PERDEMOS AS RUAS E AS JANELAS ESTÃO VAZIAS

   Cada época tem sua preocupação. Se essa preocupação já foi politica, religiosa e artísitica, hoje ela é social. Social não no sentido politico, não como ideia de futuro, mas antes como sintoma. Violência e solidão. Essas as duas grandes questões do tempo. Violência sem tática, sem ideologia e sem consequência, ato gratuito. Terror e absurdo. E a solidão verbosa de redes sociais e de ruas desertas de gente e cheias de coisas.
   Ando com um amigo nas ruas de um bairro que conheço desde 1973. É domingo de noite e são apenas oito horas. Faz bom tempo. Andamos por cerca de uma hora entre sobrados e praças. De repente percebo que não cruzamos por uma só pessoa. Chegamos ao extremo absoluto do nascimento de nossa cultura. Gregos viviam na rua e na praça. O inferno seria o exilio. Casas só para dormir. Hoje vivemos esse inferno. Nossa vida se faz entre paredes. ( Domingo a noite era hora de gente se despedindo no portão. De senhoras na janela olhando a rua e falando: Boa Noite!, crianças, eu, jogando bola e reclamando de ter de entrar, namorados na praça ). Pior: não escutamos uma só voz vinda das janelas das casas. Nenhuma. Luto? Terá morrido Roberto Carlos? Ninguém discute, briga, comenta a TV, ri. Nada. Silêncio quebrado por um ou outro carro que passa.
   Há gente no shopping center. Muitas. Houve um tempo de muita gente na praça e na rua. Lugares nossos, grátis, de familia. Agora nosso lugar não é nosso, é dos lojistas. O centro de nossa cidadania é um centro comercial. Se em 1973 me falassem que nosso futuro residia entre mercados e lojas de sapatos eu daria risada. Não andamos mais pelas ruas aos olhos dos vizinhos e de nossas mães. Andamos em galerias comerciais aos olhos dos seguranças e de câmeras de video. Liberdade? Onde?
   Bem, as ruas da Vila Madalena talvez estejam cheias. Ou a Paulista. Mas elas não são também um tipo de shopping? Galerias ao ar livre onde andamos entre apelos por consumo de cerveja e de comidinhas? Locais onde temos de ir para "viver"? Liberdade? O que é ser livre hoje?
   Falamos então de outras coisas. Uma delas é a relação do cara inquieto com o mundo atual. Fácil para mim perceber dois tipos de "consumidor" ou "apreciador" de arte. Tem aquele que só assiste filmes de agora e ouve bandas novas. Esse é o consumidor de produtos frescos. O passado é morto para ele e o futuro coisa de nenhuma preocupação. Ele engole apenas o pãozinho quente, o iogurte na validade e nada quer com conhaque. Sua rebeldia é aquela dentro do agora. Nos conformes. Da época. O cara inquieto critica sempre o agora. Fato fácil de verificar: todo artista que mereça consideração, desde que o mundo é mundo, tem uma relação crítica profunda com o agora. Ele nunca nasceu na hora certa. Pensa no passado e deseja o futuro. Daí sua afinidade com livros obscuros, filmes antigos e músicos de raiz. Ele firma os pés nos tesouros guardados e tenta dar o salto ao futuro, pulando o agora. Creia: Um homem envolvido com o aqui e agora cria produtos descartáveis. O tempo os engole. Sua criação, sua mente se deixa rodopiar nas miríades de musas apelativas de 2013. No passado selecionado ele acha o ponto firme, fora do agora, para se criar.
   Amizade é um tesouro. Cada amigo é um mundo. Tenho amigos que me fazem virar poeta grego, tenho amigos que me fazem ser palhaço. Outros me dão o dom da familia e alguns trazem-me filosofia.
   Dessa conversa nas ruas ficou uma pergunta: Porque um bom filme faz com que eu repita, sem ter consciência, todo o gesto e modo de meu pai vendo o mesmo filme? É possível ser inteiro sem a reconciliação com sua origem? De onde nascemos?
   A rua continua vazia.

HIGIENÓPOLIS, IMPRESSÕES SEM FOCO

   Eu vestia um tipo de paletó de couro que era uma geladeira ambulante. Comprado por minha mãe, na loja Garbo, ele tinha a dureza de uma armadura e a frieza de uma casa de janelas quebradas. Eu me encolhia na rua lateral ao cemitério. Sentia o vento gelado de maio. E como fazia frio naquele maldito lugar! Um frio sujo, fuligenoso, grudento, mesclado a fumaça dos carros e ao suor do corpo encapotado. Meus lábios rachavam e eu puxava a pele e fazia com que eles sangrassem. Minha língua tinha áftas, minha garganta doía. O cabelo, longo, despenteado, sujo, a mochila de lona rabiscada com o nome de "hendrix". Espinhas na cara e um lenço sujo que eu levava no bolso para assoar meu nariz sempre vermelho e entupido. Nunca fui tão feio. Nunca tão infeliz. Lá era Higienópolis.
   O muro do cemitério parecia nunca terminar e então eu via a entrada do Mackenzie júnior. Eu fora parar naquele colégio por influência de meu professor, o mesmo cara que hoje, trinta anos depois, ainda me influencia ao ponto de me fazer ser professor. O ano anterior fora feliz, brilhante, maravilhoso. Mas agora, no primeiro colegial, longe de meu bairro, nesse detestável Higienópolis, eu desabava. Solitário, eu me deixava andar pelo bairro estranho, o sol gelado na cara, longe das meninas bonitas que lá moravam e dos amigos esnobes de suas ruas vazias. O bairro era feito de sombras as sete da manhã. Uniformes mackenzistas nas ruas e velhinhas passeando com cães. Estranho lembrar que naquele tempo eu pouco ligava para cães. E também nada via de bom nos casarões. Eu os temia. Me deprimia a velhice do bairro. Todo ele me lembrava um cemitério. Em suas ruas ainda se viam casas sem muros, imensas, com suas janelas art-déco e mármores italianos. Hoje eu sei o que sentia, hoje eu saberia, mas aos 16 anos eu estava perdido. Andava então.
   Sentia respeito pela biblioteca do Mackenzie, com suas madeiras escuras e o cheiro de papel se desfazendo. Mas a Mario de Andrade me intimidava. Deprimido, eu a sentia como um hospital. A arquitetura das Clínicas. Aliás ir de casa até lá era uma excursão ao inferno: passava por três hospitais e três cemitérios. Ida e volta. Argh!
   O bairro era esnobe? Penso que sim. Hoje eu me divertiria, na época, caipira, sentia medo. No Mackenzie de então só se podia entrar de sapatos, tênis eram proibidos, assim como jeans. Alguns conhecidos da minha classe se reuniam para um chá. No apartamento em estilo Oscar Wilde de um deles, tudo era branco, tapetes, paredes e sofás. A porcelana portuguesa era rosa e branca. O que eu fazia lá? Minhas referências eram então Jimi Hendrix e Mick Jagger! Chá? Só se fosse com whisky! Hoje sei que provávelmente a culpa não era do bairro, eu andei com a turma errada. Andei? Melhor dizer, fugi da turma errada.
   Aconteceram manhãs em que andei pelo bairro inteiro. E era fácil se perder nele. Não havia nada para quebrar a monotonia das ruas. Casas, prédios sóbrios, árvores, e algumas poucas farmácias e padarias. Parecia que a gente não estava no Brasil. Buenos Aires ou Montevideo talvez. É estranho lembrar que as calçadas não tinham buracos e dava para se andar de olhos fechados. De certo modo era o que eu fazia. Aquele foi um ano em branco. Triste dizer que nessa minha história em bairros de São Paulo, história que vai do Caxingui a Paulista, do Brooklyn ao Itaim-Bibi, Higienópolis é uma sombra, manhã fria e um desfilar sem fim de casas fechadas e exageradas. Recordo então que não consegui tirar uma nota maior que seis em todo o ano e que fui reprovado já em agosto. Um desastre!
   Mas eu posso salvar algo desse ano... Porque no âmago de todo esse azedume flácido, eu sentia a certeza de um amor inflado. Me apaixonei pela menina mais esquisita da escola, uma loura espinhuda e magra, que em minha mente romântica era a encarnação de Anita Pallemberg em Higienópolis. E eu, ao som de Their Satanic Majesties Request, seria seu Brian Jones difamado e destrutivo. Nunca em minha vida, antes ou depois, fui tão rocknroll. Andar pelas ruas de lá era cantar baixinho: No Expectations e Paper Sun. Estava só, mas posso dizer que aquela sombra foi minha iniciação ao sublime.
   Por isso eu odeio não só Higienópolis como a Consolação. Para mim eles serão sempre frios e embalados em fumaça e couro duro. Mas é lá que ficou um resto, algum nó não desatado, uma chance esquecida, uma canção ainda em andamento. Higienópolis é minha sombra. Terra de meus vampiros, do medo da perdição e dos desafios perdidos.
   Preciso um dia lá voltar.

AO LONGO DO RIOCORRENTE- RICHARD ELLMANN, WILDE-YEATS-JOYCE-FREUD-ELIOT

   Coletânea de ensaios sobre autores do período 1890/1910, o que une os autores estudados, Yeats, Eliot, Joyce, Pound e Freud é seu amor pelo simbolismo, a criação e o uso de símbolos arcaicos, utilizados para dar luz ao "desconforto diante da vida material". Dessa forma, todos eles criaram uma espécie de mitologia particular, ferramentas para dar sentido àquilo que os aturdia.
   Richard Ellmann, americano, biógrafo e excelente crítico, foi professor em Yale e Oxford. É dele a icônica biografia de Oscar Wilde e também as definitivas sobre James Joyce e Yeats. O modo de abordagem de Ellmann propõe uma nova visão, que se ignore os chavões grudados ao autor e que se perceba, sem medo, a verdade óbvia. Verdade que foi esquecida com o tempo. A montanha de estudos banais feitos sobre cada um desses autores perpetuou certos fatos que reduziram sua complexidade. Foi tatuado em Yeats o perfil de autor folclórico, cantor de fadas e de heróis, exotérico espiritualista, nacionalista iralndês. O livro tem três textos sobre o poeta e mostra o quanto esse perfil é redutor ao extremo. William Butler Yeats sentia o desconforto da "vida imperfeita", mas jamais foi um exotérico como o foi Mallarmé. A linguagem de Yeats é sempre centrada na vida material. Ele não cria códigos cifrados, enigmas de sentido obscuro, como faz o francês. Yeats, sempre apaixonado pela vida dos sentidos, tenta encontrar o sagrado na carne, a perfeição na vida. Toda sua produção nada tem de abstrata-pura.
   Muito conhecida é a história do amor de Yeats por Maud Gonne. O amor do poeta pela rebelde iralndesa, o amor do puro espirito pela mulher de ação. Bobagem! Ellmann entrevista Maud Gonne e nota que os dois chegaram a ser amantes. Assim como a vida de Yeats foi repleta de casos sexuais. Fascinado pela vida sensual, Yeats procurava separar as duas vidas possíveis: a da perfeição, que seria possível apenas na arte e na alma, e a vida bela porém imperfeita da carne. A luta entre essas duas forças se trava em toda sua obra. Uma luta sem vencedor ou vencido.
   Ellmann escreve o mais belo capítulo do livro ao visitar a casa de Georgie, a esposa de Yeats. Já octogenária, os dois remexem nos arquivos, brincam com objetos, recordam. Muito mais jovem que Yeats ( ele se casou apenas aos 52 anos e manteve casos até o fim ), Georgie era o oposto do poeta. Ela se mostra uma mulher firme, decidida, teimosa. E uma inteligente leitora do marido. Segundo Yeats, ela lhe deu paz, conforto, e opiniões brilhantes sobre poesia, ocultismo e filosofia. O que se depreende da vida do poeta é sua sorte. Yeats viveu uma vida rica. Plena, maravilhosa.
   O livro vai nesse objetivo. Todos os analisados ( com exceção de Freud ), foram amigos. Ou no mínimo se encontraram por algumas vezes e se influenciaram. Oscar Wilde começa o primeiro capítulo. Sua influência por toda a inteligência do final do século XIX é gigantesca. Dele deriva Yeats ( que se apaixonou pela casa de Wilde quando o visitou ainda muito jovem ), de Yeats vem Pound e de Pound Joyce. Pound foi secretário de Yeats e amigo de Joyce. Joyce foi fã de Yeats e depois o negou. E Eliot foi discípulo e crítico de todos eles. Foi um momento muito interessante. Ellmann demonstra a conciência que todos tinham do período. 1900 foi um marco. O velho é jogado fora de forma deliberada. Eles escrevem que o cinetificismo do século XIX não mais lhes serve. Que o positivismo, o realismo, são passado-morto. Tudo agora é novo. Freud se encaixa nesse contexto, Seus textos são parte desse simbolismo, tentativa de demonstrar a falencia da razão pura. Embate entre carne e alma, limite e desejo, imperfeição e perfeição, belo e feio, Apolo e Dionísio.

