Mais que isso, o leitor médio, aquele que não é um intelectual, mas que sabe alguma coisa sobre literatura, procura em sebos e em bibliotecas livros desse tempo. Os autores que vêem imediatamente antes são clássicos, intimidam leitores médios ( Balzac, Stendhal, Dostoievski, Tolstoi, Dickens ), mas os autores de 1900 parecem contemporâneos, não-escolares, e ao mesmo tempo são "artísticos", ousados, profundos, originais. Weeellll...posso dizer que em 2012 nada mudou. Ou mudou sim, certos autores do período estão mais vivos que em 1965.
   Otto fala que a época é tão rica por motivos históricos. Um salto na economia, otimismo, e principalmente a democracia. Em 1900, pela primeira vez, todos podem ser "um autor". É a hora da explosão da literatura como um todo, sem modas. Proletários, snobs, mulheres, países periféricos, poetas loucos, nobres, homens de negócios, comunistas, fascistas, crianças...Há uma quantidade imensa de gêneros e de escritores. Não há rádio, tv, cinema, nada. O mundo é do livro, do jornal e do teatro. E, diz Otto, quase tudo que se escreve nesse período tem valor, tem interesse, merece sobreviver.
   Falar de autores? Otto cita-os. Seu livro é imenso. Vou citar apenas uma meia dúzia: Nietzsche, Machado de Assis, Joseph Conrad, Henri Bergson, Henry James, Freud, Yeats e Wilde. Só alguns pegos ao acaso, a lista é infindável.
   1910. Futebol. Cinema começando. Rádio e avião. Carros. Picasso, Matisse, Chagall, Klee, Kandinsky. Stravinsky, Ravel, Strauss, Bartok. O jazz e o blues. Otimismo. Viagens aos polos.
   2010. Guerra ao terror. Esgotamento do cinema. Da música popular, do teatro. Internet, código genético, câmeras onipresentes. Pessimismo. Desencanto com a democracia, com as ideologias. Monetização da vida. E as artes? E os livros? Proust em tablets. Ótimo. Mas Proust é 1910. Autores: Larsson, De Lillo, Roth, Martell, Couto, Coelho, Rowling, Lobo, Llosa...Este momento não lembra em nada 1910, lembra 1870, época do naturalismo, de medo, de insegurança. Precisamos de uma nova geração romãntica, de novos simbolistas, de outros profetas irreais.
   Mas na verdade é tudo em vão. Sinto em mim que escrever não tem mais porque, pra que ou como. Então sei o que sou, um simbolista. Assim como essa geração de 1880, há em mim a sensação de que no mundo de poderosos e de miseráveis, para mim não há lugar. Não sou um dos chefes e não me identifico com um dos "simples". Onde fico? O que posso escrever a ninguém irá interessar, o que se escreve pouco me interessa. Quem me escuta? Ao mesmo tempo tenho a vaidade de não fazer parte da sujeira. Não sujo as mãos com o poder vulgar e nem com as parcas ambições dos simples. Será isso? Um simbolista, eu?
   Mas onde o pessimismo? Simbolistas cultuam a morte e o desregramento. Sou comedido e vejo vida em tudo. Simbolistas são muito mais, sem que o saibam, certos amigos que tenho. Então vejo no livro de Otto, talvez eu seja um dos pós-simbolistas, aqueles que perceberam a alegria após a dor. Os que conseguiram criar um mundo parte do mundo. Os que se desembaraçaram do eu e olharam ao redor. Bá....
   Vejo então que sou um tipico homem de 2012, e que escolho um rótulo como quem escolhe em paletó. Procuro na vitrine de estilos aquele que me convém. Esqueça. Sou mais um blogueiro. Apenas isso. Exibo vaidade. Só isso.
   O interessante, é que eu, como todos os outros leitores médios, procura, ainda, em 1910 seus modelos, seus produtos, seus paletós.
   Otto acertou.

Just One More Inception



leia e escreva já!

Kojak Season 2 Open



leia e escreva já!

