Mostrando postagens com marcador mundo virtual. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador mundo virtual. Mostrar todas as postagens

EU CONTRA VOCE. EU COM VOCE.

O ser humano é muito original. É um animal gregário, que necessita estar em grupo, que só é feliz quando conectado à seus semelhantes, mas ao mesmo tempo ansia por ser único, diferente, original. A contradição existe desde pelo menos o começo do cristianismo. Na igreja sempre houve a ideia de rebanho unida aos mártires que se destacavam do grupo, ou aos homens que se isolavam no deserto ou em cavernas. Observo agora que em sociedades muito primitivas não existe a ideia de isolamento. Entre indios do Brasil não se verifica o homem que ansia por sair do grupo, e mesmo na Grécia antiga, nada era pior que o ostracismo. Ser expulso do grupo era pior que a morte. Os EUA foram criados conscientemente com a ideia dessa contradição. Sua constituição prega a união democrática e ao mesmo tempo garante a individualidade. É uma obra perfeita modernista. Pois desde o romantismo há essa luta interna explícita: fazer parte e ser único, estar sendo apoiado e ser livre. Se a conciência da morte nos faz humanos, o conflito entre eu e eles nos faz modernos. Assisti ontem um filme novo com Vin Diesel. O tipo da aventura bem feita que toca em assunto sério. O tipo de filme que mais gosto hoje, POP e pensante. No filme ele é um soldado morto. Volta à vida com tecnologia de ponta. Até aí nada demais. Mas ele não sabe que sua memória é manipulada. Implantam novas memórias nele TODO DIA. A cada novo dia ele crê ter sido casado e que sua esposa foi morta. A cada dia implantam em sua cabeça um novo assassino, para que desse modo ele mata a cada dia um alvo diferente. Tenho um amigo, sábio em tecnologia, que trabalha com INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. Para ele não há dúvida: o mundo do futuro nos dará a vida eterna e esse mundo será perfeito. Chips apagarão emoções dolorosas e a tristeza será algo tão arcaico quanto o canibalismo. Mas...e o filme toca nesse ponto, mas e se eu quiser ser triste? E se eu quiser lembrar da dor? E se eu desejar morrer? Haverá nesse mundo o ponto máximo de conflito entre o TODO e o EU. E sinto que o EU terá de se radicalizar para sobreviver. Em 2020 há muito de histeria. Meus amigos mais livres vêm nas máscaras símbolo de domínio. Os mascarados seriam as primeiras ovelhas do novo mundo. Não acho tanto. Continuo achando que há muito de acidental em tudo que acontece aqui e agora. Mas a luta está explícita: eu e nós, voces e o que é só meu. O filme se chama BLOODSHOT e o recomendo.

CARNAVAL, TEATRO E VENEZA

Ian Kelly diz que para entendermos o século XVIII devemos ter em mente que ele é definido pelo teatro, pelo carnaval e pela cidade de Veneza. Todas as relações sociais e os costumes são ditados pelo palco. As pessoas se vestem, falam e até mesmo sentem como se tudo fosse um imenso cenário. Isso explica aquelas roupas e perucas, a maquiagem ostensiva e os casos de amor tão cheios de "lances" cômicos e dramáticos, inclusive os duelos e as cartas imensas. No tempo de Shakespeare já havia grande teatro, óbvio, mas voce sabe que o teatro de então era puro texto, sem cenários e grandes construções mecânicas. No século XVIII nascem as divas, as grandes estrelas, e os gigantescos teatros. Veneza por exemplo, tinha um teatro por bairro e ingressos eram dados à população. Não se esqueça de incluir a Ópera como parte disso tudo. Vivia-se e morria-se como numa peça. O carnaval de Veneza, que então começava em outubro e ia até a páscoa, era o ponto máximo dessa teatralidade. Durante quase metade do ano, só se podia andar na rua com máscara. Veneza, a mais irreal das cidades, é o símbolo do século. Fazia-se muito amor, sexual e casto, mas sempre tendo em mente uma performance para um palco. O século seguinte é o do romance, e a vida passa a ser vivida não mais como uma festa sobre um palco, mas sim como se sua vida fosse um livro. As roupas não importam tanto, a maquiagem desaparece, o que vale é "viver", e viver significa ser uma personagem. Voce é um tipo, um caráter, uma figura. Penso que é quase lógico então que o século XX é o do cinema. Todos estamos em um filme ou em um programa de TV. Se no século XVIII era Veneza e Paris, e se depois foi Londre, agora era Nova Iorque e Los Angeles. Decoramos casas, vamos à bares e boates, onde tudo remete à algum filme. Falamos como numa série, ansiamos em ser antes Tarzan, um cowboy, agora um viajante das estrelas ou um rei do crime. Beijamos e sofremos como vimos na tela, compramos roupas de tal tipo de personagem e dirigimos nossos carros como no Texas ou no Arizona. Mas atenção! assim como o tempo do romance vai até os anos de 1920, ainda estamos no final da era da imagem de cinema ou TV. Nascidos em 2000 já estão em outra época. Qual? Em 2030 vamos saber.

PRA ONDE VAMOS?

A prova de que não há individualidade entre povos antigos, na verdade uma das provas, é que voce não verá entre eles um só menino que se recuse a passar pelas provas de iniciação. Pensando como o grupo pensa, não há sequer a sombra de um NÃO dentro de sua cabeça. E nós sabemos que a individualidade começa pelo uso do não. Assim como não haverá uma mulher que dirá não a seu esposo. Dos vários acertos de Jung, um dos mais brilhantes é o de ter percebido que a modernidade caminha não para a extroversão, mas sim para a introversão. Essa afirmação pode chocar quem pensa superficialmente, pois tendemos a achar nosso tempo interconectado muito mais voltado ao fora que ao dentro. Mas eu te provo nossa interioridade agora... Voce se considera religioso, mas não vai á igreja. Voce crê em Deus, mas no seu Deus interior. Voce não segue o dogma de fora, mas sim aquele que seu íntimo te prescreve. Voce tem uma esposa-esposo, namorada-namorado, mas seu vínculo não é ditado por algum compromisso social, mas sim enquanto o amor durar. Voce acha um absurdo em caso de guerra ter de defender seu país. Não vê onde o fato de morar aqui te obrigue a defender uma terra que nem sua é. Suas diversões se tornam cada vez mais caseiras não é? TV e não cinema. Namoro on line. Jogos on line. Seu corpo físico é apenas um detalhe do exterior, seu sexo é definido pelo seu íntimo. Lá dentro voce se sente mulher, é sua verdade, pouco importando sua carne e muito menos o que os outros pensam ou percebem. Ninguém fora tem o poder de te falar o que seja belo. A beleza vive dentro de sua vontade e de seu gosto íntimo. O mesmo vale para a moral. Voce realmente crê que querer é poder e que seu único inimigo é voce mesmo. Há um grande orgulho no fato de voce achar que dizer não é um ato de afirmação. Pra voce todo governo é ruim. Rua é pra voce um lugar por onde voce precisa passar, e não um lugar para estar. O inferno é cheio de outros. Essa frase, tão tola, de Sartre, te parece hiper correta. O homem é o mal do planeta. Ou seja, tudo que te é externo é ruim, apenas seu interior angelical vale alguma coisa. Toda a história, todas as realizações concretas do homem ativo são lixo. Se todas essas frases não te provarem para onde estamos indo, o mais dentro de dentro, sinto muito. Voce não escuta mais.

