STALLONE/ CARY GRANT/ SCARLETT/ ALAIN DELON/ DEPP/ KIDMAN

DIÁRIO DE UM JORNALISTA BÊBADO de Bruce Robinson com Johnny Depp
Muito, muito ruim. Depp está numa ilha do Caribe. Décadas atrás. Ele bebe, trabalha em jornal tosco, se envolve com bando de corruptos que pretende lotear a praia e ama a garota de figurão. Isso tudo, diz o filme, é baseado em Hunter Thompson. Onde? Uma chatice. Nota ZERO.
HEMINGUAY E MARTHA de Philip Kaufman com Nicole Kidman, Clive Owen e James Gandolfini
Esqueça a fidelidade histórica. Este não é Heminguay! Clive se esforça, mas o filme retrata Papa Heminguay como um alcoólatra meio chato, meio machista e nada verossímil. De qualquer modo o filme é dirigido para a personagem Martha Gelhorn, a terceira mulher do escritor e talvez a que ele menos entendeu. Uma jornalista forte e dura, mas não tão maior que Ernest Heminguay. O filme, feminista, pinta Martha como espiritualmente mais dotada que o escritor...bobagem! De qualquer modo é emocionante a recriação da revolução espanhola. O filme deveria ser só sobre isso, a guerra civil da Espanha. São momentos de grande cinema. Inclusive com a recriação das filmagens do grande Joris Ivens e de um tal de Capa perambulando por lá. Claro que Capa não era tão garoto, mas é sempre legal ver isso. Kaufman um dia fez uma obra-prima, Os Eleitos ( the right stuff ), baseado em Tom Wolfe. Depois fez a insustentável levez do ser, um belo filme, e o interessante henry e june. Como se vê, o interesse desse ex assistente de Clint Eastwood é a cultura, a boa cultura. Isso faz com que em seu pior ele seja muito pedante. Como aqui. De qualquer modo, na média o filme é ok. Nota 6.
A PISCINA de Jacques Deray com Alain Delon, Romy Schneider, Maurice Ronet e Jane Birkin
Quer saber o que seja o chic francês? Veja este filme. Ele repete a dupla masculina de o sol por testemunha e quase consegue atingir o alto nível da obra de René Clement. A história: um casal recebe a visita de um amigo. Ele vem com a filha. Forma-se a tensão. Todo filmado numa casa de campo, o chic de que falei não se mostra na casa ou nas roupas, ele existe nos corpos, nas cores, no modo como o filme é conduzido. Deray dirige matematicamente. Tudo cronometrado, exato. Devagar, mais rápido, devagar, súbito. Uma delicia de filme, um terço final inesperado e um Alain Delon no auge de seu carisma. Nota 8.
RED HEADED WOMAN de Jack Conway com Jean Harlow
Um filme impudico dos anos 30. Jean é uma secretária que seduz o patrão para ficar rica. Consegue e casa com ele. Depois seduz um outro mais rico. Consegue. E por aí vai. Nada moralista, bem dirigido, curto, foi um sucesso mas não é um grande filme. Ele tem humor, mas nunca grande humor. No mais, Jean Harlow, que foi um sex symbol famosíssimo na época, e que morreu jovem de uma apendicite, é das grandes estrelas da época a que envelheceu pior. Ainda conseguimos entender o porque da fama de Garbo e de Marlene, ainda sentimos a força de Kate e de Bette Davis, além do que Myrna Loy e Carole Lombard estão incólumes em 2014, mas Jean Harlow não. Ela parece muito antiquada. Seu apelo se foi. De qualquer modo é um filme razoável. Nota 5.
ANÁGUAS A BORDO de Blake Edwards com Cary Grant e Tony Curtis
Foi um grande sucesso em 1960. O primeiro grande sucesso de Blake, que faria na sequência breakfast at Tiffanys e a série da pantera cor de rosa. Foi mais um grande sucesso de Cary Grant, que aqui provava ainda ser uma estrela, e foi a confirmação de Tony Curtis, o novo Cary Grant que nunca deu completamente certo. Fala de um submarino na segunda-guerra. Uma sucata que é reformada pela tripulação e que depois dá carona a um grupo de mulheres marujas. Uma comédia agradável, mas não mais hilariante. De qualquer modo vemos excelentes atores ( Cary é hors concours ), um clima de alto astral e boa direção. Nota 7.
SOB A PELE de Jonathan Glazer com Scarlett Johansson
Scarlet é linda de doer. E a nudez anunciada é pudica. O filme não tem como ser pior. Me lembrou o filme de Nicolas Roeg, o homem que caiu na terra, aquele com David Bowie. Mas este é bem mais chato e vazio. Tudo nele transpira e anuncia: arte. Uma gororoba pretensiosa de quem sonha em ser Kubrick e mal pode lamber as botas de John Carpenter. Fuja! ZEEEEEEEROOOOOOO!
AJUSTE DE CONTAS de Peter Segal com Stallone, Robert de Niro,  Alan Arkin e Kim Basinger
De Niro é um ex-boxeador convencido e fanfarrão, Sly é seu ex-rival, um cara modesto que quer esquecer o passado. Kim Basinger, ainda bonita, é a mulher que dividiu os dois. Uma revanche é marcada. O filme é absolutamente tolo. Nada faz o menor sentido. Mas há algo de bom, os atores levam tudo no bom-humor, Eles não levam o filme a sério também. Dá pra ver em video, como alguma coisa pra se ver antes do jantar. Não ofende e não dá pra lembrar de nada depois de dois dias. Nota 5.
OS MERCENÁRIOS 3 de Patrick Hughes com Stallone, Mel Gibson, Harrison Ford, Antonio Banderas, Jason Statham, Wesley Snipes, Schwarzenegger...
Imagina esse elenco em 1994!!! Há um erro aqui, a graça razoável dos dois primeiros estava no trabalho em equipe. Mas aqui Sly faz quase tudo sozinho! É uma exibição narcisista que relembra o Sly descontrolado dos anos 80. O filme não é ruim em seu gênero, mas ele nada tem que nos faça torcer. Mel Gibson quase rouba o filme como um odioso bandido. Nota 3.

George Harrison - Smothers Brothers TV Appearance 1968



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No No Song - Ringo Star



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RINGO, UM DISCO DE RINGO STARR

   Houve um breve período, entre 1972-1974, em que Ringo gravou a sério e em que ele quase conseguiu ser levado em conta. Seus 3 discos dessa época são memoráveis, e este, o segundo do período, é o melhor. Sucesso em vendas, com singles que estouraram, RINGO é um grande disco pop. Para fazê-lo Ringo recebeu uma ajudazinha de alguns amigos.
   I Am The Greatest abre o LP, e é ótima! Composta por Lennon, tem uma maravilhosa guitarra de George Harrison. Na verdade George tem aqui um de seus melhores solos de toda a vida. É um terço dos Beatles nesta faixa. E Klaus Voorman, que fez a capa de Revolver comparece no baixo. Have You Seen My Baby foi composta por Randy Newman. Randy hoje é o cara que faz as ótimas trilhas de desenhos como Monstros, Up! e Wall E. Melhor, a guitarra é tocada pelo grande amigo de Ringo na época, Marc Bolan, do T.Rex. O riff é cem por cento Bolan.
   George Harrison compôs Photograph e ela é uma das melhores coisas que ele fez na vida. Os vocais unem os dois e a melodia é lindíssima. O sax fica com Bobby Keys, dos Stones. Sunshine também é de George e mantém o alto nível. Além de George temos Robbie Robertson na outra guitarra, Rick Danko no violino e Garth Hudson no teclado...Todos os 3 são da The Band. Talvez seja a melhor faixa do álbum. Clima de J J Cale. O lado A fecha com You`re Sixteen, mais ou menos.
  Oh My My foi um big hit como single. Saltitante, dançante, traz Billy Preston no orgão. Uma linha de baixo excelente de Klaus. Step Lightley tem o mito Steve Cropper na guitarra. Steve foi o cara que acompanhou Aretha, Otis e Wilson Pickett na Stax. A faixa, sutil, puro Cropper, é viciante. Six O`Clock é uma composição de Paul MacCartney e tem Linda e seu esposo nos teclados e vocais de apoio. Puro Paul anos 70, grudenta, bem arranjada, ela pede vocais melhores. Paul, ao contrário de John e de George, não compunha para cantores ruins. Ringo faz a canção se perder. Devil Woman é o ponto baixo e o disco se encerra com a terceira faixa de George, a bonita You and Me.
  Tudo super produzido por Richard Perry, no vinyl ele trazia um livreto de 12 páginas e uma capa que, cheia de detalhes, se perde completamente em cd. 
  Sim, Ringo caiu de paraquedas no maior fenômeno pop da história. Surfou na fama por 3 anos, logo após o fim do grupo. E a partir de 74 se dedicou a beber, viajar e namorar. Algum talento ele tinha. E aqui, com a mão de amigos muito talentosos, ele comete um belo disco.
  Jamais pensei que escreveria sobre este LP. Mas eu adorei este disco por vários anos e ele, reescutado agora, sobreviveu.
  Valeu.

