True Love. Grace and Bing. Full scene.



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TARANTINO/ GRACE KELLY/ COEN/ DONEN/ DE MILLE/ CUKOR

   DUAS SEMANAS DE PRAZER de Mark Sandrich com Bing Crosby e Fred Astaire
Dois partners de shows se separam, por causa de uma mulher. Crosby que é o bonachão, vai viver no campo, e lá monta um hotel-teatro, onde apresenta shows só nos feriados. Astaire acaba indo parar lá, e eles disputam outra garota. O filme, muito alto astral, tem White Christmas, o single fenômeno de Irving Berlin. E tem muito mais, tem diversão, boas canções e atores simpaticos. Sandrich dirige tudo com finesse. Exemplo do filme standard da velha Hollywood. Nota 7.
   FUNNY FACE de Stanley Donen com Audrey Hepburn, Fred Astaire e Kay Thompson
Crítica longa postada abaixo. Que mais dizer? É lindo. Audrey convence como a intelectual que se torna modelo e Fred faz o fotógrafo que a descobre. Vão à Paris e a cidade nunca foi tão bonita. A verdadeira cidade sempre sonhou em ser esta Paris da Paramount. O filme tem um visual brilhante, as cores parecem respirar. Em termos visuais é uma obra-prima. Relaxe e aproveite! Nota DEZ.
   KILL BILL VOLUME I  de Quentin Tarantino com Uma Thurman
Um absoluto prazer! Rever este filme agora é tão bom como em seu tempo de lançamento. Tarantino, talento superlativo, um cara que sabe tudo de cinema, esbanja talento. A ação é incessante e nunca cansa. Música e cor, corpos que se lançam no vazio, olhares coreográficos. Com os Shaw Bros, Tarantino aprendeu tudo e uniu essa arte às referências dos anos 70 que ele tanto adora. Uma festa para os olhos, para os nervos, para o coração. Esse diretor dá dignidade ao cinema atual, mostra que a grande tradição da ação, do cinema tipicamente americano, é viva. Bato palmas para todos os seus filmes. DEZ!!!!!
   KING KONG de John Guillermin com Jeff Bridges e Jessica Lange
Quem esperaria que Jessica se tornaria uma atriz com dois Oscars? Ela, modelo de sucesso, estréia aqui, e brilha em sua sensualidade e beleza inebriante. Mas o filme é tolo, sem porque. O Grande Lebowski é um tipo de cientista-explorador meio hippie. O macaco é cômico. Jessica é a melhor vítima do Kong que já houve. Um tipo de nova Grace Kelly em tempos sem realezas. Nota 2.
   MATADORES DE VELHINHAS de Irmãos Coen com Tom Hanks
Pra que refilmar um filme perfeito? O original é inglês, de MacKendrick e tem Peter Sellers. Este é ridiculo. Não tem graça nenhuma, é irritante, mal escrito, sem sentido. Talvez o pior filme dos muito talentosos irmãos. Tom Hanks está constrangedor. Nota ZERO.
  MEIAS DE SEDA de Rouben Mamoulian com Fred Astaire, Cyd Charisse e Peter Lorre
Não gosto muito deste filme. E deveria gostar, afinal todos os seus ingredientes são excelentes. Mas algo desandou, as canções funcionam mal, as danças são comuns e o diálogo não tem graça. Fala de agentes russos que se deixam seduzir por Paris. Cyd é a super-russa que vai até lá, ver o que aconteceu. É refilmagem de Ninotchka. Não deu certo. É dos últimos musicais de Astaire, ele merecia coisa melhor. É um filme "de luxo", há quem o adore, não é meu caso. Nota 3.
   MESTRE DOS MARES de  Peter Weir com Russell Crowe
Foi uma das grandes decepções que tive nos cinemas na época. Revisto agora é ainda mais insuportável. Um monte de cenas escuras, tédio constante, o filme não se decide entre a ação e a tal arte. Acaba por não fazer nem uma coisa e nem outra. Quem procurar aventura ficará frustrado, quem quiser reflexão nada encontrará. Crowe parece com sono. Nota 1.
   LEGIÃO DE HERÓIS de Cecil B. de Mille com Gary Cooper, Madeleine Carroll, Paulette Godard, Robert Preston e Preston Foster
O filme fala da rebelião no Canadá. A população mestiça se rebela contra a coroa inglesa e a policia montada é enviada para cessar a briga. Cooper é um texano que está por lá com uma missão. É um filme exemplar. Após uma apresentação precisa, a ação se desenrola sempre no tempo certo. O diretor dá tempo para que conheçamos os personagens e logo em seguida cria mais uma reviravolta e mais uma cena de movimento preciso. De Mille era um cozinheiro-mestre, sabia sempre o que adiconar, a dose certa, a temperatura exata. Gary Cooper, já foi dito, era o americano perfeito, aquilo que todos eles gostariam de ser. Pouca gente lembra, mas era ele a grande estrela do cinema da época ( ele estava acima de Gable, Grant, Bogart e Fonda ). Já vi vários filmes de Cecil B. de Mille, este é aquele que mais me satisfez. Diversão pop de primeira. Nota 9.
   LES GIRLS de George Cukor com Gene Kelly, Kay Kendall e Mitzi Gaynor
Uma ex-corista lança uma biografia. Ela é processada por difamação. Quando o filme começa já estamos no tribunal. Três depoimentos serão dados, os três conflitantes, qual a verdade? O filme tem um problema sério, a primeira parte tem Taina Elg como centro, e ela não consegue segurar o interesse. O filme melhora muito nas outras duas partes. Kay Kendall, comediante inglesa de primeira, na época esposa de Rex Harriosn, dá um show como uma atriz beberrona; e Gaynor está ótima como uma bailarina americana virgem. Gene Kelly é o sedutor-diretor das três mocinhas. Não há nenhum grande número para ele brilhar, mas o filme é elegante, colorido e dirigido naquele estilo vistoso de George Cukor. Cukor foi um dos grandes de Hollywood, seus filmes sempre brilham. Nota 7.
   HIGH SOCIETY de Charles Walters com Grace Kelly, Bing Crosby e Frank Sinatra
Sempre me lembro de um reveillon em que voltei bêbado pra casa ( e insone ). Lembrei então que ia passar este filme na TV, e que no jornal saíra uma página sobre ele. O chamavam de o "filme mais chic" já feito. Liguei a TV, deitei no tapete e o assisti. Me senti tão chic, que no dia seguinte comprei uma cigarreira de prata. E procurei a trilha sonora em disco até achar. Depois desse dia já o revi por duas vezes. Ontem foi a terceira. Ele é sobre nada. O que vemos é Grace ficar bêbada, dançar, flertar e afinal se casar com seu ex-marido. Crosby é esse marido. Paciente, tranquilo, cool. E Sinatra é um jornalista pobre. Louis Armstrong faz Louis Armstrong, ele toca alguns números no filme, todos ótimos. Os outros números musicais são todos maravilhosos ( Cole Porter ). Destaque para True Love, uma das mais belas canções de amor já feitas, e tem ainda Did You Evah?, em que Crosby e Sinatra se preparam para ir à uma festa. O filme é uma bobagem, uma tolice leve e ebuliente...assim como é também um doce delicioso, um souflé, uma calda de chocolate. Vicia e delicia. Grace Kelly está muito bem. Sua personagem, nada fácil, é frágil, arrogante e sedutora. Falam de Audrey, de Liz Taylor, de Sofia Loren.  Mas para mim ninguém foi mais bonita que Grace Kelly. Ela era perfeita, sexy, tinha uma voz educada e elevada, um olhar de promessa. Mesmo ao lado de dois mitos ( Sinatra e Crosby ), o filme é todo dela. Maravilhosa!!! Nota 9.

TOP HAT, WHITE TIE AND TAILS- fred astaire



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THE IRVING BERLIN SONGBOOK- FRED ASTAIRE E OSCAR PETERSON, LIÇÃO DE ALEGRIA REGADA A CHAMPAGNE

   Para encerrar o ano com chave de diamante, nada pode ser melhor, feito a sós, que escutar Fred Astaire. Aqui, acompanhado por grupo de jazz comandado pelo piano de Oscar Peterson. Ou seja, nada de violinos. Bateria, baixo, guitarra e sax...uma delicia!
   Berlin, nascido na Russia, faz parte do big five da canção americana ( ele e mais Cole Porter, Gershwin, Jerome Kern e Richard Rodgers ). Não sei, e acho que ninguém se arrisca a dizer, quem era o maior. Como letrista, provávelmente Porter, como arranjador, Gershwin, mas e Berlin? Ele é o de maior sucesso popular e suas canções podem ser tão harmoniosas quanto as de Gershwin e tão espertas e maliciosas como as de Cole.
   Dificil saber também qual seria o melhor momento deste disco. Tem "Cheek to Cheek", e nessa canção, quando ouvimos Fred dizer : "Heaven...I'm in heaven...", bem, nós estamos in heaven too! É uma das raras canções felizes que faz com que toda a nossa felicidade se presentifique. Mais que uma música, é um dom compartilhado. Mas o disco tem também "Puttin' on the Ritz", e com essa voce se sente Gary Cooper... Dá vontade de beber champagne, de arrumar a gravata, de sair pra rua e olhar a vida rolar. Ouvi-la é se sentir very special.
   Seriam essas as duas melhores? Mas aí vem "Isn't this a lovely day" e ela é um amor que é feliz. Amor feliz, amor onde não se chora, não se lamenta, amor que é apreciado. Essa canção dá vontade de amar. Amar sorrindo, amar como um homem deve amar uma mulher. E vem "Change partners", outra que é sobre um amor, mas amor já triste, triste porém classudo, sem escândalos please. Linda melodia...
   Não seria a melhor "Top Hat" ? Essa eu poderia ficar escutando a vida inteira. Voce deseja saber o que é classe? Tá tudo aqui. E é impressionante como a voz de Astaire soa moderna. Ele canta pequeno, curto, e sem jamais perder a afinação. Modula o timbre, pronuncia claro ( os cantores como ele são facílimos de entender, pronunciam um inglês perfeito ), e acima de tudo ele tem ritmo, tem jazz. O estilo de Fred se casa com os músicos negros e o que sai é brilhante, exultante, esfuziante.
  "Steppin' Out" pode ser a mais perfeita... Ah, desisto! Como saber qual o mais perfeito pôr do sol? Qual o diamante que brilha mais?
  Uma historinha...
  Quando eu tinha 11 anos e começava minha coleção de discos de rock, meu pai, que nasceu em 1926, ficou muito surpreso. Ele me dizia: " Mas porque voce compra esses discos? Voce não vê que todos são "música caipira? Música de analfabetos?"
  Meu pai ouvia música de orquestras e Sinatra. Eu achava aquilo nojento e ria de meu pai achar que Beatles, Elton John e Bowie fossem caipiras. Mas agora eu entendo. O rock é filho do blues rural e do country.  Para quem tem familiaridade com a música verdadeiramente, e desde sempre, urbana, o rock sempre terá um jeito de cowboy, de jeans e violão. Urbanidade é Duke Ellington ou Thelonious Monk, lá nada há de rural. A ancestralidade caipira de todos nós está tão distante que nada nessas músicas lembra poeira ou cabanas de madeira. Nesse tipo de canção, mesmo quando o cara vai pro mato, ele leva rádio, cadeiras e talheres de prata. Para meu pai, cada acorde da guitarra de Harrison era uma lembrança de uma viola caipira, cada frase de Elton tinha o sotaque de um inglês querendo soar como se fosse do Kentucky e mesmo a sofisticação de Bowie lhe parecia um simples trejeito de adolescente suburbano.
   Eu sou um caipira e tenho orgulho disso. Mas eu adoro essa urbanidade "Quinta Avenida anos 40" de Astaire e do jazz. Vivo nessa confusão de tensões, que pode por outro lado ser chamada de visão abrangente. Mas o que eu sei é: Nada é mais Feliz que Fred Astaire cantando Top Hat....

PAISAGEM COM QUEDA DE ÍCARO E OUTROS POEMAS - WILLIAM CARLOS WILLIAMS ( PRA QUE SERVE A POESIA ? )

   William Carlos Williams era pediatra. Viveu até 1965. Da geração, soberba, de Eliot, Moore e Stevens. O que me faz pensar... em período tão pouco poético, tanta poesia de gênio. Parece que, como acontece com toda coisa do espírito, quanto mais voce bate mais forte ele fica.
  No livrinho que acabo de ler, há um poema que exemplifica não só o estilo de Williams, como mostra toda a necessidade de se viver a poesia. O poema é curto:
  De acordo com Brueghel
  Quando Ícaro caiu
  era primavera
  Um lavrador arava
  os seus campos
  todo o explendor
  do ano
  formigava ali
  à
  beira do mar
  consigo mesmo
  preocupado
  suando ao sol
  que derretia
  a cera das asas
  perto
  da costa
  houve
  uma pancada quase imperceptível
  era Ícaro
  que se afogava.