PORQUÊ DEIXEI DE SER VEGETARIANO

   Voltei a comer carne. Foram vinte anos de vegetarianismo. Falar do porque retornei ao consumo de hamburger pode explicar o que é o mundo de hoje.
   Minha decisão de parar de comer animais foi puramente piedosa. Nada de medicina. Eu amo bichos e sentia que comê-los seria uma crueldade. Tinha também a ideia de que comer animais aumentava minha animalidade. Minha alma seria mais pura não os comendo.
   Cresci comendo carne. A nostalgia do sabor delicioso da carne habitava minha memória. Resistir à esse desejo aumentava minha auto estima. É claro que eu me sentia superior a quem comia bife.
   Mas, estranho isso, eu adorava assistir programas de culinária na TV. Durante anos eu tinha prazer em ver um churrasco sendo assado e mais ainda em ver um gordo consumir um hamburger de 5 andares. Eu babava. E resistia.
  Meu primeiro incômodo foi político. Os professores que menos gosto se gabam de sua condição vegana. Eles realmente acreditam que o veganismo é o passo seguinte da evolução. Me sentia incomodado por me parecer com eles. Deles quero a maior distância possível.
  O segundo incômodo, mais sério, foi ético. Eu via um programa de TV sobre churrasco como quem assiste um vídeo pornô. E quando percebi isso me senti realmente esquisito. Eis a situação de nosso tempo: Ver e não fazer. Como quem olha fotos de viagens que jamais fará ou saliva por cenas de sexo que nunca irá se permitir, eu babava pela carne mal passada. E, pior, exatamente como um fanático religioso, me sentia superior por resistir à tentação. A carne como pecado.
  Foi a partir daí que comecei a pensar. Pensar na realidade e nos animais.
  Vivemos o tempo onde uma geração não aceita a realidade de forma absoluta. Sempre tivemos uma dificuldade em aceitar o lado sujo da vida, mas agora a não aceitação se tornou ódio. Pessoas não aceitam o fato da Terra ser redonda ou da biologia do sexo ser uma lei natural. Não se aceita a necessidade de existir uma obrigação e também não se aceita a história da humanidade. Tudo pode ser apagado e deletado. Mas a verdade é que não pode. E como demonstra a atual pandemia, por trás de todas essas não aceitações, vive a maior não aceitação de todas: Não se aceita a morte. Todo psicólogo sabe que por detrás de toda fobia existe o medo de morrer. Pois uma geração que cresceu matando virtualmente em games, não consegue encarar a morte real.
  Antes íamos à enterros todo ano. Morria um irmão, um vizinho, um tio. E desde crianças íamos aos velórios. Meu primeiro velório foi aos 45 anos. Do meu pai. Sim, eu faço parte da geração que não aceita a morte, e portanto, não aceita a vida.
  Tigres comem gazelas vivas. Cobras esmagam filhotes de zebras. Herbívoros velhos morrem devorados por hienas. Leões velhos morrem lentamente, de fome. Na natureza não se aplica o conceito de crueldade. A vida para existir tem de ser como ela é. Seu gato querido torturará um rato se puder. Irá bater nele até ele morrer. Isso durará horas.
  Vegetarianos adoram falar da crueldade humana. Pois digo que somos o único bicho que sente a morte de sua vítima. Perto da forma como um elefante morre na floresta, nossos matadouros são o paraíso.
  NÃO HÁ MORTE SEM DOR. NÃO HÁ MORTE BONITA. E NÃO HÁ VIDA SEM MORTE. É isso que se tornou tão difícil admitir.
  Veganos querem que não se coma mais carne. E fico pensando no que se fará com o bilhão de bois e porcos que existem nas fazendas do planeta. Deixar que eles vivam até morrer? Soltar na natureza? Queimar todos? Sinto dizer que todos eles vão morrer do mesmo modo, assim como uma anta morre. E a morte desses porquinhos, de doença, seca ou fome, não vai ser nada indolor.
  Então saia da frente dessa tela e coma um bife bem temperado.
  E faça sexo.
  Seu corpo é uma fábrica de prazer, até o dia em que a doença chegar e a morte fechar suas portas.
  Não compete a nós entender porque a vida é como é. Mas aceite que voce é parte dela. Seu corpo não é virtual e seus desejos não podem ser deletados. Não há reset na vida.
  Paro aqui. Meu hamburger está ao ponto e ele me chama. Toda a felicidade possível na vida está em viver de acordo com seu corpo. A alma sabe disso. E ela irá te aconchegar.

ADMIRE O MUNDO NOVO

   Convivo com pessoas bastante pobres. E com a faixa etária entre 11 e 20 anos. 80% do meu tempo é passado com essas pessoas. E devo dizer que mesmo elas, graças ao mundo fantasioso em que vivemos, acreditam poder viver sem trabalhar, sem arcar com o preço das coisas, sem sofrer as reações daquilo que é feito. Voce ficaria impressionado ao saber que para eles, o mundo digital é muito mais importante que ter onde morar ou a própria saúde. Selfies são a identidade. Todo o resto é acessório.
  Apesar de ter crescido em mundo sem net, eu hoje vivo interligado. Posto muito, discuto muito, vivo muito dentro do virtual. E sinto na pele as armadilhas, o vício, a mentira. Penso que meu conflito NÃO É o conflito dos teens. Eles não conhecem o mundo que conheci. O MUNDO QUE CONTINUA EXISTINDO. Eu vivo nos dois. Eles nem sabem que há um outro.
  Nos conflitos atuais, Black Lives, Antifas etc, tudo nasce dentro da net e é jogado como vômito no colo do mundo sólido, das ruas. Surge o conflito óbvio entre dois mundos: No mundo real, as coisas têm existência independente de seu desejo. No outro mundo, voce pode montar seu perfil e controlar seu ambiente. A raiva surge nesse choque.
  Se em 1966 já houvesse a rede mundial virtual, os hippies teriam ido ainda mais longe. A virtualidade deles existia apenas em discos, shows e revistas alternativas. E claro, na cultura das drogas. Na vitória de Nixon em 1968 e no mal estampado em Charles Manson, eles sofreram seu choque de realidade. Ao contrário daquilo que muitos pensam, mesmo no mundo de 2100 ou 2200, a realidade sempre vence. Pelo simples fato de que somos seres biológicos. A biologia é a realidade final. Morremos e apodrecemos.
  Os meninos que ateiam fogo e derrubam estátuas estão sempre postando selfies. O tempo todo on line. O objetivo não é apenas reportar. É muito mais prestar contas ao universo digital. Como se falassem: Veja! O mundo deles está sendo destruído! O real agora é meu!
  Tola brincadeira de crianças. O virus continua existindo. Seu estômago sentirá fome. E as rugas em sua face irão nascer. Derrubar a estátua de Washington não faz com que ele deixe de existir como figura emblemática. Tudo o que ele fez está feito. Voce não pode deletar Churchill da comunidade do planeta Terra. Sinto muito bb. Quando voce faz isso, é voce que se auto deleta da história.
  O medo do virus, completamente desproporcional e terrivelmente covarde, é o medo de uma geração que instalou anti virus no pc e não admite que não haja um anti virus para as ruas. Cada vez mais veremos esse tipo de comportamento, a revolta mimada contra tudo que fuja ao controle. É um império medroso. Se um disco voador posasse no centro do planeta todos correriam para buracos. E meia dúzia iria com flores e bandeiras de paz cantar Beatles para os ETs. São dois comportamentos incrivelmente tolos e infantis. Adultos ainda existem, muitos, mas eles não estão no palco da internet. Estão recolhendo os cacos das estátuas. E estudariam a nave dos ETs antes de tomar qualquer decisão.
  Tenho um amigo que é muito competente em inteligência artificial. Ele realmente crê na criação de uma mente artificial que seja idêntica a nossa mente. Eu diria a ele que na verdade o processo é contrário: nossa mente é que se tornará artificial. Simplificaremos tanto a história, a psicologia, a arte e a filosofia, que passaremos a pensar a  agir como autômatos. Máquinas bastante mimadas por sinal.
 
 