SÉRIES DE TV: UM CARECA COM PIRULITO E UM ANJO EM MEIO AO LIXO

   Pessoas com mais de 30 anos cada vez mais trocam o cinema por séries de tv. Os motivos são muito simples, filmes de cinema são cada vez piores. A arte do diálogo foi jogada no lixo ( e veja isso, a maioria dos filmes de arte hoje são quase mudos.... ). Séries de tv têm diálogos. Diálogos que nem são muito bons, mas que pelo menos existem, estão lá. Roteiristas de cinema perderam a habilidade de exibir um caráter em cinco minutos. Gente como Ben Hecht ou Robert Riskin conseguia fazer isso. Em cinco minutos a gente já conhecia o cara, já estava capturado por ele. Agora não mais e é por isso que hoje tem tanta biografia no cinema, o caráter já é conhecido, não se precisa criar. Na tv o cara pode levar vários episódios para desenvolver uma personagem. E geralmente é o que ocorre. House levou meses para ser House. Seinfeld é o caso clássico. Depois de 3 anos é que ele virou O Seinfeld. No cinema são duas horas para criar, desenvolver e concluir. É uma habilidade quase morta.
   Há um outro fato. As pessoas adultas saem cada vez menos. Filmes são vistos em casa. E em casa, para quem só assiste filmes "novos", é indiferente assistir um filme de cinema ou uma série de tv. Porque filmes novos se parecem cada vez mais com séries de tv. Séries ruins. Falam dos mesmos temas, e são filmados em digital, com imagem como a da tv. Zoons, closes e cenários pobres. Dificil saber visualmente o que é cinema e o que é tv. Claro, não falo de Pi ou de Lincoln, falo do filme médio, da grande maioria dos filmes. A única diferença entre esses filmes e as séries é o fato de que as séries desenvolvem mais os diálogos. Ou seja, vencem a disputa exatamente por serem mais "tv".
   Porque o "defeito" da tv sempre foi esse. Ela falava demais. E num tempo em que o cinema ainda sabia falar, ela perdia por ser visualmente pobre. O cinema falava tão bem ou melhor que a tv, e tinha um cuidado em foto e cenografia que a tv jamais poderia ter. No século XXI não é assim. Nos acostumamos a um cinema tão indigente que a tv passou a parecer uma arte nobre. Quem assiste apenas a filmes novos logo verá só tv. E quer saber? Não tenho pena nenhuma do cinema. Ele cavou sua cova. Optou pelo caminho fácil. Que seja feliz.
   No conforto de minha casa assisto a uma caixa com 6 discos de Kojak e a 4 caixas de Columbo. 28 dvds. As duas são o equivalente aos filmes de Scorsese e De Palma em tv.
   Kojak demora mais pra gente gostar. Acontece com ele o fenômeno Seinfeld. Os primeiros episódios parecem sem rumo. A série começa como um tipo de Operação França dos pobres. Muita cena na rua e a exibição da NY pobre e suja de 1973. Mas então, súbito, Telly Savallas vai achando o tom e a série cresce. É um prazer ver um ator fazer história. Telly vinha do cinema, onde sempre fora um bandido. Aqui ele é um tira. Kojak, O Cara. Eu não a assisti na época, era criança, mas lembro do sucesso. Kojak virou marchinha de carnaval. Os homens imitavam Savallas. O cigarro preto e fininho virou mania ( marca More ), o pirulito na boca também ( ele tenta parar de fumar ). Copiava-se na rua o chapéu, os ternos, os óculos escuros e a mania de falar Baby. Telly Savallas acabaria por ganhar dois Globos de Ouro e um Emmy com a série. Ficaria cinco anos entre as cinco maiores audiências. Telly morreria em 1994. Acho que Tarantino adoraria filmar com ele. Kojak tem todo o clima dos filmes de Quentin. É uma delicia ver aqueles carrões e os bandidos extra-cool. Mas ninguém é mais cool que Theo Kojak.
   Columbo é o anti-cool. Se Kojak é uma delicia, Columbo é uma obra de arte. Peter Falk foi um grande ator. Fazia parte da turma de John Cassavettes. E em 1971 começa na tv com Columbo. Para muita gente, uma das cinco melhores coisas que a tv já fez. Columbo é feio. Tem olho de vidro, fuma charutos baratos. O carro é velho e a roupa desalinhada. Modesto e nada violento. O tipo do boa praça. O que Falk faz aqui é genial. Ele transforma esse mala sem alça num tipo adorável. Voce ama Columbo. Não por acaso, em 1986 Wim Wenders ao filmar Asas do Desejo escolheu Columbo como um anjo que vivia na Terra. Columbo visita a Alemanha e Wenders o exibe como um homem que pode ver anjos. Nada mais justo.
   Columbo tem ainda uma grande originalidade. Ele mostra o crime. Na primeira cena nos exibe o crime. Sabemos quem é o culpado e vemos que não há pista. Então do nada surge Columbo e o que nos pega é o prazer de ver como ele vai deduzindo e descobrindo aquilo que já sabemos. Um fino prazer. Falk ganhou 3 Emmys com o papel e mais 2 Globos de Ouro.
   Columbo teve entre os atores que nele trabalharam gente como Myrna Loy, Ray Milland, Leonard Nimoy, Martin Sheen, John Cassavettes, Martin Landau, William Shatner; e na direção Steven Spielberg, Richard Quine e Richard Donner.
   Kojak teve episódios dirigidos pelo pai de Sean Penn, Leo Penn e Harvey Keitel entre seus vilões.
   Bem baby, me pego comprando um pirulito e alisando minha camisa. Andando pelas ruas me sentindo um cavalheiro: durão e muito frio. Minha lustrosa careca protegida por um elegante chapéu preto. E com a pergunta kojakiana nos lábios: "Diga quem te ama baby?"
   Um raro prazer.

