ENO, PONDÉ, LEMOS, JORNAL, ÁFRICA E RIO

   Fotos antigas nas paredes. De Paris, de São Paulo nos anos 30, de NY. Uma pintura pós-moderna. Dois sofás: um deles desconstruído e o outro um tipo de coisa chique em estilo vitoriano. Livros. Belas edições de luxo. Poemas de Goethe, um estudo sobre o cinema japonês e uma imensa bio de Lacan. O morador, sem tempo ( ou vontade? ou interesse? ) jamais leu nenhum dos livros. Mas diz gostar deles. O quadro nem é muito olhado e as fotos espelham um passado que nunca lhe interessou.
   As almofadas estão sempre impecáveis.
   Pondé escreveu ontem sobre esse tipo de ser. O cara que mora em casas que têm montes de coisas que não servem para nada. O senhor da sala de visitas. Sala que nunca é usada. E livros que jamais são lidos. O cara tem uma cafeteira italiana, aparelhos de academia, máquina de sorvete, cursos de vinhos e queijos, e nada disso é usufruido. Porque tudo isso é trabalho inutil pra ele. E ele simplesmente nunca trabalha "á toa".  Nunca estuda. Nunca observa. Tudo o que ele faz é "pela carreira". Só estuda, trabalha e vê o que é "pela carreira". Brega. Sua casa faz parte da "carreira".
   Essas casas traem seu dono. São mortas. Tudo nelas é mais que morto, na verdade são não-nascidos. Os objetos não respiram, não envelhecem, não se sujam. Nessas casas não existe história.
   Pensei que só eu sentisse o tédio que essas casas dão. Eu as chamo de casas de "luzinhas amarelinhas". Ambientes assim abundam em filmes e séries de tv inteligentinhas. Completamente bregas. Tudo é sempre novo, limpinho e sem cheiro. A casa não é lugar pra se viver e trabalhar, é um tipo de vitrine, um tipo de cartão de acesso ao mundinho brega-novo rico. Laboratório onde se cria o tédio.
   No mesmo jornal Ronaldo Lemos fala sobre Eno no Rio.
   Brian Eno lançou um desafio ao Rio. Que ele assuma seu papel de Nova África. O que seria isso?
   Desde sempre Eno fala que o problema dos computadores é o de que eles têm pouca África. Nerds têm um componente africano muito baixo ( substitua africano por dionisíaco que talvez voce entenda ). Daí que o mundo da informática tem uma ausência de africanês. É frio, impessoal, previsível e sem calor. Cabe ao Brasil trazer esse componente africano ao mundo. Brasileiros criando uma nova Microsoft ou Apple.
   Ele fala mais. Por 50 anos a música foi central por ser uma forma de se receber a África.
   Vamos desenvolver essa frase. Por 50 anos. Não era antes? Não. Antes de 1950 a música ficava muito atrás da literatura, do teatro, do ballet, do cinema, e até da pintura. A transformação da música em coisa sempre presente se dá a partir da explosão do rock e da hiper-venda de discos, fitas, cds e agora i pods etc. O que Eno fala é que o mundo sentiu-se fascinado com a africanização. O mundo começou a rebolar, a se soltar, a improvisar, a colorir, a batucar, a gingar. ( Dionisio? ). Isso fez do século XX um século negro, radicalmente diferente de qualquer outro.
   Mas esse processo se esgota. E a música perde sua força. É preciso que o mundo receba algo de radicalmente novo. Que invada computadores, telas, a vida. Isso poderia ser o Brasil. Uma brasilização do mundo. A miscigenação radical. O improviso como dom e não como falha. O acaso. A hiper-africanização brasileira.
   Eno deu aparelhos para os cariocas onde eles criaram discos de Eno ao vivo.
   Lembro então que Eno e Bryan Ferry foram alunos de Richard Hamilton, o criador da POP ART. Todo o discurso de Eno é consequência da POP ART. O olhar sempre adiante, a busca pelo mais colorido, mais vivo, mais excitante. A celebração. Ferry uniu a isso o olhar romântico do cinema anos 40, a publicidade e a escultura. Eno caminhou para a tecnologia e o futurismo. O Roxy foi essa usina caleidoscópica que falava de Bogart, Jerry Hall e Calvin Klein, Greta Garbo, Elvis e TV, Tango, carros e Funk, tudo numa canção.
    Ando lendo Borges.
    Diz que a maior invenção grega foi a conversa. A conversa como arte e como prazer maior.
    Concordo. Mas digo também: a divisão de nossas forças entre Dionisio e Apolo foi genial. Casas apolineas ( sem o gênio de Apolo, um tipo de Apolo fake ), computadores sem Dionisio ( e o que são os hackers? Uma tentativa de dionisiar a máquina? ) Temos mais um momento decisivo, ou o mundo continua a reprimir o dionisiiismo ou tenta equilibrar a coisa....
     