NÃO HÁ ANTI VIRUS NO MUNDO REAL

   João Pereira Coutinho escreve sobre os "jovens classe média" que derrubam estátuas. Ele faz uma bela comparação com 1984 de Orwell e com o filme de Sean Penn sobre o menino que se isola do mundo. Ele diz que há uma tentativa de se diminuir a história, diminuir o vocabulário, para assim se diminuir o pensamento. Tudo aquilo que possa trazer "problemas" é calado. Para meu espanto, descubro que até o livro de Harper Lee, To Kill a Mockinbird está sendo censurado. O filme com Gregory Peck, uma maravilha, cairá em ostracismo. É o novo mundo: limitado, purificado, homogêneo.
   Eu concordo com tudo que Coutinho fala, mas vou mais longe.
   Imagine que voce cresceu em uma realidade onde não existem fotos ruins. Toda foto voce pode retocar até transforma-la em imagem perfeita. Ou então a apagar. Imagine que nesse mundo só existe quem voce aceita, todo aquele que pensa diferente é deletado. Imagine que voce só faz parte de comunidades que pensam como voce. Onde toda a verdade é a criada pelo grupo. Imagine isso ok?
   Agora imagine que essa pessoa, um dia, vai ao mundo real. O mundo da natureza, dos instintos, do desejo não realizado. Onde imagens feias não podem ser deletadas. Onde um presidente que não é do seu grupo é eleito. Onde o passado existe, aconteceu, e é muito complexo.
  O que voce faz então?
  Tem três caminhos:
  Volta ao seu mundo virtual e se tranca no quarto.
  Procura acordar e encarar a realidade.
  Luta pela instauração do virtual dentro do real. Como? Deletando estátuas feias que não fazem parte do grupo. Apagando posts-livros que negam o grupo. Surrando pessoas que insistem em existir fora do grupo. E achando que o presidente é deles, não nosso.
   Entenda. É o mesmo tipo de pessoa que enlouqueceu ao descobrir com a Covid que a morte existe. E que não há parede ou anti virus contra ela. É aquela que acha que cortar os órgãos sexuais faz de voce uma mulher. Que ser gordo é somente estética e não questão de saúde. É a classe média hiper protegida, que hoje vive numa bolha virtual-mental e que não consegue aceitar nada que vá contra aquilo que ela deseja.
  Derruba-se o passado, pois ele não é bonito.
  Tira-se o livro da prateleira, pois ele é mal.
  Lembro de uma entrevista de emprego que tive, anos atrás, em que um menino dizia gostar muito de ler. Mas que não lia livros de homens mortos. A entrevista era para uma editora. Todos ficaram constrangidos. A entrevistadora perguntou por que. Ele respondeu que livros de gente morta falavam de coisas mortas, portanto eram irrelevantes. Todos seguraram o riso. Isso foi em 2008. Penso que hoje ninguém iria rir.
   Quando voce nega o passado, voce nega aquilo que voce é. Porque voce é fruto da árvore que brotou séculos atrás. Sem história voce é apenas uma coisa que late e abana o rabo. Sim, um cão não tem história. Seu cão é hoje aquilo que os cães foram sempre. Não há passado nos animais. Portanto negar o passado é ser menos que humano. Negar a história é desejar viver no presente eterno. No virtual.
   Como consequência temos o nada.
   Mas isso fica pra outra postagem.

ASSUNTOS VARIADOS EM TEMPO DE PESTES

   Se voce mantiver a sanidade em tempos como estes, parabéns. Ou talvez não. Sua sanidade será prova de que voce tem algum tipo de autismo. Tudo que posso falar é de mim mesmo, e não tem sido fácil ser eu mesmo. O instinto de manada ressurge forte em crises assim. A questão é: Como manter sua individualidade sem se tornar um egoísta irresponsável?
   Escrevo para dois ou três amigos. Eles me conhecem. Sabem que meu eu inteiro reside neste blog. No facebook sou apenas a fatia que faz propaganda. No instagram exercito relações públicas.
   Diálogo não há. Quem é, será mesmo contra toda evidência. Na verdade as pessoas pouco ligam pra verdade. O povo foi tomado pelo orgulho de estar certo. E esse certo será mantido. Mesmo que errado. Sempre soube que o Face faz o ego inflacionar. Voce se sente numa tribuna todo o tempo. Mas eu jamais pensei que seria tanto assim. Quanto ao instagram, ele é apenas um desfile de gente bacana. A questão lá não é estar certo. É se vender bem.
   Mudando de assunto. Duro escrever sobre Henri Bergson. Ele meio que me estuprou mentalmente. Só hoje percebo que ele nega tudo que acredito. Bergson diz que o tempo é tudo que existe. É a própria realidade. Eu tendo a ver o tempo como uma invenção arbitrária. Na verdade ele é apenas um meio cômodo de medir a vida. Bergson crê na mudança eterna de tudo. Nada é o que foi. E nem será. Eu tendo a crer que nada muda. Que tudo é sempre aquilo que foi de fato. Voce é agora o que foi aos 10 anos. E será aos 90 o que é hoje.  As aparências mudam e o mundo pode te fazer mudar hábitos. Mas voce permanece. No pensamento de Bergson me sinto hiper desconfortável. Minha intuição diz que não é assim. O universo está em expansão, a história anda, mas em sua base tudo é o que sempre foi. Nascemos e morremos. Queremos e perdemos. Comemos e sonhamos. Penso inclusive que meu pensamento é mais moderno. KKKKKKKKKK Que contradição minha né? Eu falando como se ser moderno fosse um mérito! Mas pensar que o tempo é apenas uma convenção está mais de acordo com 2020.
   Reassisti dois filmes com Audrey Hepburn. Charada e Como Roubar Um Milhão de Dólares. O primeiro é um pequeno clássico. Ele é considerado um dos melhores filmes de Hitchcock não feito por Hitch. Foi um big sucesso de bilheteria. É de 1963. O que tenho a dizer? Que ainda fico impressionado com a elegância das pessoas nos anos imediatamente anteriores á explosão hippie. Que é um prazer ver Cary Grant em mais um dos seus sucessos ( ele é o único ator entre todos que jamais teve um fracasso de bilheteria ). Apesar que leio que Cary estava bastante desconfortável no papel. Ele não queria mais fazer par romântico com ninguém. Se sentia velho ( tinha na época 58 ).  Mais um ano ele se aposentaria.  O diretor do filme é Stanley Donen. Quem? Claro que voce não conhece, ele nunca foi um intelectual. Tinha "apenas" bom gosto. Fez filmes entre 1948- 1984. Viveu até este milênio e em 95 ganhou um Oscar especial. Foi linda a entrega, ele dançou pelo palco com a estátua. Dirigiu Cantando na Chuva. Sete Noivas Para Sete Irmãos. E mais uns 10 filmes que se vê hoje com imenso prazer. Charada é uma diversão que respeita sua idade. É adulto. É bobo e é fútil. E também esperto e chique. 1963 era um tempo em que adultos ainda iam ao cinema. E por isso se faziam filmes para eles.  Creia, havia filmes no topo da bilheteria que não eram endereçados aos teenagers. Como Roubar Um Milhão foi feito 3 anos depois e tem Peter O'Toole como par de Audrey. O diretor é William Wyler. Quem? Wyler, o veterano que venceu 3 Oscars. Dá um google. Ele tem mais de 20 grandes grandes grandes filmes. Este não é um deles. Eu adoro porque adoro a dupla central. Mas faltou roteiro. E o sucesso de bilheteria foi bem mediano. De qualquer modo a gente fica lá, sentados vendo aqueles lugares lindos com aquelas pessoas glamorosas.
  Mais um assunto? RocknRoll, disco de 1975 de John Lennon. É o único dele que ainda ouço. Covers de rocks dos anos 50. Phil Spector produziu mais da metade das faixas. Bom modo de voce conhecer Spector. Em 1975 ele já estava louco. Mas tá lá o estilo dele. Conto...em 1962 não tinha essa coisa de produtor como a gente conheceu mais tarde. Em 1972 por exemplo, a gente percebe quando um LP é produzido por Bob Ezrin. Ou por Jimmy Miller. O som é outro. A escolha dos instrumentos. A mixagem. Em 1962 Spector criou isso sozinho. Ele era a estrela dos discos que produzia. Sacou primeiro que a mesa de mixagem era talvez o instrumento mais importante de um disco. E começou a criar. Aumentar o baixo aqui. Enfiar cinco guitarras ali. Uma orquestra de sopros no refrão. Esconder esse piano. Maga egocêntrico, ele enchia tudo de som. É o homem que odeia o silêncio. No disco RocknRoll preste atenção em 3 faixas: You Can't Catch Me é uma massa de som que te engole. São cinco guitarras. Três bateras. Três teclados. E mais um monte de sopros e percussão. 25 instrumentos. Todos tocando como se fossem um só. É aquilo que ficou famoso como Wall of Sound. Uma parede que esmaga o cantor e marcha direto aos eu ouvido. Ouça também Bonny Moronie. Tem gente solando a música inteira. Mas tá lá no meio da confusão ordenada. Tem gente fazendo backing vocals. Mas sumiu. Ouça Peggy Sue. Vale muito à pena. E preste atenção. PS: Bom aparelho é obrigatório.