AS RELAÇÕES PERIGOSAS- CHODERLOS DE LACLOS, UMA RADIOGRAFIA DO JOGO AMOROSO

   Amor. Existe? Laclos foi soldado, foi poeta, viveu os conturbados anos da revolução. E lançou uma obra-prima que jamais é esquecida, As Ligações Perigosas ( que o tradutor Sergio Miiliet opta por chamar de Relações ).
   Estamos em meio a nobreza. O que eles fazem? Se exibem. Vivem uma realidade estática. Para eles, o que é hoje será sempre. Não há tempo, não há mudança. Seguros socialmente, com todos os dias ociosos, eles se fazem mestres em prazer. Dedicam-se à vaidade. O filme de Frears dá ênfase a isso: Eles passam horas se vestindo, se maquiando. O outro grande prazer é a comida. E o principal é o sexo. Sexo como jogo racional. O romantismo ainda não vingou, estamos no reino da razão absoluta.
   Valmont, nome do filme de Milos Forman também baseado neste livro, seduz mulheres. Nobres, viúvas, criadas, virgens. Todas são suas. Ele, frio, jogador consumado, sabe racionalmente toda a regra, toda a tática do amor. Foi amante da mulher que lhe é igual, a marquesa de Merteuil. A amizade sobreviveu.
   Um dia surge uma devota. Cécile se torna prêmio de uma aposta. Se Valmont a seduzir, Merteuil dormirá de novo com ele. Por Cécile ser ingênua, Valmont usa a tática da culpa. Finge sofrer por ela, finge crer em Deus, finge ser casto. Conto o resto para voces?
   Falarei apenas que o filme de Forman carrega na futilidade. É muito mais leve que o livro. E que o filme de Frears exagera no sentimento, o livro é bem mais frio, seco, distanciado. Falarei do estilo do livro: É epistolar, estilo muito em moda no século XVIII. Lemos as cartas trocadas pelos personagens. Assim, por lermos apenas o que eles escrevem, temos de intuir nas entrelinhas suas emoções reais. A leitura se torna rica, complexa, sutil. Onde Valmont diz a verdade?
   Obra-prima, tive o prazer de ler Laclos pela primeira vez em 1993, num janeiro cheio de paixão. Depois fiz dele um manual, guia sobre a paixão e sobre o jogo do amor. Muitos o chamam de tratado definitivo sobre a sedução. Laclos teve a intuição, ou seria sabedoria?, de nos dar uma radiografia exata das motivações do amor. Valmont tem confiança, tem tato, e acima de tudo, sabe mentir. Quando o jogo passa a ter regras que ele não conhece, sua máscara cai. Começa o amor.
   Valmont e Merteuil são dois dos maiores personagens já criados. O século XXI está povoado por clones dos dois. Clones que são muito mais tolos, bem mais deselegantes, mas com a mesma motivação. Vaidade e poder.
   PS: Ligações Perigosas, assim como Amadeus, foi um grande sucesso de bilheteria dos anos 80. Filmes históricos sem monstros e vampiros ainda tinham público. O que aconteceu?