  O que é o poema? Ele é uma questão: Quantos Ícaros voaram ao nosso lado e distraídos pelo "trabalho" da vida não o percebemos? Para que serve a poesia? Para abrir nossos olhos a esse maravilhoso que não interrompe seu fluxo. O sol que derreteu as asas de Ícaro é o mesmo sol em que o homem labuta. Como formiga. É o olhar poético que nos eleva da condição de formiga.
  Tenho pena de quem vive formigamente e renega o viver poesia. Por todo o livro, Williams, de forma simples, ( não procure nele nada além do que lá está escrito ), mostra a poesia de árvores e de estações. Essa visão nada tem de secreta ou de mística, é apenas um olhar atento, dar uma chance a poesia. O segredo é o olho.
  Neste exato instante algum Ícaro pode ter voado e voce, distraído, não o viu. Neste exato momento uma experiência única pode ter sido oferecida a voce, e voce não a aceitou por não ter notado o convite.
  Poesia é só isso.

You're The Top - Anything Goes 1956



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COLE PORTER, UMA BIOGRAFIA- CHARLES SCHWARTZ ( EXEMPLO DE REFINAMENTO )

   Faça um teste,  quando foi a última vez em que voce ouviu ou leu um crítico, seja de música, cinema ou TV,  dizer que tal obra é "elegante" ?  As pessoas não esqueceram o que a palavra significa, o que acontece é que elegância deixou de ser relevante por ter se tornado miragem inalcansável. Existem palavras que deixam de ser usadas, elegância, assim como nobreza, são vocábulos congelados. Não fazem parte da lingua de nossa época.
   Mas existem nomes que ressoam dentro de nós como ecos desse tempo "elegante". São como cápsulas de tempo, recordações do que foi e pode, sejamos otimistas, um dia voltar a ser. Cole Porter é um dos nomes mais fortes.
   Houve um tempo em que as pessoas iam à Broadway para receberem lições de bom viver. Joie de Vivre, Savoir Faire. Viam musicais que eram compêndios de finesse, desde as letras ferinas e leves, até as roupas e cenários de bom gosto. Grosserias ou melô eram repudiados. E nesse mundo refinado, o principal eram as músicas. A canção popular americana vivia seu auge. Irving Berlin, Richard Rodgers, George Gershwin, Kurt Weill, Jerome Kern e Cole Porter. O que? Voce não os conhece? Que pena... Mas com certeza já ouviu suas melodias sem saber de quem era aquilo que te embalava. É moda, hoje, quendo um cantor ou cantora quer demonstrar classe superior, grava música de um deles. O desastre é sempre absoluto. ( Até mesmo Bryan Ferry se saiu mal ao gravar em 2002 um disco só com músicas desses autores ). Para cantar bem Cole Porter e etc é preciso ter vivido uma vida de jazz, de cabaret e de hotéis mais trens. Saber beber, saber comer, saber apreciar. Para se aproximar dessa turma é preciso ter vivido uma ou duas "histórias". Saber ler a vida. Não berrar, sussurrar.
   É surpreendente o fato de que as músicas de Cole, e ele tem mais de quarenta sucessos populares, nasciam sempre de cima para baixo. Explico. Suas canções estouravam primeiro entre as classes mais altas, tanto financeiras como intelectuais, e depois caíam no gosto da massa. Exatamente o contrário do que ocorre hoje, em que a música estoura entre o povão e depois é aceita pela elite ( ainda veremos funk nas universidades, pode esperar ). Voce pode dizer que isso significava um tipo de colonização da elite sobre a "plebe". Mas pode ser o contrário: um tipo de fé nas classes menos favorecidas. Elas ainda poderiam ascender culturalmente. Cole Porter lhes dava jóias, tesouros, sonhos de luxo e de classe. Elas não eram relegadas ao lixo dos lixos.
   Cole Porter nasceu muito, muito rico. Ao contrário dos outros grandes da canção clássica, ele não era filho de imigrante pobre. Sua vida foi aquela dos privilegiados. Cavalos, iates, viagens longas de navio, dezenas de empregados. Cole foi o tipo do cara que nunca soube o que é não ter um empregado ao lado, seja para lhe preparar o banho, seja para lhe chamar um táxi. Aliás, ele tinha sempre três, que levava com ele em viagens, hotéis e festas.
   Foi aluno em Yale e Harvard, mal aluno nas duas. Nelas, seu interesse era o futebol, ele fazia hinos para os times e também músicas para as peças das escolas. Desde sempre, seu interesse era viajar, se divertir. Cole ia a festas todos os dias, festas imensas, longas, inacabáveis. Ele logo começa a escrever musicas para peças profissionais, mas levará dez anos para ser aceito e ter seu primeiro sucesso. Enquanto isso, ele se divertia doidamente, todo o tempo. Era um dínamo, sempre fazendo piadas, truques, pregando peças, rindo sem parar. E gastando aos rodos, em jóias para amigos, em bailes e jantares, em roupas, em casas imponentes, em criadagem.
   Cole se casa com Linda, uma multi-milionária e fica mais rico ainda. Detalhe, é um casamento sem sexo. Cole Porter era gay, um tipo dito "insaciável", e Linda o aceitou assim. Eram grandes amigos. Esse tipo de relação era comum naqueles tempos e vários amigos de Cole se casaram desse modo. O que não era o caso de Gerald e Sara Murphy, o casal americano que vivia na França e logo fez amizade com Cole. Picasso, Cocteau, Stravinsky, Heminguay ( se voce viu o filme de Woody Allen, os Murphy aparecem e Cole Porter é aquele cara ao piano ). Eles inventam a Riviera, lugar fora de moda na época, Cole compra uma imensa Villa em Antibes. A vida se torna um carnaval, bailes a fantasia, festas de circo. Depois Cole vai morar em Veneza. Drogas, orgias, mora num palazzo que tem um salão onde cabem 1000 pessoas. Pinturas de Tiepolo e de Ticiano, ouro nas paredes, cristal. Ele cria mitos: de que lutou na primeira guerra. E viaja: oriente, mares do sul, Caribe, África. E sempre levando um séquito de amigos, de amigas, de empregados. A VIDA COMO UMA DIVERSÃO AMALUCADA. A arte, a música de Cole Porter é reflexo dessa vida, desse universo, desse mundo. Essas músicas, tão refinadas, terem se tornado sucessos pop é um maravilhoso milagre. Ouví-las é adentrar essa diversão esnobe, maluca, genial.
   Cole é considerado até hoje ( e cada vez mais ), o melhor letrista popular da história. E na verdade comparar as letras de Cole com músicos pop de 1960 ou 2010 chega a ser grotesco. É como comparar uma peça de Wilde com um roteiro de chanchada. Mas não vou cuspir no que adoro. Letras em rock são completamente secundárias. Elas existem para serem facilmente decoradas, feitas em função do refrão. Elas são apenas mais um instrumento. Na música popular clássica, aquela de Cole e de Gershwin, as letras são tão importantes como a melodia e as palavras devem se casar com a linha harmônica. Mais que isso, elas precisam ter originalidade, têm de ser "elegantes" e cultas. E em termos de rimas originais, informação e fluidez, ninguém chegou perto de Cole Porter. O rei da letra cínica, jovial, humorística, de duplo sentido.
      The dragon flies, in the reeds, do it
      Sentimental centipedes, do it
      Let's do it, let's fall in love.
      Mosquitos, heaven forbid, do it
      So does every katydid, do it
      Let's do it, let's fall in love.
      The most refined ladybugs do it,
      When a gentleman calls,
      Moths in your rugs, do it,
      What's the use of moth balls?
      Locusts in trees do it, bees do it,
      Even highly educated fleas do it,
      Let's fall in love....
   Na pieguice do rockn roll ( com raras excessões ), onde tudo se resume a "I love you so " e "Don't let me down", nada se parece com isso.
    O livro descreve então a escalada de sucesso de Cole Porter. As estréias na Broadway, as críticas, o tempo em cartaz, as festas e festas. E os filmes feitos a partir de canções de Porter. Mas há tristezas também, ou ele não seria humano. Um acidente de cavalo marca os últimos trinta anos de Cole. Ele cai de um cavalo e o animal desaba sobre suas pernas esmagando as duas. O resto da vida é uma série de operações, dores e bengalas, até a amputação. Cole Porter, que sempre foi extremamente vaidoso, vê isso como humilhação. Mas mantém a classe, continua a produzir e seus maiores sucessos nascem após o acidente. Hollywood, fato raro, chega a produzir uma biografia sua em vida, totalmente fantasiosa. E quem Cole escolheu para ser Cole Porter? Cary Grant ( dizem que Kennedy queria que Grant fosse o ator a fazê-lo se um dia fizessem sua vida. Assim como o gangster Lucky Luciano. Ian Fleming pensou em Grant quando criou James Bond. O mundo queria ser interpretado por Cary Grant, inclusive o próprio Grant queria ser Cary Grant ). O que o filme não poderia contar era o prazer que Cole tinha em procurar seus amantes no baixo mundo. Caminhoneiros e marinheiros, Cole Porter tinha paixão apenas por homens rudes, durões e de baixa classe social. Teve sorte de não ser morto.
   KISS ME. KATE foi o último e o maior sucesso de Cole Porter. Cansado, ele faleceria no começo dos anos 60. Vaidoso, como sempre.
   Se voce quer começar a penetrar no mundo de Porter, aconselho o songbook de Ella Fitzgerald. Há quem considere este o melhor disco já gravado. Eu adoro, mas prefiro Cole Porter na voz de Frank Sinatra e principalmente na de Fred Astaire. Quem desejar saber TUDO sobre o que seja "prazer elegante" ou "refinamento feliz", basta ouvir Astaire cantar You're The Top ou Sinatra mandando I'Ve Got You Under My Skin ( que na verdade fala de heroína ). Não há modo mais classudo de se começar um novo ano.