SOBRE O INFINITO, O UNIVERSO E OS MUNDOS- GIORDANO BRUNO, A PAIXÃO PELO ILIMITADO

   Bruno foi queimado em Roma, 1600. Sem abrir mão de sua crença, Bruno olhou para os céus, tendo a plena certeza de que tudo é infinito. Porque o Papa tanto o detestava? O que havia de tão terrível em sua filosofia? Ele jamais deixa de crer em Deus, jamais abraça a fé protestante. Qual seu pecado?
   Ele foi monge e abandonou a igreja quando desenvolveu sua filosofia ( da qual já falo ). Sua vida passa a ser uma viagem constante: Suiça, Alemanha e Inglaterra. É na ilha que ele escreve sua maior obra, "Sobre o Infinito". Pensando que a Itália já fosse segura, ele vai à Veneza, dar aulas para um nobre. Traído, é entregue a Roma, condenado e queimado vivo.
   Giordano Bruno foi um homem típico da renascença. Ele unia ciência a arte, magia a religião, filosofia e poesia, bem-viver e bem-pensar. Em si havia a sede de saber e de fazer. O homem renascentista é sempre um homem de ação, um insatisfeito que faz coisas. Um pensador que mede a vida pelo tamanho do homem. E para Bruno, tudo era infinito. Espaço, criatividade, Deus, a memória, tudo infinitamente sem forma, sem tamanho e sem volume.
   Em seu livro, escrito em forma de diálogo, Aristóteles é atacado. E com ele, toda a filosofia da idade média cai por terra. Bruno afirma que se Deus é onipotente, então seu poder é ilimitado. Se seu poder não tem limites, então ele só deseja e só pode criar o que não tem limites. Não haveria sentido em que um Ser ilimitado criasse algo limitado. Portanto o universo é infinito. Mais que isso, existem infinitos sóis e infinitas Terras. Gente em outros mundos. O universo é infinito e dentro dele existem mundos finitos. Todo esse pensamento é radicalmente contrário ao que se difundia na era medieval. Bruno afirma ainda que nada termina, as coisas se transformam. O que é será sempre sob outra forma. Não existe alto e baixo, todo lado que se olhe é infinito. A Terra não é o centro privilegiado do universo, ela é apenas um dos mundos possíveis. Mundos vários, vida que muda, universo sem fim e sempre vivo.
   Mas Bruno não desvaloriza o homem. Para ele, a mente humana é tão infinita quanto a mente divina. Na imaginação, na sensibilidade, o homem atinge o infinito. Deus está em todas as coisas, inclusive na mente do homem, mente que é sem forma e sem fixidez como é o universo. O homem tem a obrigação moral de usar essa capacidade divina de sua mente. Em seu espírito vive o infinito e a infinita capacidade de criar e de entender.
   Vale dizer que o volume começa com uma carta que Bruno envia ao ilustríssimo senhor de Castelnau. Poucas vezes em minha vida li algo de tão belo, de tão nobre e de tão alto grau de sabedoria. E é isso que mais se sente ao ler Bruno: Quando Roma fez arder a carne daquele homem, se queimava um nobre, um justo, um ser privilegiado.
   " Daí sucede que não arredo pé do árduo caminho...."
    Giordano Bruno é infinito.

RESNAIS/ BERTOLUCCI/ HATHAWAY/ TOTÓ/ MARIO MONICELLI

   SIMBAD E O OLHO DO TIGRE de Sam Wanamaker com Patrick Wayne e Taryn Power
Ray Harryhausen produziu e escreveu. E, claro, fez os efeitos especiais. Que não encantam. Ray foi perdendo o jeito conforme o tempo avançava. Seu apogeu se deu entre 1960/1964...aqui estamos em 1977... Nota 2.
   ADRENALINA de Neveldine e Taylor com Jason Statham e Amy Smart
Voces sabem: injetam uma droga num matador profissional. Sua adrenalina não pode parar ou ele morre. Então ele corre, briga, bebe cafeína, faz sexo e briga. O filme é hilário! Tem um milhão de efeitos e todos os vicios do cinema atual: é vazio, sem pensamento, anti-estético e grosseiro. Mas tudo é perdoado por sua falta de pose. Ele se sabe idiota e admite sua popicidade teen. Isso o redime. Como condenar algo que me deu hora e meia de prazer? Nota 6.
   MR.MAGOO  de Stanley Tong com Leslie Nielsen e Kelly Lynch
 Se não é a pior comédia da história...chega perto disso. Leslie era ótimo, mas este filme é uma roubada! Em tempo: Inácio Araújo falou esta semana da boa fase que a comédia viveu nos anos 80. Ele citou Steve Martin, John Candy, Crystal, Murray...Comédias que ainda eram humanas, ainda tinham personagens com alguma profundidade. Ele se esqueceu de Leslie Nielsen. Este filme? Esqueça! Nota ZERO
   POLICIA E LADRÃO de Mario Monicelli e Steno com Totó e Aldo Fabrizi
Seria Totó o maior humorista da história do século XX? Nascido como um nobre italiano, tornado ator, o rosto de Totó, sua voz, os movimentos de seu corpo, são das coisas mais elaboradas, mais encantadoras da arte do riso. Aqui ele é um malandro que vive de golpes. Aldo Fabrizi é o policial que o persegue. Estamos na Roma de 1951. Uma cidade inacreditávelmente pobre. O filme é todo entre lama e favelas. E seu povo. Um pensamento: o povo mais anti-americano do mundo nunca foi o russo. É o italiano. Vemos o porque neste filme. Há um orgulho em se burlar a lei, em não se fazer nada, um prazer no improviso, no diálogo cheio de duplos sentidos, na vagabundagem, na negação a produção e ao tempo como dinheiro. E ao final, o ápice do humanismo, o policial e o ladrão se reconhecem como atores de um mesmo drama, como faces da mesma verdade. Monicelli amava gente. Seu cinema é sempre um olhar amoroso a gente comum. A gente que luta para poder continuar a lutar. Este filme, em que pese o começo hesitante, é maravilhoso! Nota 9.
   VOCÊS AINDA NÃO VIRAM NADA! de Alain Resnais com Pierre Arditi, Lambert Wilson, Sabine Azéma e Michel Picoli
Por quinze minutos o filme parece ser fascinante. Sentimos na tela a inteligência de Alain Resnais. Ele que é um dos mais intelectualizados dos diretores da história. Aos quase cem anos de idade, vemos nesses minutos a promessa de invenção. Como aconteceu com Altman, que morreu mais jovem que 99% dos diretores, Resnais nos provoca e promete. Mas então tudo se arruina. O filme morre em diálogos frios e em truques que se repetem. O tédio chega avassalador. Impossível suportar. Chato, chato e chato. Darei um 4 para Resnais? Ou sairei pela tangente da covardia do sem nota? Não, darei a nota: 3.
   TRAMA MACABRA de Alfred Hitchcock com Bruce Dern, Barbara Harris e Karen Black
É o último filme do mestre e eu lembro das críticas da época: péssimas. Os críticos tinham prazer em falar da pobreza do roteiro e da indigência das imagens. Well...visto hoje, neste tempo de roteiros pobres e imagens banais, este filme parece menos ruim. Mas continua a ser comum. Na verdade ele é como um bom episódio de alguma série de tv. Toda a primeira parte é bem chata, a parte final se encontra em ação interessante e bom suspense. O mestre havia morrido para o cinema em 1964 com Marnie. Deu um suspiro em 1972 com o ótimo Frenesi. Este deve ser evitado. Nota 4.
   EU E VOCÊ de Bernardo Bertolucci
Ainda não estreou aqui. Bernardo achou um jovem ator que tem a cara do Malcolm McDowell da Laranja Mecânica de Kubrick. E o filme é esse rosto. Confesso ser suspeito para falar deste filme. Eu fui aos 15 anos como aquele jovem. Ele usa cabelo longo e tem espinhas. Nas férias finge ir a excursão da escola. Na verdade ele se isola no porão de sua própria casa. Lá, com comida estocada, roupas e bebida, ele pensa poder ser feliz. Mas uma meia-irmã, junkie, surge e muda tudo. O filme termina ( ele é curto ), com David Bowie -Space Oddity. Bertolucci continua adolescente. Isso é emocionante. Ele olha para o garoto como cúmplice. Em 1968 ele filmou Partner, retrato do adolescente de então. Um filme esquizóide e hiper-radical. E desde então ele tem nos dado esses retratos de adolescentes e de seus tempos. Não sei se este jovem é um cara de 2013. Como falei, eu fui como ele e não fui/sou um adolescente de 2013. É um filme modesto, sem compromisso, franciscano, pobre. E que apesar de ter tanta coisa para me agradar me deixou entediado. Fácil saber porque. Se o garoto tem um rosto que funciona, a irmã é uma mala-sem-alça, feita por atriz limitada e pouco marcante. Quando ela surge o filme desaba. Já que o jovem me lembrou McDowell, bem que Bernardo podia ter conseguido uma "Maria Schneider". Nota 6.
   A LEGIÃO SUICIDA de Henry Hathaway com Gary Cooper e David Niven
Hathaway foi um dos grandes diretores de aventura do cinema. Nos anos 30, ele, Wellman e Curtiz criaram toda a forma, todo o molde que seria usado naquilo que até hoje é o filme de aventuras. Um herói solitário e nobre, a ação que irrompe súbita, as façanhas, o humor do amigo do herói, a "mocinha" que o ajuda, o vilão frio e trapaceiro. Esqueça a modernidade, este filme prega o colonialismo desavergonhadamente. Filipinas. Americanos ensinam os "nativos" a se defender. Cooper, sempre elegante e sempre com sua voz firme e o olhar alegre, é um médico que serve o exército. O filme tem assassinatos, doenças, rivalidades, brigas e emboscadas. A ação é muito boa. Uma bela diversão à antiga. Nota 7.