DAVID FRANKEL/ GRACE KELLY/ WOODY/ FREARS/ BETTE DAVIS

   TODOS DIZEM EU TE AMO de Woody Allen com Alan Alda, Julia Roberts, Goldie Hawn, Edward Norton, Tim Roth, Natalie Portman
É sempre um prazer ver esse povo dos filmes de Woody Allen. São intelectuais bem de vida, com suas casas bem decoradas, suas roupas confortáveis e seus dramas sob controle. É gostoso ver esse povo espelhar aquilo que a gente pensa ser. Este é dos que mais gosto. Lembro que em 1999, na tv, ele me ajudou a superar uma grande dor de cotovelo. O filme tem belas cenas em Paris e Veneza. O elenco é deslumbrante. E eles cantam!!! As canções são ótimas. E no fim, em reveillon, eles cantam Hooray For Captain Spaulding, bela homenagem aos irmãos Marx. Nota 8.
   UM DIVÃ PARA DOIS ( HOPE SPRINGS ) de David Frankel com Meryl Streep, Tommy Lee Jones e Steve Carell.
O povo da Folha adorou este filme. Eu achei chato de doer! Frankel faz carreira sólida com filmes tipo nada. Fez o Prada, o Marley e agora este. Seu estilo é nojento, taca música pop em toda cena. O cara tá andando no mercado e lá vem vozinha com piano; o cara tá dirigindo e tome voz e violão...um saco! Usar música pop em filme adianta quando o diretor entende que a música é secundária, ela comenta, não carrega a cena nas costas. Ah, o filme fala de um casal de meia idade que não transa mais. Todo o filme são sessões de terapia. Meryl faz caricatura, está nada bem. Tommy está excelente, a hora em que ele se abre é a única cena boa do filme. Típico filme que tenta ser sério e adulto. Erra. Todo adolescente pensa que ser adulto é ser chato e triste. Frankel é um adolescente. Nota 1.
   OS GALHOFEIROS de Victor Heerman com Groucho, Chico, Harpo, Zeppo e mais Lilian Roth
Groucho é anunciado como o grande Capitão Spaulding. Sua entrada é digna do melhor de Bugs Bunny. Adoro este filme caótico! É o segundo da turma, e tem de bônus a adorável Lilian Roth. História? Tem alguma coisa a ver com roubo de pintura. Talvez seja meu filme favorito dos irmãos. Nota DEZ.
   O DOBRO OU NADA de Stephen Frears com Bruce Willis, Rebecca Hall, Catherine Zeta-Jones
Não dá pra dizer que Frears está em decadência, afinal, recentemente ele fez o ótimo A Rainha. Em seu crédito temos ainda Alta Fidelidade, Ligações Perigosas, Os Imorais, Minha Adorável Lavanderia; e meu favorito, The Hit. Mas neste seu mais recente filme, não sei se passou aqui este ano, ele erra feio. O filme não é ruim, é desinteressante. Fala de uma stripper que passa a trabalhar com um agenciador de jogatina. O filme não chega a irritar, Frears sabe dar ritmo, mas nenhum dos personagens importa. São mal escritos. O roteiro é muito, muito ruim. Bruce faz o seu tipo número dois, o "brega meio doido", Zeta-Jones está com um rosto irreconhecível e Hall, filha do grande Peter Hall, um dos maiores do teatro inglês, mostra ser muito boa atriz, mas pouco tem a fazer. O filme é vazio. Nota 2.
   UM BARCO PARA A ÍNDIA de Ingmar Bergman
É o terceiro filme do mestre, de 1947, tempo em que ele ainda aprendia. Bons tempos, um diretor novato podia aprender-fazendo. Bergman só encontrou seu estilo no sétimo filme. Mas aqui já está em semente todo o futuro do estilo Bergman de cinema: mar,  isolamento, conflito com pai, sexo. Neste filme, que em seu tempo jamais poderia ser feito em Hollywood, temos um filho que apanha e bate no pai, esse pai traz a amante para morar com a familia, o filho a rouba do pai. O filme é forte e lembra os amados filmes do realismo poético francês, filmes de Carné, de Vigo, que Ingmar via muito então. Sinto que ninguém sabe filmar praias como ele. Visualmente o filme é primoroso. Nota 7.
   O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE? de Robert Aldrich com Bette Davis, Joan Crawford e Victor Buono
Foi um imenso sucesso nos anos 60, e nos 70 passava muito na tv. Causou um choque em seu lançamento por seu mal-gosto. Hoje parece até elegante. Bette é irmã de Joan. Joan está presa a uma cadeira de rodas. Bette tortura Joan. Motivo? Joan fazia sucesso no cinema dos anos 30, Bette não. O filme é brilhante. Ficamos duas horas presos num misto de horror e admiração, prazer e medo. Aldrich, que logo depois faria a obra-prima The Dirty Dozen, faz miséria. O filme tem ritmo, tem ousadia e um humor hiper negro delicioso. Mas devemos dar vivas a grande, grande, grande Bette Davis. Mal maquiada, velha, suja, ela assusta com sua voz rouca, seu modo bêbado de andar, seus olhos esbugalhados. E melhor, percebemos o quanto ela se diverte em fazer aquilo. É um desempenho fascinante. Se Kate Hepburn foi a única a lhe fazer frente, devo dizer que Kate não conseguia fazer esses tipos tão vulgares. Tudo em Kate parece sempre "alta-classe", mesmo ao fazer gente pobre. Bette não, talvez por não ter a origem "nobre" de Kate, ela fazia mendigas, bebadas e prostitutas como ninguém. Este filme fica com voce. Repercute. Nota 9.
   O CISNE de Charles Vidor com Grace Kelly, Alec Guiness e Louis Jourdan
Na curta carreira de Kelly, este é de seus piores filmes. Em 1910, a mãe de Grace, tenta casa-la com o herdeiro da coroa. Filmado em belo palácio, claro que o filme é bom de se ver. Mas a história é chata, aborrecida, sem nenhuma atração. Guiness está ótimo. E Grace Kelly foi dentre as belas a mais bela das atrizes. Mas...o que fazer com roteiro tão perdido? Nota 2.