TUDO O QUE VIRIA ESTAVA ESCRITO AQUI: LODGER, O MAIS ALTO CUME CRIATIVO DO MAIS CRIATIVO DOS ARTISTAS POP- DAVID BOWIE

   1979. Muita gente diz ser esse o ano mais crucial da história do pop. Quem me acompanha sabe que prefiro 1972. Mas é verdade que tudo aquilo que veio a ser dominante no pop estava sendo arquitetado em 79. Seja o rap, sejam as festas funk, o rock mais acelerado, o pop tipo Lady Gaga ou as elucubrações cabeçudas, tudo estava vivo em 79.  Seja Donna Summer, Joy Division, Clash, Madness, Grandmaster Flash, Talking Heads, Television, Prince, Kid Creole, Blondie, Jam, Tubeway Army, Police, Chic, Japan, Siouxssie, Cure, Black Uhuru, Beat, Patti Smith, Bruce Springsteen, Pil, Kurtis Blow, Grace Jones, Ultravox, Gang of Four... todas as futuras correntes sonoras já aqui representadas. E Bowie é central nesse momento.
   Quem me acompanha também sabe que sou muito mais Roxy Music que Bowie, assim como sou mais Stones que Beatles. Mas tenho de admitir que no pop nada demonstra maior evolução, seja de qualidade, seja de estilo, que Beatles nos anos 60 e Bowie nos 70. Comparar Love me Do com o famoso lado B do Abbey Road é viajar do mundo simples e risonho de 1962 ao universo conturbado e amargo de 1969. O mesmo ocorre com Bowie ( e nesse nivel de mutabilidade, com mais ninguém ). O Ziggy Stardust de 1972 é completamente diferente do Bowie de 1979. São apenas 7 anos, mas em termos musicais, são séculos.
   Primeiro ele foi uma espécie de Donovan Leitch melhorado e muito mais culto. Depois um glitter teatral ao extremo. Já em 1972 ele criava um conceito que seria dominante para sempre: o auto-controle. Até então, só existiam dois tipos de artista pop: o apaixonado confessional ( Lennon, Van Morrison, Pete Townshend, Jim Morrison ) e o cínico observador,( Jagger, Ray Davies, Rod Stewart ). David Bowie, influenciado por Lou Reed, que por sua vez pegou essa postura de Dylan, usa o distanciamento, a frieza, o controle absoluto. Nada de entrega a seu público, nada de indiferença a esse público. O que Bowie traz é o direcionamento desse grupo de fãs àquilo que ele deseja. Shows deixam de ser acidentes ruins ou cerimônias maravilhosas, shows se tornam teatro. Ele cria não apenas músicas, ele cria sua carreira, sua imagem. E no processo, cria seus seguidores. Mas aí vem a grande sacada: seguir Bowie não seria ser algo como Bowie, seguir Bowie seria criar seu próprio Bowie pessoal. Daí a enorme quantidade de bandas, fotógrafos e cineastas nascidos da influência de Bowie.
   E ele levou seus fãs década afora com ele. Do folk espacial à loucura bissexual, do soul americano à eletrônica de Berlin. Foram nove discos entre 1972 e 1979, e nenhum deles se parece um com o outro. Hunky Dory é uma linda viagem sentimental, Ziggy Stardust é uma sinfonia para jovens sem rumo, Alladin Sane é um kaos sexy, Diamond Dogs uma obra-prima incompreendida de riqueza sem fim, Young Americans um luxo, Station To Station é um enigma esquizóide, Low é talvez o disco mais fascinante feito por qualquer artista pop, Heroes um caleidoscópio de confusão e finalmente veio Lodger.
   Lodger encerra a fase de Berlin de Bowie ( em 1977 ele se mudou para Berlin aconselhado por Eno. Em 1975 Bowie se mudara para New York e caindo no mundo fashion se viciara em heroína. Eno o aconselha a fugir de tudo e morar em Berlin. Lá eles gravam 3 discos, Low, Heroes e Lodger, de certa forma eles salvaram a vida de Bowie ).
   Fantastic Voyage. Começa a viagem. E já vem a estranheza. Todas as faixas darão a sensação de serem vinhetas, curtas demais, rascunhos. Toscas até. Bowie aqui trabalha com a concisão, com o objetivo. As faixas vão direto para o alvo, não se perdem em arranjos. E são ao mesmo tempo muito complexas, ricas. Voyage flue como um barco em rio, ela é linda, fluida, parece levantar vôo. E termina cedo demais.
   African Night Flight é puro Brian Eno. Se voce nunca a escutou vai se surpreender. Muito veloz, vocais que são como luzes de flash. Uma percussão tribal, vários ruídos eletrônicos. Imagine escutá-la em 1979, na época de Queen e Supertramp, foi um choque. Mudou minha vida.
   Move On é mais uma porrada. Uma profissão de fé, uma tomada de posição, mudar sempre. Os vocais de fundo hipnotizam, " ah iá...ah ió...ah iá...ah ió...", o que posso dizer é que escutar isto é ouvir um gênio em sua potência plena. A música termina cedo, é mais um polaroide desse disco veloz e faiscante.
   Yassassin me assustou em 79. Os vocais de Bowie parecem errados. Ela é muito pop e muito torta. Dá até pra dançar!
   Red Sails é uma das maiores obras-primas de Bowie. Tem tanta riqueza, é tão complexa, diz tanto em tão pouco tempo que chega a parecer um tipo de milagre. Adrian Belew, guitarrista maníaco, destrói a guitarra com seus ruídos do além. Acachapante.
   D.J. é a menos boa do disco. É o pop que confundiria Bowie por toda a década de 80. Os anos 80 foram anos de cocaína, de exagero, de ruído sem porque. Bowie se perdeu nesse pó.
   Look Back in Anger volta ao nível do disco: mais uma obra-prima. Dramática, corrida, a voz de David raras vezes esteve tão maravilhosa. Tem um solo de guitarra de chorar de tão bom e ela passa através de nós como miragem. Aliás o disco inteiro tem esse modo de miragem, um sabor árabe e às vezes dá uma guinada até o Japão.
   Boys Keep Swingin' é a mais rock do disco. Uma homenagem aos boys, uma delicia de canção, a perfeição.
   Repetition é descaralhante. Ainda hoje extremamente original, gruda na cabeça como obsessão. Doentia e linda. Rica em sons de fundo, fico sem palavras para a descrever.
   Red Money. O disco termina em alto estilo. Repare na rica tessitura dos sons dos instrumentos. No timbre da bateria, da guitarra. Em como tudo soa diferente...
   Eis dentre tantas outras, a grande lição de LODGER que seria seguida desde então: o segredo é o timbre. O grande lance da música pop NÃO seria mais a harmonia ou o riff, seria o RITMO e o TIMBRE dos instrumentos. O grande músico, o super instrumentista, seria aquele capaz de manipular o timbre do som, fazer um simples acorde soar DIFERENTE.
   LODGER chega a dar medo de tão rico. Um disco como este merece toda a admiração de um homem. David Bowie atingiu níveis de excelência raros. Ouvir seus melhores discos é um soberbo PRIVILÉGIO.

Brideshead Revisited (1981) - theme



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BRIDESHEAD REVISITED, UM LIVRO DO GRANDE EVELYN WAUGH

   As letras britânicas nos anos 30,40... Auden, Greene, Lewis, Spender, Huxley, Wodehouse e o grande Waugh. Uma brilhante geração, feita de individualismo mordaz, de dúvidas, de bom gosto, de britanismo. Últimos suspiros de uma civilização que agonizava.
   Evelyn Waugh escreveu sátiras ferinas sobre o que seria "ser inglês" nesse mundo em transição. Todos os seis livros que li são maravilhosos, e Brideshead com certeza não é um dos melhores. "Furo!" leva essa honraria. O texto de Waugh em todos esses seus livros é saltitante, vivo, elétrico. Ele cria personagens que voce adora, adora seu ridículo que nada tem de sublime. São pessoas lamentáveis, e frágeis, muito ´vulneráveis. Padecem da ilusão da importância. Se imaginam "Ingleses", mal percebendo que ser um "Inglês" é ser uma farsa.
   Brideshead Revisited é o livro problema de Waugh. Não é engraçado. É sério. Chega a ser solene. É meio auto-biográfico, e isso travou a veia mordaz de Evelyn. Mas é um livro de estranho fascínio. Lê-lo é como visitar um album de fotografias vivas. Beber chá com estátuas de cera.
   Charles Ryder é um capitão estacionado na Inglaterra durante a segunda-guerra. Seu pelotão se acomoda em palácio de antiga familia nobre, os Flyte. Por coincidência, Charles conhece aquele casarão, mais que isso, ele fora hóspede lá. O livro conta esse passado.
   Charles é amigo de Sebastian, o alcoólatra, jovem e dandy herdeiro dos Flyte, e se apaixona pela irmã de Sebastian, Julia. O romance não dará certo, e um dos motivos, talvez o principal, é o catolicismo culposo da familia Flyte. Acompanhar essa história é como visitar a casa de um amor perdido. Melancolia plena.
   Muitos perceberam que o amor de Charles por Julia pode ser o amor-gay de Charles por Sebastian. Basta dizer que ele tem prazer em perceber que "Julia é idêntica a Sebastian". Waugh era homossexual, mas esse não é o foco do livro. A questão do tempo, da memória e da religião são muito mais importantes. Evelyn faz retratos maravilhosos dos parentes chatos, dos pais de Julia, dos jantares formais ( um empregado para cada convidado ).  O fim do apogeu de um império marcado pelos "bons modos".
   Em 1981, a Granada Tv de Londres, produziu uma minissérie em 24 capítulos sobre o livro. Jeremy Irons fez Charles Ryder e no elenco ainda havia Claire Bloom, Laurence Olivier e John Gielgud. Na série, o homossexualismo era enfatizado e a produção se esmerava em bela fotografia e uma trilha sonora de primeira. Por incrível que pareça, o sucesso foi tanto que houve uma "febre Sebastian Flyte" na Inglaterra. Os jovens conservadores, anti-punks, anti-trabalhistas, copiavam as roupas e o corte de cabelo de Sebastian. Bandas de "direita", que eram odiadas pelos punks, tipo Spandau Ballet e Ultravox, faziam parte da onda. David Bowie em seu tempo "Let's Dance" era a imagem-calculada em xerox de Sebastian Flyte. Em 1988 a série chegou ao Brasil via Tv Cultura, e era moda as pessoas se reunirem nas casas uns dos outros e beberem chá com scotch para ver a série. Eu me vesti o ano inteiro de Sebastian Flyte, calça branca, camisa clara, sapatos de duas cores e blusa de lã- fina jogada com displicência sobre os ombros. Mas o principal era a atitude: uma expressão de melancolia divertida, de humor saudosista. Eu pirei com a série.
   Bem..não vou comentar a estranheza de uma série de Tv que se torna hit, tendo como tema um casal gay em Oxford e a crise religiosa de uma família esnobe. Hoje esse tema não daria audiência nem como filme de arte. Coisas dos anos 80....
   Fiz essa digressão para exemplificar a importância de Evelyn Waugh. A posição central que ele ocupa na vida intelectual do século XX. É um autor que deveria ser muito mais lido aqui nos Brasis. Principalmente porque temos um imenso potencial para a criação de personagens ridículos, sem noção, grotescos. Mas talvez fosse esse um problema, o humor de um Waugh brasileiro teria de ser obrigatoriamente muito mais grosso, explícito, agressivo.
   Certamente existem livros mais perfeitos de Waugh, e volto a citar "FURO!" como sua obra-prima. Mas Brideshead tem uma beleza que não se esquece.

T Rex Children of the revolution



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E TODO MUNDO OUVIA O T.REX ( MENOS OS INTELIGENTINHOS )