O VENTO NOS SALGUEIROS- KENNETH GRAHAME, O LUGAR DA FELICIDADE

   Em seu ótimo livro, OS LIVROS E OS DIAS, relato em que Alberto Manguel fala dos doze livros escolhidos para simbolizar os doze meses do ano, O Vento Nos Salgueiros é colocado às alturas. 
   Finalmente encontro esse livro em edição nacional. Traduzido por Ivan Ângelo, editora Richmond, este livro é para as crianças anglo-saxãs aquilo que O Sitio do Pica-Pau Amarelo era para nós. Lugar de encontro, romance de formação, canto sobre o que seja ser criança, encanto e liberdade. A diferença é que os valores do livro de Monteiro Lobato remetem a familia, o livro de Grahame fala do maior dos valores vitorianos: a casa, o canto, o lar. Escrito em 1904, na era que nos deu o Peter Pan de Barrie, o que as aventuras de O vento podem dizer a um adulto de 2013? Segundo Manguel, uma magia de paz e de conforto. A obra tem um apelo irresistível, ela nos mostra aquilo que mais precisamos ter: proteção. 
   O livro é maravilhoso. Fala de uma Toupeira que resolve sair da toca e ver o mundo. O mundo, diga-se, de uma Toupeira, mundo bem curto e pequeno. Ela encontra o Rato D'Água e logo são amigos. Nesse encontro ficamos sabendo da casa onde vive o Rato. E então percebemos do que trata o texto. Da doçura do lar. De lareiras quentes e de de sofás macios. Das janelas e das portas. E da amizade entre seres comuns, banais até. Não há um herói. São seres com medo, com curiosidade e que têm o dom dos animais: sabem sentir as coisas. Esses lares são escolhidos por seu cheiro. 
   Momento de maestria ( e de simplicidade ) se sucedem. Há a tempestade de neve que surpreende os amigos. A casa do Texugo é encontrada e podemos sentir o alivio dos dois ao entrar na casa quente e tomar a sopa farta na mesa da sala. Um outro momento, esse tão forte em magia como aquele do lago em O LAGO SAGRADO de Atwood, acontece quando um filhote de Lontra é resgatado no bosque. Nessa busca o Toupeira entra em transe e é guiado por Pan, o deus grego da floresta. É um capitulo maravilhosamente bem escrito, deliramos no delirio do Toupeira,  páginas que nos fazem ansiar por mais cenas como essa. Pena, elas não surgem. 
   O final do livro traz as aventuras do Sapo, um aventureiro milionário, hedonista, viciado em carros, gastador. Confesso que é um personagem "menos bom". Não gostei do Sapo como adorei o Toupeira, O Texugo e o Rato. 
   Kenneth Grahame criou os personagens e suas aventuras de improviso, inventando tudo no quarto do filho, tentando fazê-lo dormir. Lançando esse material em livro, três anos mais tarde, O Vento Nos Salgueiros se tornou rapidamente um ícone da literatura infantil inglesa. Surgido na hora certa e no lugar certo, o livro faz parte do movimento que valorizou a infância e o lar, o conforto e a segurança na mente inglesa. De Alice à Peter Pan, de Roger Rabbit à Mogli, este é o momento chave das letras para crianças.
   Grahame descreve o lar do Rato pronto para o inverno. Comida, ordem, paz, quietude. Concordo com Manguel. Kenneth Grahame era um mestre na descrição do que seja o bem-estar. 
   Ler este livro é um grande "bem-estar".

OZON/ FREUD/ BILLY CRYSTAL/ LANCASTER/ BORZAGE

   UMA FAMILIA EM APUROS de Andy Fickman com Billy Crystal, Bette Midler e Marisa Tomei
Avôs alegres e soltos e netos de vida programada e utilitária. Óbvio que os avôs irão salvar a vida chata dos netos. O roteiro nada tem de novo. Mas o filme se mantém ok. Porque? Billy Crystal é um tremendo comediante! E Bette Midler sempre foi uma diva. Tomei, ainda bonita, é a filha dos dois e mãe dos tais netos problemáticos. Nota 4.
   ANGÉLICA E O SULTÃO de Bernard Borderie com Michele Mercier e Robert Hossein
Um pavor! Este filme foi um hit na França dos anos 60. Tanto que foram feitas cinco sequências. Nos anos 70, na Tv Tupi, ele foi um dos primeiros a despertar minha "paixão" por um símbolo sexual. Lembro de assistir escondido, de madrugada. Visto agora é uma imensa decepção! Tem a pior trilha sonora da história, ação mediocre e nenhuma emoção. E Michele nem era tão bonita! Nota ZERO.
   FREUD ALÉM DA ALMA de John Huston com Montgomery Clift, Susannah York e Larry Parks
Existem momentos em nossa vida que são decisivos. Houve uma madrugada quando eu tinha 15 anos que foi assim. Na Globo passou, era segunda-feira, este filme no Corujão. Porque o assisiti? Uma bela crítica no JT. Fiquei abestalhado quando o vi. Tudo nele me enfeitiçou: o p/b genial e austero de Oswald Morris, a trilha sonora de Jerry Goldsmith, trilha que usa até mesmo música eletrônica-concreta. O romantismo rebelde do homem inovador contra tudo e contra todos, a incompreensão de seus colegas. O tom sofrido de Clift, numa atuação que joga em nossa cara um misto de inteligência e perdição. É um Freud sempre crível. A beleza dos pesadelos vienenses.... Lembro que não consegui dormir. Esperei minha mãe acordar para lhe dizer, às seis da manhã, que meu futuro se decidira: eu iria ser um psicólogo. Freud se tornou um de  meus ídolos por vinte anos. Depois percebi que meu ídolo era na verdade John Huston que fizera o filme. O filme passou esta semana em versão dublada na Cultura. Pensei em não o rever. Freud a muito se tornou um passado morto para mim. Mas não resisto. O filme volta a me enfeitiçar. E noto então que o que me seduzira fora a narrativa, a saga do intelectual contra o mundo, a saga da curiosidade em sua jornada e principalmente o soberbo e sublime clima vitoriano que o filme exala. Não me fiz psicólogo e não lamento isso. Me fiz um tipo de vitoriano. O filme antecipou sentimentos que eu encontraria em Henry James. Esteticamente é um primor. Huston, diretor de homens solitários contra seu meio, diretor dos derrotados, venceu. Nota DEZ!
   STREET ANGEL de Frank Borzage com Janet Gaynor e Charles Farrell
Gaynor ganhou o Oscar de atriz em 1929 por este filme. Que é um belo exemplo de filme silencioso. A câmera desliza, rola por ruas e fachadas, voa. Janet é uma moça sem lar que se une a trupe de circo. Há um bocado de alegria no filme. Uma alegria tristonha. Borzage foi um dos primeiros grandes do cinema americano. Os rostos são fascinantes. Nota 7.
   O ESPADACHIM NEGRO de Tay Garnett com Alan Ladd e Patricia Medina
Boa aventura medieval. Há ritmo na história chavão do ferreiro pobre que se disfarça de cavaleiro negro para se vingar de injustiças. Eu adoro filmes que usam espadas, muralhas e cavalos. Aqui temos tudo isso. Ladd não convence muito como herói medieval, ele é muito baixo e meio americano demais, mas a coisa funciona por causa de sua rapidez e falta de seriedade. Nota 5.
   DENTRO DE CASA de François Ozon com Fabrice Luchinni, Emmanuelle Beart e Kristin Scott Thomas
Tenho me "obrigado" a acompanhar o cinema atual. Tento ficar razoavelmente por dentro daquilo que rola nas telas deste século. E está na hora de confessar...não é fácil ! Tenho sido condescendente com filmes feitos de 2000 para cá. Quero gostar deles. Não os comparo aos clássicos. Os comparo com filmes de seu tempo. Mas, para ser sincero, isso começa a me enjoar. Quando entrei na era do dvd, passei três maravilhosos anos em que descobri 80% dos clássicos do cinema. Minha paixão foi lá em cima ! Que noites fantásticas ao lado dos filmes dos anos 30, 40, 50... Mas agora...É tudo tão pobre! Veja este filme: Um suspensezinho muito do comum que alguns críticos, e eu os entendo, colocam em alto posto. Não é um filme ruim. Apenas banal. Um aluno enrola um professor com redações que contam seu envolvimento com familia de amigo. É só isso. Devo dizer que o filminho cansa aos 40 minutos. Nota 3.
   BASTA, EU SOU A LEI de Burt Kennedy com Robert Mitchum, George Kennedy e Martin Balsam
Mitchum já era um veterano neste western que brinca com a velhice. Ele é um xerife que é aposentado por idade. Mas acaba por se unir a ex-rival e juntos eles salvam a cidade. Como se pode notar, o tom é leve, mas o tema é sério: a idade dos heróis, o momento em que o velho mundo dos cowboys morre e eles são afastados. Pode-se dizer que o filme fala também do fim do filme de western também. É um bom filme. Mitchum atua de seu modo distanciado. Kennedy está ótimo. Nota 6.
   APACHE de Robert Aldrich com Burt Lancaster
Dificil aceitar Burt como um apache. É um filme duro em seu começo. Vemos os apaches como judeus em campo nazista. Burt Lancaster é Masai, que foge a pé do exilio e volta a sua terra. Os brancos o perseguem. Aldrich foi um excelente e forte diretor. Sua filmografia é repleta de presentes dados ao público. De "Baby Jane" à "The Dirty Dozen". Ele se perde aqui ao esticar demais as cenas de romance. O filme cai e não se ergue mais. Pena. Nota 4.

O QUE É O CINEMA? - UMA VERDADE ESCRITA POR ANTHONY ROXY THE THIRD, EARL OF LADY TOWER'S FLAME

   Desculpem, mas a verdade é esta.
   Uma pessoa que não é muito amante de livros escolhe seus títulos pelo TEMA. Um livro que fale de seu trabalho ou de um lugar que ela quer conhecer ou um bio de um ídolo seu. Esse leitor NÂO está muito interessado em estilo. O que lhe importa é o que é DITO e não COMO é desenvolvido. Ele jamais irá se interessar por um livro sobre aquilo que ele não viveu ou viu. A ARTE passa a milhas de seu interesse.
   O mesmo como cinema. Há quem confunda um grande filme com um TEMA que lhe interesse. Desse modo é comum, banal e até vulgar ver psicólogos que acham Cisne Negro um grande filme, sociólogos que adoram Michael Moore e deprimidos que caem no conto do vigário de Von Trier. São bons filmes? Claro que não. São temas que apaixonam a alguns e esses alguns geralmente nada sabem de cinema. São pessoas incapazes de se interessar por um filme que não ESPELHE aquilo que ela vive. O que as seduz não é a ARTE do autor ou do roteiro, é apenas o tema. São analfabetas em termos de linguagem cinematográfica. 
   Nenhuma ARTE sofre mais com isso que a música. A maioria dos ouvintes é incapaz de apreciar música instrumental pelo simples fato de que a música sem palavras não tem um tema, um discurso. A extrema abstração musical nada lhes diz. Precisam que a música também reflita o mundinho onde vivem. Música em si não importa.
   Evito falar sobre ARTE com esses fariseus do mal-gosto. Sempre óbvios, serão fãs de filmes/ livros/ músicas que rodem sem parar sobre os mesmos assuntos. Pior, que sejam espelhos daquilo que eles são ou pensam ser. A LINGUAGEM da ARTE é um código sensível totalmente incompreensível a eles. Mais que isso, eles nem suspeitam de sua existência. 
   Por isso meu AMIGO, esqueça e fique frio.... Ou voce nunca leu algo sobre pérolas jogadas aos porcos?
   PS: Qualquer cinéfilo sabe. O verdadeiro nó que diferencia aqueles que sabem LER filmes daqueles que apenas percebem o óbvio está em Howard Hawks e Hitchcock . Filmes em que o tema não tem a menor importãncia, filmes quase abstratos em que o que importa é a combinação de ritmos, de imagens e de emoções. Eles nada tinham a DIZER, pois Hawks e Hitch não faziam livros. Eles faziam cinema puro, ARTE do movimento. Falavam por luz e sombra. Ação. 
   Sacou?