AS DUAS GRETAS

   Vivemos o tempo do faz de conta. Cada um acredita naquilo que seu coraçãozinho puro quer aceitar como verdade. A ciência virou um filme em 3D e a filosofia um tipo de eco daquilo que voce já sabe e adora reouvir.
  Espertalhões usam isso pra se promover. Eles revivem algo feito já montes de vezes e vendem como novo, ideia original. Ou pior ainda, um tipo de "resistência contra a mediocridade". Falo das duas Gretas. Aquela do rock e aquela da ONU.
  A do rock tem milhares de seguidores fanáticos, incapazes de perceber que ela é apenas um karaokê não assumido. A banda dá aos seus seguidores aquilo que eles sempre quiseram: a repetição ao infinito de um discurso vazio. Tudo que eles fazem é obedecer. Obedecem fãs, empresários e alguns divulgadores. Cumprem um acordo. Mais do eterno mesmo. Fake.
  A menina autista nascida em país rico e filha de pais bem de vida é caso bem mais doentio. Europeus ricos amam parecer conscientes. Faz parte de sua formação vir ao Brasil ou à Africa defender pobres ou baleias. Pra eles é tudo a mesma coisa. Ficam dois anos e depois voltam para Estocolmo, viver um estilo de vida imutável. Ricos e loiros, puros como bebês em berçário social, se livram assim de sua culpa e podem passar os próximos 60 anos felizes. Eles podem pensar: Fiz minha parte.
  Greta diz que perdeu seus sonhos. Protegida pelo mais sofisticado capitalismo, vivendo num país que dizimou florestas e lobos, ela, comendo e morando nas benesses desse sistema, se torna a porta voz dos bem nutridos e dos seres de consciência pesada. Usada por seus pais e pela ONU, ela repete ao infinito as bobagens simplórias que John Lennon ou Taiguara falavam em....1970. Lennon ao menos compunha boas melodias.
  Há um bando de Yokos por detrás da pobre Greta. A pobre menina raivosa alimentada por salmão e arenque.
  Na minha escola tenho 550 alunos que não tiveram seus sonhos roubados.
  Eles não tiveram sonhos, então nada foi roubado.

VOCÊ É LIVRE. INFELIZMENTE.

   Leio a tal apostila que fala de gênero sexual para crianças. O texto é inofensivo e não faz mal algum. Uma criança que leia aquelas linhas mal entenderá do que trata. Como tem ocorrido tanto, muito barulho por nada.
  Mas há um problema adulto nesse fato. Lendo o texto, percebo que se faz uma força imensa para se negar o óbvio. Sofismo, dos mais baratos, para afirmar que sexo é ficção, construção social, escolha de cada um. Bem, isso não seria problema se não escondesse um problema maior, a infantilização dos adultos.
   Vivemos um tempo de supermercado. Tudo está a sua disposição, para seu conforto, e desde que voce possa pagar, tudo que se oferece é seu. Desse modo, vivemos a ilusão de que querer é poder. Uma fé muito de criança e nada adulta.
   Voltando ao texto. É claro, que é muito saudável, voce escolher se quer fazer amor com homens ou mulheres. Mas negar o fato de voce ser um homem que se sente mulher é um absurdo. Para que serve negar a biologia básica e real? A verdade e que é macho quem produz espermatozoides, é fêmea quem produz óvulos. Qual o pecado em se dizer: Sou uma mulher que tem personalidade de homem. Por que a necessidade de dizer que personalidade não é biologia, não é corpo, química, matéria? Se dá a prioridade à alma e se nega o corpo. Isso é perverso! Pior, é infantil. Basta querer ser mulher e pimba! Voce é mulher!
   Vivemos esse tempo: Achamos que amamos a ciência, mas o que amamos são seus frutos, não suas verdades. Se queremos crer em terra plana, vida de ETs ou na alma angelical de meu cão, não há problema, a ciência "prova" isso. Na verdade não prova e não é ciência. É desejo infantil.
   Por crescermos com pais que nos "amam" mas pouco nos educam, temos a fé de que o mundo é o que pensamos dele. Se a gente desejar com fé, tudo acontece. Mais, a verdade é relativa, ela inexiste de fato. Nada mais confortável que acreditar que a verdade não pode ser apreendida. Isso nos livra da necessidade de esforço para a alcançar. Basta pensar no que eu acho que desejo: eis a verdade automática.
   Se o gênero sexual é apenas uma construção mental, então posso modificar em 100% sua verdade. Basta pensar diferente e serei diferente. Eureka!!!! Mas há a maldita ciência biológica....
   Isso me leva a falar da liberdade. De todas as ilusões infantis, talvez a mais nociva seja crer na liberdade. Queremos crer que somos livres para fazer e ser o que nossa mente quiser. Podemos viajar, abortar, transar, se matar, falar, olhar, comer, se drogar, mudar o corpo, mutilar, tudo tudo tudo....mas existe a maldita biologia....e ela estraga essa tola liberdade...
   A biologia nos obriga a morrer. A ter fome mesmo não desejando comer. A ir ao banheiro mesmo em meio a uma viagem. A se coçar num jantar chique. A biologia nos fala que não somos livres. Somos limitados por nosso corpo.
  Então como crianças mimadas nós gritamos: o sexo é questão de escolha, obeso é feliz, o feio é relativo, se voce quiser que seja, a morte será uma good trip, posso reprogramar meu DNA, o câncer é emocional. Tudo remetendo para fora do corpo, tudo tentando em desespero nos dar a ilusão da liberdade de escolha. Em extremo eu escolho minha morte: morro onde e quando eu quiser.
  Nesse mundo tolo, não há possibilidade de felicidade mínima. Isso porque ser feliz é estar confortável dentro de algo. Se voce vive fora de família, regras, leis e até de seu corpo, tudo que voce saboreia é vazio. Voce está dentro de seu corpo, mas não crê nele. A felicidade é aceitar. E voce nada aceita, apenas quer.
  Eu comecei o texto com a intenção de dizer que em um mundo onde todos são artistas, obviamente a ciência é uma intrusa. Mas falo disso outro dia.
  Só para terminar, devo dizer que a religião também caiu nessa. É hoje um supermercado de pedidos a curto prazo. Ter fé é poder. E voce, tendo fé, pode fazer o que quiser. Liberdade pura não é?

LIBERDADE PRA QUÊ?

   Leio a tal apostila que fala para as crianças sobre opção sexual. Como já esperava, ela é tola e inofensiva. Muito barulho por nada. O que discuto aqui é porque se escreve um texto tão burro.
   Vivemos um tempo infantil. Como crianças, cremos que querer é poder. É provável que isso aconteça não só por termos pais que nos amam e não nos educam, mas também porque viver se tornou relativamente fácil. Podemos passar anos e anos sem quase morrer e sem ver alguém morto. Antes os enterros e toda sua crua realidade eram parte da rotina do dia a dia.
   Continuando...A biologia nos diz, com imensa simplicidade, que produzir espermatozoides faz de mim um homem. E produzir óvulos faz de voce uma mulher. Só isso. Uma verdade sólida, real e comprovada. Isso não impede que voce queira ser trans. Isso não impede que voce queria amar gente de seu sexo. Isso não impede nem mesmo que voce seja assexuado em gostos e comportamento. Mas veja, gosto e comportamento, não realidade biológica.
   Mas vejamos, qual o problema em se falar: Sou um homem que se sente mulher. Sou um homem-mulher. Qual a necessidade do sofismo barato do texto da tal apostila, que faz um malabarismo vazio e tolo para afirmar ao final que a biologia é questão de querer? De escolha. De desejar ser. Ora, isso não é ciência, é brincadeira, jogo de crianças. Hoje quero ser o Homem Aranha, então sou o Homem Aranha. Sinto muito pequeno Paulinho, voce é uma criança que faz de conta ser o Homem Aranha.
   Nessa equação é lógico que entra o produto mais valorizado do supermercado mundial: a liberdade. Temos a fé, e ter fé é o que "conta", que somos livres. Podemos abortar. Nos drogar. Ir e vir. Falar o que quiser. E no extremo somos livres até para escolher nossa morte. Dentro desse mundo, eu escolho meu sexo. Se me sinto mulher, eu escolho ser mulher. Pouco importando se produzo espermatozoides. Isso é "apenas" um detalhe. Mas....surge a biologia...e com ela nosso corpo real. E por mais livres que nossa fé diga que somos, ainda assim nosso corpo nos obriga a comer mesmo quando não queremos, a defecar mesmo em meio a uma viagem, a envelhecer, mesmo com gastos altos em estética, a menstruar, a ejacular, a sentir dor, a ter dentes podres, a perder cabelo, a morrer. Nosso corpo nos grita todo o tempo que afinal não somos livres. Estamos presos a tempo e a necessidades.
   Daí nosso ódio à biologia e a tentativa de transformar tudo em escolhas. A transformar o real no irreal e a fé em verdade. Gordo é escolha, morrer é uma viagem ao mundo melhor, envelhecer é pra quem não sabe se manter jovem, e sexo é escolha. Somos um povo que ama os produtos da ciência, mas que a odeia enquanto fato real.
   Nesse tipo de mundo a verdade se torna sempre relativa. A verdade depende de seu gosto. A verdade não pode ser aceita pois ela nos prende à....verdade verdadeira e final. Ela nega a liberdade de crer no que se quiser crer.
   Nesse tipo de mundo, o mundo é plano ou é uma explosão, tanto faz, se voce tiver fé será válido. E a igreja, reino da fé, se torna um tipo de poço dos desejos. Tudo será concedido se voce crer, e nada lhe será exigido se voce assim o desejar.
   Felicidade nesse mundo infantil é impossível. Pois ser feliz é aceitar de forma profunda a imperfeição da vida e do mundo, sentir-se dentro da realidade e compartilhar essa verdade. No mundo do desejo mágico é cada um na sua, criando sem parar uma realidade individual feita de fé e de relatividade. Cada um na sua.
   Eu comecei o texto querendo falar de que em mundo onde tudo é arte e todos são artistas, a ciência se torna um tipo de primo mal vindo. Um estraga prazeres. Mas meu desejo me trouxe até este texto. Sim, sou livre para escrever aqui. E o que escrevo não é ciência, pois cientista não sou. Mas não penso magicamente que escrevo filosofia, ou arte, ou que ajudo alguém. Escrevo o que posso para ser lido por quase ninguém. É só isso.
  Todo o resto é magia.