A HISTÓRIA DO MUNDO DO OCIDENTE ( QUEM DISSE QUE O ORIENTE É MELHOR ).

   Povo. Entre eles nascem histórias. E fofocas. Que se espalham. Havia uma caixa de onde o sol saiu. Houve um deus que comeu seus filhos. Somos o sonho de um príncipe. Mitos, lendas, heróis, deuses, explicações. Eles nascem sem parar.
 Ao mesmo tempo surgem uns poucos dentre poucos. Que perguntam e não inventam. Nasce a filosofia. Com uma diferença absoluta daquilo que entendemos hoje por filosofia: ela não discute a religião do povo. A aceita como ponto pacífico. A filosofia investiga a matéria e apenas a matéria. E acaba por pressentir aquilo que os mitos já sabiam: somos estrangeiros. 
 O que nos alucina não é o fato de um macaco ter algo de parecido conosco. Não é o fato de um olhar de cão poder revelar amizade ou companheirismo "quase humano". O que nos deixa aturdidos é o quanto estamos distantes dos animais. Se macacos usam gravetos para comer ou choram seus mortos, jamais os veremos honrar um deus macaco ou parar para estudar uma colônia de vespas. E aí mora uma diferença intransponível: os bichos são o máximo do pragmatismo, nós somos o extremo do anti-pragmatismo.
 Um animal vive para ficar vivo. Come quando tem comida, dorme quando tem sono e defeca ao ter vontade. Cruza com a fêmea que o aceitar. Não abstrai, não delega, não se perde em divagações. Pois o simples fato de alguém pensar no pragmatismo já revela um espírito pouco pragmático. Animais estão em casa. Homens nunca. E é ilusão pensar que foi o progresso ou a ciência que nos tirou do centro do conforto terrestre. Nunca estivemos em casa. O mais primitivo dos homens cria seus mitos para explicar seu desconforto. O mais antigo dos homens olha o mundo de fora, o observa, o estuda, modifica o meio, tenta se adaptar.  Não existe homem sem criatividade, o trabalho para tentar fazer do meio algo que seja dele. Um bicho nasce sendo de seu meio. Ele não sonha com outro mundo. Ele está sempre onde deve estar, na Terra.
 Quando pensamos num ET pensamos num irmão.
 Uma sociedade começa a decair quando o povo deixa de produzir histórias. Quando o desejo de explicar é ocupado pelo desejo de gozar. Intelectuais podem falar e falar, criar milhares de teorias, mas o homem se perde quando desiste de seus mitos, de sua religião e de sua estranheza. Tornar-se um bicho ou ser um Homem-Livre, duas metas que levam ao vazio. 
 O homem-livre seria um homem só. Mesmo em meio a ações em grupo, ele sempre seria só com sua filosofia e sua vontade. E um homem-bicho, feito de instintos e pragmatismo seria menos que um homem, seria um alienado. Um aleijado.
 Tudo isto é o centro do Homem Eterno, excelente livro de Chesterton que procura resumir a história mental da Europa. No final ele, sempre um ex-ateu, católico militante, imagina o que seria a Europa sem o cristianismo. Uma colcha de retalhos. Uma espécie de India com milhares de religiões, milhões de mitos, línguas e povos dispersos, e como no Oriente, tomados de absoluta passividade. Pois não há a menor dúvida de que apesar de sua beleza poética, budismo, bramanismo, zoroastrismo assim como as religiões romana e grega convidam a negação do mundo real. Todas falam que o mundo é ou um sonho ruim ou um teatro onde os deuses comandam o destino de todos. Será o cristianismo a primeira religião a aceitar o mundo como real e eterno, a vida como boa e ruim, e o homem como dono de seu destino. Esses 3 novos pensamentos fazem do caldeirão pagão europeu aquilo que chamamos de mundo ocidental. Essa filosofia da ação, da militância, do agir no real, será compartilhada pelo Islã, fé que Chesterton respeita muito por ver nela uma irmã. 
 Não se iludam. Não pensem que nosso mundo foi criado por um filósofo grego, um poeta espanhol ou um rei eslavo. Nosso mundo é criação de dois mil anos de pregadores em ação, repetindo a mesma lei, convertendo, irmanando e criando o mundo da Palavra na Palavra e através da Palavra. O mundo da escrita, do livro, do sermão, do púlpito e do trabalho sem fim.  
 

NATAL EM AGOSTO ( LENDO CHESTERTON )

   A maior das revoluções veio. Um Deus nasce como homem. Eis a primeira inversão. A segunda é esta, nasce sem estrondo, nasce discreto, pobre, filho da base social. O triângulo se inverte: Deus vem de baixo e não do alto. 
  Com isso surgem mais coisas inéditas. Uma criança é sagrada, uma criança é Deus. E se ela é Deus ela é filho e Pai de sua mãe. Ao mesmo tempo. E Ela será uma criança-criança, crescerá como homem, terá brinquedos, aprenderá brincadeiras, irá comer e irá sonhar. Só aqui encontramos várias revoluções. Pela primeira vez o pobre é protagonista. Pela primeira vez uma criança é Deus. E pela primeira vez a história se faz entre os mais humildes, aqueles que ninguém vê. 
  Ao mesmo tempo 3 reis magos vêm vê-lo. São 3 filósofos em busca da sabedoria. Cruzam terras na ânsia de encontrar a Resposta. E o que encontram é uma caverna, palha, animais e um casal pobre e renegado. E no centro do mistério um bebê. Se ajoelham porque os 3 percebem. O mundo de Pã está morto. Já havia ocorrido a queda da bela mitologia romana, aquela do Lar, e já nascera a mitologia romana do mal, a que sacrificava humanos e exaltava a crueldade e a luxúria. Essa morria naquela caverna. O mundo tinha seu recomeço. O mundo é aquela criança.
  A partir dali nunca mais se mataria com alegria. Nunca mais se louvaria o mal de modo inconsciente. Nunca mais se olharia um pobre como uma coisa. Sim, o mal vive até hoje, luta por vencer, mas ele encontrou seu adversário, seu oposto. O mal hoje sabe que é Mal. Antes o mal era o mal sem juízo ou culpa. Bem ou mal eram uma coisa só. Sacrifícios humanos, escravos, quem se importava?
  Passamos a sentir a dor de uma criança que morre de fome. Isso era inédito. Pois nem a crença no mundo como uma ilusão budista, e nem o confucionismo, com seu respeito aos mortos e a disciplina, duas belas filosofias mais antigas que o Bebê, nenhuma delas dava qualquer atenção para a criança faminta ou ao pastor doente. Nobres, bons, mas distantes.
  O Deus na caverna trouxe a Divindade ao mundo da matéria. Deus podia ser visto como homem. Estava aqui, entre nós, nos olhando, nos dando conselhos, sofrendo voluntariamente entre nossas dores. 
  Nessa minha explanação, tirada do belíssimo livro de Chesterton, O HOMEM ETERNO, há material para dois mil anos de teses e de filosofias. Toda essa inversão de valores, todo esse modo novo de sentir a vida foi a maior das revoluções. E todas as que vieram depois, humanas, feita por crentes ou por ateus, tiveram sempre a ansiedade de repetir a cena do menino nascido numa caverna. Zerar a história, trazer ao centro os mais desprezados, irmanar e comungar, vencer o mal. 
  Somos, nós ocidentais, todos cristãos. Mesmo aqueles que odeiam o cristianismo. Porque todos nascemos naquela caverna. Vemos o mundo daquele modo e nos sentimos culpados ao fazer o mal. Matar, roubar, judiar, nunca mais foi ato de alegria inconsciente.
  Isso tudo é o Natal. O dia em que o mínimo se transformou em mais.
  ( Mas existe O MAL. E sobre isso escrevo outro dia. )