   Marc Bolan ( que nome ótimo para um rock star ), não teve sorte. Em fins de 1970 ele ( e o produtor Tony Visconti ), criaram o glitter rock, mas em 1972 o ladrão David Bowie lançou Ziggy Stardust e ficou com a fama. David Bowie É um ladrão, isso todo mundo sabe. Ele roubou o som e o visual de Bolan. Porém, Bowie, gênio que é, melhorou a coisa, amplificou, enriqueceu. Mas o papo agora é sobre T.Rex...
   Entre 1971/1974, apesar de Floyd, Led, Elton, Wings e Rod, entre a molecada inglesa, o que vendia era T.Rex. Tanto que na época se falava da T.Rexmania, se dizia que Bolan poderia bater os Beatles...sózinho. Mas era um sucesso ( ele botou seis singles em primeiro lugar nesses anos ), local. Ao contrário dos nomes citados acima, que vendiam bem no mundo todo e vendiam MUITO na América, o T.Rex vendia apenas na Grã-Bretanha, o que deixava Marc Bolan cada vez mais frustrado. Ele não entendia o porque... ( Hoje sabemos o motivo. Nada de sexualmente dúbio vendia nos EUA da época. Tanto que Bowie só virou POP por lá depois da fase Ziggy ).
   A crítica foi cruel com Bolan. Todo o tempo. Atacavam suas letras, seus riffs, seu visual, sua alienação. A molecada de 12 anos o adorava. E é legal constatar, de Duran Duran a Jesus and Mary Chain, de Human League a Blur, todos foram fâs de Marc Bolan. Toda essa galera, que hoje tem entre 35/50 anos cresceu ao som de seus discos e odiando aquilo que a crítica da época endeusava ( King Crimsom, Gentle Giant e Yes ). O que fascinava a molecada é o fato de que Bolan não parecia real, ele lembrava um cartoon, uma brincadeira, um ET. E seu som, simples e complexo ao mesmo tempo, se comunicava com a ansiedade pré-adolescente, era um som redondo, convidativo, sensual.
   Em sua origem o T.Rex se chamava Tyranossaurus Rex e fazia folk-psicodélico. Quando Marc Bolan conheceu Tony Visconti, um muito afetado e muito ambicioso produtor de discos obscuros, a coisa pegou. Visconti colocou eletricidade no som, percussão e vocais de fundo "glamurosos". Nascia a febre made in England.
   Interessante observar que o timbre da guitarra de Bolan é um dos segredos do som. Ela é cheia, sinfônica, cada acorde simples repercutindo e ocupando todo o espaço. Na engenharia de som de Tony Visconti trabalhavam dois futuros produtores de sucesso: Roy Thomas Baker que criaria o som do Queen, e Martin Rushent, que seria o rei do techno-pop anos 80. Ah sim....em 1974 Bowie roubaria Tony Visconti, que seria seu produtor entre 74/80, sua melhor fase...
   Vamos ao disco. THE SLIDER, meu disco favorito da banda.
   A capa tem foto de Marc Bolan tirada pelo fotógrafo...Ringo Starr...Sim, na época Marc, Ringo e Elton John eram inseparáveis. Vai saber...
   Ele abre com Metal Guru, faixa que literalmente arromba o barraco. Tem clima de anos 50 e logo se percebe a beleza original dos backing vocals. Esses vocais de fundo, marca registrada do som T.Rex, são feitos pelos ex-componentes da banda Turtles e também pelos próprios Visconti, Baker e Rushent. Eles gemem, gritam, cantam, sibilam e harmonizam, sempre "glamurosamente"...
   Mystic Lady é uma faixa linda e estranhamente "silenciosa". O baixo decola e tem um arranjo de cordas pensativo. Marc divaga sobre seu tema favorito, o misticismo espacial ( era isso o que mais irritava os inteligentinhos da época ).
   Rock On exibe o riff perfeito. Riff da guitarra de Marc Bolan. Ele criou em toda a vida dois riffs, e tudo o que compunha era variação sobre esses dois. Mas e daí? Esse riff justifica toda uma carreira. Rock On é pop perfeito.
   Chega a hora de The Slider, faixa que dá nome ao album. E eu penso: -Qual é o mistério da tensão que há nessa canção? Tensão que vicia, música perfeita. O riff quase se desfaz, quase nada de voz,  e ela se esparrama no ar, cristalina, diáfana, sedutora. É um dos mais sublimes momentos de todo o pop inglês.
   Baby Boomerang ( os nomes das faixas são deliciosos ), é totalmente milk-shake, vocais festivos e dança discreta. Alegre.
   Spaceball Ricochet é outra meditação de Bolan. Ele divaga e canta com sua voz mínima.
   Entra então Buick MacKane, um kaos. Uma sinfonia de rocknroll. Gritos, muita percussão e um riff absoluto. Impossível não ser tocado na alma por essa celebração ao rock mais genuíno. Sanguinea.
   Telegram Sam, eis o riff que Marc criou em sua mais completa simplicidade. Os ooooooohs de fundo são o supra-sumo da afetação gay. Lindo.
   Rabbit Fighter é insinuante, sensual. O timbre da guitarra é trabalhado até a saturação.
   Baby Strange tem cordas exatas. O riff é insistente. A colisão das cordas e da eletricidade da guitarra faz da canção um doce envenenado.
   Ballrooms of Mars. Clima de fim de festa, pensamentos soltos, dispersão.
   Chariots Choogle tem backing vocals muito agudos, um riff sublime e cordas graves, urgentes. É um dos pontos mais altos do disco.
   Por fim, Main Man, uma absurda canção triste. Ah sim...em 1974 quando Bowie lançou sua editora musical a batizou de Main Man....
   Em 1974, dois anos após este disco, Marc Bolan destruiu sua carreira. Primeiro se casou com Gloria Jones, uma cantora americana...negra. Seu público estranhou, não exatamente por ela ser negra, mas por ela NÃO ser glamurosa. Logo em seguida ele muda seu som. Bolan passa a fazer canções dançantes, soul music, negras. E se muda para a América, em busca do sucesso que por lá nunca veio. Em 1977 ele morreria em acidente de carro.
   Ah sim...em 1975 David Bowie lança seu disco dançante, Young Americans e se muda para New York...mas aí é maldade dizer que essa guinada de Bowie foi roubo sobre Bolan. Na verdade nessa altura Bowie seguia os discos solo de Bryan Ferry, soul de plástico bem produzido. Logo depois David iria para Berlin, roubar ideias de Eno e do Kraut Rock.
  Marc Bolan foi um rei durante apenas três anos. Mas foram grandes anos. Num momento de pop brilhante, de fortíssima concorrência, ele conseguiu se destacar fazendo tudo da forma mais simples. Mas o tempo mostrou que era um simples sofisticado, polido, sábio. Quando a fórmula se esgotou, ele tentou outro caminho. Seus discos dançantes são ruins. Bolan não tinha o talento da reinvenção ( talento que sobrava em seus rivais, Bowie e Ferry ).
  Odiado pelos hippies, vaiado pelos cabeças, ele foi idolatrado pelos moleques que se tornariam no futuro punks e new waves. Marc Bolan é um dos belos segredos do pop.
  PS: foi a partir de 1972 que o rock inglês começou a se distanciar dos EUA. Se nos anos 60 quase tudo que estourava na Inglaterra vendia nos EUA ( as excessões foram Kinks e Small Faces ), a partir de 72 bandas como Slade, Status Quo e Roxy Music, grandes vendedores na GB, eram desconhecidas na América. Os campeões americanos continuaram e continuam a vender na Inglaterra, mas o contrário deixou de ser verdadeiro.

Funny Face - trailer (1956) AUDREY HEPBURN



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CINDERELA EM PARIS ( FUNNY FACE ), UM FILME QUE É UMA AULA DE ESTÉTICA ( E UMA FESTA DE PRAZER )

   Ruy Castro em seu texto sobre Fred Astaire, dizia que na saída dos cinemas que exibiam seus filmes, era cômico ver as pessoas, ao voltar para casa, arriscarem passos de dança na rua. Infelizmente jamais terei a chance de ver isso, mas ao reassistir pela nona vez este filme, sinto aquilo que todos os filme de Astaire me dão: euforia. O número de horas de prazer que Fred Astaire me deu em toda minha vida, são incontáveis. FUNNY FACE é um dos seus ápices. ( Saudades da página inteira que a Folha ainda podia publicar quando de sua exibição na Globo, em 1989 ).
   Existem filmes que reverenciamos, amamos como se ama um fenômeno da natureza. Mas exsitem aqueles que amamos como a uma mulher. Amamos com carinho, amamos pelo prazer que nos dá, amamos e aprendemos a o conhecer, a lhe desvendar. Filmes que são festas de prazer inesgotáveis. E eles são infalíveis, basta que eu comece a vê-los para me sentir de novo nessa festa. CHARADA, UM TIRO NO ESCURO, HATARI, A CEIA DOS ACUSADOS, A RODA DA FORTUNA...e este filme.
   Mas ele não é só Astaire. Aliás o filme é mais de Audrey Hepburn que dele. E aí salta a vista o carinho que a Paramount sempre teve por ela. A carreira de Audrey no estúdio é irretocável. Eles souberam o que oferecer para ela, tiveram gosto, percepção. Assim como a RKO teve com Cary Grant ou a MGM com Clark Gable. Penso na tragédia que são as carreiras de gente como Halle Berry, Helen Hunt ou Jim Carrey, totalmente sem rumo, desperdiçados. Weeeellll...
    Este filme trata do mundo da moda. A fantástica Kay Thompson faz uma editora/dona de revista tipo Vogue ( na verdade o personagem é baseado em Diana Vreeland, O Diabo que Vestia Prada ). Pois bem, essa editora resolve lançar uma nova modelo, uma modelo com cara inteligente. Astaire é o fotógrafo Dick Ayers ( que é baseado no MAIOR fotógrafo de moda da história, Richard Avedon, que fez na verdade todas as fotos que aparecem no filme ). Num sebo de livros, eles irão topar com a intelectual Audrey, e o resto é música.
   Muitos críticos vestiram a carapuça, e se irritaram com a gozação que o filme faz em cima dos filósofos em moda na época. Audrey vai para Paris, pois seu sonho é conhecer um rei da filosofia, um tipo de Sartre. O que esses críticos não perceberam é que o filme também ri do mundo histérico da moda. A única coisa que Stanley Donen e seu roteirista defendem é nosso prazer. E nisso eles são de rara competência.
   O filme abre com letreiros, fotos de Avedon, que já são geniais. Poses de modelos, letras tipo Vogue, cores fortes. O filme inteiro é considerado uma aula no uso da cor. Repare na sequencia dentro da sala de revelação, ou na cena com os balões, o contraste do fundo cinza com as cores dos balões. E toda a magnífica sequencia em que Astaire fotografa Audrey nas ruas de Paris. Aliás, jamais Paris foi tão bonita. Todo o mito da cidade brilha no filme como em nenhum outro.
   As músicas são de George e Ira Gershwin. Uma coleção de hits e de hábil genialidade. Eu jamais vou me decidir sobre quem era melhor, se Cole Porter ou se Gershwin. Aqui temos S'Wonderful, uma das mais belas canções sobre o amor feliz, Funny Face, que grudou em mim fazem duas décadas e nunca mais saiu, Let's Kiss and Make Up! e talvez no melhor momento cantado do filme, a divina How Long Has This Been Going On ?... cantada com a voz pequena de Audrey. Apaixonante.
   Fred não dança muito aqui. Mas o pouco que faz dá ao filme o velho charme de seu estilo cool. Ele canta, e é impressionante como seu canto é moderno, elegante, atemporal. O filme tem ainda uma cena em clube exsitencialista francês, Audrey dança com dois bailarinos modernos. É uma cena para guardar: jazzy, cool, sensual.
   Stanley Donen era um mestre em nos dar prazer. CANTANDO NA CHUVA, SETE NOIVAS PARA SETE IRMÃOS e CHARADA são alguns de seus filmes. Ele tinha ritmo, gosto, humor fino e principalmente elegãncia. Seus filmes são compêndios de savoir faire.
   Se eu tivesse de ir para a tal ilha deserta, com apenas cinco filmes, eu escolheria filmes que me consolassem da solidão. Que fossem fontes de prazer, de leveza e de gosto. FUNNY FACE seria um deles.

MANKIEWICZ/ REX HARRISON/ BRUCE WILLIS/ BING CROSBY/ HUSTON/ SINATRA/ OKLAHOMA!

   CHARADA EM VENEZA de Joseph L. Mankiewicz com Rex Harrison, Susan Hayward e Cliff Robertson
Um velho milionário em Veneza se finge de doente terminal para avaliar a reação de suas três ex-mulheres. Mankiewicz, o grande diretor de A Malvada, famoso por seus roteiros exemplares, não consegue criar aqui o interesse para manter o filme de pé. Sua intenção é a de fazer uma sofisticada comédia levemente cínica. Cínica ela é. De qualquer modo, Rex Harrison é sempre um mestre nesse tipo de personagem. Vê-lo atuar salva o filme do meramente ruim. Nota 5.
   CATCH.44 de Aaron Harvey com Bruce Willis, Forest Whitaker e Malin Akerman
É um compêndio de cenas roubadas de filmes de Tarantino e Rodriguez. Será que esse Aaron é um pseudônimo de um dos dois? Este filme não tem história, são apenas cenas de diálogos pseudo-espertos e tiros sanguinolentos. Forest faz seu tipo "sou um pobre diabo" e Bruce Willis faz Bruce Willis. Mas... que diabos, é divertido! E dura apenas oitenta minutos. Nada de tentativa de fazer arte, nada de tristezinhos sensíveis, nada de denúncias para festivais. É apenas um filme adolescente-macho, cheio de rocknroll ( tem Bowie cantando Queen Bitch ). E eu adoro Bruce Willis!!!! Nota sei lá....cinco tá bom.
   O BOM PASTOR de Leo McCarey com Bing Crosby e Barry Fitzgerald
É um dos filmes mais detestados pelos críticos moderninhos. Isso acontece por ele ter, no Oscar de 1944, "roubado" os prêmios de PACTO DE SANGUE, a obra-prima de Billy Wilder. Que culpa este filme tem? É um bom filme otimista e tolo. Bing, muito bem, faz um padre moderno e sempre de bom humor, que é enviado a paróquia decadente para a salvar. Fitzgerald, ator irlandês que chegou a trabalhar no Abbey Theatre, é o velho padre veterano e antiquado. Acontece um milagre no filme: ele não é meloso e nem chato. Tem uma leveza, uma falta de pretensão maravilhosa. Mérito de Leo MacCarey, diretor formado em filmes de Harold Lloyd, e diretor dos irmãos Marx em Duck Soup. Bing Crosby canta Swimming on a Star...é divino!!! A perfeita canção pop. Delicioso passatempo. Nota 8.
   A BÍBLIA, NO INÍCIO de John Huston com George C.Scott, Ava Gardner, Peter O'Toole...
Um dos grandes desastres de Huston. Mas este não é um soberbo desastre, é apenas um filme muito ruim. O antigo testamento é infilmável. Ele é poesia, feito de imagens simbólicas e prosa intrincada, nada menos filmável. Mas Huston amava textos não-filmáveis. Aqui quebrou a cara. O filme é chato, longo, tolo, infantil e feio de se ver. Um caos. Nota Zero.
   JACK, O MATADOR DE GIGANTES de Nathan Juran
Na época em que este filme foi feito ( 1962 ), Ray Harryhausen era o rei dos efeitos especiais ( Ray é o ídolo de Tim Burton ). George Pal vinha logo em seguida. Pois bem, este filme tem efeitos que Não são de Ray ou de George. Portanto são efeitos muito ruins. Não possuem a perfeição de Ray e nem a poesia de George. Isso derruba esta aventura cheia de bruxos, monstros e que tais. Tudo tem jeito de carnaval e nunca de magia. Nota 2.
   ROBIN HOOD DE CHICAGO de Gordon Douglas com Frank Sinatra, Peter Falk, Dean Martin
Chicago dos anos 30. Falk e Sinatra estão em gangues rivais. Sinatra acaba por se tornar um tipo de Robin Hood da máfia. E o roteiro é só isso. Não fossem duas coisas geniais: Peter Falk faz um mafioso "italiano" hilário!!! Tudo que De Niro faria depois está aqui. A voz enrolada e as palavras saindo como cascata, os trejeitos das mãos, o modo debochado de sorrir, é uma criação maravilhosa de um grande ator. E há Bing Crosby, que faz um almofadinha nerd, que acaba por se unir ao grupo. A cena em que Sinatra e Dean ensinam a Bing como se vestir para sair é ótima. O filme, fora isso, é bastante assistível. E ainda vemos os Rat Packs fazerem seus tipos espertinhos de sempre. Nota 6.
   OKLAHOMA! de Fred Zinnemann com Gordon McRae, Shirley Jones e Gloria Grahame
Agnes de Mille fez as coreografias e isso é muito bom. As cenas de dança, infelizmente poucas, são fascinantes. Este filme mostra o porque dos musicais começarem a ruir em cinema. Deixou-se de criar musicais para cinema, e apostando no certo, se começou a transpor para a tela sucessos da Broadway. O que funciona no palco pode ser um fiasco na tela. Este filme, imenso, caríssimo, não foi um fiasco, mas foi pensado como um clássico, e nem sequer é um bom filme. Como cinema, as cenas melhores são aquelas com Gloria Grahame, que faz uma moça incapaz de dizer não a um moço. Gloria foi uma atriz original, meia feinha e muito sexy. Sua vida pessoal foi mais interessante ainda... Zinnemann que é um grande diretor, não sabe fazer um musical. Percebemos seu desconforto, ele não corta quando devia, não estica o que merece ser apreciado. Tudo isso faz deste filme uma coisa esquizo, sem rumo, artificial. Nota 4.
   MILAGRE NA RUA 34 de George Seaton com Maureen O'Hara, Edmund Gwenn e Natalie Wood
É a história do velhinho que pensa ser Papai Noel. Ele passa a trabalhar na Macy's, onde conhece mãe solteira que tem um filha sem ilusões sobre a vida. Este filme, simples e bonito, ganhou um Oscar de roteiro. Mereceu. Embora pareça apenas um filme bacaninha de natal, ele é na verdade um muito sério debate sobre o que é real e o que parece ser a verdade. Seaton, que escreveu a história, dirige tudo como um quase documentário, cenas cruas, sem muita produção. Para quem quiser ver um filme de natal sem nada de piegas ou de bobo, este é o filme. Encantador. PS: Natalie Wood, ainda criança, dá um show como a menina "realista". Gwenn faz um Santa Claus próximo do perfeito. Nota 8.