O FIM DO TRABALHO

   Leio uma matéria americana que diz : No futuro próximo, a maioria da população nascerá já sabendo que jamais irá trabalhar. Legal né? Não, não é. Ele explica que essa vasta quantidade de pessoas não trabalhará pelo fato de serem inúteis, e não por algum privilégio financeiro.
   O trabalho está se tornando hiper sofisticado, e a maior parte das pessoas simplesmente não terá a capacidade de ser util. A grande questão do futuro será o que fazer com esse povo. Como fazer com que eles vivam razoavelmente felizes SEM NADA PARA FAZER.
  O autor aposta na virtualidade. Talvez essas pessoas consigam gastar suas vidas em algum tipo de jogo interativo. O governo terá de lhes dar o básico, casa e comida, e elas viverão entretidas em sua vidinha virtual. Jogando e fazendo contatos. Uma vida assim precisará do mínimo de dinheiro.
  Digo que de forma perversa, o Brasil já é assim. A maior parte da população não tem a menor utilidade e vive de trabalhos informais, pouco relevantes, e não morrendo de tédio graças ao celular. O autor americano fala em 90% da população mundial. 90% nascendo sem nenhuma possibilidade de fazer parte do mundo do trabalho. Aqui não estamos longe disso.
  Ou voce acha que entregador de pizza e lava rápido é trabalho relevante?
  Estudei Letras e conheço bem uma carreira que já é irrelevante. O tipo da carreira virtual onde se finge viver e fazer alguma diferença. Jornalismo vai no mesmo caminho. Profissões extintas, ou pior, brincadeiras de faz de conta vivendo das glórias de um tempo cada vez mais distante.
  É por aí.

ELEIÇÃO

   Estudando na USP, um dos centros da esquerda mais retrógada do país ( lá ainda se fala em proletariado e campesinato ), me tornei um conservador sem qualquer problema de consciência. O mesmo ocorreu no país em tantos anos de ataque aos valores comuns. São ataques diários à igreja, à masculinidade, à família tradicional, ao passado. Ao ser atacado voce tem a possibilidade de duas reações: baixar a cabeça e se culpar, ou erguer a cabeça e reafirmar aquilo que voce é. A esquerda deslumbrada não entendeu e não quer entender isso. Bater no conservadorismo não faz com que ele desapareça. Ao contrário, ele se torna furioso. E deixa assim de ser conservador. Vira proto-fascismo.
   Não falarei sobre o partido dos mentirosos e dos ladrões. Não há o que dizer sobre um partido que nos obriga a escutar a voz de um bêbado presidiário mendigando votos na TV. Falarei sobre o fenômeno de um homem tosco, que contra toda a elite "inteligente" fez de um partido de garagem um partido poderoso. Ele lembra o fascismo por ter o domínio sobre a massa de seguidores frustrados e rancorosos. Isso é perigoso. Mas ele não é um fascista de verdade. Aliás nestes tempos de hiper vigilância e hiper conectividade não há como o fascismo se implantar em um país razoavelmente civilizado. Lula tentou um fascismo de esquerda e se deu muito mal. A vigilância o pegou. Bolsonaro nunca conseguiria. E sei que ele sabe. Lula é muito mais esperto que o simplório ex soldado.
  Se vencer, Bolsonaro tentará fazer um governo moralista e liberal. Moralista em comportamento, liberal no mercado. Para negociar com os países capitalistas de ponta, e esse é seu sonho, terá de se apresentar como moderninho e confiável. Ele sabe disso. Não há escolha.
  Provável que a turma mais hardcore que o elege se sinta traída. O mesmo ocorreu com o PT hardcore. Fundarão um partido à direita de Bolsonaro. Um PSOL de camisas pretas. O que acho interessante em Bolsonaro é que ele fala muita bobagem mas nunca parece mentir. Teria ainda mais votos se mantivesse a boca fechada. Ou aprendesse com Lula a falar o que o público da vez deseja escutar. E isso entendo bem porque sou assim também, desbocado e tosco. O diabinho me faz falar tudo que vem à mente. E quando vejo o estrago foi feito. Um político conseguir milhões de votos falando por impulso é admirável. Não posso e não vou negar.
  Você que me lê deve estar estranhando algo aqui. Parece que só elogio o Coiso. Não. Apenas o olho como o que ele é: humano. Seu governo tem tudo para ser um kaos. Mas o do PT também o será. Com o adendo de ter empáfia e revanchismo. Os petistas babam por vingança.
  Bolsonaro tem muito de Jânio Quadros. E se for eleito será vigiado por uma esquerda louca por sangue. Se seu governo naufragar, Boulos aguarda sua vez. A guinada será à esquerda mais utópica e irresponsável. Espero que seus assessores saibam disso.
  O povo, esse desconhecido, cansou de "folias artísticas", declarações modernetes e roubos à granel. O povo é moralista. Em qualquer canto do planeta ele é. O PT acreditou em certo momento que o Brasil era o baixo Leblon. Que bastava um discurso libertário para ter seus erros perdoados. Não é assim. Para o povo comum, o discurso libertário acrescentou cinismo à história. Perderam o respeito. Não notaram que formadores de opinião só formam opinião de formadores de opinião. Círculo fechado.
  O Mané garçon não quer saber de liberação de drogas, casamento gay ou direito animal. Ele quer respeito à sua igreja, á sua filha e ao seu pai. Bolsonaro sabe disso. Lula sabia e esqueceu. E isso faz uma enorme diferença.

A FÍSICA OU A ARTE?

   Estou lendo mais uma biografia de Einstein. A que li alguns poucos meses atrás é boa, mas curta demais. Esta, a de Walter Isaacson, é longa e bem mais completa. Mas não é desse livro que desejo falar agora. O que passo a dizer, é que existe uma correspondência entre aquilo que a ciência revela e o "espírito" que rege o momento histórico e criativo do mundo humano. É como se as descobertas revolucionárias da ciência acontecessem apenas no momento em que nossa mente, ou melhor, a mentalidade geral da história, já estivesse apta a aceitar tamanha revelação. Digo isso porque tenho a certeza de que uma teoria como a de Einstein só poderia ser entendida e aceita no momento em que foi revelada. O mundo ao redor dele, o mundo da Europa e da América de 1905 ao menos, já estava pronto para entender e aceitar a hipótese. Posso dizer então que não é a arte que anuncia o tempo que virá. Nem a filosofia especulativa. Uma nova etapa na vida do homem sobre a Terra é anunciada por uma nova descoberta científica. Quero além disso enfatizar que não é a ciência nova que dá nascimento à uma nova época. A ciência dá um salto "ao mesmo tempo" que a mente universal.
  Einstein, entre 1905 e 1916, afirma e prova matematicamente, que não existe em todo o Cosmos nada que esteja em repouso. Mais radical que isso, afirma que o tempo só existe como parte do espaço. E que a matéria cria e é criada por tempo e espaço. Ele nos joga em um universo onde deixa de haver um ponto de referência, onde o antes e o depois passam a ser meras convenções, e a matéria se torna energia pura e imensa. Eis aí o mundo dos últimos 100 anos. Sem um centro, sem uma certeza, sem autoridade, sem antes e depois, onde tudo se conecta mas nada é central. Mais que o pensamento bobo do "tudo é relativo"- crença central do século- o que marca o século é a interconectividade de tudo, a ligação onde tudo é parte do todo e o todo é parte de um todo-outro e ao mesmo tempo se reduz ao ínfimo. O acaso fica de tocaia e toma vez no fim do século XX: os novos tempos são da física sem causa e consequência, o caos e o acaso como lei. Agora, após Einstein, o tudo é relativo será trocado pelo "sei lá porque".
  O romance de Proust, Joyce, Borges, Nabokov, Calvino, só pode existir após Einstein. Vários pontos de vista, ações concatenadas, tempo que não é rei, centro que se apaga. Autores como Tolstoi ou Henry James ainda são do mundo de Newton, tempo e gravidade comandam o ambiente, cada ação tem uma reação, um ato tem consequência previsível. Pois Isaac Newton, por volta de 1680, funda dois séculos de mecânica, de ordem racionalizada, de crença na história. ( Assim como antes Galileu e Kepler fundam a mentalidade sem Deus ). No mundo Newtoniano, aquele que ainda nos seduz, tudo pode ser previsto, basta que se conheça um lugar e uma ação para se prever uma reação. O tempo manda em tudo, faz nascer e faz morrer e as distâncias se medem em metros. É o ambiente perfeito para o romance, a sinfonia e a pintura.
  Einstein destrói tudo isso. O mais suave dos homens demole um universo. Tempo não existe, matéria é energia e distancias são relativas. Estar parado é impossível. Tudo se move, tudo se distancia, tudo se esvai...Esse o tema de toda obra de arte destes 100 anos. Estamos juntos nesta névoa. Caindo ou subindo, tanto faz, não há como saber; bem ou mal, em relação a que? Indo para a frente, mas como dizer "a frente" se não existe atrás? Usando apenas a razão, a lógica e, claro, bastante imaginação ancorada em números, ele descobre o mais fantástico dos mundos. este.