CARTAS FILOSÓFICAS SOBRE O DOGMATISMO E O CRITICISMO- SCHELLING

   "Quanto mais afastado de mim está o mundo, quanto mais intermediários eu coloco entre ele e mim, tanto mais limitada é minha INTUIÇÃO dele. Tanto mais impossível aquele abandono ao mundo, aquela aproximação mútua..."
   "Dai-me mil revelações de uma causalidade absoluta fora de mim e mil exigências de uma razão prática fortalecida, e nunca poderei acreditar nelas enquanto minha razão teórica permanecer a mesma!"
   " Se tivéssemos de tratar apenas com o Absoluto nunca teria surgido uma controvérsia de sistemas diferentes. Somente por termos saído do Absoluto surge o conflito com ele, e somente por esse conflito originário do próprio espírito humano surge a controvérsia dos filósofos."
   "Como chegamos em geral a julgar SINTÉTICAMENTE?"
   "Como chego em geral a sair do Absoluto e a ir a um oposto?"
   " Por isso acredito também poder explicar por que para um espírito que conquistou sua liberdade própria, e que deve sua filosofia somente a si mesmo, não há nada mais insuportável do que o despotismo das cabeças estreitas que não podem tolerar nenhum outro sistema a não ser o seu. "
   Schelling funda o pensamento idealista-romântico. O EU se faz sua filosofia, a filosofia da liberdade. Em seu quarto de estudante, com seus colegas Hegel e Holderlin em conversas sem fim, funda-se a filosofia como ideia de porvir. Deus, o Mundo, o Infinito como coisas em constante e sem-fim construção. A vida sendo processo, ideia e criação ao mesmo tempo e para sempre. Funda-se o valor da modernidade: a Originalidade. A Imaginação como uma Realidade do Real Verdadeiro.
   Hegel logo levaria tudo isso a um outro rumo. O Conflito da História. E Holderlin se tornaria o maior poeta-filósofo da Alemanha após Goethe. Schelling não abriria mão de suas críticas a Espinoza e a Kant. Sua obra é um debruçar-se sobre releituras e mais releitura do Spinozismo e do Kantismo. 
   A intuição primeira, a intuição não aprisionada pelos sistemas dogmáticos, como força real do conhecimento do Absoluto. Absoluto sendo o Verdadeiro, a totalidade em sua vida enquanto é. A vontade de conhecer e o poder de conhecer. Intuição e Imaginação como dois caminhos que levam ao Absoluto. Romantismo. Arte moderna.
   O pobre mundo daqueles que lidam com sistemas únicos em oposição a rica existência daqueles que constroem múltiplos conhecimentos. Que não chega a um fim pois o Absoluto é o ato de fazer e não a coisa feita e acabada. Possibilidades ilimitadas. O Homem tem um poder de criação que transcende a vida e o visível. O homem é o Absoluto ao mesmo tempo que o conhece. Infinito. 
  Bruno e Dante comparecem em Schelling. A mente se abre ao perceber o fim de uma época. E vê o infinito. Schelling preenche esse infinito de Ideia e de Imaginação. O homem é um ser que cria sem parar. A vida é uma transformação infinita. Viver é imaginar dentro da criação. O Dogma único é um sistema que interrompe e asfixia essa Criação. 
   A Arte é a Verdade porque ela é Criação e Ideia ao mesmo tempo. A Arte não dogmática, a Arte aberta, inacabada, em criação. Processo que jamais se interrompe. 
   O romantismo vem daí. E nossa arte ( a que resta ) bebe nessa fluidez. Para quem vê poesia, Schelling é primordial.

A ILUSTRE CASA DE RAMIRES- EÇA DE QUEIRÓS. O ACHAMENTO DA RAIZ.

   Portugal é uma tribo. Se voce quer entender o país deve ter isso em mente. O modo de pensar é o do clã e da tribo. Tudo é baseado em sentimento, naquilo que se vê e não no que se deveria ver. Portugal até tenta ser moderno. Crescer, pensar em termos de futuro, crer na produção sem fim, ser mais agressivo, competir. Mas não consegue e não quer. Os valores da tribo ainda são fortes. Ele crê no insubstancial. Preserva o costume. Sente. 
   Hans Magnus Enzensberger diz que num mundo mais humano Portugal seria protagonista. A nação se guia pelo coração e nunca pelo cérebro. Este livro de Eça, mais uma obra-prima desse gênio imenso, mostra isso com uma facilidade e uma fluidez que só o talento pode. Gonçalo, o nobre fidalgo do livro, membro de uma familia de mais de 1000 anos, não consegue ser altivo, orgulhoso, intocável como seu sangue pediria. Ele exita sempre. Lhe falta decisão, sangue frio, cérebro. Desce do cavalo para ajudar pobres, deixa-se dominar pelos empregados, chora com crianças doentes. E ama com paixão seus nobres antepassados, os cavaleiros em suas guerras medievais. Sonha com esse mundo de nobreza. Sofre com a vida moderna. Não tem lugar.
   Northop Frye dizia que existiam romances e estórias romanescas. O romance se veria preso a veracidade. O autor é dominado pelos personagens. Já o romanesco dá curso a criatividade do autor. Os personagens são tipos arquetipicos, símbolos. O que pauta o livro é a potência criadora. Eça consegue unir os dois mundos aqui. Os personagens, muitos, são símbolos e são "de carne e osso"; são reais e possuem a leveza do romanesco. Harold Bloom diz que Eça une Balzac a Stevenson. Bingo!
   Não pense ser este um drama! Há humor em cada linha. Eça, já em sua fase madura, encontrava a alegria. Casado, fazia as pazes com sua raiz. Começava a aceitar Portugal em si. Deixava a França de lado. O livro, passado entre os fidalgos, tem a todo momento a súbita presença de gente simples, pobre, comum. São os Manueis, os Josés, as Marias, povo aparentemente duro, forte, bravo, mas que se desmancha em lágrimas a qualquer momento. 
   Críticos marxistas tendem a não querer perceber que um autor é muito melhor explicado por sua vida intima, por aquilo que ele amou e por aquilo que ele leu, que pelas convulsões sociais. Óbvio que uma guerra muda toda uma vida, mas muito do que um escritor faz se deve àquilo que ele leu. Sua luta contra as suas influências. Eça amava Balzac. Mas ele jamais poderia escrever como o francês. Pois em sua lista entrava também Stevenson, Stendhal e Flaubert. Essa mistura ajuntada a sua biografia individual, filho rejeitado não-natural de familia rica, fez dele o que seus livros mostram. Um homem que caminhou do ceticismo amargo do Primo Basilio à paz serena de A Cidade e as Serras. Ele reencontrou Portugal. Sua raiz.
   Este livro, saga de um fidalgo tradicional, suas trapalhadas, sua falta de racionalidade, é um monumento.

PARA MEU AMIGO FABIO PAGOTTO- HARVEY E COLIN DAVIS

   Meu amigo Fabio Pagotto escreve no Facebook um texto lindo sobre o filme HARVEY. E para minha surpresa, uma galera enorme responde ao seu texto, entoando homenagens a esse soberbo e sublime filme de Henry Koster. Do que trata? James Stewart faz um frequentador de botecos. Sempre sorridente e otimista, ele tem a companhia de um coelho gigante, Harvey. Claro que o filme jamais mostra o coelho, o cinema em 1950 ainda tentava ser adulto. A familia, repressora, acaba por internar Stewart. É quando acontece a sua maravilhosa fala ( o roteiro, genial, é de Mary Chase ). Fabio transcreveu a fala inteira. Harvey é um pookah, espirito mítico da Irlanda que acompanha os bêbados e os ingênuos. Nessa fala o personagem de Stewart fala do coelho, da alegria da vida, dos amigos que ele e Harvey sempre encontravam. Impossível não se emocionar.
   HARVEY é um cult, foi o filme favorito de James Stewart ( um cara que fez mais de 20 graaaaandes filmes ), e percebo que manteve todo o poder de emocionar. Isso após 63 anos!!!
   Falando em Grande Arte, Colin Davis morreu. Se depender da Folha, isso é menos importante que a inauguração de uma loja. O Estadão deu meia página bem cheia. Falou quem ele era e o que fez. Davis foi parte da última grande geração de maestros. A geração de Abbado, Masur e Maazel. Últimos nomes de uma turma que estudou com os maestros ícones, aqueles que regeram no tempo de Strauss, Ravel e Mahler. Colin Davis teve a honra de redescobrir Berlioz e deixar obras primas em Mozart. Sua geração foi a primeira a saber usar os estúdios de gravação. Davis deixa mais de 300 albuns. Sabemos que o sublime se foi. 
   A vulgaridade manda no mundo como nunca antes. Blá!
   

TREZE À MESA- AGATHA CHRISTIE

    Alguém ainda lê Agatha Christie? Até os anos 80 todo o universo lia. Vendia em banca de jornal, em supermercado, em posto de gasolina. Viciava. As pessoas ficavam loucas tentando descobrir quem tinha matado, quem tinha roubado. Começavam a ler e iam num fôlego só, 200 páginas sem parar. Ufa!
    Agatha Christie era uma velhinha inglesa que escrevia no estilo Conan Doyle. Ou seja, Hercule Poirot, o detetive de seus livros usava a cabeça e nunca os punhos. Mas ele era diferente de Holmes. Era francês. Um gourmet e o principal: Poirot era famoso como detetive, uma estrela mundial. Christie escreveu 87 livros, todos best-seller e a maioria sobre Poirot. Teve ainda sucessos no teatro ( sua peça A Ratoeira ficou décadas em cartaz ) e no cinema. Assassinato no Orient Express virou filme de Lumet e outros livros foram filmados por gente como René Clair e Hitchcock. Poirot perambula pelo mundo dos ricos e belos e pensa, pensa e pensa, até chegar a conclusão do crime. Holmes observa e deduz, Poirot une pistas e faz uma narrativa. 
   Me deu raiva ler esse livro! Porque eu desvendei o crime logo no inicio. Mas então Christie me embaralhou e desacreditei da minha dedução. Para descobrir no final que o culpado era aquele que eu primeiro suspeitara. Uma delicia! É um prazer ler os livros de Christie. Prazer culpado, são literatura pop, livros fáceis para quem começa a ler agora. Bem... eu comecei a ler a quatro décadas, ler Poirot é um refresco, um flash-back gostoso. Belos diálogos, intrincado jogo de pistas falsas, humor negro, clima de ruas de Londres em 1933. Tá feita a diversão.
   Acho que ela nunca voltará a moda. Continuará juntando pó em estantes. Mas vale a pena. Junto com Leblanc, Simenon, ela faz parte daqueles autores de muito sucesso que foram subitamente esquecidos em meio a moda de duendes, cavaleiros e auto-ajuda. Pena.