DIÁRIO DE UMA VIAGEM DA BAÍA DE BOTAFOGO À CIDADE DE SÃO PAULO ( 1810 )- WILLIAM HENRY MAY

   José Mindlin na introdução a este pequeno livrinho, fala da sua dificuldade em obter a única cópia ( estava em Londres ), deste relato. Não existem narrativas sobre São Paulo até então. Tudo o que há, relatos franceses e espanhóis, são descrições de "ouvir dizer", nada escrito por quem lá esteve. Portugal, até 1808 não permitia a entrada de estrangeiros no Brasil, se pego, um francês ou um espanhol seria morto.
   Mas o que se falava de São Paulo até 1808? Que era a cidade "da República". Uma cidade que pagava seus tributos à coroa em dia, mas que tinha leis próprias, costumes seus, que não admitia ser governada. Diziam que seu povo era composto por bandidos. Lenda....
   W. Henry May não era um aventureiro. Era um burocrata da coroa inglesa. Saindo do Rio, ele, em navio inglês, vai até a Ilha Grande, de lá à Santos, então São Paulo e na volta São Sebastião. É um relato simples, didático e muito verdadeiro. O que esse inglês, vivendo no apogeu do poderio real britânico, diz sobre nossa terra?
  Nada sobre o Rio, de onde ele vem. Mas dá pra perceber que ele não gostou do Rio. A Ilha Grande tem elogios por sua beleza, as montanhas, a luz sobre o mar. Ele elogia o governador da Ilha, um português afetuoso, aberto, generoso. Um comentário: " Portugueses não sabem arrumar suas casas ", ele repara nas ruas limpas, mas fala das casas bagunçadas, mal decoradas.
  Surgem dificuldades para entrar em Santos. O estreito de Bertioga os assusta. A cidade é vista como pantanosa, confusa, suja. Vão para São Paulo. Navegam por rio até Cubatão, cidade cheia de cana de açúcar, de lavoura. Se impressionam com a beleza da Serra do Mar, suas imensas montanhas, seu verde. Sobem pela estrada pavimentada em zigue e zague. Lombo de burros. Admiram e elogiam os tropeiros que descem levando café. Gente limpa, educada, forte.
   No alto da Serra. Se impressionam. Campos de capim, caça, clima ameno. Diz que às vezes a paisagem lhe recorda a Inglaterra, montes e rios, sol e árvores grandes. Chegam a São Paulo.
   Na primeira visão da cidade se lembram da Itália. Para onde se olha se vêem belas montanhas e riachos claros e frescos. O clima é saudável e as ruas são asseadas. Estranham o povo. Nas igrejas os paulistas se comportam como se estivessem em peça de teatro francês. Fazem gestos amplos, conversam, se penitenciam. Para os inlgeses, os paulistas não levam a religião a sério. Dizem que o povo dorme toda a manhã e no resto do dia só pensam em namoros, flertes, traições. As mulheres lhes parecem pouco sérias.
   Mas adoram a paisagem, a luz do sol, caçam pássaros, caçam veados, topam com cobras. E voltam.
   Descem a Serra e em Santos tomam o navio rumo ao Rio. Mas antes páram na Ilha de São Sebastião ( Ilha Bela ). Se apaixonam pelo lugar. É um povo que trabalha muito, as mulheres não páram de fazer renda, os homens cuidam da lavoura. As casas são pobres, humildes, mas o entorno tem ares de paraíso. A Ilha lhes deixa uma imagem de sonho.
   O relato, curto demais, se lê em uma hora. Mas quanta coisa pra pensar.
   Mudamos tanto assim? Cadê a paisagem italiana? Que tipo de cidades construímos? Me parece que jogamos no lixo a tal paisagem toscana e no lugar nada fizemos digno de louvor.
   PS: Perguntei a minha mãe se era real ou fantasiosa uma lembrança que tenho de minha infância. Nasci no Morumbi, perto de onde é agora a Tv Bandeirantes. Da porta da cozinha de casa eu podia ver, com nitidez, como se fosse logo na esquina, o pico do Jaguaré. Esse pico, pra quem não sabe, fica a cerca de 15 quilômetros em linha reta, de onde eu o via. Toda manhã eu admirava o sol sobre o verde de suas encostas e no inverno o admirava cercado pela neblina fria. Isso era mesmo assim ou foi fantasia minha? Pergunto e minha mãe o confirma. Da cozinha se avistava o pico do Jaguaré e da rua, à esquerda, se olhava o alto da avendia Paulista. Não sei se a Itália é assim. Mas era uma visão sem preço.

Bing Crosby & Frank Sinatra - Well, Did You Evah (High Society)



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A DITADURA DO CLEAN E O MEDO DO FIM ( SOBRE CIGARROS E PIERCINGS )

   Uma amiga escreveu que essa onda de perseguições contra os fumantes significa uma invasão aos direitos do indivíduo. Se eu fosse fumante me sentiria incomodado, claro, e acho que estamos entrando no exagero, sim. Mas ao mesmo tempo em que se fecha o cerco contra o fumante, se tolera o garoto com dúzias de piercings, centenas de tatoos ou um casal homo de mãos dadas na rua. Então o problema não é de direito. Direitos justos, que não eram dados, hoje, felizmente, são concedidos. O que acontece então?
  Penso que o problema, óbvio, é que a fumaça do cigarro incomoda. Esse é o grande motivo. Mas, um cara ouvindo funk no ônibus também incomoda e mesmo o casal gay na rua pode incomodar alguém. No rosto com vinte piercings há incômodo a quem o vê ( minha mãe se sente agredida ). Porque tanto ódio ao cigarro?
  Vivemos numa época que nega tudo aquilo que não pode ser explicado ou suavizado pela ciência. As religiões que crescem são aquelas que estupidamente "explicam" tudo. Falamos sobre sofrimentos que podem ser "domesticados" pela medicina ( depressão, TOC, fobias ), o que não é explicado não existe. Nesse mundo infantil, mágico, onde aquilo que temo "não existe", a morte torna-se convidado indesejado. Quem já enterrou pessoa querida sabe o que falo: nada em nossa sociedade ritualiza esse momento. O luto, a oração, os símbolos da morte nos foram roubados. Sobre a morte nada pode ser falado.
  A coisa é óbvia. Em civilização predominantemente atéia ( mesmo os que vão a cultos têm dúvidas ), a morte se torna um pensamento a ser negado. Insuportável. Ao negar o direito de se matar "de seu modo" a todos, estamos na verdade tentando esquecer o nosso próprio fim. Pois se aquele cara fuma sem parar, ele sem saber está jogando em nossa cara que comemos carne cheia de hormônios e bebemos produtos suspeitos. Não estamos nem aí para a morte de um fumante, o que não podemos suportar é ser lembrados da nossa morte futura.
  Tenho amigos que não suportam museus, filmes "velhos", músicas "antigas". Já vi várias vezes pessoas desprezarem e desrespeitarem velhos em filas e em ônibus. Tudo o que é lembrança do fim, do antigo, do que já se foi, deve lhes ser odioso. Tudo o que cheira a cemitério lhes dá pavor.
  Mas voce pode dizer: mas esses jovens se matam em motos, se enchem de drogas e não ligam motos e drogas à morte.
  Sim, é verdade. Mas não se esqueça que motos zumbindo pelas ruas, cocaína e crack estão associados a coisas "jovens". Mais que a escolha de modo de morrer, andar de moto é ser "valente", mais que suicidio, se drogar é ser "do contra". Cigarro tem uma imagem bem outra. E não vamos nos esquecer, sempre que se lembra do "passado" o que se imagina é uma multidão de fumantes. O cigarro é retrô, antigo, old fashion, velho portanto. Não é a morte rápida e jovem do acidente na rua. Não é a morte inconsciente da droga. É a morte em casa, gota a gota, lenta, doída, real. A morte que hoje todos tentam esquecer.
  Mundo de higiene absoluta. Ditadura das dietas, das academias, dos regramentos. Tudo isso criado para vencermos a morte. O que nos assusta é que ela é imbatível. O futuro será como o interior de uma geladeira: branco, frio e limpo. Tão limpo que parecerá... morto.