O DOCE FIDALGO, ESSE SER TÃO ESQUECIDO...

   Em tempos de Neymar, nada melhor que lembrar da figura do fidalgo. Tipo de homem que na Itália recebeu o nome de "cortesano" e na Inglaterra de "noble man". Esse termo começou a se popularizar por volta de 1520, e popularizar é modo de falar: a literatura cortesã é a mais aristocrática de todas. Se voce quer ler aquilo que um verdadeiro aristocrata leria, o século XVI é seu século.
  Antes, em plena idade média, a literatura e as artes variavam entre o popular ( aquilo que nasce das tradições das ruas, das festas ) e a igreja. O povo era religioso, mas a igreja, dentro de suas catedrais e seus mosteiros, não. Daí viria o nascimento das universidades, todas religiosas, e depois das nações, todas começando em um centro universitário. ( ´Portugal não. Nasce antes de todas as outras nações. Portugal, a mais antiga nação europeia, começa no século XII. A consciência de ser francês ou ser inglês só nasce cem anos mais tarde ). Voltemos então ao fidalgo...
  Quando a imprensa é inventada, a Europa é inundada por Bíblias. E por livros de cavalaria. No centro de tudo isso, dessa revolução mental e espiritual, nasce a figura do fidalgo, do cortesão. Uma literatura voltada para o aristocrata. Uma literatura contrária ao comerciante, ao padre e ao artesão.
  Já naquela época, principalmente na Itália, pessoas mais atentas percebiam que o mundo era do dinheiro, e que o dinheiro era do banqueiro, do comerciante e do navegador. A igreja precisava se aliar ao dinheiro e os reis eram financiados pelo capital. A nobreza, antes símbolo do poder e donos do destino, foram jogados de lado. Se transformaram em testa de ferro da burguesia ou em adereços de desfiles cívicos. Nasce então a literatura que sonha em manter a aristocracia viva. Que já percebe o começo do fim de uma época.
  Pense bem. Se o mundo de Deus é dos padres e o mundo da matéria é dos burgueses, o que resta ao aristocrata? A história. O passado. O mundo dos sentimentos puros. O mundo platônico. Mas, como viver e agir dentro desse mundo imaterial? Sendo um homem imaterial. Viver dentro do universo dos símbolos.
  Garcilaso de La Vega é um aristocrata exemplar na mais aristocrática das nações, a Espanha de 1550. Nobre, rico, mas sabendo que a fartura minguava, De La Vega é poeta, é soldado, é amante, é viajante, e morre jovem, aos 32, no campo de batalha. Como ele, muitos nobres de Portugal, França, Itália, têm esse mesmo ideal de vida. Viver pelo e para o Amor.
  Em Garcilaso só se fala do amor. Em todo lugar, em todo canto, em toda mulher, é o Amor quem surge. O universo existe pelo Amor e por ele se morre. A obra e a vida de um fidalgo é refinada, filtrada, pelo Amor. Um fidalgo existe como ser que ama, todo o tempo. Ele acorda e se prepara para o Amor. Ele se exercita para a luta em defesa do Amor. Suspira por Amor e morre em nome dele. Todas as regras de vestuário, de etiqueta à mesa, de conversação, são criadas para ser um amante vinte e quatro horas por dia. O fidalgo se comporta entre homens, seja numa caçada, seja numa guerra, como se na presença da Amada, sempre. Esse o nascimento do homem nobre, tão ridicularizado a partir do iluminismo. E tão grotescamente exagerado na França de Luis XV e XVI. Como tudo que é humano, portanto imperfeito, o fidalgo com o passar das eras foi sendo facilitado. Tudo o que era mais difícil foi esquecido e o menos penoso, ressaltado. O nobre se torna apenas uma máscara. O espírito da coisa desaparece.
  Mas em 1550 está vivo. E ainda se deve não só ser elegante, mas também lutar, defender, arriscar, se sacrificar. E saber conversar, fazer rir e escrever sobre o Amor.
  De certo modo a fidalguia destruiu Espanha e Portugal. A casta dirigente se encantou e se platonizou. Nada de mundo real, apenas cartas de amor e batalhas perdidas.
  PS: Todo adolescente é aristocrata em algum momento da vida. Nem que seja só por seis meses. Os mais infelizes carregam isso para toda a vida. Mas é uma aristocracia sem elegância, claro, e sem batalhas para vencer ou perder. Uma aristocracia hiper platonizada.
  PS2: Nobres davam regras sobre etiqueta e gosto para a burguesia que os invejava. No mundo virtual, todos nos comportamos como nobres. Não admitimos que nos ensinem, queremos ditar. Sabemos tudo e ansiamos por uma corte de seguidores. Cada post é um ato de sedução. Mas NUNCA EM NOME DO AMOR. EM NOME APENAS DO ORGULHO.
  Pense nisso.

O JARDIM SECRETO - FRANCES HODGSON BURNETT. nascendo a new age.

   Só um idiota não leva a literatura infantil a sério. Nascemos crianças e as marcas que essa literatura deixa numa criança é para sempre. Quando lidos em minha idade, quando visitados por um adulto, esses livros mostram aquilo que eles são, os melhores, claro: fonte de símbolos e arquétipos, imagens que revelam o que respira na nossa alma.
  Frances Hodgson Burnett foi uma escritora muito famosa na virada do século XIX para o XX. Nasceu na Inglaterra, empobreceu quando criança e passou a viver de sua escrita desde os 17 anos ( !!!!! ). O Jardim Secreto, hoje um dos mais famosos livros infantis, foi lançado em 1911. A princípio não foi um de seus maiores sucessos, mas a partir da contracultura se tornou um tipo de livro fundador da new age. Na história da menina infeliz e chata que se transforma no contato com a natureza, vive a crença de "volta ao jardim", plantar e colher e assim fazer o mesmo por sua alma. Burnett era estudiosa da cientologia, da teosofia e de rituais "do bem". A mensagem do livro é a de que ao se abrir a mente para as flores e os bichos, sua vida se abre para ela-mesma. Mais ainda, há a crença no pensamento positivo e na força da vontade.
  Mary vive na India e é enviada ao Yorkshire para viver com um tio. Mergulhado em luto, esse tio nunca está presente. Mary, feia e fraca, mimada e arrogante, se humaniza ao conhecer gente do lugar e principalmente ao cuidar de um jardim. No processo ela salva o primo doentio, Colin, e o próprio tio. Burnett escreve simples, escreve como quem fala. É uma linguagem deliciosamente despretensiosa.
  O livro tem sido atacado na última década. É tachado de colonialista e misógino. Não vi o menor sinal disso. Mary é a heroína e o colonialismo é várias vezes tachado de injusto. Me parece que esses bobocas do PC exigem panfletismo em tudo. Aff.
  Bela edição da Penguin com introdução e pós escrito.
  Junto a "O vento nos salgueiros" e "Peter Pan", é dos melhores livros "para crianças".