UM SÉCULO DE BOA VIDA- JORGE GUINLE

   Jorge Guinle foi o último playboy brasileiro. Hoje não existem playboys. Porque? Porque o "fazer algo de útil" tomou conta de todo mundo. O verdadeiro playboy gasta dinheiro. E não trabalha nunca. Nem faz aplicações, negócios, especulações etc. Ele gasta e jamais sabe quanto tem ou de onde virá o dinheiro. Recebe grana do banco, dos pais, cai em sua conta. E ele gasta, tudo. Em diversão. Sem se preocupar. Isso é ser playboy. Segundo Jorginho, hoje talvez só os principes árabes tenham cacife pra ser assim. Mas eles se divertem pouco.
   Jorge Guinle jamais trabalhou. Nem um dia de sua vida. Os Guinle tinham vários negócios, principalmente imóveis no Rio, mas a fonte maior era o porto de Santos. Eles eram donos do porto. De cada 5 cafés que se tomava no mundo, 3 pagavam tributo aos Guinle. Mas Jorge nunca teve muito. O dinheiro era da familia, ele recebia mesada. Em valor de hoje, "apenas" 100 mil por mês. Menos que qualquer jogador de futebol conhecido. Mas com um detalhe: esses 100 mil eram apenas para diversão. Todas as contas "sérias" eram pagas, assim como ele ia a restaurantes e clubes de graça. Tinha um dos Rolls Royce da familia, passagens de avião, roupas. Basicamente os 100 mil eram para taxi.
   O livro tem fotos. A mais bonita é da casa onde ele nasceu. Uma mansão gigantesca em Botafogo. Depois ela se tornou embaixada da Argentina. Quem mora em SP, passe na Avenida Nove de Julho e olhe a Casa da Marinha. É muito parecida. Coisa de 22 empregados. A chácara Gromari, onde a seleção treina em Teresópolis, também era da familia. Dois milhões de metros quadrados.
   Jorge estudou no College de France. Sua primeira lingua foi o francês. O College é a melhor escola francesa. É aquela faculdade, da qual já falei, sonho de todo professor da USP. Paga o melhor salário do mundo, e seus mestres dão apenas uma aula por ano. Sobre o tema que escolher. Lá, Guinle estudou filosofia. E se formou na cadeira de Bergson. Sua filosofia não é bergsoniana, é William James com Russell, o tipico materialismo do começo do século XX. Jorginho fala do que pensa: Não existe um Eu. Nem um Ego. Crer no Inconsciente é crer em mitologia. O eu é a soma de experiências. Qaunto mais vivência, mais eu voce tem. Fora disso não há nada. Tudo no cérebro é mecãnico, não há nada de oculto, simbólico ou inconsciente. Pensamos o que provamos. Fora de nós o que há é matéria. Sem a matéria nada há. Infinito é algo impossível. Tudo tem um fim. A matéria é finita, experimentável e temporal. Fora da matéria, o nada. Não existe uma função da vida, um porque. O que há é a matéria sendo provada por nós. Nosso Eu, uma ficção, é um conjunto de lembranças e de aprendizados.
   Jorge Guinle fala ainda de pintura, tema que ele conhece. Mas sua paixão é outra, mulheres. Ele fala de suas namoradas, a maioria atrizes americanas. Ele conheceu Hollywood em seu auge, conviveu com produtores, atores e as belas mulheres. Nada do que ele conta é muito apimentado, gentleman, ele mantém uma certa discrição. Boas as histórias com Erroll Flynn. Voce pode estar pensando: "Como esse brasileiro conseguia ser recebido por tanta gente top?" A resposta é: Copacabana Palace. O Rio da época, ainda com cassinos, era um tipo de Bahamas de hoje, uma pacifica ilha tropical, um oásis que todos queriam conhecer. Guinle hospedava essas estrelas, o Copacabana era dos Guinle.  O Rio, cidade calma, sem crimes, os enfeitiçava. Sofia Loren, Kim Novak, Rita Hayworth, Cary Grant, Jayne Mansfield, Gina Lollobrigida, Ava Gardner, David Niven, Ginger Rogers...