O HOMEM ETERNO- G.K. CHESTERTON

   Será que se de nosso tempo restassem para o futuro apenas as pinturas de Picasso, as pessoas do ano 3000 pensariam que em 2014 todos se vestiam, se pintavam e eram como as caras e corpos das obras do espanhol ? E mais sinistro seria se elas imaginassem que os restos da Torre Eiffel tivessem um simbolismo além daquilo que ela é, simples beleza e exibição de riqueza. Porque imaginar que as pinturas numa caverna pré-histórica sejam mais que aquilo que são: belos desenhos. Talvez uma brincadeira, desenhos feitos para matar o tempo, embelezamento, arte pura e simples. 
   Olhamos os rostos das pinturas egipcias e achamos que eles tinham as caras que estão lá representadas. Porque? Aquilo é representação, ou alguém em 2014 tem a cara do Wolverine? A questão é, o que sabemos sobre os homens do passado? Quase nada.
   E o melhor, segundo Chesterton, seria pensar neles como aquilo que são com certeza, Humanos. Desde sempre humanos, como eu e como voce.
  Então vamos parar com essa tolice de imaginar que o homem que criou a roda era um quase-fera que grunhia e criava sem querer. Ele era um homem que pensava. Curioso, pegava coisas e as experimentava. Pesquisava. Tentava. Era, como nós, um criador. E ria. Se divertia. Tinha humor.
  Tendemos a sempre pensar no passado com seriedade. Pois bem, se os homens do passado eram mais infantis eles então brincavam mais. E se fossem como nós, e eram, tinham senso de humor. Pois não pensem que os gregos cultuavam Hera ou Apolo como nós cultuamos Deus ou Allah. Eles tinham religião, eles tinham mito, mas não igreja. Os deuses eram mitos. Histórias que eles sabiam ser fantásticas e que os divertiam. Eles as criavam ao bel prazer. E tinham religião, coisas mais sagradas, sérias, e que nome não tinham. Estranho observar que subjacente às doidas lendas de Zeus, existem os ritos muito mais sérios de fertilidade, de sacrifício e de morte. Religião, a tentativa bem sucedida de transformar matéria. Mas não havia igreja. A Grécia era uma confusão de deuses, ritos, festas e tradições. 
  Os gregos eram organizados em politica, no estado, mas eram anarquistas em casa. 
  Interessante o que Chesterton percebe: povos que são apegados a familia costumam ter um estado anárquico e povos pouco apegados a familia criam estados fortes. Pois ao contrário de Atenas, Roma era anárquica. Governos caíam, senadores eram mortos e mesmo assim ela crescia. Porque romanos amavam sua terra. Amavam sua familia e amavam os deuses do lar. Se eles importaram Jupiter e Vênus, eram os secretos deuses do lar que os emocionavam. Esse trecho do livro é belíssimo. 
  Chesterton se divertiria muito com as bobagens escritas sobre as guerras entre Israel e árabes. O inglês dá risadas para o marxismo. Ele diz que razões econômicas existem em qualquer guerra, mas NUNCA são a razão principal. O que leva um soldado à guerra não é o soldo, o que leva um líder a declarar guerra não é uma mina de ouro. ( Isso tudo vem junto mas não é o que traz a guerra ), a batalha se faz quando uma nação encontra diante de si uma outra nação que a nega, que ameaça tudo aquilo em que ela crê, que ameaça sua certeza histórica e que traz assim o perigo da destruição de seu lar. Um soldado luta por sua casa, por aquilo que ele entende ser seu lar. Um país luta por destruir sua antítese, seu oposto. Os americanos podem lutar pelo petróleo do Iraque, mas acima de tudo lutam contra um mundo que lhes é horroroso, um modo de pensar que nega tudo em que eles acreditam. Lutam para sobreviver. Para poder continuar a crer em si-mesmo.
  Como aconteceu com Roma. Os romanos tinham de aniquilar Cartago pelo fato de que Cartago matava crianças em sacrifício, comungavam com forças místicas que negavam tudo o que Roma professava e odiavam o modo familiar de Roma.  Roma venceu. E o mundo nunca mais foi o mesmo.
  Chesterton diz que é hora de parar com a mania científica. Um cientista explicando um totem ou um mito é como um poeta tentar explicar a divisão celular. Um totem é uma experiência estética e só pode ser entendido como arte. Um mito é sempre poesia e só pode ser explicado por poetas. Cientistas transformarão tudo naquilo que eles sabem, fórmulas de ação e reação. 
  Adoro Chesterton porque ele duvida. Inverte o que todos repetem e mostra a papagaice do que se tornou senso-comum.
  Homens da caverna não eram feras assustadas, egipcios nunca foram seres rígidos de pintura, gregos não acreditavam em nada, romanos eram bons e calorosos, bárbaros eram brincalhões e os povos primitivos das Américas nada tinham de inocentes.
  Excelente.

TEMPO

   Onde eu via um rio agora corre uma avenida. E derrubaram a casa de minha primeira amada para fazer um restaurante. A praça encolheu, os lagos secaram. E até o céu parece hoje mais distante. Muito pior que viver uma primavera sem Lou Reed, Tim Maia ou José Wilker, é andar pelo Caxingui e não achar neste Caxingui o meu bairro. Todas as esquinas viraram pontos anônimos. Lembro meu pai.
   Se eu viver tanto quanto ele irei ter mais 32 anos pela frente. E irei desconhecer toda rua. Onde o cinema em que vi o Led Zeppelin? Alguém ainda sabe bater palmas ao fim de um grande filme? Ver um show sem se distrair tirando fotos? Ir a uma festa e não pensar no que vai postar amanhã?
   Se o bairro é outro as pessoas parecem outras. Cartinhas tímidas para as meninas...alguém ainda?
   Em 1980 o mundo era a escadaria do Objetivo. O mundo era a via Anchieta. O mundo era a praia. Vou aos 3 lugares. A escadaria parece ser apenas uma escada. A Anchieta uma vulgar estrada. Curta. E a praia é uma faixa de areia oprimida por gente, carros e prédios. E a mudança de meu ambiente, dos lugares que eram MEUS, do habitat onde tudo era ninho, isso dói. Tanto ou mais que a morte daqueles que em 1980 eram vivos ( um mundo que ainda tinha Miles Davis, Bergman, Bunuel e Kurosawa ).
   1980, no Brasil, era feito para quem tinha 15 anos. Eu. Em 2014 me parece que o mundo é para quem tem 25 e o Brasil para as crianças. Mas isso vai mudar. O mundo está envelhecendo e minha geração será a primeira, aqui, a ver o Brasil com menos crianças que idosos. Uma revolução anciã vai acontecer. ( Na Europa já está em curso ). Filmes, música, roupas, serão mais dirigidas aos cinquentões que aos teens. Sim, é provável que os sessentões tenham roupas e jeito de teens. Mas a coisa vai ter de se adaptar a uma nova realidade. O consumo feito pelos mais velhos.
  E serão pessoas como eu sei que vou ser. Contentes por poder ver os Stones aos 93 anos, por ver a vigésima parte de Star Wars. Por ter a mão todos os discos do Led, do Neil Young e do J.J. Cale. Mas que ao mesmo tempo olharão para o mundo e perceberão que tudo lhe é desconhecido e que o mundo que ele amava se foi.
  Ou não.
  Porque uma árvore será sempre igual aquela que ele primeiro viu. A praça pode ter mudado, mas uma mangueira ainda é uma mangueira. E verá que se a praia é outra, o mar é o mesmo. Perceberemos que o que é da natureza nunca muda, o que se vai é aquilo que o homem fez. O sol é o sol que amanhecia em 1976 e a chuva cai como caía em 1989. Perceberemos que o olho de um cão é o mesmo olho daquele cão querido e perdido em 1998. Porque a natureza se renova. Se o Caxingui, o Morumbi, Pinheiros se foram para sempre ( sempre mesmo ), a grama molhada, a terra com minhocas e o abanar de uma cauda nunca mudam. A natureza se renova, se modifica lentamente, volta, é um ciclo.
  Se dói lembrar de meu pai, de Roberto, Mauro, Dani ou Jeanne, consola saber que eles são seres da natureza, que são muito mais aparentados com o mar ou a serra que com uma casa que desaparece ou uma rua que se alarga.
  A Paulista é outra e a escadaria nada mais me diz. Mas os rastros dos que aqui passaram ficam. Para sempre.