FRANK SINATRA E A ARTE DE VIVER- BILL ZEHME ( NÃO INDICADO A MENINOS SENSÍVEIS, MENINAS MODERNETTES E MOÇOS INTELIGENTINHOS )

   Não é uma biografia. Apesar que até pode servir como uma. Na verdade é exatamente aquilo que o título diz, Frank Sinatra dá conselhos sobre a arte de viver bem. E Frank pode se dar esse direito, ele viveu, ele amou muito, brigou muito, errou demais e deu sempre a volta por cima. Frank dando conselhos é muito melhor que a maioria dos filósofos e psicólogos, ele fez, não leu e decorou.
   Amizades, festas, bebidas, roupas, casamentos, mulheres, familia; esses os assuntos sobre os quais ele mais se detém. Fala de forma direta, sem enrolação. Muita gíria, muita malandragem.
   Fidelidade absoluta aos amigos. Sinatra era famoso por ajudar amigos, com dinheiro, com trabalho, com apoio moral. As melhores histórias e as melhores frases do livro estão nesses capítulos. Dean Martin, Sammy Davis Jr, Bogart, Shirley MacLaine, Joey Bishop. Há ótimas histórias sobre todos eles. Engraçadas, algumas bem tristes. Zehme conta que em 1949, na época de azar, os amigos viravam a cara para ele. Isso o marcou tanto que ele nunca mais pediu ajuda a ninguém e passou a oferecer ajuda a quem o merecesse. Frank Sinatra nunca perdeu seu jeito siciliano, seu modo de falar dos amigos é o modo caloroso, familiar, honroso dos sicilianos, modo que também tem ares de máfia. E daí?
   Jack Daniels, muito Jack Daniels. Sinatra diz beber uma garrafa por dia. Todo mundo sabe que é mentira. Na verdade ele "usava" uma garrafa por dia, enchia seu copo, dava dois goles e o deixava num canto. Enchia outro, dois goles, abandono. Isso lhe dava a fama de bom bebedor, que é o que ele queria. Cigarros ele nunca tragava. Eram parte do show. Sempre a mão, mas nunca tragados. Mas mesmo assim, Sinatra sabe o que fala, entende de Jack Daniels, ensina drinks, adora vodka, e principalmente ele sabe acender o cigarro de uma dama. Um gesto fluido, leve, rápido, sem afobação.
   Sinatra é um homem a moda antiga. Para ele nenhuma mulher deve ser tratada como uma qualquer. Todas eram "mamas" em potencial. deviam ser bem alisadas, elogiadas, protegidas e nunca jamais agredidas. Dean Martin diz que para Frank até as prostitutas não eram putas. Sinatra lhes dava presentes, conselhos, ouvidos, ombros e sexo. Mas não se vangloriava de suas proesas. Era um cavalheiro.
   A vaidade era imensa. Foi filho único e com 14 anos já tinha oito ternos. Frank Sinatra adora a limpeza, a roupa certa, o lenço no bolso, a calça bem passada, a elegância discreta, correta, perfeita. Ele foi guru de moda para milhões de homens ( hoje é.... Jay Z ? ), homens que copiavam o chapéu que ele usava, a gravata, o sapato. Homens que sonhavam em achar sua Ava Gardner.
   Ava Gardner destruiu Sinatra. Foi a mulher que o humilhou, que fugia, que não baixava a guarda nunca. Ele, quando a perdeu de vez, pirou. Perdeu o rumo, afundou, quase morreu. Quando retorna a vida, lança uma montanha de lps que são a educação sentimental de todo homem que merece ter culhões. Lançando até quatro por ano ( sim, 48 faixas todo ano ), ele teve a esperteza de variar. Um Lp alegre, um triste; ou seja, um para dançar com a dama, outro para chorar a falta dessa dama. Eu conheço todos. Os discos tristes são a coisa mais deprimente que já ouvi. Quem pensa que Nick Drake ou Leonard Cohen é o máximo em tristeza nunca escutou " I'm A Fool for Love You". Por outro lado, os discos pra cima são a coisa mais alegre, chic, viril e sexy que já ouvi. O homem era foda!
   As festas são do tipo que começam sexta-feira em Los Angeles e terminam na segunda em Londres. Frank era dono de 3 jatos e era comum que ao escutar de uma dama que ela adorava lagostas de um certo restaurante em Paris, mandar um avião buscá-las e as oferecer um dia depois. Assim como oferecia advogados, guarda-costas, casa, para quem precisasse.
   Ele era intenso. Se era amigo, era um irmão, se era irmão, era Frank Sinatra. Não dormia, tinha medo de perder alguma ação. Logo enjoava das coisas, então partia para alguma nova coisa. Sempre cercado por amigos, odiava ficar só. Tinha de falar, de se mover, de se exibir. Era o que hoje chamamos de "O Cara".
   Mas não há nada parecido com Sinatra hoje. Não falo como artista, falo como homem. O tipo de homem-Sinatra foi morto pelo feminismo, pelos hippies, pelo excesso de drogas, pelo relativismo. Ele não chorava em público, não se lamentava quando devia rir, nunca baixava a guarda. Suas lágrimas, suas lamentações, suas loucuras eram exibidas em casa, para dois ou três amigos, e só. Ele servia seus fãs, respeitava-os, tinha de ser Frank Sinatra. Jamais faria coisas como os astros do rock fazem ou fizeram. No mundo de Frank, "sofrer" por ser famoso era hipocrisia de fracos. E um homem é forte. Ou não tem culhões.
   Nada do que está no livro teria valor não fosse Sinatra quem foi. O Cara, o chefe, o grande boss, o cara que sabe se divertir, que sabe onde ir e quem encontar. O que vestir, o que botar no som, o que comer e beber. Ele sabia viver, e melhor, fazia seus amigos viverem esse "saber" com ele. O cara era foda.
   Uma infinidade de homens tentou ser Frank Sinatra em alguma coisa, em algum momento. Ninguém chegou perto ( quem chegou perto foram aqueles que Sinatra seguiu: Bogart e Dean Martin ), mas tentar já é um mérito.
   Recomendo o livro como excelente leitura de ano-novo. Se voce não for um caso perdido, vai te botar lá em cima. Como deve ser.

O MAR, O MAR - IRIS MURDOCH, É POSSÍVEL SABER ALGUMA VERDADE?

   Fizeram um filme sobre Iris Murdoch alguns anos atrás. Acho que Richard Eyre dirigiu... sei que era com Kate Winslet e Judi Dench. Bom filme, que mostrava a importância de Iris para a cultura inglesa no período 1960/2000. Ela fazia palestras, divulgava sua filosofia, tinha fãs apaixonados. Leio em Harold Bloom que ela era profissionalmente uma filósofa. E Bloom diz que considera Iris Murdoch autora genial, mas que estranhamente, ela nada escreveu de plenamente satisfatório. Para ele, Iris nunca escreveu um romance, ela escrevia textos romanescos.
   Texto romanesco é aquilo que Stevenson ou Kipling escreveram. Livros em que a ação e a ambientação são o mais absorvente. Os personagens são secundários. Nunca parecem seres reais. Weeell.... Murdoch adorava Henry James e Shakespeare, dois mestres em criar gente de verdade. Mas, nos livros de Iris, o que nos seduz é seu enredo, os momentos de mistério e de leve absurdo que ela cria. Quanto aos persoangens, nos são quase indiferentes.
  Aqui, um diretor de teatro, aos 60 anos, resolve se aposentar. Ele é famoso, de um modo pop e quase vulgar. Compra um velho e esquisito casarão numa praia inglesa e passa a viver lá, só. O inicio desse longo livro é delicioso. Murdoch nos leva pela mão à esse mundo meio doido, meio mágico que ela cria. Nos sentimos em meio ao sol, a espuma do mar, as pedras, as salas da casa. O ex-diretor começa a ter a sensação de que coisas estranhas acontecem na casa. E chega a ver um monstro no mar. Logo sabemos que as coisas estranhas eram seus amigos, que se infiltravam na casa sem que ele o soubesse. E que o monstro pode ser um flash-back de uma antiga viagem de LSD. 
   Mulherengo, esse velho homem recebe visitas das atrizes e vedetes que amou. E dos atores que conheceu. Ele começa a escrever suas memórias, que é o livro que lemos. Na infância foi menino retraído, com inveja do primo mais rico. E é escrevendo esse livro que ele mergulha no inferno: recorda sua primeira namorada, e ao surpreendentemente encontrá-la na praia, passa a viver um delirio de ciúmes, de medo e de paranóia. E mais do enredo eu não conto.
   Murdoch era adepta de um tipo de platonismo do bem. Ela acreditava que o que vemos é ilusório, e que a vida verdadeira só pode nos ser conhecida de forma indireta.  Charles, o diretor aposentado, é quem nos conta a história, nos revela seus pensamentos, seus sentimentos. Mas algo nos perturba. Começamos a perceber que Charles está completamente enganado. Que sua primeira namorada é uma senhora feia, desinteressante, e pior, que ela não o quer. Charles vê em tudo aquilo que ela faz um sinal de amor, planeja coisas impossíveis, tem total fé naquilo que quer crer. Ao mesmo tempo, ele nos descreve seu primo como um arrogante e sem sal militar reformado. Mas ficamos confusos, porque tudo o que esse primo diz nos parece interessante, profundo, do bem. Por mais que Charles fale mal desse primo, o que desejamos é ouvi-lo falar.
   A paixão de Charles termina em morte. Ele se enganara. E ao fim do livro, em belas páginas, descobre que seu primo era muito mais do que ele imaginara. James, o primo, fora sempre um estudioso de misticismo budista, um colecionador de obras do Tibet, um mistério. E fora também o homem que sempre lhe ajudara. Quanto ao primeiro amor... que amor?
   Como leitores somos manipulados pela arte de Murdoch. Acreditamos em Charles, depois percebemos seu erro e sua doideira e ao fim, quando ele cai na real, quando ele renega seu amor "louco", sua paranóia, vem o pensamento fatal: E se ele estivesse certo? E se aquele fosse mesmo seu grande amor? E se ela realmente o amasse? E se a "febre" de Charles fosse na verdade "o bem" ?
   Iris Murdoch dizia que o mundo de Shakespeare, Homero, Dante e Tolstoi é o verdadeiro mundo. É o mundo real, que não conseguimos e não suportamos perceber. Que o drama mágico de Shakespeare, que as paixões simbólicas de Homero, que a poesia de Dante ou o imenso universo de Tolstoi são a verdade. Que o cotidiano de jornais, tvs, carros e telefone é apenas A Ilusão.
   Iris Murdoch estava certa. E quanto mais o mundo avançar século xxi adentro, mais razão lhe daremos. Não esquecer o mundo de Shakespeare, de Dante, Homero, Tolstoi é recordar sempre o que somos DE VERDADE. É não perder contato com o que desejamos, o que sofremos, o que podemos ser e aquilo que acreditamos.
   O resto é pó...

APRENDENDO A PENSAR

   É dificil pensar, requer muita atenção e algum tempo. Coragem também.
   A vida toda eu pensei que pensava. O que eu fazia, na verdade, era reagir à vida e repetir certos conceitos decorados. Dialogava comigo mesmo aquilo que outros haviam me ensinado. Isso não invalidava o mérito de conhecer os pensamentos de Tolstoi ou de Nietzsche. O problema é que eu não sabia pensar por mim mesmo.
   Certas experiências de vida, e alguns poucos momentos de arte, começaram a me colocar em dúvida. E creia, não existe pensamento se voce não duvidar da certeza. Para mim, muitas coisas eram certezas absolutas. Lembro que eu adorava posar de conselheiro. Dava opiniões definitivas sobre o que era o amor ( desejo sexual sublimado ), sobre as mulheres ( tudo o que desejam é um herói ), sobre a religião ( ideologia dos fracos ) e sobre a vida em si ( um aprendizado ). Era cômodo crer nessas certezas, e mais esquisito, eu achava que eram pensamentos meus. Quanto mais triste minha vida se fazia, mais eu me agarrava na vaidade de ser "um pensador consciente". O consolo de minha vida era "saber pensar".
   Não sei quando exatamente as coisas começaram a ruir. Mas houve um momento em que percebi a fragilidade de tudo aquilo que eu gostava de pensar como óbvio. Talvez tenha sido a morte de meu pai, que me fez perceber que eu, que tinha tantas certezas sobre quem ele era, simplesmente não o conhecera. Talvez o contato com gente de classe social que eu desconhecia. Perceber que essas pessoas são diferentes dos chavões sobre elas propagados. Ou tudo isso mais a massa imensa de filmes, livros, teses, conversas, memórias, imagens, que o tempo livre e a disposição a aprender me fizeram penetrar. Eu adentrei aquilo que não conhecia. Deixei de amar apenas o que ia de encontro ao que já sabia. Viajei para o outro lado. Comecei a tentar pensar. Ver o óbvio que fazemos força para não ver.
   Pensar coisas como:
   Talvez meu pai estivesse certo e eu errado, talvez as pessoas mais simples estejam próximas da vida, e talvez arte, poesia e psicologia não tenham qualquer importância. Quem sabe o sexo não seja, na verdade, uma forma mais fácil de amar, e portanto o amor não é sublimação de nada, mas sim o sexo seja consolo de quem não sabe ou consegue, amar. As mulheres talvez não desejem um herói, talvez os heróis é que tenham um desejo imenso por elas. Talvez a religião seja coragem, a coragem de se submeter a algo fora de seus poderes. Talvez ela esteja acima da arte e da razão. E quem sabe a vida não seja um aprendizado, ela seja apenas um vazio cujo sentido nos é negado saber. Ou não. Pensar seria ver o lado oposto, mais que isso, seria inverter a questão.
   Dessa forma, se Nietzsche diz que os judeus eram escravos que aprenderam a valorizar a escravidão, eu penso, o que isso pode ter originado de bom? Os senhores do Egito eram melhores que eles? O que é melhor ou pior? O que é bom? Qual o mal em se ter uma ideologia escrava? O que há de belo no SuperHomem?
   Se a religião é o ópio do povo, eu penso: que ópio é esse? Que efeitos positivos essa droga traz? Quais seus efeitos negativos? Mais que isso eu penso, ópio em relação a que? A arte é ópio, o marxismo é ópio, Freud é ópio, poesia é ópio, maconha e prostitutas são ópios. Qual a droga menos ruim? O que é ser ruim?
   Pensar não é apenas questionar tudo, é intuir certas coisas. A única que agora tenho certeza é que nossa razão é tão limitada quanto nossa visão ou nossa audição. Não percebemos a totalidade, não conseguimos sequer imaginar o todo. Míopes, só vemos a fração, o pequeno, o quase insignificante. A vida nos é incompreensível.
   Aprendi a desconfiar de religiosos que se travestem de politicos, que se embrenham nas questões da matéria, e de ateus que se dão a missão de catequizar, de se unir em igrejas materialistas, que opinam sobre a fé. Os dois pensam pensamentos mortos, pensamentos que não resistem a duas ou três perguntas. Um responderá a tudo: "porque assim é".  O outro sempre dirá: "não existe prova concreta". Para um eu direi: pode não ser assim. E para outro eu responderei: me prove a verdade concreta de um só pensamento.
   Me lembro de uma tarde, após bela hora de amor, voltando a pé pra casa, de repente eu imaginar São Pedro e São Marcos no céu, sobre nuvens, exatamente como numa pintura de Rafael. E um pensamento me ocorrer: Não seria hilário se nós tivéssemos dado tantas voltas, e descobríssemos ao final que as coisas eram tão claras assim? Que um Deus existisse e os Santos e tudo mais? Seria humilhante para todos nós, homens que pensam. Pois é... esse cômico pensamento me fez perceber que novos modos de ver e de duvidar estavam ao meu lado todo o tempo. E que eles eram tão válidos e possíveis como a existência da partícula fundamental ou a evolução do pato e do marreco. O mistério vive dentro do próprio ato de pensar o abstrato. A matéria é sua consequencia.
   Depois, voltando a estudar, comecei a perceber que esses pensamentos me ajudavam a compreender aquilo que era dado. Literatura, filosofia, linguística, se tornaram conchas abertas. Eu saí da linha reta do pensamento aprendido, entrei na roda sem eixo do pensamento criativo.
   Posso estar longe da verdade ( estou ), posso estar girando a toa, sem rumo ( com certeza ), mas penso do meu modo, portanto, estou vivo.