GLENDA JACKSON VERSUS MAGGIE THATCHER

   Ontem a Tv exibiu bastante os elogios de Cameron à Thatcher. E também os ataques de uma trabalhista a Maggie. Essa lider esbraveja com fúria dizendo que Maggie implantou na Inglaterra o cinismo e o consumismo em sua forma mais cruel. O que a Tv não diz é quem é a feroz oradora. É Glenda Jackson, atriz ganhadora de dois Oscars de melhor atriz, em 1970 e 1973, e que largou cinema e teatro para se dedicar a sua cruzada anti-Thatcher. Seria fantástico vê-la como primeira ministra. Se estivéssemos em 1970 talvez isso acontecesse.
   Glenda surgiu no teatro inglês por volta de 1965. Como um furacão em Marat/Sade dirigida por Peter Brook. A peça, um libelo anarquista contra a moralidade e a normalidade, causou espanto. Pouco depois ela começava sua carreira nas telas. Mulheres Apaixonadas de Ken Russell, baseado no livro de Lawrence lhe deu o primeiro Oscar. Daí em diante, durante sete anos, ela ousou sempre. Em 1973 ganhou o segundo Oscar com a comédia amarga Toque de Classe. Mas já aí ela começava a se queixar. Dizia que os bons papéis estavam sumindo, perdia a vontade de atuar. Falou em largar tudo e virar politica. Ninguém levou a sério, afinal, em 1977 ela era um tipo de Kate Winslet mais séria das telas. Ela cumpriu o dito, largou e nunca mais voltou. Ontem vejo-a na Tv, a esbravejar.
   Nunca foi bonita. E sua nudez nos filmes sempre foi constante e natural. Ela não era bonita mas tinha algo de bicho, de indomável e de hermafrodita que fazia dela uma mulher fascinante. Em Delirio de Amor, aquele filme sobre Tchaikovski que é o mais exagerado carnaval do cinema, ela tem uma presença hiper-sexy como a esposa de Pietr Ilitch. Ela nunca teve medo, sempre foi intensa. Quando o palco e a tela começou a ser mais comedido e bem intencionado ela saltou fora. Sem nunca olhar para trás.
   A geração britãnica da qual ela faz parte foi pródiga em insatisfeitos. As escolas dos anos 40/50 formaram alunos muito inquietos e havia um programa educacional de artes que conscientizou toda uma geração. Terence Stamp, Julie Christie, Alan Bates, Vanessa Redgrave, Tom Courtney, Albert Finney, Edward Fox, são todos atores que esnobaram o estrelismo e tiveram uma postura critica em relação a sua profissão e ao mundo. Muitos deles largaram tudo por anos. Glenda foi a mais radical.
    Uma das mais trágicas consequências do governo Maggie foi a transformação das escolas humanistas inglesas em centros formadores de trabalhadores financeiros. Aprender a lidar com dinheiro passou a ser a maior ambição dessas escolas. Uma mudança pela qual Glenda sempre lutou contra. Não esqueçamos que até 1977 havia desenho, teatro, latim e história grega como parte do ensino normal. Coisas inuteis que serviam apenas para instigar a critica e despertar o senso estético. Isso morreu.
   Mas não Glenda Jackson, que vejo na tribuna chamando Cameron às falas, vociferando contra a memória de Maggie. Glenda hoje velha, sem vaidade, feia, uma bruxa de Sussex, temível e maravilhosamente viva.
   O ensino humanista morreu lá como morreu aqui. 
   Glenda e eu não.

SEI SHONAGON, DOWNTOWN ABBEY E LLOSA

   Interessante entrevista com Mario Vargas Llosa. Ele tem uma definição do que seja essa moda de séries de tv que é perfeita: São boa diversão. Descansam. Mas nunca são arte. 
   Eu concordo. Tem gente que trata Downtown Abbey, que gosto, como arte. Por favor! Só se voce desconhece arte! É diversão pop. Apenas isso. De bom gosto e nada ofensiva a pessoas "esclarecidas". Nada mais que isso. 
   Llosa destaca Faulkner como o último grande autor moderno. Bem...Faulkner foi um gênio. E sua escrita ainda é a coisa mais complexa dos últimos 70 anos. Ele antecipou o mundo cheio de ruidos e de informação em que vivemos agora. A multiplicidade de pontos de vista e a ausência de uma verdade. Para Llosa só Faulkner pode ser comparado a Tolstoi e Cervantes nos últimos 70 anos. Maybe...
   João Pereira Coutinho cita Evelyn Waugh. É um texto chato sobre crueldade, hipocrisia etc. O que me importa é que ele coloca Waugh lá em cima. Ora, que bom! Será que algum mocinho ao ler isso vai fazer o que eu fazia quando tinha 15 anos? Vai a enciclopédia saber quem foi Evelyn Waugh? Ou será que a preguiça e a falta de interesse venceram?
   Recebo a nova Filosofia, revista mensal da editora Araguaia. Walter Benjamin. O modo de pensar do chinês clássico. O carnaval e Dionisos. Well...Benjamin é o mais atual de seus contemporâneos. Porque? Ele era o mais aberto. Não se dogmatizou. Se abriu para a religião, a ciência, a comunicação, as artes. Chineses pensam em termos de mudança. Pouco usam o verbo "ser". Usam "estar". Desse modo voce nunca é alguma coisa. Voce e o mundo estão em um momento que será sempre uma transformação. 
   Querer conhecer um modo de pensar é começar a estudar a lingua em que esse pensamento de expressa. O fato da gramática italiana ser pautada pela musicalidade dos sons, o fato do francês desejar a absoluta clareza dizem muito sobre o que eles são e de onde vieram.
   Romero Freitas diz que o cinema é uma linguagem e que portanto ele não é palavra, música ou pintura. Ele diz por movimento. Lemos o movimento sem perceber. Se conseguimos narrar verbalmente e explicar racionalmente um filme isso significará que ele é falho. O cinema não pode ser explicado. Ele existe. Romero cita como exemplo dois momentos: o olhar de Monika para a câmera em Monika e o Desejo de Bergman; e  todo o Joana D'Arc de Dreyer. O olhar de Monika diz o que? Ele diz, mas o que é dito? Impossível dizer. Impossível descrever. Nós vemos e sabemos o que ele diz. Mas não podemos dizer. Não podemos porque não é literatura. Não é filosofia. É puro cinema. 
   Flavio Paranhos diz em outro artigo, sobre justiça, que O Sol é Para Todos o comove ao ponto de chorar. É o único filme que lhe causa choro. Somos dois. Atticus Finch é o maior nobre do cinema.
   Saiu e já comprei: O Livro de Cabeceira de Sei Shonagon. Escrito no ano 500 de nossa era, é o mais atual dos livros. Uma concubina observa a vida e a descreve num diário. Tudo o que ela escreve parece que foi escrito hoje. Sei Shonagon escreveu um tipo de blog afetivo 1500 anos atrás. Seu livro é um convite para  revalorizar a vida.
   Editora 34, custa 80 paus. Vale mais. 

PAUL NEWMAN/ STAN LAUREL/ VINTERBERG/ GEORGE ROY HILL/ LEE MARVIN

   MONTEREY POP de D.A.Pennebaker
Meu amigo Fernando Tucori diz que foi e é impossível se fazer outro festival como esse. Primeiro porque ele reuniu 70% do que havia de melhor então, segundo porque todos tinham menos de 28 anos. Menos Ravi Shankar, claro. Como cinema é um grande filme. Pennebaker, nome mito dos documentários, captura todo o clima. Fantástico: A platéia é quase tão fascinante quanto os artistas. Observe como não existem duas pessoas parecidas! Sim, é a explosão da contra-cultura. Ainda se acreditava no fim do mundo repressivo. Essa certeza está na cara de todos. Outra coisa duca: os caras terminavam de tocar e iam assistir os colegas...No meio do povão!!! Dá pra ver Jimi e Janis vendo shows com a galera. Assim como Brian Jones andando por lá, na boa...No festival teve muito mais shows. No filme ficaram Simon e Garfunkel, Jefferson Airplane, Hugh Masekela, Animals, Janis Joplin....Quero destacar The Who, que quando vi na TV em 1978 mudou minha vida. Elegantes, livres, corajosos, históricos. Hendrix bota fogo na guitarra. Tem Country Joe and The Fish em momento de absoluto psicodelismo. Mas o show é roubado por Otis Redding. Voz baby, voz...Ravi Shankar encerra botando todo mundo pra viajar e meditar. Como show é um filme nota 10. Como cinema vale um 8. D.A.Pennebaker captou o feeling da coisa. È bem mais que Woodstock.
   VALE TUDO de George Roy Hill com Paul Newman
Grande sucesso, este filme tem uma importância sociológica. Mostra o momento em que o esporte deixa de lado o pseudo-cavalheirismo. Newman é técnico de um time de hockey fracassado. O sucesso vem quando ele aceita o jogo sujo. Aceita mesmo. Não pense que ele se arrependa. A violência vence. Roy Hill é o cara que fez Butch Cassidy e depois o genial e oscarizado Golpe de Mestre. Era um mestre em filmar malandragens. Paul Newman conseguia ser cool até fazendo este trapaceiro, fracassado, sujo treinador. O filme é bem bom. Nota 7.
   DÍVIDA DE SANGUE de Elliot Silverstein com Jane Fonda e Lee Marvin
De todos os filmes que ganharam Oscar de melhor ator, este é dos mais bobos. Sim, Lee Marvin é um ator que adoro. Ninguém mereceria prêmios mais que ele! Basta ver o que ele faz em The Dirty Dozen. E aqui ele está bem como um cowboy bêbado.Mas o filme é bobo. Jane Fonda é a garota que precisa desse cowboy para reaver suas terras. O filme é uma comédia. Um adendo: Eu pensava que Quem Vai Ficar com Mary era o primeiro filme a usar uma dupla de cantores para comentar o filme. Aqui temos Nat King Cole e Stubby Kaye fazendo exatamente a mesma coisa.... é a melhor coisa do filme. Nota 3.
   ARIZONA VIOLENTA de H.Bruce Humberstone com Randolph Scott e Richard Boone
Funciona bem este western sobre a rivalidade entre dois ex-amigos. Boone injeta doses de credibilidade ao vilão. O filme funciona como muito boa diversão. É o tipo do filme que fará um fã de western feliz e que ao mesmo tempo não servirá para conquistar novos fãs. Nota 6.
   ONDE IMPERA A TRAIÇÃO de Don Siegel com Audie Murphy
Séculos antes de fazer Dirty Harry, Don Siegel dirige este western classe B sobre homem que tenta dar paz e ordem a cidade violenta. Siegel já dirige bem aqui. A narrativa é rápida, bem cortada, objetiva. Na verdade não é bem um western, parece muito um filme noir passado com cavalos. Tem até uma femme fatale. Excelente clima. Nota 7.
   OS QUATRO PISTOLEIROS DO APOCALIPSE de Lucio Fulci com Fabio Testi e Lynne Frederick
Viu Django? Eis aqui mais um western spaguetti. Muita violência, música pop, sexo. Na verdade este é um filme bem louco. Fala de um grupo de desajustados que tenta cruzar deserto e chegar a cidade. O sangue espirra, todos são maus e sujos, cenas absurdas. Falta humor aqui. Nota 3.
   FESTIVAL DE CURTAS DE LAUREL E HARDY de Leo McCarey e George Stevens
Que alegria ver O Gordo e O Magro!!! Oliver Hardy e seu tipo ranzinza, vaidoso, ambicioso e Stan Laurel, um gênio, com seu tipo infantil e suave. Uma mistura que deu completamente certo. Eles sempre se dão mal, as coisas sempre rumam para o desastre, e nós, hipnotizados, vemos deliciados a coisa acontecer. Mais uma vez. Ainda há público para eles? A julgar pela constante reedição de seus curtas, sim, há. Nota Dez.
   AS NOVAS VIAGENS DE SIMBAD de Gordon Hessler com John Philip Law e Caroline Munro
Tem os efeitos de Ray Harryhausen. Mas estranhamente eles dessa vez não funcionam. O filme não possui clima, magia, não encanta. O roteiro é muito fraco. Uma pena. Nota 4.
   A CAÇA de Thomas Vinterberg
É impressionante a falta de cultura cinematográfica de muitos de nossos criticos. Alguém falou da obra-prima de William Wyler? O filme Infâmia, com Audrey Hepburn e Shirley MacLaine, fala de duas amigas professoras que são acusadas por uma aluna de lesbianismo. As duas são massacradas pela cidade. Uma delas se suicida e a outra tem sua vida destruída mesmo após a prova de que a aluna mentia. Esse filme do mestre Wyler é um dos filmes mais cruéis e devastadores que vi em anos. Acima de tudo é uma aula de direção. Dito isso devo dizer que este A Caça é um filme bem bacaninha. Claro, eu abomino o cinema feito na Escandinávia. Todo filme vindo de lá tem essa marca da religião luterana: pregação moral, ausência completa de humor, criatividade fria e "utilitária". Não são filmes, são pregações sobre o mal e o bem. Agora voce pode dizer: Mas seu amado Bergman não foi escandinavo? Sim. E Ingmar teve todos os defeitos dessa alma luterana. Mas ele compensava isso com seu senso absoluto de estética, de beleza e do sublime. Ingmar era um esteta, um apaixonado pelas mulheres, pelo mar e pela luz. Isso redime sua herança escandinava. Filmes como esse A Caça me entediam porque antes de vê-lo eu já adivinho tudo o que será filmado e como será demonstrado. Mas é um filme bacaninha. Tem um ator bom. Nota 5.