ESCOLA. ELEIÇÃO, PRISÃO E PIJAMAS

   Eleições. Há alguém que ainda leve isso a sério? Não falo só aqui. No mundo todo. Seja parlamento ou presidencialismo, who cares?
   Alguém na escola? O que voce aprende? Lá dentro tem alguma coisa relevante em relação ao mundo cá de fora? Pode ser que existam professores que consigam trazer eletricidade a aula. Mas a filosofia da coisa é morta. 
   Previdência? Aposentadoria? Foram criadas na época em que tratar um câncer era morte certa. Em que se vivia 3 anos aposentado. Em que 90% nem conseguiam chegar a se aposentar. 
   Prisão. Pra que serve? Nada vinga. Não recupera. E gasta demais. E não me venha com pena de morte. A execução de um inocente invalida todo o sistema.
   Estamos no mundo das conexões. Onde todo mundo está todo o tempo focado em 3 coisas simultaneamente. Um mundo onde a velocidade e a possibilidade de escolha é lei. Coisas acontecem sem parar e coisas são jogadas fora sem cessar.
   Mas o velho sistema de voto, de sala de aula, de tempo de serviço, de pena a cumprir...
   O século XXI precisa se ocupar das coisas humanas. Ou elas morrerão sem nada que as substitua.

MATEMÁTICA, DOCTOR WHO E AS ELEIÇÕES

   Leio a revista Veja desta semana. Muito interessante a matéria sobre o brasileiro que venceu o tal "Nobel"de matemática. Me toca o modo como a física quântica se aproxima da poesia e da religião. Ideias que essas duas intuições divulgaram desde sempre são matematicamente desvendadas pelas teorias mais modernas e abstratas.
  Ando lendo mais um livro de Chesterton e o sábio inglês coloca tudo em dúvida. Cada "verdade"científica colocada em xeque. Será que Chesterton sabia algo de quântica? É muito provável que sim. 
  O brasileiro ( nome? esqueci ), ama borboletas e sua façanha matemática tem uma borboleta como símbolo. Grosso modo, o que ele fez foi ajudar a demonstrar que dentro do princípio da incerteza podem morar variantes infinitas que se modificam ao menor fator. A reportagem usa um exemplo excelente. A meteorologia estuda frentes frias, movimento de massas climáticas e estatísticas históricas. Pois bem. Mesmo assim, e por mais que esses dados sejam aperfeiçoados, ao extremo, nunca será possível afirmar com 100% de certeza que amanhã irá ou não chover. Porque? Porque nessa teoria, o movimento da asa de uma borboleta em Sta.Catarina tem o potencial e a possibilidade de modificar todo o clima de vários estados. Absurdo? Não. Matemática. 
  Se voce explica o universo matematicamente, voce o explica em equações. Em cálculos que podem levar séculos para serem completos. Uma vírgula, uma fração mínima, um zero a menos, qualquer detalhe pode modificar todo o sistema e fazer de uma equação X uma equação Y, ou insolúvel. Então se podemos explicar o universo como um sistema matemático e ao mesmo tempo aleatório ( matematicamente aleatório ), uma pedra jogada num lago pode modificar toda um ecossistema e o ar movimentado pela asa de uma borboleta pode mudar todo um clima. 
  John Donne, poeta e religioso inglês, escreveu no século XVII que toda pessoa que morre traz luto para todos aqueles que vivem. Todos. Que o sino que dobra pelo morto desconhecido, na verdade dobra por mim. E por voce. Donne intuiu que o choro de uma criança no Japão acaba por repercutir na vida de um velho que mora no Chile. 
  E cada vez mais a física nos mostra que uma pedra que foi lançada a bilhões de anos de uma estrela a bilhões de quilometros, pode modificar toda a estrutura e destino de um mundo que nada teria, mas tem, a ver com a tal pedra. O sino que dobrou em luto pela estrela que faleceu, dobrará em luto pelo mundo que a receberá como cometa amanhã. 
  A grande questão é: Tudo isso é um acaso, ou haverá uma ordem dentro desse caos? Matemáticos procuram essa ordem no centro do incerto, procuram uma regra em meio ao acaso. Uma equação que desvende e se aplique a tudo que pode existir. Parece poesia. Tem ares de religião. É ciência. Ainda.
  Uma suposição. Neste mundo, cada vez menor e interligado, não haverá a clareza final de que tudo repercute em tudo? Que uma batida de carros no Paquistão é visto aqui e será lamentado em Singapura? E que o fato de todos nós podermos ver isso, ao mesmo tempo, já modifica todo um destino, travando chances e abrindo possibilidades?
  A Veja fala também de Doctor Who, que é uma mania.
  A Inglaterra pode ser definida por três coisas: Família Real, Beatles e Doctor Who. Uma revista americana diz que ingleses amam tudo que é velho e moderno ao mesmo tempo. Coisas como a Rainha, Keith Richards e Doctor Who. São velhos, são excêntricos, parecem imortais, e têm algo de muito provocativo. Yes! Raramente vi tão bela definição do espírito inglês. Espírito que podemos ver também em qualquer nova banda inglesa ( que sempre une a coisa muito fashion com um jeito velho de swinging London ), vemos no Monty Python, em Downtown Abbey e em instituições como Oxford, Shakespeare ou na BBC. Velho e moderno, conservador e livre, sempre excêntrico e sempre na surdina. 
  Adoro Doctor Who. 
  51 anos de série.
  Por fim faço aqui meu único comentário sobre as eleições. Temos uma anta mal humorada, uma missionária e um playboy. E uma imensa multidão de candidatos que variam do burocrata medíocre ao aventureiro mentiroso. 
  É isso. Meu voto irá para o menos feio.
















 

Beyond the Valley of the Dolls - Los Angeles DE VOLTA AO VALE DAS BONECAS.