A TERRÍVEL INTIMIDADE DE MAXWELL SIM, UM LIVRO DELICIOSO DE JONATHAN COE.

   Adeus Maxwell Sim, sentirei muito sua falta. Este é daqueles livros que te fazem ter pena de terminar de ler. Estar em companhia de Sim é uma delícia. Apesar de ele ser um covarde. Um bobalhão. Uma besta.
  Escrito em 2010, ele acompanha dois meses na vida deste recém divorciado, pai de uma menina, filho de um pai distante e frio que mora na Austrália, de uma mãe morta na juventude. Ele viaja pela Inglaterra não por prazer, antes por desespero. Sua missão é vender escovas de dente ecológicas, mas nem isso ele conseguirá fazer. Sim, o livro é cômico, mas a comédia vem do desespero.
  Existem personagens que nos assombram por serem sobre humanos. Sem perder sua verdade, sua proximidade, eles nos mostram aquilo que poderíamos ser se fossemos maiores. Como Heathcliff ou Fausto. E existem aqueles que nos tocam por serem como nós. Personagens como O Coelho de Updike ou este Maxwell Sim. Ele é totalmente diferente de mim, mas é como eu. Ele odeia poesia, não gosta de falar, não ama bichos, pouco liga pra música, e é um chato cinzento. Mas mesmo assim, ele é como eu. E tenho certeza que é como você.
  Jonathan Coe escreve uma quase obra prima. E me recorda que a esquerda, ele é "de esquerda", nascido em 1961, foi um dia o partido daqueles que odiavam o progresso, a tecnologia, a mudança dos tempos. Nisso eles se pareciam muito comigo. Os métodos de ação e de pensamento é que eram diferentes dos que acredito. Não, não divago, este romance critica o facebook e as cidades feitas para o consumo. Ele abomina os apartamentos de 30 metros quadrados. Odeia o trabalho feito para gerar coisas virtuais e não a boa e velha "mercadoria". É um livro ácido de um autor ácido, mas à inglesa, ou seja, escrito com aparente modéstia, calma e humor. Voce precisa o ler!

TELEVISÃO E SMART PHONE, UMA DEFESA DO VÍCIO.

   Nasci a tempo de conhecer o mundo sem TV. Melhor dizendo, claro que em 1969 já havia TV, eu vi Neil Armstrong descer na Lua ao vivo. Lembro disso. Mas eu vi ainda o mundo em que ter uma TV em casa era sinal de burrice e de falta de classe. Gente rica não tinha TV. No máximo botava uma no quarto da empregada. As pessoas jantavam tarde e antes do jantar bebiam, fumavam e conversavam. Comiam e depois se dividiam, umas iam ler revistas, outras ouviam música e algumas faziam tricot. As crianças brincavam no tapete. Era isso. Com a TV continuou a se beber, fumar e falar. E a brincar no chão. Mas as revistas e a música foi deixada de lado. O som ambiente deixou de ser o disco do Ray Conniff e passou a ser o zumbido do JN.
  Minha geração é a primeira a ter saudade da TV como ela era. Anos Incríveis mostra isso muito bem. Criamos uma mitologia afetiva ao redor de lixo como Ultraman ou Speed Racer. A TV para nós era a janela para a imaginação. Ela era colorida, barulhenta, alegre, livre, era tudo aquilo que nossa casa não era. Mas, que praga, psicólogos e sociólogos diziam que a TV deixaria minha geração cretina. Que nós não conseguiríamos ler, prestar atenção, pensar. Pois é...
  Com o Smart Phone acontece o mesmo hoje. E agora que me viciei em um, posso dizer que olhando de dentro é tudo papo pra boi dormir. Porque vejo a coisa de dentro e não de fora. Não me ponho na sala com um cigarro lendo o NYT. Estou de frente pra tela todo o dia. E que Deus salve a tecnologia digital.
  Olho a triste e entediante verdade que me cerca e entro em outra verdade. Vivo ao lado de amigos que continuam conversas que nunca terminam. E para uma pessoa, que como eu, ama a narrativa, isso é apaixonante. Explico pra vocês: Conheço M. Ela me conta hoje que brigou com A. Depois de duas horas me manda fotos da sua cara de briga. A noite ela me diz que fez amor com A. Mas que continua com raiva. E agora ela me manda fotos de uma loja onde procura uma saia nova. Quer minha ajuda para escolher. Digo mais, amanhã ela me dirá onde está, o que está comendo e se o namoro sobreviveu. Esse é um tipo de compartilhamento de solidões que só existiu no tempo das tribos. E isso nos afasta do aqui e agora? Claro que não. É apenas mais um aqui e agora. Que compartilha o ali e depois.
  Assim como M, tenho contato constante com V, R e Z. E sinto que estamos todos juntos, todo o dia, inclusive nas madrugadas de insônia. Ando pela cidade com elas, durmo com elas e acordo com elas. E quando me canso, desligo o botão. Mas o que assumo aqui é que gosto disso. E acho que devíamos levar isso mais a sério, como um bem que nos livra das paredes frias da sala onde a TV ficou velha.
  Há uma foto "inteligentinha" na NET que mostra um bando de crianças ao lado de um quadro de Rembrandt. Elas olham seus phones e ignoram a pintura. Sinto dizer que antes da internet elas estariam olhando as paredes, as caras umas das outras, o chão, e nunca a pintura. Eu não amo pinturas por causa dos museus. Amo por causa de programas de arte que vi na TV. Irônico né...
  Só mais uma coisa: O smart phone me salvou de conversas com gente chata. Elas acham que abro a tela por ser apenas um viciado. Não sabem que a abro para me salvar delas. Para pessoas tão legais quanto M, V ou R, estou sempre aberto, no phone e na sala de casa.

CRÍTICA DE ROCK, ESSA COISA SEM SENTIDO.

   Crítica de rock não faz sentido. Opinião de rock seria melhor. Escrever sobre música já é quase impossível, e sobre o gênero rock é ainda pior. Isso porque a tendência é acabar por tratar o rock como aquilo que ele não é. E dar à ele um verniz de erudição e de intelectualidade que ele nunca teve. E nem pode ter, pois isso significa sua morte como gênero original. Críticos de rock, mesmo os que pregam a simplicidade do som, acabam por fazer crítica. Educados em faculdades de letras ou de jornalismo, revelam em suas linhas os vícios da crítica literária. Acabam por dar à uma banda de iluminados iletrados de Newcastle a honra duvidosa de serem colocados no mesmo saco de Baudrillard ou de Chomsky. É o momento em que matam o rock.
  Desse modo, gente do meio que se presta a ser comparado a gente das letras acaba sendo incensado pelos críticos. E aqueles que não podem ser enfiados em uma comparação com Keats, Whitman ou Baudelaire, ficam a ver navios. São ignorados.
  Ainda é assim, mas já foi muito pior. A pulverização da imprensa em milhões de vozes na internet acabou com as patotas. Nos anos 70 só gente da esquerda era levada em conta. Desse modo, Dylan era rei e Lennon vice rei. E alienados como Black Sabbath ou Queen eram completamente deixados à margem. Ouvir Ozzy ou Mercury era coisa de analfabeto. O povo inteligente tinha de preferir Joni Mitchell. Ou The Clash.
  Na virada da década, entre 78-82, o Clash era chamado de maior banda da história do rock. Os destruidores marxistas do passado. Os caras que iam reorganizar o rock em bases igualitárias. Com eles vinha o Gang Of Four, Elvis Costello, The Jam e mais uma multidão de camaradas. Nesse mundo, The Police, The Cars ou Kraftwerk não eram muito comentados. Eles não cabiam nesse universo letrado. ( E os Ramones eram a sombra, um tipo de vício secreto culposo e culpado ).
  Nos anos 80 o niilismo imperou e a patota da crítica amava aqueles que lembravam Nietzsche. Nunca a crítica de rock foi tão poderosa e nunca esteve tão distante das massas. Eram textos gigantescos e nesse universo Iggy Pop era rei. O cinismo de Bowie era elevado à arte absoluta. Oscar Wilde mandava nas cabecinhas jornaleiras.
  Hoje nada disso faz sentido. Um crítico é um homem no gueto. Suas opiniões são levadas a sério apenas por seus amigos. Seus seguidores. Então podemos notar neste mundo muito mais aberto, que o Rush não era tão ruim e o Clash não era tão bom. Que o Grand Funk Railroad tinha seu valor e que talvez Neil Young não fosse um gênio. Leio sites de rock e é isso que vejo, o resgate de coisas que eram chamadas de lixo ( Cheap Trick e Thin Lizzy ).
  Ray Davies era tão bom quanto Dylan. Sempre foi. Mas sua patota não era A Patota.