O MORUMBI

   A avenida Jorge João Saad, aquela que vai dar no estádio...era um córrego. Não,não era, era mais que um córrego, era um riacho. Para ir à escola eu tinha de cruzar esse córrego. A ponte era um tronco de árvore caído. Passava correndo, sem olhar pra baixo. Quando chovia não ia, tudo alagava. A Giovanni Gronchi era uma estrada, não uma avenida. Estrada porque parecia não ser mais São Paulo. Asfaltada, era caminho para Itapecerica da Serra. Ao longo dela só eucaliptos. Florestas de eucaliptos. O cheiro forte, sempre frio. Som das folhas ao vento, chuva de folhas, sombras. Quilômetros de eucaliptos. Por toda a Giovanni só 3 construções: o estádio, o colégio americano e ao final a fábrica da Pullmann. Era engraçado. Após um tempão de árvores e cheiro de árvores, súbito, cheiro de bolo assando. Ao redor da Pullmann tinha sempre a marca dos bolos ao forno.
  A avenida Morumbi era rua de travestis. Quando ela chegava junto a ponte do Brooklyn. "Moças" de minissaia faziam ponto nas calçadas. Era mais uma avenida de eucaliptos. Terrenos vazios, bosques e os travestis. Um nada completo. Algumas poucas mansões enormes. Sem muros. Se passeava para se ver as mansões.
  Mas eu morava em outra parte. Na beira do Morumbi, perto de onde hoje é a TV Bandeirantes. Algumas ruas já tinham asfalto e nelas se andava de kart. A maioria era de terra. Poucas ruas. O bairro era uma confusão de terrenos baldios sem muro que se uniam a mais terrenos baldios. A gente podia andar em linha reta, cruzando dúzias de terrenos, terras que pareciam sem dono. Naquela parte do bairro não tinha eucalipto. Eram campos de capim e de mamona. E enormes cupinzais. A gente fazia guerra de mamona e cachimbos pra fazer bola de sabão. Na minha rua passava um carro a cada meia hora. 
  Lagoas a todo lado. Algumas com fundo de pedra. Meu primo nadava pelado. Pegava siri. Riachos cheios de peixinhos. Amarelos, eles nadavam contra a corrente e eu ficava doido de prazer em ver seus corpos claros na água com sol. Parecia um tipo de milagre. No fim da tarde tudo se lotava de sapos e rãs. 
  Cobras verdes, fininhas, andavam pelo capim. Enormes incêndios. O capim fazia um barulho legal quando queimava. Estourava. Cobras cegas quando a gente cavava junto ao cupinzal. Ela eram brancas e feias. Diziam que cuspiam no olho da gente. Ratos enormes. E gambás. Preguiças. Micos. Eu vi. E não faz tanto tempo assim.
  Tinha uma bica onde a gente bebia água. E da frente da minha casa dava pra ver a avenida Paulista. De tarde a gente via o relógio do conjunto Nacional. Da porta da cozinha a gente via o pico do Jaguaré. Bem claro, verde, parecia perto. O Morumbi era lugar de se ver longe. E de escutar. Pássaros a semana toda e a torcida no estádio domingo de tarde. 
   Quando chovia era lama. Muita. E no inverno era muito frio. Nevoeiros que duravam o dia inteiro. Calor de cigarras e de gafanhotos. E eu juro, vacas que passavam de mansinho na frente do meu portão.
   O que eu fazia? Eu olhava. Como eu olhava! Deitava junto a um abacateiro e ficava olhando nuvens. Elas se modificavam, voavam, paravam, iam-se. Quando surgia um avião era uma festa. Vóooooommm...e passava-se. Às vezes dava uma tristeza... a poesia já se avizinhava de mim. Eu sabia tudo tão lindo e ao mesmo tempo sabia que tudo passava. 
   Um dia achei em minhas andanças piso de cerãmica em meio ao mato. Restos de uma casa demolida desde quando? O muito velho deparou-se comigo. Ruínas. Uma coluna caída, um resto de porta. 
   Outro dia era a piscina onde flutuar era um tipo de nascer outra vez. Sabia na pele que tudo era ciclo. Mas acreditava sem pensar em crer que a árvore da minha tia era para sempre. Mudanças que mudavam sem passar.
   O Morumbi era um campo de aprendizado. Aprendia a ver, a escutar, aprendia a pensar em ócio. Entendia o espaço. 
   2013 são 40 anos depois. E agora o eu que sou sabe que não existe vida sem espaço aberto, sem horizonte e sem poder ver o Jaguaré. Não existe vida sem cigarras e sem pontes pra cruzar. E a morte mora em muros altos e terrenos fechados. 
   

THATCHER VENCEU TODAS E TODOS SEMPRE

    O que posso dizer sobre Maggie? 
    Ela mudou o mundo. Foi a última lider a mudar globalmente a história. Acabou com a Inglaterra trabalhista, do bem-estar social. Com ela nasce a politica como administração econômica. O que passa a importar é o saldo da balança e nunca a população em si. Mesmo governos aparentemente diferentes de Maggie ( posso citar o PT e Clinton ) se guiam por essa coisa "maggiieana":  Politica é salvar a economia.
    Ela pegou a Inglaterra quebrada. Era o tempo dos punks, dos hippies e do país aturdido pelo IRA. Tive um amigo que morou em Londres na época ( 1975/1977 ). Era uma cidade maravilhosa e decadente. Jovens imigrantes moravam de graça em casas abandonadas. Comunidades eram sustentadas pelo governo. O imposto dos mais ricos chegava a 50 por cento ( o que fez com que quase todos os astros do rock se mandassem e fossem chamados de traidores ). A Irlanda do Norte pegava fogo e a sensação era de fim do mundo. Por mais que fosse uma deliciosa cidade de glitters e pré-punks, Londres não tinha futuro nenhum. Às vezes lembrava a Berlin de 1920. Claro que um discurso baseado em força e coragem venceria. O que os conservadores não esperavam era que Maggie salvasse a economia e matasse a velha e risonha London Town. 
   A coisa pegou fogo e em todos os confrontos Maggie venceu.
   Jovenzinhos de 2013 não sabem, mas a Inglaterra já foi país de gente viril. Os trabalhistas, nascidos nas minas de carvão de Newcastle eram a verdadeira imagem do povão. E os intelectuais seguiam o esquerdismo elegante de Shaw. No rock os Kinks eram seus representantes. Tudo se foi com Maggie. Ela esmagou a esquerda e as velharias e se tornou o modelo daquilo que Reagan faria nos EUA. O pau comeu. Ela fechou todas as estatais que não davam lucro. Os mineiros foram pra rua. Fizeram greve de fome e Maggie os deixou morrer sem ceder um centímetro. Surrou os argentinos, matou irlandeses, enfrentou passeatas com bombas e cães. Assustou tanto a esquerda que ela se desfez aos poucos. Principalmente porque a Inglaterra voltou a se sentir segura, imperial, dona do próprio nariz. Enriqueceu. Mas pagou um preço alto, se tornou um país frouxo. 
   O cinema acabou. Todo incentivo estatal a cinemas menos pop se foi. O cinema inglês passou a depender da TV e da publicidade. Derek Jarman e Stephen Frears tiveram de ceder. No rock houve uma guerra. As bandas "two-tone" ( Specials, Madness, Beat ) junto a Clash, Costello, Paul Weller, passaram a se radicalizar. Lutavam frontalmente contra Maggie. Ao mesmo tempo nascia o novo rock inglês, bandas que variavam entre um deslumbramento yuppie ( Duran Duran, Human League, Spandau Ballet ) ou uma melancolia derrotada e flácida ( Joy Division, Smiths, Ultravox ). Logo todos os rebeldes se calaram e o rock da ilha desde então varia entre os alegrinhos fofos e os tristes presos em seu quarto. 
   Vencendo todos e sendo reeleita sempre de barbada, Maggie acabou assustando até seus eleitores. Porque eles começaram a perceber que a velha England havia morrido. Não havia mais espaço para o bom teatro subvencionado, para os excêntricos revolucionários e para os "doces vagabundos". Tradições que faziam da Inglaterra um pais único foram esquecidas. E os futuros lideres sumiram. Tarde demais perceberam que a Inglaterra não voltara a ser a potência de Disraeli e de Asquith mas apenas uma Boston da Europa.
    O legado de Maggie foi o de ter acabado com a politica como coisa abstrata. A realidade passou a ser o balanço econômico. Tudo se resumindo a inflação e desemprego. Não se pode negar, Maggie venceu. Todas e todos. Sempre..