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TIM CURRY/ WES ANDERSON/ SLY/ RUSS MEYER/ JOHN CLEESE/ DAVID LEAN

   QUANDO O CORAÇÃO FLORESCE ( SUMMERTIME ) de David Lean com Katharine Hepburn, Rossano Brazzi e Isa Miranda
O filme é lindo e representa a virada na carreira de Lean. Ele vinha de um período perdido após o grande inicio no cinema inglês. A partir deste filme ele tomaria impulso para seus grandes épicos. Claro que este filme, íntimo, não é um épico, mas traz, já, o olhar de Lean sobre o estrangeiro, no caso Veneza. Kate é uma solteirona reprimida que viaja sózinha à Veneza. Lá conhece italiano bonitão e tem um caso com ele. É só isso e voce pode pensar que o filme é meloso e vazio. Não é. David Lean era um gigante e nos dá um passeio pela cidade que encanta, hipnotiza, seduz. Ver Kate andando pela cidade e tentando se feliz é uma experiência gratificante. Quando o flerte começa o filme cai um pouco, mas evita o óbvio e se reergue. Kate faz a solteirona com sua habitual força. A fotografia, de Jack Hildyard é magnífica. Nota 8.
   O GRANDE HOTEL BUDAPESTE de Wes Anderson com Ralph Fiennes
Caro Wes, mantenha sua crônica sobre uma época e esqueça o thriller. Este filme, lindo, nasceu para ser uma frívola comédia sobre uma época frívola. Leve, tolo, bonito e inutil. Vá fundo nisso. O que? Voce quer mais que isso? Mas assim voce perderá a obra! Ela não será nem carne e nem peixe! Afff....que pena! Voce quase fez uma obra-prima! Mas te faltou coragem para ser mais tolo e menos esperto. Uma pena! De qualquer modo, é um filme que irei rever em breve. Abraço. Nota 8.
   AMANTE A DOMICÍLIO de John Turturro com John Turturro, Woody Allen, Sharon Stone e Sofia Vergara
Um dos piores filmes do ano. Não é uma comédia! É um melancólico filme sobre a solidão. Uma bobagem com personagens irreais e antipáticos, cenas lamentáveis e um Woody Allen de dar dó. Detestável. ZERO!
  O HOMEM QUE PERDEU A HORA  de Christopher Morahan com John Cleese
Cleese é um diretor de escola maníaco por pontualidade que ao ir à homenagem a sua escola perde a hora e pira. O filme começa mal, vai melhorando e acaba bem bacana. É sempre um prazer assistir Cleese fazendo seu tipo de inglês reprimido e vaidoso. Falta um pouco mais de loucura ao roteiro e a direção exala mediocridade, mas dá pra ver numa tarde de frio. Nota 5.
  THE ROCKY HORROR PICTURE SHOW de Jim Sharman com Tim Curry, Susan Sarandon, Richard O`Brien e Little Nell
O filme é amador, exagerado, tolo, grotesco e mal intencionado. E daí? Quem não o assistiu não viveu! É delicioso, cafajeste, safado, gay, rocknroll, glitter, sexy, roxy, perverso, punk, funk, burrinho e smart. Oh Oscar Wilde!!!! Oh David Bowie!!! Eu não sou gay mas amo este filme!!!! AMO AMO AMO!!!! Quer ser feliz? Conheça Tim Curry e sua voz classuda chic fazendo este infame Frankenfurther, um misto de Bolan, Iggy e a bicha doida da Augusta. Pasmem! Nota DEZ!!!!!
   DE VOLTA AO VALE DAS BONECAS de Russ Meyer
Camp. Sabe o que é isso? É lixo feito de propósito. Este fracasso foi dirigido pelo inventor do filme de nudez dos anos 50, Russ Meyer. Em 1969 ele conseguiu dinheiro da Fox para fazer um filme grande. Este. E vejam só, o roteiro é do grande crítico Roger Ebbert. O filme, uma gozação com o mundo de 69, fala de 3 moças que formam uma banda de rock e se mandam para L.A. rumo ao sucesso. Se envolvem com produtor ( o melhor personagem, Z-Man ) e ....Tem transexualismo, hermafroditismo, drogas, psicodelia, mas tudo tratado com ""pureza", paz e amor. O filme é mal dirigido, tem os piores atores do mundo, cenas hiper editadas. Parece um trailer de duas horas. A gente espera que ele comece e nunca começa. Há quem o ache genial. Eu acho tão ruim que fica quase bom. O final é ótimo! Sem Nota.
   ROTA DE FUGA de Mikael Hastrom com Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenneger
Que roteiro bobo!!!! Sly é um cara que faz testes para ver o quanto uma prisão é a prova de fuga. Mas cai numa enrascada quando preso numa prisão intransponível. Ufa! Mais bobo impossível. Chato pacas! E quem diria? Arnie quase salva o filme! O cara tem humor! Em 1989 quando caiu o muro de Berlin muita gente disse que o cinema perdia seu vilão, a URSS, e que teriam de criar bandidos cada vez mais fantasiosos. Este filme atinge o pico do ridículo. ZERO>
   JUNTOS E MISTURADOS de Frank Coraci com Adam Sandler e Drew Barrymore
Nada de risos. Ele é um viúvo com 3 filhas. Ela uma divorciada com dois meninos. Sem querer vão juntos para um resort na África do Sul. E fall in love. Não é ruim. É desinteressante. Odeio esse Sandler chorão, bom moço. E Drew faz Drew, uma atrapalhada boazinha. O filme escorre mel, infla bondade, exala pinky. Aff, enjoa! Qual é? Nota 2.
  

VELHOS SEREMOS E VELHOS PERMANECEREMOS

   Eliane Brum escreve um lindo texto sobre a morte das pessoas que habitaram nossa vida. Que esse longo envelhecimento, que a ciência agora nos dá, faz com que tenhamos a experiência de vivenciar o desaparecimento do mundo que era nosso. O texto, lindo, vai pelo caminho da morte das pessoas. Ela fala do choque de perder Garcia Marquez e tantos outros. Gente que ela não conhecia, mas que estava lá, vivendo, e que agora se foi. Volto a dizer, o texto é muito emocionante. Mas se esquece de coisas mais importantes. Sim, um mundo sem Kurosawa parece mais vazio. Nunca vi pessoalmente José Wilker, mas era ótimo saber que ele estava aqui. Mas Eliane não fala de coisa pior que a idade traz, a destruição de nosso cotidiano, de nossos hábitos, de nosso caminho.
 
   Meu pai morreu com 82 anos, o que agora não é tanto, mas que foi o bastante para unir o mundo da Segunda Guerra ( meu pai tinha 20 anos em 1946 ), ao mundo de 2008. Onde estava o mundo que meu pai conheceu na juventude? Estava vivo dentro dele, estava presente nos velhos filmes, velhas canções, velhas histórias. Mas estava sepultado em tudo o que ele tocava e presenciava. As ruas, casas, praças, bares, cinemas que ele conhecera se foram. Todos partiram. Ele andava pelo bairro, ia ao centro e nada era o que fora. O mundo que ele construíra estava sepultado. Seus passos apagados pelo tempo. Pior que tudo, os costumes eram outros. Seus filhos agiam de um modo esquisito, as pessoas viviam coisas sem sentido para ele, tudo lhe era não familiar. E essa morte considero muito mais dura que a morte de Lou Reed ou de Peter O`Toole, mortes de ídolos ou de guias. Essa é a morte do habitat.
  Cheguei aos 50 anos, e se viver tanto quanto meu pai, ainda tenho longos 32 anos pela frente. E temo que sejam 32 anos de saudades da vida que tive aos 15 anos e do mundo que se foi em 1980. Claro que adoro certas coisas de 2014. Este blog é prova disso. Quem me dera ter um blog em 1980!!! Adoro poder escutar um disco que foi raro e que agora está disponível na net. O século XXI me deu a alegria de poder enfim ver os filmes de Michael Powell e de Ozu. Me deu melhores remédios e mais distrações. Mas, que estranho, tudo o que ele me deu parece ser consolo, memória, drogas virtuais, escape da vida lá de fora.
   O mundo vai ter de aprender o que fazer comigo. Conosco. O mundo é feito para gente de 15, 30 anos. Mas daqui a pouco a cara do mundo vai ser um cara de 50. De 60. A maioria. E o que vai acontecer? Haverá uma revolução silenciosa, a revolução dos velhos. Eles tomarão o centro. Moda e arte será para quem passou dos 40. ( Se é que já não é ). Teremos então a vigésima versão de Star Wars e os Stones, aos 98 anos, farão sua última tour. ( Observe que na Europa a mudança no futebol foi a troca de uma torcida de 15 anos por uma de 40 ). 
  O mundo será idoso. Movido a Viagra, Anti-depressivos e hidro-ginástica.  Querendo novidades que remetam ao conhecido.
  E como diz Eliane Brum, sentiremos a dor do que se foi. E veremos surpresos que estamos sós. Mas não apenas porque amigos e artistas queridos se foram. Mas principalmente porque nunca mais poderei ver o córrego de minha infância. Porque a praia onde ia não mais existe. E terão derrubado minha antiga casa e não conhecerei mais meu bairro. Porque todas as esquinas se farão enigmas e as ruas me guiarão ao estranho. Porque não consigo mais sentir conexão aos lugares e as coisas sou só. O café terá outro cheiro e o chocolate outro gosto.
  E então, nesse deserto de coisas vivas mas que para esse senhor são mortas, ele irá notar que alguma coisa jamais mudará. E serão essas as coisas que o salvarão da morte-em-vida. 
  O cachorro que ele tem age e se parece com todos os cães que ele sempre conheceu. Nele, como em todo bicho, nada mudou. Ele é anti-histórico. Resiste ao tempo e assim resiste a morte. O Xaxá de 2014 faz tudo como fazia o Billy de 1998. Nada muda. E esse velho se apega a esse ser que lhe é fiel. Fiel ao tempo passado, imutável.
  E outras coisas lhe acompanham, sem mudar. Deus é o Mesmo. Embora a igreja mude e se torne irreconhecível, Deus permanece. E com essa fé vem a capacidade de perceber que uma flor é sempre uma flor e que se o Guarujá se tornou um lixo, o Mar ainda é o mesmo. Ele lhe é fiel. Como fiel é a Serra. E até mesmo a chuva, que quando cai é idêntica a chuva de 1970. 
  Esse velho percebe que as coisas da natureza não mudam. Têm ciclos que se repetem. E é aí que o velho se salva. Na ideia do ciclo. Do círculo. Da verdade. 
  Percebe então que as bobagens feitas pelo homem se vão. E que não voltam. Jamais Pinheiros de 1973 voltará. Mas que as coisas da natureza, as tais coisas de Deus retornam.  São cíclicas e não estão além do tempo porque não o reconhecem. Nesse momento ele entenderá porque Marlon Brando é um imortal. E porque uma obra vale mais que a morte. E então, ainda triste, saudoso, perdido, porém consolado, ele, esse velho que viu tanto morrer, se calará. E irá sorrir.