DJANGO E TARANTINO E OS CINEMAS DE BAIRRO

   Bastardos Inglórios foi um filme italiano barato. Django foi um western italiano barato. E de grande sucesso. A trilha sonora, feita por Luis Bacalov, tem aquela melodia de guitarra e vozes que são a marca registrada desse tipo de fita. A cidade onde tudo se passa é pobre e fake: lama e barracos. O herói carrega um caixão, fala quase nada, e mata trinta bandidos com dois ou três tiros. Nada aqui é real. Os críticos da época ( 1966 ) odiaram o filme porque tudo nele é vazio ( aparentemente ). 1966 era o tempo auge do cinema dito moderno. Bergman, Fellini e Buñuel. Mensagem, desconstrução e simbolismo. Mas 1966 era também o tempo da pop-art, e assim como James Bond, Django era POP. 
    Se numa tela POP, Leonardo da Vinci está colado ao lado de um maço de Marlboro e de uma pin-up da Playboy, aqui temos um western que é feito na Espanha com atores italianos e um jeitão de filme de samurai de Kurosawa. Tudo vale. Tudo se mistura. Os atores têm cara de Giuseppe e não de James ou Joe. A trilha é rock com ópera. Os duelos são de HQ. Os diálogos lembram textos de comerciais de TV.  O herói é um Eastwood mais infantil. O filme é uma obra POP. Tem tudo a ver com Tarantino portanto.
   Não pense que é um grande filme. Seu objetivo era agradar o povão. E o povão amou esse filme. Na época em que não havia vhs, havia o filme-povão, que passava em salas de bairro, mais baratas. Nessas salas passavam os filmes que hoje iriam direto para dvd; filmes de karatê, pornochanchadas, comédias italianas, filmes de terror, e westerns spaguettis. Tarantino e os diretores POP vivem nesse mundo. Fosse brasileiro ele citaria ainda Os Trapalhões e Zé do Caixão. Frequentei muito essas salas. Na Fradique Coutinho eu via filmes eróticos italianos, no Largo de Pinheiros filmes de catástrofe e de terror, na Lacerda Franco vi aventuras espaciais e filmes de rock ( essas 3 salas de rua em Pinheiros ), na Vila Sônia eu via pornochanchadas brasileiras ( delicias com Helena Ramos e Aldine Muller ), no Itaim westerns spaguettis com Giuliano Gemma e Lee Van Cleef, em Santo Amaro os filmes de karatê. Ingessos a preço de ônibus. Uma maravilhosa salada POP. Pois na Paulista tinha Woody Allen, Hal Ashby, Robert Altman, Truffaut, Pasolini e Spielberg. Astor, Bristol, Gemini, Belas Artes e Paramount. EMBALOS DE SÁBADO À NOITE com SÉRPICO.
    Gosto de pensar que Quentin fez o mesmo que eu fazia. Ao mesmo tempo. ( Somos da mesma idade ). Gosto de imaginar que existe uma galerinha hoje que une, em seus dvds, Groucho Marx com Joel Coen, Bresson com Stephen Chow, Howard Hawks com Wall.E. O POP de se ler Peanuts e Kierkegaard. O sublime de Bugs Bunny e Ozu. Com a internet o POP pode ser Trans-POP. Esse é o cinema que vai sobreviver.
    