   O que mais me deliciou são as comparações do que era ser rico em 1930, e do que é ser rico hoje ( 1997 ).  Os ricos simplesmente não se misturavam em 1930. As familias ricas de Filadélfia e Boston não aceitavam os ricos de New York, pois New York era cidade de novos ricos. Os Rockefeller, por exemplo, por mais que gastassem, não eram aceitos pelos Vanderbilt, ricos bostonianos de 200 anos.  Mas era na Europa que estava o verdadeiro luxo. Jantares onde era obrigatório ter um mordomo para cada dois convidados. Trocava-se de roupa três vezes por dia: roupa da manhã, da tarde e do jantar ( sempre o dinner-jacket, que sabe-se lá porque, chamamos de smoking ). Pratos de ouro puro, pesados, jóias que se podia usar na rua ( no Rio as mulheres iam passear em Copacabana com diamantes... Mal comparando, lembrei que em 1972  minha mãe ia visitar sua prima na Nove de Julho com colares de ouro grossos... ). Um tempo de imensa segurança, tempo que não volta. Nunca.
  Mas não pense em alienação. Guinle se diz de esquerda. Ele ama o luxo, mas quer esse luxo para todos. Sabe o que é a injustiça, mas sabe também que o modelo socialista nunca dará certo. Porque o homem quer mais, quer poder ter.
   Livro excelente para se ler a beira da piscina, um anti-Caras, anti-celebridades, Jorge Guinle nos conquista por sua inocência.
   PS: O livro expõe algo que eu já suspeitava: O homem que se dá melhor com as mulheres é aquele que as ama integralmente, sem medo.
   Já me ia esquecendo!!! O jazz é outro grande amor de Jorge. Ele dividiu mesa de bar com Billie Holiday, Dizzy Gillespie, Charlie Parker. Esteve no Cotton Club em seu auge, viu o bop nascer. Tá tudo no livro. Quem quiser saber mais sobre jazz tem prato cheio.

Poor Boy - Lomax Prison Recording



leia e escreva já!

NUMA MESA DE BAR

   Blind Willie Johnson. Wim Wenders realizou um dos mais impactantes clips da história. Ele imaginou como seria um clip de WJ, se no tempo de WJ houvesse uma MTV. E eu falo: se existisse WW em 1920.
   Pessoas brancas não passam impunes pelo blues. Isso eu converso num bar, quase drunk, com amigos que sabem o que o blues é. O clip é de uma beleza aterradora.
   Son House é o ídolo de Jack White. JW não passou impune.
   Não era pra ser assim. O blues era pra ter ficado no gueto. Era pra ter morrido. Mas por ser de verdade ele é imortal. Voce sabe baby, tudo o que é de verdade é pra sempre.
   Se engane não. Nada disso é criação do tal mercado. Quando o rock estourou o mercado queria Chubby Cheker, Pat Boone, Brenda Lee. E o Elvis mansinho. Não era pra ter acontecido Little Richard.
   Se engane não. Era pra ter acontecido apenas Hermans Hermits. Dave Clark Five. E Beatles. Não era pra um bando de ingleses toscos se apaixonarem por Muddy e Bo e Hooker. Mas era isso, era blue.
   Na mesa do bar eu conto que uma garrafa de gim é mais perigosa em casa que uma 38 na rua. Me dizem que falei uma frase de blues. Ora, faz tempo que sei que mulheres são invenções do diabo que nos levam pro céu. Ou criações divinas que nos exibem o inferno. Faz tempo que sei o que é acordar e não saber pra onde ir. Repito desde sempre a muito blue frase de Keith: Quando morrer irei pro céu porque passei a vida in hell...Ele é o branco mais blue do mundo baby.
   O melhor na música são esses acidentes. Coisas que não era pra ter sido, mas é. E que têem de engolir. E então ficam tentando pasteurizar e domar. A coisa fica viva. De verdade. Um bando de negros caipiras moldou a alma de caras como eu. E a sua. E a de Wim, Scorsese....etc. Do interiror do interior para SP 2012: um milagre baby, um milagre. Deus existe, veja-O no clip de Poor Boy...Amém.