MARY POPPINS, O LIVRO DE P.L.TRAVERS

   Uma bela edição!
   Ronaldo Fraga fez desenhos que foram depois bordados. Esses bordados passados em foto para o livro. Papel grosso, costurado, meio grosseiro, meio chic.
   Travers era uma excêntrica. O filme mostra. Emma Thompson a interpretou bem. O livro é de 1934 e Disney só o filmou 30 anos depois. E bem que ele queria tê-lo feito muito antes. O filme é uma obra-prima, o livro é muito diferente. Poppins é uma linda e muito vaidosa jovem que vai ser babá na casa dos Banks. O livro tem um sabor forte de England 1910, tipo Edward VII. Poppins é egoísta, mandona, muito teimosa, orgulhosa e matreira. Nada simpática! Nada! Ou seja, muito diferente do filme. A simpatia está nos filhos, quatro. Dois bebês e um casal mais velho. O menino é sensível, a menina poética. Mary Poppins os leva ao mundo da imaginação. Coisas fantásticas acontecem. A Inglaterra inventou a infância como a entendemos. Mary é uma de suas mensageiras.
  Travers foi amiga de Yeats. E de George Russell. O livro pode ser lido como alegoria mística. Mas eu prefiro ler como fábula que elogia a invenção. Bacana!!!
   O melhor episódio? As compras de Natal ! Lindamente triste-alegre. 
  Saímos de nosso atraso aqui no Brasil. A literatura imaginativa está tendo seu valor reconhecido. Viva!

Kevin Ayers why are we sleeping 1970 taverne



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Kevin Ayers - Stranger in Blue Suede Shoes (Studio Version)



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HAPPY BIRTHDAY KEVIN AYERS !

   A primeira vez que encontrei Kevin foi em Ibiza. Era 2008 e ele estava ao meio-dia tomando seu breakfast de frente para a praia. Me sentei numa mesa próxima e notei que apesar das décadas de álcool,  Mr.Ayers ainda tinha mantido sua elegância blasé. Estava com uma camisa de seda creme aberta até o meio da barriga. A calça era azul clara e usava chinelos nos pés. Os cabelos estavam uma bagunça e disfarçava os olhos cansados com óculos escuros. Tomava um café e conversava com duas meninas espanholas. Sua linda filha, Galen, estava trazendo um jornal. Sentou com o pai que sorriu. As espanholas se foram e pai mais filha ficaram relaxados, deixando o café esfriar. Um garçon, que parecia conhecer os dois, veio com uma garrafa de água mineral gelada. Galen se serviu de um copo com limão. Kevin acendeu um cigarro.
  Eu pedi um capuccino e um croissant. Tentava disfarçar minha emoção. Então Kevin Ayers existia. Vendo Kevin eu via Nico, Eno, Wyatt, Burroughs, Daevie Allen, Nicolas Roeg, Oldfield, eu via Barrett, via a Ibiza de 1960, ilha para poucos, e podia ver também a Canterbury do pós-guerra, jovens maconheiros ouvindo jazz e folk e logo querendo fazer da Europa uma trilha beat.
  Kevin era low-profile. Sempre foi. Calmo, meio zonzo, elegante e muito dúbio. Jamais diria que ele merecia ser mais famoso. Ele não quis. Fez uma carreira longe do centro, longe de Los Angeles, de NY e de Londres. Seu centro foi outro: cafés em Paris, estradas na Holanda e o porto final: Ibiza.
  Confesso que me faltou coragem. Não me aproximei de Kevin Ayers. Pedi ao garçon uma banana. Ele a trouxe num prato, coberta de mel. Quando a peguei com a mão e comecei a morder percebi, ou será fantasia minha?, Kevin Ayers olhar para mim e rir. Deixei a fruta cair no chão. Ela caiu rolando pelo meu colo, manchando minhas calças brancas bem passadas. Inapropriadas. O garçon veio com um guardanapo e água. Quando ergui os olhos Kevin e Galen já haviam partido.
  No mar barcos passavam.
  Hoje, 16 de agosto Kevin faria 70 anos. Por ser Kevin ele preferiu ficar, para sempre, no 69.
  Ibiza sente a falta dele. Seus amigos, músicos, mecânicos, pintores e vagabundos bebe hoje por ele.
  Salud!!!!

Top 135 Tim Curry Quotes



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The Rocky Horror Picture Show Fan Trailer



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THE ROCKY HORROR PICTURE SHOW- SOLTE SUAS FERAS!

Ele vestiu seu terno branco. E colocou um cravo vermelho na lapela. Sem gravata, lógico, uma écharpe violeta, longa. Os sapatos brancos, mas as meias eram vermelhas. E com um pouco de perfume nos cabelos, ele foi. Era a centésima vez que ia ver o Rocky Horror Show. Era a centésima vez que ia de madrugada ao mesmo cinema encontrar os tipos que lá estariam:
Um punk pré-punk, um hippie espacial, um beat angelical, uma enfermeira nua, uma vagaba de pijama, um médico de espectros e um vampiro inocente. E muito, muito mais:
um pretenso Andy Warhol, um Nico de cetim, Bowie da China, e MM de chocolate!
Rocky Horror Show nasceu como show barato de gozação. Como filme de quinta e como evento esquecível. Mas era a hora certa e o lugar certo e a coisa aconteceu:
Anos em cartaz na mesma sala. Mania que rodou o mundo. Inaugurou o conceito de cult. Sessões de madrugada. O povo ia a caráter assistir. E interagia com o que via! Recitavam as falas todas de cor. Era o catecismo do bissexualismo!
Tempos de Dzi e de Secos e Molhados. Dusek e Maria Alcina. Tempo de Bolan e de Eno, wow! E de Lou Iggy oh quanto rímel !!!!
Ele voltou depois de ver o filme, ainda passou numa festinha simples. Paquerou uma menina de 15. E foi pra cama com uma coroa. Ele perdeu o cravo e a echarpe. Ele perdeu toda sua certeza. Ele festejou à grand monde! Ele sabia que era tudo passado....e foi.
PS: Esta história me foi contada por Richard Faking, Lord Milanês do Trastevere. Acho que ele é belga. Ou romeno. Ontem reassisti o filme. É lixo. É lindo. É antecipação de tudo que respira em 2014. E Tim Curry....Que interpretação!!!!! 
Ah sim, as músicas! Voce gosta de Glitter? Então vá!

ROCKY HORROR PICTURE SHOW: Sweet Transvestite



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BACALL

   E Lauren Bacall também parte e o mundo perde muito. Acho que era o último mito vivo. A última pessoa a ter feito parte da Hollywood de sonhos. Filmou com Hawks, com Huston. E foi a esposa de Humphrey Bogart. Era ela que ele chamava de kid. 
  Bacall foi modelo. E aos 19 foi descoberta pela esposa de Hawks na capa de uma revista. De cara ela estreou como estrela. E com Bogey. Se apaixonaram. E casaram. 
  O estilo dela era andrógino. A voz era masculina, a atitude era independente. Ela parecia capaz de levar um homem pra cama. Ela enfrentava Humphrey Bogart cara a cara. O que ele fazia ela podia fazer. Virou estrela. O cabelo e os olhos, a voz e o jeito de fumar. O assobio. 
  O glamour do mundo, que já estava diminuto, agora está microscópico.
  Adeus Lauren. Bogey a esperou por seis décadas!