QUANDO UM TEXTO MUDOU UM SÉCULO....A VONTADE DE SENTIR, POR SCHILLER

    Vick-Vaporub, começo este texto com esse nome. Logo direi porque. Digo agora então que o texto de Friedrich Schiller, aula de estética, é um dos melhores e mais comoventes testemunhos que li em minha vida. Durante as 3 horas da aula eu fiquei profundamente comovido. Alguém em 1795 havia falado TUDO AQUILO QUE EU SINTO, BUSCO, SOFRO, DESEJO. 
   A professora deixa claro, o texto do alemão genial, melhor amigo de Goethe, contemporâneo de Schelling, Kant, Beethoven, Schubert e Holderlin, mudou o século. Poucas páginas que modificaram todo o mundo ocidental. Lembremos, a época de Schiller é o tempo em que o livro é rei único. Nunca antes ou depois se levou um escritor e sua obra tão a sério. Era um mundo da palavra, do discurso, da pena. Mas é hora de resumir. Do que trata a tão capital obra? 
   Falemos então do sublime...e não pense que esse assunto se restringe a poetas e músicos. Ele é o maior desejo de todos.  Já mostro como e porque.
   No mundo grego o sublime era valor cotidiano. O sentimento sublime era vivenciado na cidade em jogos, na arte e nas festas. Para eles, a função da arte era dar ao homem essa experiência. Por toda a história européia esse desejo permaneceu, às vezes em maior evidência ( idade média e renascimento ), às vezes quase extinto ( era iluminista e século XX ). Schiller ao escrever seu texto rompe com essa tradição iluminista anti-sublime. Demonstra o mecanismo do sublime, sua diferença do belo e prova que onde ele mais se encontra não é na arte mas sim na natureza.  O universo está impregnado do sublime, nossa razão é que o evita. Porque? 
   Primeiro porque ele é súbito e não programado. Segundo porque ele quase aniquila a razão ( mas nunca o eu ). 
  Nosso eu tem como maior desejo seu crescimento. Queremos ser maiores, mais inteiros, livres. Ser livre é ser maior, crescer sem amarras, sem tempo e sem espaço. O belo nos contenta, faz com que nos sintamos em paz com nosso eu, satisfeitos e em equilíbrio. O belo faz com que nos sintamos nobres. O sublime vai além disso. O sublime nos dá medo. O sublime nos desafia a enfrentar a vida. Diante do sublime nos encolhemos, nos apequenamos. Sentimos nosso eu em grave perigo. Vemos o que preferíamos não ver. Nos desequilibramos. Fosse só isso não haveria motivo algum para irmos atrás do sublime. Mas após o horror vem o prazer. Por vencermos o medo, sentimos nosso eu crescer, se fortalecer, prevalecer. No sublime o terrível se torna belo, a vida vence a morte, o medo é destruído pela vitória. O sublime nos move pois aumenta nossa percepção da vida. 
   Aqui faço uma pausa: Liotard e toda a intelectualidade de Paris postula o sublime como única saída possível para a arte em crise de nosso tempo. Para eles, só a volta do sublime poderá fazer a arte voltar a ser relevante e viva.
   A tese de Schiller tem uma história. Antes dele Joseph Addison já dizia que a "imaginação ama ser preenchida por algo que a força a ir além de seus limites".  Nossa mente ama a contemplação do mar, das montanhas, do céu, de tudo que signifique espaço aberto, força, poder, liberdade enfim. Sentimos atração pelo que é maior que nós e nos força a ir mais longe.
  Schiller pega essa tese e a reforça. Amamos o mar. A montanha e o céu. Mas, mais que o mar, amamos o mar tempestuoso, terrível, em vagalhões. Mais que a montanha amamos a avalanche, o vulcão, a tempestade de neve, e mais que o céu, amamos o raio, a chuva, as estrelas que caem. É o sublime, o perigo que ameaça e ao qual vencemos. 
  Edmund Burke antes de Schiller falará em beleza positiva e negativa. Positiva sendo pequena, doce, delicada. Negativa sendo grande, escuro e ácido. 
  Entra na história Immanuel Kant...."O modo como nos relacionamos com o mundo é ditado por nossas faculdades."  Ou seja, o sublime mora na natureza e como somos parte da natureza, mora em nós. Para Kant, o que importa não é o sublime fora de nós, mas sim "o modo como olhamos o sublime, o processo entre o olhar e o sentir."
  Porque certas pessoas, pobres desafortunadas, passam pela vida sem um só momento sublime? A resposta se encontra no tempo. É preciso tempo para se olhar, é necessária uma vida contemplativa, é primordial a experiência cotidiana do belo, é fundamental a educação dos sentidos e dos apetites. Saber ver, saber ouvir e saber ser livre. Mais Kant:
  "Veja: A obra de arte ( verdadeira ) é sem conceito, livre, jogo puramente estético. Imaginação em harmonia com a razão. A imaginação criando e a razão construindo. Nada aqui é conceitual ou lógico. O que se joga é o prazer. A arte é sempre um prazer."  
  Kant ainda afirma que a arte é universal, pois é como se qualquer um pudesse ser atingido pelo jogo. "Como se" é diferente de "é". Necessário um conhecimento para se fazer parte do jogo, o conhecimento do belo e a vivência da liberdade.  O belo nos coloca em harmonia conosco-mesmo, estimula nossa vida, vivifica nosso desejo de estar vivo.
  Voltando a Schiller:
  Se o belo nos harmoniza, o sublime nos coloca em conflito. No sublime a razão entra em guerra com a imaginação. O que é criado não se completa na razão, antes a desafia. A dor da desarmonia é o primeiro sentimento do sublime. 
  Nascem então dois tipos de sublime:
  O matemático e o dinâmico.
  O matemático tem a ver com tamanho e proporção. Diante do muito grande a imaginação sente sua impotência. Não consegue o apreender. A razão força a imaginação a se superar. Podemos então superar nossa própria imaginação. Surgem as ideias supra-sensíveis: Liberdade, Deus, Infinito.
  Só na arte o ser humano pode ser livre. Pois é na arte que todas as categorias lógicas são plenamente usadas, ou seja, o ser transcendental e o ser do conhecimento. Na arte vamos além do mundo sensível, além do conhecido e além do animal. Chegamos a plena liberdade.
  O sublime dinâmico lida com o movimento interno que nasce no sublime. Diante da força vital sentimos medo. Medo diante do que é forte demais, vivo demais. Dinâmico demais. Nossa vitória começa ao reconhecermos nossa ínfima pequenez diante dessa força. Ao mesmo tempo resistimos e aí começa nosso prazer. Nesse sublime sabemos todo o tempo sermos fracos e pequenos, mas resistimos e assim vencemos.  Vencemos porque possuímos nossa razão-moral. Razão-moral que é a liberdade. Liberdade por estarmos além do plano animal, por podermos resistir moralmente a nossos instintos, a nosso medos. O prazer vem do distanciamento diante da ameaça.

  Para Schiller, o desenvolvimento estético possibilita a liberdade. Dá a possibilidade da escolha moral. Aprendemos a usar nossas faculdades além do mundo da experiência. Nos tornamos mais do que aquilo que somos.

  Esse texto caiu como uma bomba. Por pouco mais de cem anos a busca pelo sublime ditou o comportamento de todo jovem. Viagens de aventura, experiências com sexo e com drogas, arte pela arte, andarilhos, voluntários em revoluções....A busca pelo sublime não tinha fim e se morria sublimemente. Acima de tudo o amor. A dor que causa prazer= sublime= amor.

  Vick-Vaporub. Em ano de absoluta solidão, sofrendo de asma e cheio de Vick no peito, eu lia, com insônia, ouvindo o vento do inverno de 1977 bater na janela. Ainda quase criança, descobria o desespero de Kafka e de Dostoievskie e amava a Jeanne, menina triste que se foi logo. Cercado pelo cheiro de Vick, nas sombras de meu quarto gelado, eu lia e sofria....e tinha um estranho prazer. Uma sensação de proibido, de perigo, de doença misturada com sensualismo, de vida real tingida por além da vida. Eu crescia, me expandia, ia além, e sofria. Sublime. Não foi belo, foi sublime.
  Como sublime foram meus amores exagerados, como sublime é toda vez que olho para a Serra do Mar: me sinto pequeno e então me sinto grande...pequeno e grande, pequeno e grande, medo e prazer, encolhimento e liberdade.

  Nosso mundo sem tempo e sem o culto do belo desprepara todos nós para a possibilidade do sublime. Pior ainda, quando ele se aproxima paramos assustados no medo e NÃO OUSAMOS IR ALÉM DELE. Ah.....Mas amamos o sublime mesmo sem o saber! O procuramos ao saltar de para-quedas, ao cheirar coca, ao chorar num show de Neil Young ao amar a menina "errada". Lemos poesia, mergulhamos no Caribe, bebemos até cair, tudo em busca desse momento de sublime, dessa queda para cima, dessa morte que dá vida. 

  Crescendo cercado de patos e coelhos, com ruas de barro e lagos limpos, cercado de primas e de pratarias e porcelanas, meu senso de belo foi despertado, meu desejo pelo sublime conhecido e reconhecido. 
  Não tenho feito outra coisa além de procurar esse momento. 
  Que às vezes vem num pote de Vick-Vaporub. Ou no mar ao amanhecer em dia gelado. Numa melodia do Roxy Music ( For Your Pleasure é o sublime no rock ), numa calçada diante da janela da menina amada.
  Na minha única fé verdadeira: A vida vale a pena por ser sublime. E é só isso que me move.

OS 100 MELHORES DISCOS DE ESTRÉIA PELA REVISTA ROLLING STONE ( JAMAIS EU ).

   Eu até posso compreender que o primeiro disco dos Beastie Boys seja o mais importante disco de estréia da história. Afinal ele trouxe o rap para os brancos e o rap é a última coisa inovadora criada no rock. Lembro em 1985 como a gente achava esquisito aquele sampler de John Bonham, roubarem os riffs de Eddie Van Halen e Jimi Page, os vocais que não cantavam. Era coisa nova, realmente nova. Mas...não era simples cópia de Public Enemy e de Run DMC? ...
   O segundo melhor disco de estréia é o Ramones. Ok, o modo de tocar a guitarra deles mudou o rock, mas em 1977 eles não causaram a menor comoção. A gente se ligava muito mais nos Pistols e no Clash. Segundo melhor? Acho que o critério de influência, de novidade começa a fazer água quando a gente vê que o disco de estréia de Elvis Presley está em 79...79!!! Se for por influência nenhum é mais importante e se for por qualidade...então Ramones não pode ser o segundo melhor.
   Jimi Hendrix, Are You Experienced?, é o terceiro. Aí sim, o disco une qualidade com influência. Hendrix fez com que todo guitarrista de repente ficasse velho e o disco é uma obra-prima em criação. Mas Guns and Roses em quarto lugar só pode ser piada. Ou pior, provocação boba. 
   O disco de estréia mais importante da história, o disco que criou de Radiohead a Rem, de Stooges a Bowie está em quinto lugar: Velvet Underground e o disco da banana. Esse seria o justo número um, pelo simples fato de que ele criou sózinho todo um modo de fazer e de ouvir rock. Da capa do disco às roupas dos caras, tudo no disco é influente. E atemporal. Axl estar à sua frente é uma piada.
   Depois temos NWA em sexto e na sequencia Sex Pistols ( pra mim é o segundo disco mais importante ), Strokes ( what? ), e que bela surpresa: o disco da estréia de The Band em nono lugar. Se o Velvet criou o rock artístico, o rock anti-pop e anti-social, The Band inventa em 1968 o rock suave da recuperação da sanidade. Fazem a ponte do folk com o pop, da música de bom gosto com a sinceridade da solidão. 
   O resto da lista? Em ordem: Patti Smith, Nas, Clash, Pretenders ( que beleza! O disco Pretenders I é uma bomba de criação e de raiva ), Jay Z, Arcade Fire, The Cars, Beatles, REM, Kanye West, Joy Division, Elvis Costello.... Lembraram do ótimo disco do B'52's e o colocaram em 28. The Doors, que seria o melhor pra muita gente, ficou em 34, The Police em 41 e Television em 40. 
   Se está a se pensar em influência o primeiro disco do Black Sabbath não mereceria melhor posição que a 44? Os Smiths surgem em 51 e o maravilhoso, arrojado, soberbo, enigmático e lindo Roxy Music I fica num 62. Vixe!!!! O Roxy é hors concours....
   Temos ainda Pink Floyd em 47, The Beat em 64, Stooges em 66 e o primeiro dos Talking Heads em 68.  Byrds em 80 e lembraram dos Flying Burrito Brothers, em 99. 
   Acima eu falei que o Velvet seria o melhor disco de estréia da história por ser o mais influente. Esquece! Led Zeppelin I é o mais influente disco de estréia da história. Um disco que mudou o modo como um guitarrista deveria solar e um baterista deveria tocar. Na lista da Rolling Stone ele é o 72. Quem assistiu o filme Quase Famosos sabe que por toda a década de 70 a revista RS ignorou o Led. Toda crítica de novo disco era negativa e as excursões eram cobertas por jornalistas novatos com pouco espaço nas páginas de uma revista que preferia apostar em Boston, Steely Dan ou Dr. Hook. 
   Certas coisas nunca mudam....