WHITMAN, O WALT PRIMEIRO

   Aprendi a ler poesia com Whitman. Até então, eu lia poemas como se lesse prosa. Com o mesmo tempo, o mesmo ritmo. Whitman me ensinou o tempo e o ritmo da leitura da poesia. Tempo poético. E então eu me encantei com seu ego. Tudo nele é ele e ele está em tudo. O poeta canta a América, a América é ele.
   Walt Whitman é masturbatório, e sim, alguns poemas são descrições cifradas da masturbação. A geografia do amor é a geografia de seu próprio corpo. Como ele fala, ele se basta.
   Nosso tempo nasceu não na primeira guerra mundial, ele nasce na construção da América e a América nasce na guerra civil. É a primeira guerra moderna, a primeira com jornalistas, metralhadora, tanques, máquinas; e ainda hoje há quem diga ter sido a pior. Walt estava lá, enfermeiro, viu a morte de perto e cantou. Soube ver o renascimento na dor.
   Seu estilo é o do pregador. O poeta sobe ao púlpito e prega aos crentes. Crentes que são americanos, de todas as Américas.
   A Europa jamais poderia ter um Whitman. Ele precisa de espaço, de virgindade, de começos. A Europa é pequena, é velha, está viciada.
   Wordsworth é a Inglaterra e Goethe a Alemanha. Dante é o mundo latino e Petrarca é a Itália. Pois Whitman é os EUA. Ele fala de um presente eterno, ele olha o futuro, ele deixa o passado. Ama o movimento, o ir-se, o individualismo, a coragem, a comunhão. Acima de tudo, ele se ama. Ele olha para si-mesmo e cai de paixão. Mas jamais uma paixão sofrida, ele a goza. Da folha de grama ao soldado que passa, tudo lhe é irmão, e tudo ele ama.
   Whitman teve uma visão e passou a vida inteira descrevendo-a. Reescrevia sua obra sem cessar. Mas desde 1855 sua palavra se afirmara. Um canto a si-mesmo que era um canto a todas as Américas. Todas as terras onde vivessem homens que amassem a democracia, onde as mulheres andassem a cavalo e soubessem atirar, onde os seres fossem camaradas. Onde os horizontes não tivessem fim.
   Os EUA acreditaram em Whitman até 1949. Depois disso, apenas beats e hippies e hoje os ecológicos tentaram manter viva a voz do poeta. Até pouco depois da segunda-guerra voce percebe em filmes e discos e livros americanos a voz de Whitman. A confiança absoluta na vida americana. Mas a partir da guerra da Coréia, da caça aos comunistas, voce começa a notar um desencanto, uma farsa, a América deixa de ser a terra do agora e do porvir e se torna a terra do medo e da nostalgia. Walt Disney e sua fantasia é o Walt desde então. Distração e diversão.
   Os homens que Whitman amou, os simples homens que sabiam atirar e plantar e caçar e domar e amar, esses se foram. As simples mulheres de Whitman, aquelas que eram como cavalos, essas se foram. A América endeusa esses homens e mulheres, porque sabe que eles jamais voltarão. E canta esses heróis no blues, no country, e nos westerns. O individuo que faz parte, o original que é nós-mesmos, o americano.
   Whitman me ensinou a ser eu-mesmo. A olhar o caminho e a cantar. Não é mais meu poeta favorito, mas a ele devo a entrada da poesia em minha vida. Viva Walt!