ROBIN WILLIANS ( E ZÉ TRINDADE )

   Humoristas nos incomodam. Eles são como amores passados. Amamos e nos afastamos. Amamos porque nos fazem rir. E nos incomodam porque todo humorista pede e exige atenção. Eles fazem tudo para nos capturar. Fazem piadas, caretas, trocadilhos, tocam em feridas, gritam, cantam, dançam e nos pedem: Please! Love Me!!!!
  Essa a tristeza, nem tão secreta, do humorista. Ele precisa se esforçar para ter atenção. Enquanto isso, aquele cara bonito e calado tem toda atenção sem esforço algum. Johnny Depp e Brad Pitt não vão se matar. Robin Willians e Fabio Fanti sim. Porque para humoristas, seja Jerry Lewis, Mussum ou Buster Keaton, tudo está sempre por um fio. Eles brigam com o mundo porque acham que o mundo não lhes dá atenção. E gritam por amor. 
   Eu sempre achei que Jim Carrey seria um suicida. 
   E é tudo tão injusto. Steve Martin, John Candy, Robin, Gene Wilder, todos foram/são grandes atores. Mas o mundo, que os ama, não os leva a sério. Rir, a mais nobre arte, sempre parece vulgar perante o drama. O drama seria mais realista, profundo, verdadeiro. Não é. Uma grande comédia é tão profunda quanto um grande drama. Billy Wilder prova isso. Chaplin provou isso. E não vamos esquecer que 50 anos depois, as comédias do cinema sobrevivem muito melhor que os dramas. Groucho vence Greta Garbo e Preston Sturges é maior que Joan Crawford. 
  Robin Willians foi Popeye e foi um Peter Pan de meia idade. São comédias tristíssimas. Fez uma babá maravilhosa e A Gaiola das Loucas melhor que Michel Serrault. Foi o professor que todos sonham em ter na Sociedade dos Poetas Mortos. Pirou e salvou Bom Dia Vietnã e seu melhor filme é O Pescador de Ilusões. Como acontece com Steve Martin, seu talento merecia mais grandes papéis. Nos últimos anos foi virando ator coadjuvante. E voltou a TV. 
  Humoristas morrem errado. A morte de Chaplin foi errada. Como foi a morte de Costinha, Zé Trindade e Dercy. É errado porque morrer não faz parte de fazer rir. Esse drama não casa bem com quem sempre deu a volta e saiu rindo e dançando. 
  Que Deus salve os humoristas. Gênios que percebem cedo a carência mortal que habita todos nós. Que assumem o vazio e tentam rir desse buraco. E no processo nos dão um presente: O riso. 
  PS: Mario Monicelli. Não posso escrever sobre humor sem citar seu nome.
 

Mingus Dinasty - São Paulo International Jazz Festival 1980



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CUMBIA AND JAZZ FUSION- CHARLES MINGUS E A MINGUS DINASTY

   No meio de 1980 teve um festival de jazz em SP patrocinado pela prefeitura e pela TV Cultura. Vieram Woody Shaw, Chick Corea, Peter Tosh ( eu sei, peixe fora d`'agua ), Etta James e Al Jarreau. E a Mingus Dinasty.
 Essa banda existia para manter viva a música de Charles Mingus. O homem havia morrido em 79 e seu legado estava vivo, vibrante, batendo. Eu voltei de uma festa de família e botei a TV no festival. Era um grupo interessante. Batera e baixo ( Danny Richmond e Charlie Haden ), mais piano, trompete, e dois sax. Começaram a executar Cumbia e Jazz fusion, uma música de 30 minutos. E a coisa me pegou como raras vezes antes. 
  O ritmo. A síncope latina, preta da batida insuspeita. Ritmo vital. Sangue em ebulição. Jazz que vem da selva.
  O piano. Swinga. Me apaixono e fico intrigado. Toda paixão é uma intriga que nunca se desfaz.
  E entra a banda. Big jazz Duke Ellington tromba com a cumbia. 
  Um RAP no meio. Sim, um rap pré-rap. 
  E o fim. Um dos momentos chave: cada um deles cessa sua execução, um por vez, e sai do palco de fininho. Fica só Danny, o ritmo vital, a percussão pulsando, e fim.
  Caralho!!!!!!
  O disco foi ansiosamente procurado e o comprei um ano mais tarde. Foi minha primeira breve fase jazz. Cumbia e Miles. Reouço e revejo. Duca7 !

O GRANDE HOTEL BUDAPESTE, WES ANDERSON

   Tem um livro lindo nas livrarias sobre Wes Anderson. Ele é hoje o diretor mais cool na América. Aquilo que os Coen foram em 2005 e Tarantino em 2010. Leio a lista de seus filmes favoritos e adoro. O number one é MADAME D... filme misteriosamente sensual de Max Ophuls. E ele lança um filme com Ralph Fiennes, F.Murray Abraham e Adrien Brody, atores que gosto. E esse filme se passa na Europa oriental, o mundo de Mahler, Rilke, Lubistch, Ophuls e Wilder. Já gostei do filme antes de ver. 
  E ele começa a pleno vapor. Fiennes dandy, um tipo de glamuroso conciérge de um hotel chic no mundo de Zweig e de Dietrich. O visual é fascinante, o humor fino, o ritmo festivo e os movimentos de câmera fluidos. A câmera valsa. E os cortes são feitos no momento exato. 
  Vejo o filme com gosto. Finalmente Wes Anderson fez seu filme perfeito! Mas...
  Ralph é preso, o roteiro se torna rocambolesco, e inesperadamente o interesse se vai. A valsa acelera, atravessa, perde o compasso. O filme se perde. Desaba. O cenário começa a enjoar e Wes se torna refém de sua inteligência. Ideias demais. Tempo esticado.
  Triste, pois é um bom filme, invulgar, classudo, mas que poderia ter sido uma obra-prima. 
  Tantos filmes feitos hoje têm esse mal. Um começo vibrante e então a derrapada. Começam a rodar e rodar e nosso interesse se dilui. 
  Wes Anderson ainda fará um filme perfeito. E eu queria muito que fosse este. Pena.

Renaissance Can You Understand



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ASHES ARE BURNING- RENAISSANCE

   Todo músico americano, de rock, cedo ou tarde canta country music. E todo britânico cedo ou tarde experimenta sua música de raiz, o folk medievalista. Isso vale para qualquer época.  Nos dias de hoje é muito fácil encontrar essa influência, que muitos chamam de celta, em inumeráveis bandas. E mesmo aquelas que evitam flautas e violões possuem esse espírito, o estilo campestre e cheio de névoas medievais que ecoa em alguns grupos eletrônicos e no modo heavy metal de ser. 
  Nos anos 70 quase todo o rock inglês perambulou pela forma celta. O glitter e os Stones evitaram esse estilo, mas de Led Zeppelin a Genesis, todos mergulharam em sons de bumbos, violinos e sagas sobre elfos e meninas ruivas. Muito lixo foi gravado. Muito lixo. Muito lixo é gravado ainda hoje, em 2014. E continuará sendo. Está na alma dos saxões europeus essa nostalgia Tolkiana. Esse sonho com Arthur e Guinevere. Não existe uma só banda ou cantor americano que tente esse caminho. ( Mas existem ingleses, vários, que tentam cantar como no Tennessee ). 
  A coisa começou, em 65, com a Incredible String Band, que tinha uma radicalidade anti-pop absoluta. Depois vieram o Fairport Convention, Caravan e Steeleye Span. Daí foi incorporado pelo grupo dos progressivos e dos hard rockers. E foi ficando cada vez mais diluído até sumir por uns cinco anos, durante o auge do punk que os detestava. Volta em 1982 e nunca mais desaparece. Há muito dele em Van Morrison, no Roxy Music e no U2. Os canadenses têm revitalizado esse som, assim como os suecos e belgas. 
  O Renaissance foi dos mais mal compreendidos. Para os progressivos ele era considerado muito pop e para o pop era muito complexo. Eu sempre o achei simplesmente bonito. Annie Haslam cantava como um anjo viking e a banda soava como um trio de câmara. Era intimista. Cristalino e muito inspirador. Seu apogeu foi em 1973, com Ashes are Burning. Depois rolou ladeira abaixo. Hoje é nota de rodapé. Mas tem admiradores fanáticos. Cult. Nada cool.
  Ouvir este disco me traz lindas vibrações. E se lindas vibrações é um adjetivo que te irrita, bem, fique longe deste som. Ele é feito de paz e de harmonia. Pós-hippie, é a Inglaterra falida de 1973. Pubs onde se discutia astrologia, Tolkien, Jung e ecologia. 
  Eu gosto.