O PÁSSARO RARO- JOSTEIN GAARDER

   Caiu nas minhas mãos, uma amiga pediu pra eu ler. Li. O Mundo de Sofia é bom. Uma bela maneira de se entrar no mundo da filosofia. Ainda lembro da impressão que me causou o capítulo sobre Berkeley. Mas este livro, que é o primeiro de Gaarder, lançado em 1986, é beeem pior. Sorry.
   São contos filosóficos. Num deles uma mulher com câncer descobre o budismo. Em outro um homem com câncer quebra loja de porcelanas. Há um conto futurista sobre mundo interligado. E por aí vai. Todos falam sobre gente no limite, momento em que o interesse pela filosofia nasce. Claro, são todos filosóficos. Ok, mas Italo Calvino e Borges fazem esse tipo de conto de modo muito melhor, muito mais filosófico e com uma originalidade que Gaarder não chega nem a sonhar. Ele escreve mal. Muito mal. Belas intenções, pensamentos válidos, falta talento. 
   Num dos contos, Nietzsche comparece. É demonstrado um fato: Apolo venceu Dionisos e no mundo de hoje somos fracos e assistimos passivos a vida rolar. No século XIX ainda se faziam coisas, mas agora apenas as olhamos. Ok, tá certo, mas e daí Jostein? Falar isso não é fazer um conto. Onde sua criação? 
   Em outro conto o personagem descobre que o mundo é impossível. É impossível estarmos de pé num planeta que é uma bola, é impossível que o ar vire energia e queime dentro da gente, é impossível que uma explosão tenha do nada criado o tudo, é impossível que Deus exista e é impossível que a mente de carne e sangue produza pensamentos abstratos, a vida é impossível. Mas tudo isso é real. Nasce desse aturdimento, sentimento que só os acordados têm, a filosofia. Belo tema para um conto né? Necas! Gaarder escreve um conto moroso e xoxo. 
   Livros como filmes às vezes são profundos e geniais ao falar de férias na praia ou de um homem e seu cavalo. E às vezes são incrivelmente rasteiros ao falar de Nietzsche, Deus e Platão. Um artista verdadeiro transforma uma conversa em mesa de poker em arte, um fariseu consegue fazer do ouro, pedra. 
   O Pássaro Raro é um pedregulho.

ROGER EBERT

   Li alguns livros de Roger durante esta década. Ao contrário do que dizem os jornais, ele não foi o melhor crítico de cinema do mundo. Pauline Kael escrevia melhor que ele. Ebert foi o único a ganhar o Pulitzer. De qualquer modo, eu adorava ler suas opiniões. Em 90% dos casos elas batiam com as minhas. 
   Uma das melhores coisas que um critico pode ter é o dom de despertar no leitor a vontade de ver o filme. Ou fazer com que um filme já visto pareça ainda mais interessante. Roger fazia isso. Sua crítica de 2001 é uma obra-prima. O melhor em Roger Ebert era sua falta de preconceito. Ele amava Bergman e Peckimpah, achava Steve Martin tão bom ator quanto Sean Penn. Para ele o Coelho Pernalonga não era menos nobre que Kurosawa ou Bunuel ( não é mesmo! ). Não porque ele fosse um mero criador de caso. Não porque ele fosse um cara anti-intelectual. Afinal, ele adorava Dreyer e Godard. Roger era simplesmente um amante de cinema. E via a arte em Duro de Matar assim como em ET e Asas do Desejo. Ele não elogiava uma comédia de Mel Brooks com menos rigor que Fanny e Alexander. Ele a assistia com encanto, o encanto do amor. Para ele o cinema era dividido em filmes bons e ruins, mal feitos e bem feitos, sinceros e mentirosos. Simples assim.
   Quando ele achava um filme ruim esse filme era chamado de lixo, porcaria ou vergonha. Ebert não temia ser direto. E tudo isso seria mero palpite se ele não nos convencesse. Se um filme era ruim, ele nos explicava o porque de sua ruindade. E se era bom, normalmente ele nos fazia entender sua grandeza. 
    O que o guiava era o prazer de ver e de ouvir. Um filme deveria ser instigante. Despertar alegria ou saudade, questionar ou incomodar, mas jamais fazer o tempo se arrastar ou a bunda doer. Cinema é amor ao ato de se filmar. Cinema é dar ao público uma emoção que pareça nova, fresca, renovada. Grandes filmes sempre parecem novos. Filmes ruins já nascem velhos.
    Roger Ebert morreu ontem após uma longa luta com o câncer. E viu Hitchcock, Wilder e Kubrick até o fim. Disse que teve uma vida sem tédio. 
    The End.

CAMBRIDGE E OS SEM RÓTULO

   Tenho um professor que estudou em Cambridge. E em meio a aula ele fala da imensa variedade de tipos excêntricos que continuam a aflorar na universidade. Ao contrário de Oxford, muito mais "comum", Cambridge sempre foi famosa por atrair os tipos mais desajustados. Estranho o efeito que essa aula causou em mim. Um alivio súbito, um desafogo.
   Há uma tendência em mim, imposta pelo meio, óbvio, em me fazer invisível. Adotar um molde e passar então a crer na verdade desse molde. Desse modo, erro sempre ao tentar ser integralmente aquilo que me é sutilmente imposto. Lembro que meu terapeuta ( sim, já tive um terapeuta assim como um pai de santo ), dizia que o que nos outros normalmente se passa inconscientemente, em mim era sempre analisado. Meu vicio era o de analisar demais. Quando voce penetra nesse campo ( alô freudianos: penetra! ), a razão, essa ferramenta que teme tudo o que é vago e se ressente do que lhe escapa, passa a nomear aquilo que voce é. Assim passo a ser um rótulo, seja um dandy, um romantico, um moderno ou até mesmo um irracional. O rótulo se faz um alivio: "Óh! Eis o que sou!"  Triste armadilha, sempre que me vejo rotulado entro numa zona cinzenta onde nada acontece e os dias parecem ser todos iguais. Um tipo de depressão das possibilidades, a morte da minha "esquisitice". 
   Mas quando o professor fala dos cambridgeanos, e é claro que não estou me tornando um deles, não peguei emprestado mais esse rótulo, vejo diante de mim as imensas possibilidades de comportamento e de pensamento que existem na fauna humana. Porque seguir uma coerência e para que imaginar um perfil comportamental? A vida segue irrefletida e há uma multidão de seres sem rótulo que tentam e às vezes conseguem viver. Pessoas ilógicas, incongruentes, contraditórias, impulsivas e criativas. Pessoas que na verdade têm como único compromisso o erro, natureza e fim da vida. Errar em sua acepção original, que seja, tentar e nunca chegar a conclusão. Errar é viver, pois o acerto final, a conclusão é a morte, seja ela um fim-zero de tudo, ou um portal, conclusão e recomeço. Na vida que é sempre um erro e jamais uma certeza, tudo é tentado, tudo é modificado e reside nessa confusão de tolices e de quimeras a graça e a doçura de se estar aqui. A vida se escreve sem revisão, sem plano, sem autor. Erros sobre erros, acertos que nunca são conclusões e sim entradas para novas tentativas. 
   Ando pelas ruas, flanando, e observo os cinco ou seis tipos de gente que há ( aparentemente ): o moço de camisa xadrez e barba, o perfumadinho de polo, o careca de óculos e cafés, o funkeiro de calça skinny, o bonitão- bermudão e chinelo e o bombado de camiseta justa com frase gracinha. Muuuuita gente segue um desses perfis e uma das coisas mais chatas deste mundo que parece tudo permitir é a de que num show de rock ou no cinema, nunca tantos foram tão iguais. O moço do xadrez gosta da esquerda e da Vila, tenta ser bem brasileiro; o do polo ama New York e adora carros; o careca tenta ser liberal e vê todos os filmes "sérios" da Escandinávia; o funkeiro ri e só pensa em zuar; o do bermudão está sempre nas baladas e tem várias mulheres e o bombado faz pose e tem sempre uma turma. É só isso? Pior que muuuuuitas vezes é. Passivamente, sem perceber, pois todos se acham únicos, o molde se ajusta e o cara começa a falar e a pensar como aquele modelo de "homem". O tipo físico fazendo-ditando o espirito. Veja: Quantos gordos engraçados voce conhece? Quantos Johnny Depp ?
   O que essa aula Cambridge me deu é a certeza de que mesmo o careca de óculos que só fala em Hannah Arendt ou o barbudinho que só fala em cerveja, têm dentro de si uma vontade imensa de jogar essa bosta toda no lixo e se deixar errar. Rir de Hannah e deixar a cerveja ficar aguada. Duvidar de sua turma, ser incongruente, aloprar. Afinal, este professor é um surfista que dá aulas de ética e fala sânscrito. Irrotulável. 
   

MAIGRET EM NOVA IORQUE- GEORGES SIMENON

   É meu quarto livro sobre o inspetor Maigret. Simenon, autor popular que foi resgatado por autores ditos sérios, escrevia muito. Era capaz de fazer um livro em quinze dias. Alguns mais ambiciosos, outros não. Irônicamente os livros mais leves são aqueles que sobreviveram. 
   Livros policiais são maravilhosos. E muito dificeis de se escrever. Chandler, Thompson, Hammett, Cain, e os europeus Leblanc, Christie...dá até pra botar Poe e Chesterton no bolo. E nos anos 40/50, Simenon. O que nos seduz em seus livros é a mesma coisa que nos de Conan Doyle, a habilidade em criar ambiente. Lemos e vemos, sentimos aquilo que Maigret vê. O autor nos pega e nos leva a bares, ruas e hotéis, ao porto de New York, aos escritórios suspeitos. A trama, o mistério são secundários. Aqui, como em todo livro policial, o que ressalta é o clima. Por isso o cinema ama tanto esse tipo de literatura. Questão de décor, de movimento, de luz e de sombra.
   O caso, como em todo livro de Maigret, é intrincado e ao mesmo tempo simples. Ele parece complicado, é óbvio. E o óbvio sempre é o mais dificil de se perceber. Sim, muitos já disseram que Simenon foi um autor existencialista. Ora, os existencialistas foram hiper afetados pelos livros policiais! O herói vagando sem familia e sem lar, sem raiz e sem futuro pelas ruas escuras da cidade grande É Sempre um existencialista. Tão existencialista que ele faz, nunca escreve. Ele existe. Até hoje.
   Delicia!

LOLLAPALOOZA 2013- BUNDINHAS COM TALQUINHO

   Hot Chip. O que é isso? Um bando de fofuras de bundinhas talquinho espalhando piruetas de baby Johnson pelo palco....É pra rir? Antes que me chamem de homofóbico: AMO Bichas loucas como Bowie foi, Eno, Lou, Marc Almond , Mercury e um imenso etc. Adoro dandys dúbios como Marc Bolan ou Ferry. Mas esses meninos bonzinhos...vá dormir!
   Em meio a um imenso mar de covers de rock anos 80 ( nada de novo no ar, absolutamente nem uma nota original ), salvou-se a tentativa soul dos Alabama Shakes, banda que se ressente de não ter um baterista melhor; e um ar meio festivo dos Black Keys, esses errando por não ter mais groooove. O Queens é bom, mas toca em palcos errados. A platéia de mocinhos fofos e meninas gracinhas NADA têm a ver com os músculos de seu som.
   O Brasil matou a pau. Criolo teve todo o roll que 90% da gringolandia esqueceu. Foi sujo, suado, errado, barulhento e anárquico. E o Hemp instaurou  a alegria do mal comportamento. Sabe como é, gente do fundão e não os fofuretes da primeira fila. 
   Sacou?