CATCH.44 - AARON HARVEY, UMA DAS 3 VERTENTES DO CINEMA ATUAL

   O filme é assim:
   Em cores fortes, verdes, amarelos e azuis berrantes, assistimos a um papo furado entre três garotas "interessantes". Cigarros ( se fuma muito no filme ) e de repente música, Fox On The Run, do Sweet. Tiroteio, sangue e detalhes de perfurações de bala. A história tem vários flash-backs, e uma balconista grita e inicia mais um tiroteio. O filme tem também várias cenas de carros ( todos dos anos 70 ) e a exibição de enormes armas platinadas. David Bowie com Queen Bitch, um clipe de ação dentro do filme, ao som dessa obra-prima do rock glitter. Voce sente em todo o filme um clima de anos 70. De vez em quando a imagem parece se estragar, o filme tem efeitos digitais que o fazem parecer feito de película gasta, estourada. Estranhamente, apesar do filme ser de 2011 e se passar em 2011, nos carros só se usa toca-fitas k7 e nos bares só tem juke-box. Já lá pro final, tem uma cena com armas que apontam para armas e onde ninguém sabe quando ou em quem atirar. Sacou?
   O filme é uma cola, uma homenagem ou um roubo ( depende de seu ponto de vista ), de tudo o que Tarantino fez. Só que sem seu humor, sem sua leveza, sem seu porquê. Por ser fã de Tarantino, eu me diverti, mas se voce não for fã, esqueça. Escrevo isto pra falar de uma coisa diferente. ( Mas vamos admitir, PULP FICTION é o filme mais importante dos últimos vinte anos. Mais importante, não o melhor. )
   O cinema da América tem hoje três vertentes, três turmas dominantes.
   Tem a turma nerd, cujo representante maior é agora Peter Jackson. Filmes de efeitos, dirigidos a bilheteria e com tons de papo científico sério. Seus antecedentes são Spielberg e Cameron. Usam óculos e barba. Sempre conectados.
   A turma sensível bonzinho. Esses adoram filmes baratos, de cores pastéis, geralmente sobre adolescentes tristes ou drogados suicidas. Gus Van Sant é seu guru, mas tem toneladas de gente nessa turma. Costumam ganhar festivais. Vestem camisetas gracinhas e tênis de lona.
  E a turma deste filme. Fumam, bebem e adoram se considerar "on the road". Têm um caso sério com a época do rock de garagem. Tarantino é seu deus e amam cinema lixo, filmes de terror barato, porradaria, kung-fu. Usam camisas havaianas e óculos escuros.
  Salvo maravilhosas excessões, o grosso do cinema de agora é filho legítimo ou bastardo dessas correntes. Espero que um dia surja alguém com o talento para unir as três. A comunicação fácil do cinema de JJ Abrams, o coração de Sofia Coppolla e a virilidade adolescente de Robert Rodriguez.
  Catch.44 não é esse filme. Mas para alguém que como eu,achou Machete do cacete, dá pra tirar uma fácil.

It's So Audrey! A Style Icon



leia e escreva já!

AUDREY HEPBURN, UMA BIOGRAFIA- WARREN G. HARRIS

   Quando estreou no cinema americano em 1953, com A PRINCESA E O PLEBEU, Audrey havia feito apenas pontas em filmes europeus e uma peça de teatro. Nessa estréia, subitamente ela se torna a estrela mais amada da América e leva o Oscar de melhor atriz. Começo melhor que esse, até hoje, ninguém conseguiu ter. Mas foi fácil?
   A origem de Audrey Hepburn é nobre. Nascida na Bélgica, criada na Holanda, por parte de pai e de mãe, Audrey tem sangue azul e uma linhagem que chega até 1530. Foi criada em palácio de 50 quartos e desde sempre teve como característica a educação esmerada e gestos de quem sempre dormiu em dosséis de seda. Estudou ballet, e de repente as coisas começaram a ficar muito esquisitas. Os pais se filiaram a partidos fascistas, a mãe principalmente, tinha orgulho de suas ligações com Hitler. Mudaram-se na década de 30 para a Inglaterra, o pai era grande executivo de empresa mercantil, e lá se uniram ao odiado partido fascista inglês. Audrey era então uma criança, mas o mundo em que ela vivia lhe cobraria um preço. A guerra começa, e num erro de cálculo, a mãe resolve que a Holanda seria mais segura. Voltam e vêem a miséria da guerra de perto. Perdem propriedades, passam fome ( como toda a Holanda de então ), sentem frio, ficam doentes. É então, aos 11, 12 anos que Audrey adquire a silhueta que a faria famosa e que mudaria o conceito feminino de beleza. Ela se torna muito magra, por fome, não por opção.
   O pai ficara na Inglaterra, e Audrey ficaria 25 anos sem saber dele. Ele é preso por suas ligações com o fascismo, e depois da guerra passa a viver na Irlanda, em condições ruins. Na Holanda Audrey vê trens levando judeus e sua mãe começa a cair na real. Talvez Hitler não fosse a melhor escolha para nobres com medo do comunismo.
   A guerra acaba e a adolescnte Audrey ainda estuda ballet. A familia volta a ter conforto, mas nunca mais o exagero de antes da guerra. Nessa Europa devastada, a mãe, uma baronesa, trabalha em loja, e Audrey vende flores em floricultura. Recebe convites para desfiles e pequenas participações em peças e filmes. Daí os deuses da sorte interferem. A grande escritora Colette estava a dois anos procurando uma atriz para ser a Gigi de sua peça. Ao olhar Audrey pela primeira vez exclamou: -Eis minha Gigi!!!
   Audrey fugia de todo o conceito de glamour da época. Não usava peles, cabelões, piteiras ou decotes. Por ser muito magra e alta, ela se apresentava em entrevistas de sandálias sem salto, saia simples, e blusa comum. Cabelo curto e sem jóias ou adereços. Mas segundo Colette, o efeito era o de se estar diante de uma princesa. Veio Hollywood, e o mito nascia.
   Depois de A Princesa e o Plebeu, vieram Sabrina, Cinderela em Paris, Charada, My Fair Lady...eu nunca havia notado, mas Audrey tem apenas 5 filmes que eu realmente adoro. E para a história do cinema, se incluem apenas mais uns três. São oito filmes. Oito que são chamados de clássicos de Audrey Hepburn. Na carreira inteira são 20. O cinema tem apenas vinte filmes com Audrey...um quase nada em quinze anos de carreira. Uma pena.
   O livro expõe o longo casamento com o medíocre ator Mel Ferrer, ator que se pensava um novo Orson Welles, e que se ressentia do sucesso de sua esposa ( Audrey era a atriz mais bem paga de então ). Ela viveu casos em sets de filmagem, com William Holden, Peter O'Toole, Albert Finney. E são revelados os bastidores de My Fair Lady, o filme mais luxuoso já feito, onde Cecil Beaton e o diretor George Cukor brigavam sem parar. A ligação de Audrey com Givenchy é mostrada em tons nobres de amizade sem interesse, e temos bastidores de Oscar e de estréias. E na parte final de sua vida, o trabalho com a Unicef, na África. Para quem como eu, aprendeu a amar Audrey em filmes como o soberbo Charada e o encantador Cinderela em Paris, o livro é obrigatório. Harris não inventa, escreve simples, correto e corrido. Tem alguma elegância, é sóbrio e nada maldoso. Digno de seu tema.
   Livro da Nova Fronteira. Procure que é bom presente de Natal.
  