QUATRO QUARTETOS DANDO FRUTOS

  Dormir e acordar em outro mundo. 
 Essa frase ecoa em mim, dentro de mim. Dormir e esquecer. Não esquecer, ainda saber o que se é e o que se teve. Dormir e acordar em outra praia. Mas não é o mar que conhecemos, é outro mar e outro céu.
 Outro eu que ainda relembra o eu que sou. Em outro mundo de presente e sem futuro, um acordar que é somente rememorar.
 No quintal com varal passa um avião fazendo barulho que assusta. É o mesmo varal e o mesmo avião e até o quintal se repete. Mas não é o mesmo momento, é outro e no entanto não é passado. Muito menos um futuro. 
 Dentro do porão uma aranha tece. Ela tece junto a janela quebrada cheia de pó que se acumula desde anos. O teto baixo pintado de branco e a porta que raspa no chão vermelho desbotado. Umidade. Tudo é conhecido e tudo tem a estranheza de uma primeira descoberta. O porão não guarda lembrança alguma, e nem pode ser considerado desconhecido. Ele é presente.
 Dormir e acordar em outro mundo. Verde e cinza. Frio sem que o frio nos faça desconforto. Mundo de movimentos ensaiados para dentro. Mundo de onde nada pode cair e se perder e onde a destruição cessa e a construção esfria mais que aquece. 
 Nesse mundo de vácuo cheio de possibilidades o tempo se engole a si-mesmo. A areia sobe rumo ao presente. O presente é o destino. Volta.
 Acordar é um futuro. Dormir é um futuro. Mundo outro que não espera. Pássaros de silêncio e folhas de rosas dormindo sobre o papel que crianças recortam e riem. Ao mesmo momento ecoa um recorte de lembrança. 
 A dança existe sem a dançarina. A música é cantada sem o tempo. E a cor respira no escuro. Silêncio. O sono era barulho e fúria. Acordar é silêncio.
 Acordar em outro mundo sendo o mesmo e ao mesmo tempo sendo outro.
 A poesia é pouca.
 Escrevo isto após reler QUATRO QUARTETOS de Eliot.
 Essas imagens saem de mim.
 Essa ideia nasce em mim.
 Faz sentido em mim.
 Poesia é árvore, seiva da terra ao ar.
 Um sim. 

FREYA DAS SETE ILHAS- JOSEPH CONRAD

   Novela é algo muito curto para ser romance e muito longo para ser um conto. Saiu uma coleção de novelas e eu leio este belo texto da fase final da grande carreira de Conrad. O tema é o mais caro ao grande autor polonês-inglês: o fracasso. Belas pessoas com belos futuros que se transformam em patéticos fracassos. Aqui não é diferente. Freya é a filha loura e linda de um pacato dinamarquês vivendo nos mares índicos. Ela é inteligente, prática, dona de um bom senso a toda prova. Seu pai a adora, todos por lá a mimaram, ela é cortejada por um capitão inglês dono de um belo veleiro tinindo de novo. O que pode dar errado?
 Não existe segurança possível na vida. Essa a fé de Joseph Conrad. Tudo pode afundar, uma borrasca pode acontecer, e, acontece sempre. O azar no mundo de Conrad não é uma possibilidade, é uma certeza. 
 E como escreve bem esse bruxo! Só Henry James podia se medir com ele em sua época. E veja que essa é a melhor época da prosa em inglês, aquela que vai de 1870 a 1930. O texto é simples, direto e ao mesmo tempo cheio de sutilezas, de beleza viril, de antecipações que nos deixam em suspense. 
 Vinte reais apenas. Vale muito mais. Ler Joseph Conrad é sempre uma lição.
 

BOB, LE FLAMBEUR/ NOÉ/ MONICELLI/ SAMURAI/ UCHIDA/ AGATHA CHRISTIE/ BURT REYNOLDS

   NOÉ de Darren Aronofsky com Russell Crowe
O mundo do velho testamento encontra a Marvel. Os anjos caídos são personagens Marvel. Mas o Deus de Noé é o Deus vingativo da Bíblia Judaica. Aronofsky continua interessado em teimosia. Todos os seus filmes tem alguém que cai vítima de uma obsessão. Noé é teimoso em sua missão. E o filme se vulgariza com problemas familiares típicos de filmecos dos anos 2000. Um teen quer transar, a mãe defende a prole etc. O final é um belo achado. Ao sentir compaixão pelos netos, Noé adentra o universo da Bíblia de Jesus, o mundo onde o Amor é Deus. Noé dá o salto de Jeová à Jesus. Bonito. Russell é o Charlton Heston que se tem. Sem a nobreza de Heston e sem sua voz bíblica, Russell está mais para bárbaro que para herói antigo. O filme é ok. Aronofsky ao menos se livrou daquela papagaiada pseudo-profunda de Cisnes pretos e bailarinas infantis. Nota 6. Ah sim, o filme tem uma trilha sonora muuuuuito nada a ver.
   UM RALLY MUITO LOUCO de Hal Needham com Burt Reynolds, Shirley MacLaine, Dean Martin, Sammy Davis Jr, Jackie Chan, Telly Savalas...
Um elenco impressionante num dos piores roteiros já escritos. Um bando de corredores participa de uma corrida de L.A. até NY. Triste ver gente como Dean e Sammy em papéis que chegam a ser humilhantes. E Shirley está ainda mais mal aproveitada, um papel errado e bobo. Recentemente deram um Oscar honorário para Hal Needham. Nunca deram um para Anthony Mann ou para Preston Sturges. Isso diz muito sobre o Oscar. Este filme foi um fracasso e não lançou o jovem Jackie Chan na América. Ele iria esperar mais dez anos para estourar em Hollywood. Este filme é tão bobo que ele faz um tipo de otário japonês ( !!!!!! ) e quase não luta. Se salva alguma coisa? Telly Savalas, que tem um papel ok.
   SHERLOCK DE SAIAS de George Pollock com Margareth Rutherford, Robert Morley e Flora Robson
Miss Marple é uma velha dona de casa que desvenda crimes por hobby. Personagem criada por Agatha Christie, ela talvez seja mais interessante que Poirot, o outro ícone criado pela dama inglesa. Aqui ela desvenda a morte de um herdeiro. O filme é delicioso para quem gosta de coisas very british. Há cavalgadas de tarde, lareiras campestres, noites com vento, muito chá e tolos excêntricos. Tudo o que eu gosto. Um filme popular de uma série longa com uma atriz muito amada. Bom passatempo. Nota 7.
   BOB, LE FLAMBEUR de Jean Pierre Melville
Bob é um veterano. Ex-bandido, agora amigo de um delegado. Bob frequenta prostitutas mas não as leva pra cama. Bob ajuda amigos otários e odeia malandros cheios de si. Bob se veste como Bogart e vive em meio a cigarros, bebidas e muito jazz. Bob está por um fio e ele é mais noir que um filme noir. Bob é francês apesar de tudo, e tem a marca de Camus. Bob é uma obra-prima. Melville amava a América. Amava carros amaericanos, jazz e filme de Huston. Ele criou Bob, filme com atores que foram eles mesmo bandidos. É um filme malandro, inspirador, muito viril. É atemporal. Uma aula de comportamento sob pressão. Aula de estilo. Bob é o cara! Melville é o cara! Este filme é do cara. Nota Um Milhão.
   MEUS CAROS AMIGOS de Mario Monicelli com Ugo Tognazzi, Philipe Noiret, Gastone Mosquin.
O que é a amizade masculina? Sim caras mulheres que não nos conhecem, a amizade é isto aqui. Um bando de homens de meia-idade fazendo aquilo que homens adoram fazer: sendo adolescentes. Eles são bobos, alegres, emotivos, sarcásticos e têm uma fidelidade férrea aos amigos. O filme é uma coleção de travessuras. E, como é do grande Monicelli, mostra o outro lado dos amigos, seu lado coração. É um filme lindo, vibrante, inesquecível. Revejo-o sempre e sempre, e saio revigorado. Um fato: após rever este Monicelli e Bob Le Flambeur, eis que volta meu amor ao cinema! Viva! Nota Um Milhão!
   TREZE ASSASSINOS de Elichi Kudo
Saiu um box com seis filmes de samurai. Este é estéticamente admirável. Impressiona a forma como o cinema japonês sabe enquadrar. A arquitetura, o minimalismo dos ambientes. O filme é meio chato, pausado e um pouco artístico demais. Mas ao final tem uma longa cena de batalha que é digna de Kurosawa. Takashi Miike refilmou esta obra que é um clássico dos anos 60. Ah sim, fala de um grupo de 13 samurais que tenta destronar um lorde corrupto. Apesar da extrema lentidão inicial, vale muito a pena. Nota 7.
  A LANÇA ENSANGUENTADA de Tomu Uchida
Uma pequena obra-prima. Um filme de estrada. Um lorde viaja até Edo com dois servos. No caminho eles encontram um orfão, uma mulher, um velho e outros tipos. Uma mistura de humor, poesia e drama. Com ação. Tem uma cena maravilhosa: 3 senhores tomando chá numa estrada. Mistura magistral de absurdo, realismo, comédia, crítica social. O final é bastante trágico. Não conhecia esse diretor. Por este filme ele merece toda homenagem! Tão bom ter uma surpresa como esta! Nota DEZ.