O BURACO NEGRO

   Nossa realidade é feita de tempo, espaço e gravidade. Nossa morte precisa desses 3 componentes para ocorrer. A gravidade nos mata, dia a dia. E é ela quem constrói o tempo e ordena o espaço.
  Mas se a gravidade crescer a um valor absurdo, tempo e espaço perdem o sentido. O tempo deixa de ser uma reta e se torna um feixe de tendências. E o espaço se reduz a um infinito aqui. Todas as distâncias desaparecem.
  Parece que o cosmos é um tipo de matriz. O modelo que ele apresenta é o mesmo do infinitamente pequeno. Dentro de nossas células nervosas há um design que repete o desenho do universo. Isso nada tem a ver com inteligência Divina ou Criador Universal. Digamos ser apenas um padrão.
  Então posso dizer que se no cosmos existem buracos negros, pontos escuros e invisíveis, mas que possuem uma energia descomunal; posso dizer que dentro do nosso organismo, no ínfimo de uma partícula nervosa, pode haver o buraco negro, uma força poderosa que suga nossa vida e que ao mesmo tempo é um caminho para um ponto onde a lei da realidade não se aplica.
  Físicos não podem e não devem lidar com aquilo que não cabe numa lei da matemática. Mas a própria matemática é uma belíssima criação humana que por lidar com infinitos e zeros, tem a condição de quase impossível.

ISAIAH BERLIN FALA SOBRE EU E SOBRE VOCÊ.

   Berlin é um dos mais respeitados intelectuais do século XX e deveria ser mais lido no XXI. Aqui ele fala da mais assombrosa mudança mental que o ser humano viveu: aquela que ocorreu entre os séculos XVIII e XIX. Vamos tentar explicar a meu modo...
   Para ele, o mundo ocidental sofre três grandes mudanças em seu modo de pensar e de ver a vida. A primeira aconteceu logo ao fim da vida de Aristóteles. Até então, todo o pensamento era visto como algo a ser feito em grupo. Não se analisava o homem como um ser individual, mas sim como um ser dentro de um grupo social. Filósofos como Platão falam da coletividade, do todo, nunca do indivíduo. Mas, de repente, em meros 20 anos, surgem filósofos que analisam o homem como universo separado, como indivíduo, como ser a separado um do outro.
  A segunda grande mudança vem na Renascença, quando o natural se separa do moral. A moral, a ética, o bem, deixa de ser um valor natural e passa a ser questão de escolha, de trabalho, de educação e esforço.
 O terceiro, nossa mudança, pois dura até hoje, 2017, é aquela que se inicia com o romantismo.
 A virtude, o bem e a verdade, sempre foram, por 5000 anos, vistos como o final da vida humana na Terra. A verdade existia como algo dado, bastava ao homem conseguir descobrir onde ela se encontrava. A religião, a ciência e a arte eram modos de se encontrar no mundo, no cosmos, essa verdade. E também a beleza, a ética, o sentido de tudo. A vida real estava então FORA DO HOMEM. Pois bem, Berlin explica, e eu me abstenho de transcrever aqui, o movimento mental e espiritual, o porque dos românticos terem criado uma nova verdade, aquela que diz que TODA VERDADE VIVE DENTRO DE CADA UM. Consequência imediata, se a verdade não está lá fora, então ela é relativa, cada um tem uma verdade particular, única, que independe do todo. Caminhando mais um pouco, vemos que o mundo lá fora perde valor, se torna sem verdade por si mesmo, sem sentido, apenas um tipo de cenário louco.
  O romântico criou a ideia de que para uma vida valer a pena é preciso criar sua verdade, e ao mesmo tempo criar sua vida, ou seja, só o CRIADOR vive. O artista é o objetivo de todos, o SER superior é um artista. Veja, não um pintor ou um poeta, mas sim alguém que cria um modo de viver e de ser ÚNICO. Viver deixa de ser sobreviver ou cuidar ou lutar; se torna inventar.
  O artista cria a partir do nada, cria dentro de si, o artista é LIVRE. Ele pensa, faz e acredita naquilo que sua liberdade quer. O homem se torna um ser que quer ser livre, livre para poder criar a si mesmo. E para ser livre, seu caminho se faz, logicamente, o do autodomínio. A dor, a idade, as emoções nos lembram que não somos livres. Então, passamos a vida negando a dor, negando o tempo, negando as emoções. Criamos uma liberdade que aprisiona, porque somos carcereiros do que a coloca em perigo. Vigilantes do nosso ser natural. Passamos a controlar a natureza, inimiga natural da liberdade.
  Se antes a verdade estava lá fora, onde viveria Deus, a verdade, o sentido; agora Deus, a verdade e o sentido passa a ser uma questão de inventar e não mais de descobrir.
  OS VALORES DEIXAM DE SER DESCOBERTAS. PASSAM A SER INVENÇÃO.
  Hoje vivemos a guerra entre esses dois mundos: razão X liberdade.
  A razão não é liberdade, a liberdade despreza a lógica. Pois a lógica é um valor que é o que é, independente do que eu queira ou deseje crer. Por isso a razão não pensa em termos e liberdade, ela pensa em termos de causas e consequências. A razão é sempre um bem comum, geral, não individual. Ela vive fora do querer ou do ser humanos. Ela está no universo. Pela razão pode se viver me paz, e só por ela, exatamente porque ela nega a individualidade e pensa em termos gerais.
  A liberdade abomina a razão porque ela lhe lembra do fim das coisas, dos limites do corpo e das obrigações para com os outros e o mundo. É a liberdade, o desejo por querer ser livre, que leva às guerras, às injustiças, à destruição. Esse impulso, romântico, leva a destruição de tudo o que signifique limite, dever, senso comum.
  Nada é mais odioso ao artista que o senso comum, ser mais um em meio ao todo.
  Nessa atividade criativa, nessa incessante ação original, ousada, construtiva, não há mais espaço para o ócio e para o vazio. Viver é criar, viver é fazer e deixar uma marca. Nada mais odioso que o fazer nada, pensar a toa, viver sem deixar nada em sua passagem. Esse o mundo criado pela geração de Beethoven, Wagner, Goethe e Heine, a vida como luta incessante CONTRA A VIDA REAL, A VIDA LIMITADA.
  O lema iluminista, anterior ao romantismo portanto, é: SABER PRIMEIRO, DEPOIS FAZER. O lema romântico, nosso lema até hoje, é: FAZER É SABER, ou seja, aprendemos fazendo, e assim, não nos preparamos para viver. Se antes ser um Homem era saber e pensar, agora ser Homem é fazer e agir. Fazer em impulso, não se omitir, tentar, mesmo que esse tentar seja um vexame, um desastre ou uma tragédia.
  O passo último seria criar um outro mundo, um mundo onde TUDO fosse uma criação livre, sem a natureza, sem o "de fora", sem nenhuma força que não possa ser domada e sem NADA DE EXTERIOR. Do Marxismo às teorias de Freud, em todas vem a crença de que o Homem cria aquilo que ele é, de que a verdade se encontra dentro dele e só dentro dele, de que o Homem é o senhor da vida e único responsável por seu destino. Mesmo que histórico ou inconsciente, tudo é humano, tudo é do homem.
  Observa a guerra religiosa e hoje. Ela seria incompreensível para um europeu de 1700.
  Antes, um homem sabia que sua fé era a verdadeira por ser a fé de todos aqueles que viveram antes dele. Ele lamentava o islamita ou o judeu por serem enganados por uma fé falsa. Hoje há uma sutil e mortal diferença. Quem defende sua fé a defende por ser sua, por estar dentro de si, por ser mesquinhamente seu pertence, um objeto. Antes a fé era sagrada por ser de todos, comum, o maior valor DE TODOS. Hoje ela é ostentada como mais uma criação individual de um grupo de almas especiais e criativas. Um valor de classe, e não um valor de todos.
  Termino dizendo que quando um cara como Hawkins, diz que a humanidade está pronta para deixar a Terra, vejo nessa frase perigosa todo o epílogo dessa história romântica. O ato final do egocentrismo criador, o passo rumo à ilusão de uma liberdade que não existe, o sonho de um mundo sem natureza.