LEAN/ FREARS/ MALKOVICH/ LANG/ WOODY ALLEN/ POLLACK/ MERYL STREEP

   UM GATO EM PARIS de Felidoli e Bagnol
Melancólico. As crianças que assistirem esse desenho terão péssimas lembranças. Tem uma menina meia-muda que está deprê por causa da mãe, tem um ladrão de jóias meio down, tem um gato cool...Os traços do desenho são simples, esquisitos, feios. Este desenho parece servir apenas para preparar as crianças para os filmes que assistirão em sua vida adulta. Argh! Nota Zero.
   ADEUS, PRIMEIRO AMOR de Mia Hansen-Love
A jovem diretora francesa diz em entrevistas que Truffaut e Rhomer são seus mestres. De Rhomer não há nada em seu filme, de Truffaut há muito: delicadesa nas imagens, suavidade na edição, interesse genuíno pelos sentimentos. Na história simples e dolorida de um amor adolescente ( inocente ), há a constatação de que bom cinema é ainda possível. Bonito. Nota 7.
   LAWRENCE DA ARÁBIA de David Lean com Peter O'Toole, Omar Shariff, Alec Guiness, Anthony Quinn, Jack Hawkins
Qual o segredo de Lean? Este filme tinha tudo pra dar errado: um herói antipático, um enredo que fala de um momento histórico que poucos conhecem, excesso de metragem, pouca ação para um filme pop e caro. E milagrosamente tudo deu certo: o herói se faz um enigma, o roteiro diz o que quer com clareza, a duração do filme parece a exata, e a ação é percebida como ação-interior. Sucesso de público, sucesso de crítica, sucesso de premiação. A união de arte e entretenimento. A beleza plástica e boas atuações. Peter O'Toole era um desconhecido, aqui se tornou uma estrela ( e esse é outro procedimento que graças a Lawrence se tornou uma regra, fazer uma super produção com vasto elenco de astros, mas colocando um novato promissor no centro ), sua atuação é multi-facetada, complexa, por mais que o vejamos, menos o entendemos. Peter seria sempre um ator especialista em homens divididos, um grande ator. Nota MIL.
   AS LIGAÇÕES PERIGOSAS de Stephen Frears com Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer, Uma Thurman, Keanu Reeves
A trilha sonora de George Fenton é feita de belas fugas. A fotografia é do melhor fotógrafo de cinema dos últimos vinte anos, Philippe Rousselot, e o roteiro de Christopher Hampton ganhou todos os prêmios em todos os festivais. Este filme concorreu a vários Oscars, mas era o ano de Rain Man... De qualquer modo, revendo-o agora, após tanto tempo, seu impacto fica bastante diminuído. Em 1989 o considerei fascinante, hoje, após tantas obras-primas vistas em dvd, me parece apenas um bom filme. Glenn Close está maravilhosa em sua maldade, e na hora em que sente ciúmes, a transformação em seu rosto é fantástica. Malkovich não está tão bom. Seus olhos passam maldade, obsessão, mas não possuem a sedução que Valmont deve transparecer. Falta-lhe sexo envolvente, absorvente, o sexo que ele promete é frio e desinteressante. Michelle nunca foi tão bela ( poucas mulheres foram tão bonitas de um modo tão inocente ). O roteiro se baseia no famoso livro de Choderlos de Laclos, a história de um sedutor que é seduzido ( no livro, que é uma obra-prima, Valmont é muito mais cruel ), é o século XVIII, era de hiper racionalismo cínico, Valmont e sua amiga se divertem em seduzir e destruir. Stephen Frears continua a ser um dos mais interessantes dos diretores. Após este seu sucesso, ele voltaria ás produções pequenas ( por escolha pessoal ) e nos daria Os Imorais e Alta Fidelidade. Mas seu melhor filme é ainda The Hit, com Terence Stamp e John Hurt. Nota 7.
   O SEGREDO ATRÁS DA PORTA de Fritz Lang com Joan Bennett e Michael Redgrave
Uma milionária se casa com homem misterioso e passa a temer esse mesmo homem. Ele será um assassino? Este filme de suspense, que lembra dois ou três filmes de Hitchcock, não dá certo por vários motivos, os principais sendo o fraco roteiro e o desinteresse de Michael Redgrave. Ele é um excelente ator, às vezes mais que excelente, mas aqui dá pra perceber seu ar de tédio e sua expressão de sono. Joan se empenha, mas a mulher que ela faz é um cliché. Lang, é até ridiculo dizer, foi um dos grandes do cinema. Mas teve uma longa e irregular carreira. Ele era capaz de fazer uma obra-prima em janeiro e um lixo indesculpável em dezembro. Este não é um lixo, dá para se assistir até com algum prazer, mas não faz justiça a quem nele trabalhou. Nota 5.
   DESCONSTRUINDO HARRY de Woody Allen com Woody e mais Judy Davis, Billy Cristal, Tobey Maguire, Elizabeth Shue, Demi Moore, Paul Giamatti e Kirstie Alley
Quando o vi pela primeira vez, adorei. Mas ele não resiste a uma revisão. É enfadonho ( sou fã de Woody Allen, é triste dizer que ele é chato ), irritante até. Isso porque Allen nunca fez um "Woody Allen" tão sem graça. Ele passa do ponto e a história desse pequeno Dom Juan se torna um tipo de auto-elogio a uma alma atormentada. Quando ao final ele descobre que o culpado por seus fracassos afetivos não era ele, mas elas, a sensação que temos é de engodo. Ele era o culpado sim. Passamos hora e meia na companhia de um ser extremamente egoísta que nos entope com suas confissões nada interessantes. O pior lado de Woody Allen se mostra aqui: um hiper-narcisista que usa o cinema como sala de analista. Não me interessa sua dor, seu pessimismo. A familia que ele critica é um tiro pela culatra, eles parecem mais interessantes que ele mesmo. A relação com Shue chega a ser constrangedora. Judy Davis, grande atriz australiana, tenta e consegue dar vida ao fiapo de papel que lhe deram. Ela deveria ser Harry. Fujam!!!!! Nota 2.
   OUT OF AFRICA ( ENTRE DOIS AMORES ) de Sydney Pollack com Meryl Streep e Robert Redford
Os primeiros dez minutos anunciam uma obra-prima que ele não é. Nessas primeiras cenas há poesia e sentimento. Assim como no excelente final, digno de um grande filme. Mas as duas horas e meia que recheiam esses dois ótimos extremos, são "quase" grande cinema. Apesar de ter ganho um caminhão de prêmios, e de ter levado milhões de adultos ao cinema, Pollack erra em sua tentativa de fazer um filme à "David Lean". Pollack usa todos os ingredientes de Lean: uma longa história passada em lugar misterioso e exótico, ótimos atores, belíssima fotografia e trilha sonora grandiosa. Pontua tudo com cenas típicas de Lean, sol se pondo, um rio, um trem que passa. Mas porque, mesmo seguindo a receita, este filme nunca parece ser de David Lean? Qual o segredo de Sir David? Coragem. Pollack teme ser pouco pop e corta onde Lean deixaria alongar e alonga cenas que Lean cortaria. Quando Lean exibe uma paisagem ele se deixa relaxar, usufrui a beleza, nos faz entrar no filme. Pollack mostra a paisagem como quem exclama: -Olhem que bonito! E corta. Já Pollack estica diálogos sem interesse, cenas que Lean sempre interrompe para mostrar a vida lá fora. Bem...Pollack levou seu Oscar com este filme. Filme que se deixa ver, baseado em livro da grande Isak Dinesen, livro que conta sua experiência de plantadora de café na África. Meryl faz bem a escritora, mas há uma qualidade em Meryl que nunca mudou, a frieza. Admiramos Meryl Streep, não amamos. Redford é um caçador amigo e amante, homem radicalmente livre que adora ouvir as histórias que Dinesen lhe conta. Ele é a melhor coisa do filme. Redford é sempre bom de se ter numa produção. Nota 6.

EXUBERÂNCIA

   Vivemos tempos tímidos. As coisas são cada vez maiores, as pessoas, menores. Grandes gestos, paixões sem noção, sonhos absurdos. Descontrole. Tudo isso está em baixa. É um tempo de filmes tristinhos e de música certinha. O louco visionário sem rumo e sem segurança já era, morreu.
   Veja o video abaixo. Sim, o vulgar e pop video abaixo. Nele vemos um baixinho vestido com penas. E que vai a beira do palco mostrar o peito. Como uma criança nerd que acabou de descobrir o álcool, ele pula e batuca ao piano. Olhe o público. Pulam e jogam coisas e pasmem: dão gargalhadas! Enquanto isso, a banda, colorida, também ri todo o tempo. O que eu vejo sobre aquele palco tem um nome: exuberância. Nada de modéstia, nada de censura, nada do profissionalismo de carnavais programados. Simples e saudável exuberância.
  É disso que sinto falta. Da pouca vergonha dos sapatos plataforma e das bandas mal ensaiadas. Dos filmes caros, grandes, loucos e que não tinham nenhum público alvo. Do rock como festa de absoluto mal gosto. Exuberância total.
  Ter tido doze anos e vivido e amado e ansiado por tudo isso ( como mostram os filmes QUASE FAMOSOS e VELVET GOLDMINE ), isso não tem preço. É memória eterna. Memória que brilha, que ri, que arregala os olhos.
  Que coisa boa...

The Bitch is Back



leia e escreva já!

CARIBOU- ELTON JOHN ( O PRIMEIRO DISCO A GENTE NUNCA ESQUECE )

   Foi num Natal dos anos 70. Na loja Yaohan. Meu pai me deu dinheiro, e um dos meus presentes foi um vinil. Criança, eu adorava Wings, Harold Melvin e Elton John. Nas prateleiras da loja, lugar cheio de escadas rolantes e aço cromado, peguei o disco e mandei embrulhar. Na rua, atulhada de gente, pessoas com enormes pacotes, andei cantarolando "Beannie and The Jets". Era minha música favorita. Ela não está em Caribou.
   A banda de Elton John, a Elton John Band, entre 1972/1975 era do cacete!  Dee Murray, Ray Cooper, Davey Johnstone e o super baterista Nigel Olsson. Se voce ouvir as músicas gravadas nessa época, vai reparar que o instrumental é rock, é country, é soul, faz o diabo.
   Foi uma grande época para o pop. Tínhamos o pop negro arrepiando com o som da Filadélfia, o funk e o groove de New York. E um majestoso e adulto pop branco, que ia de Steely Dan à Rod Stewart, de Cat Stevens à Sweet. Mas quem reinava era Elton. Entre 71 e 76 ele colocou dez singles em primeiro lugar nos EUA e mais oito nos top ten. Na Inglaterra ele era chamado de rei do pop, o herdeiro dos Beatles. Não era. A praia de Elton era muito mais Elvis e Beach Boys que Beatles e Dylan. Em termos de música pra rádio, de melodia harmoniosa e arranjos sublimes, foi um mestre. Desde então, o único que obteve seu alcance, no pop branco, foi Madonna.  De U2 a REM, de George Michael a Coldplay, ninguém tem o número de hits de Elton. O único cara que pode fazer um show de duas horas só de sucessos como ele faz, se chama Paul MacCartney.
   Caribou é de 1974. Auge da Elton- mania mundial. A capa é das coisas mais ridículas já feitas. Uma enorme foto de Elton, camisa aberta, peito peludo, a camisa feita de pele de tigre e um cenário falso atrás. Na contra-capa, fotos da banda e de Elton com seu parceiro, Bernie Taupin. Abrindo essa capa, vemos uma foto imensa do rosto de Elton, autografada, e as letras das canções. Um detalhe: Elton não era levado a sério pela crítica. Era um tempo de letras políticas ou surreais. Bernie Taupin fazia letras simples. Era subestimado.
   Bitch is Back abre o disco. As guitarras rasgam o som, é um riff poderoso. O piano de Elton paga sua dívida a Jerry Lee e os metais negros da Tower of Power atacam. Mas é o ritmo, o baixo funky e a batera de Olsson que me aturdiam em 1974. Ainda me comovem. Bitch é uma festa. A cadela, após o imenso sucesso de Goodbye Yellow Brick Road, lançado meses antes ( Elton lançava um lp a cada nove meses e mais alguns singles cada seis meses. A concorrência era feroz), está de volta.
   Pinky vem em seguida. Uma doce e muito bela balada. Os vocais de fundo são de alguns dos Beach Boys. Harmonia pop de gosto muito refinado. Por favor me digam: alguém em 2011 faz música assim? Espero que sim.
   Grimsby volta a ter um riff de guitarra poderoso. É rock, é festeira. Tem baixo sacolejante, tem vocais de fundo harmônicos, tem bateria do cacete. E emenda com Dixie Lilly, uma canção do Mississipi, com apito de barcaça, banjo, violões e muita alegria. É deliciosa!
   Solar Prestige A Gammon é uma gozação com a nobreza inglesa. Cantada com sotaque de opereta, é estranhíssima. Não é rock, nem soul, nem folk. É anos 20. O antigo vinil terminava o lado A com You're So Static, onde os metais da Tower of Power dão um show. Vem o lado dois.
   I've Seem The Saucers é uma obra-prima. Começa solene, se torna sonhadora, e tem um arranjo sutil, com um milhão de vozes e de instrumentos. É linda, linda e sublime.
   Stinker é outra obra-prima. Um soul invocado das antigas. Elton canta de forma agressiva, forte, e a bateria de Olsson faz misérias. É um som áspero, negro, noturno.
   Don't Let The Sun vem agora e eu imagino a criança George Michael a escutando então. Todos a conhecem. É magnífica, ambiciosa, orquestral. E para fechar, Ticking, só voz e piano. Triste.
   Deste disco quatro canções viraram single e duas chegaram ao number one. Em 1974 ainda foi lançado o single de Lucy in The Sky With Diamonds e One Day. Em 1975 teríamos Pinball Wizzard, Philadelphia Freedom e o lp Captain Fantastic. Todos number one. Em 1973 o recorde: os singles de Goodbye Yellow, Beannie and the Jets, Candle in the Wind e Saturday Night, todos no topo, e mais os lps Goodbye Yellow e Don't Shoot Me. Mais os singles Sweet Painted Lady, Roy Rogers e Daniel. Tudo isso tocando no rádio do mundo todo. Trabalhava muito o cara...
   Mas em 1976, Elton cometeu dois erros: disse ser gay e comprou um time de futebol inglês. Ainda conseguiu enormes sucessos como Don't Go Breaking My Heart, mas a magia se desfez. Elton não era mais um "esquisito" e bem humorado ídolo pop. Ele agora parecia ser um debochado gay perigoso e muito grotesco. Se Bowie podia dizer ser gay e continuar no alto, isso se devia ao tipo de público que o adorava. Para eles, Bowie ser gay era mais uma qualidade do ídolo. O público de Elton não aceitou. Ele perdeu seus fãs infantis, seus fãs ingênuos, seus fãs conservadores. Sobraram os caras como eu, que amavam Bowie e Roxy e pouco se lixavam pra aquilo que eles faziam na cama.
   Quem começou a ouvir discos nos anos 80, percebe Elton como um tipo de Phil Collins. Quem começou a escutar música nos anos 90 o conhece como um tipo de George Michael velho. Entendam, ele deve ser comparado a Beatles, Beach Boys, Elvis, Stevie Wonder, Marvin Gaye ou Paul Simon, os grandes artífices do pop, do single, da harmonia. Phil, George, assim como Billy Joel e uma imensa constelação de cantores pop são sub-Eltons.
   Eu adoro Elton.
   PS: na internet Jack White diz que seu disco fundamental é um de Son House, um velho cara do blues. No video ele o coloca pra tocar e vemos que todo o som que Jack fez e faz é aquele. Eu devo ser um cara muuuuito pop. Apesar de adorar Son House, meu disco definidor é Rocket Man. Pra mim, o single perfeito.