CHAPLIN/ WES ANDERSON/ DJANGO/ GARY COOPER/ JERRY LEWIS/ PAULO JOSÉ/ AUDREY

   UMA CRUZ À BEIRA DO ABISMO de Fred Zinnemann com Audrey Hepburn
Mulher jovem, viúva, resolve ser freira. Acompanhamos, em registro sóbrio, seu aprendizado e afinal a realização de seu sonho: trabalhar no Congo. Lá ela conhece médico ateu. Qual o tamanho de sua vocação? Zinnemann foi um gigante, A Um Passo da Eternidade, Julia, Matar ou Morrer e vasto etc. A palavra que o define: Precisão. Nada em excesso, nada de menos. Por incrivel que pareça, com  tema tão árido, o filme funciona. Peter Finch está ótimo como o medico materialista e ainda há Peggy Ashcroft. Vida dura....Nota 7.
   OS QUATRO GUERREIROS de Gordon Chau
Filme chinês de 2012 sobre kung fu. Adoro kung fu, detestei este filme! Em cinco minutos eu já me desinteressara. Tenta ser tão ágil, tão esperto, que se faz uma bagunça. Fuja! Nota ZERO
   WAY DOWN EAST de David Wark Griffith com Lillian Gish
O inventor do que entendemos por cinema com a atriz de rosto mais expressivo da história. É um drama sobre a incocência. O rosto de Gish, linda e extremamente frágil, comove. Ver este filme é ver o século XIX em movimento. Griffith é um homem do tempo de Twain e Whitman. Nota 6.
   O PRINCIPE DO DESERTO de Jean-Jacques Annaud com Antonio Banderas
Muito tempo atrás Annaud foi um bom diretor. A Guerra do Fogo é um bom filme. Este, seu mais recente, deve ter sido escrito por um menino de 8 anos. É tão tolo, tão banal que chega a dar raiva. Fala do começo daquilo que conhecemos como Mundo Árabe, petróleo e rivalidades tribais. É o tema de Lawrence da Arábia. Comparar os dois é como comparar vinho com Q.Suco de uva. Nota ZERO
   MOONRISE KINGDOM de Wes Anderson com Bruce Wiilis e Frances McDormand
O filme serve para explicitar o porque de Wes ser um "cineasta" que sempre me pareceu incompleto. Ele não é um cineasta na verdade! É um artista plástico! Veja bem, suas imagens não contém movimento, os atores não interpretam, tudo é na verdade uma coleção de imagens pop-art à Rauschemberg ou Hamilton. O que vemos são quadros, poses que tentam contar uma história. O filme é como um monte de slides. "Olha a lata!"; "Olha a barraca!".... Poderia até ser interessante, afinal, Bresson fez mais ou menos isso num espírito modernista, mas Wes não tem bons slides! Cada vez mais penso que ele nasceu para fazer desenhos e não filmes...A animação do Raposo é seu melhor trabalho. De longe!!!! Nota 2.
   A DAMA E O GANGSTER de Claude Lelouch com Lino Ventura e Françoise Fabien
Acho que voces esqueceram, mas na época de Godard e Truffaut, o diretor francês mais famoso era Lelouch. Ele filmava tudo na mão e contava belas histórias de amor. Aqui temos um ladrão e seu plano de assaltar uma joalheria. Ao mesmo tempo ele se apaixona por uma vendedora de móveis históricos. O filme é contado em flash-back e Lino é tão feio que fica sendo original. O plano de roubo é bastante engenhoso. Bom passatempo. Nota 6.
   TODAS AS MULHERES DO MUNDO de Domingos de Oliveira com Paulo José, Leila Diniz e a turma de Ipanema
A alegria de se estar vivo. Paulo Jose´está adorável como um homem que não pode deixar de ter todas as mulheres do mundo. Mas ele se apaixona, se casa e daí nascem os problemas. O filme confirma um fato: o homem que se dá bem com as mulheres é aquele que ama essas mulheres. Há no rosto de Paulo a alegria, a felicidade de se desejar, de se amar, de se sentir fascinado pelas mulheres. Ele é como um garoto, uma criança cercada por lindos brinquedos. Domingos sabe o que faz, os atores falam obviedades, porque é de obviedades que a vida é feita. O romance de Paulo e Leila é desajeitado, comum, banal, encantador. O filme é feito livremente, solto, transpira felicidade. Serve ainda para vermos a Ipanema de então ( 1967 ), a turma de Domingos ( os personagens do livro de Ruy Castro comparecem como "atores" ), não é um filme perfeito, erra bastante, tem um som ruim, mas é vivo, solto, pleno. Junto com O Bandido da Luz Vermelha é a melhor coisa do cinema nacional. Nota 9.
   AS AVENTURAS DE MARCO POLO de Archie Mayo com Gary Cooper
Cooper de malha justa fazendo um italiano? Parece um cowboy fantasiado. O filme mostra o lado ruim do cinema clássico dos anos 30, tudo parece falso demais! Veneza é um set de papelão e a China fica no quintal de Samuel Goldwyn. Além dos chineses, todos americanos com rosto maquiado. Bem, tudo isso seria esquecido se o roteiro fosse bom, mas não é. Cooper vê a pólvora pela primeira vez, o macarrão, o carvão, e faz cara de quem encontrou uma moeda na rua. Chato. Nota 1
   LUZES DA CIDADE de Charles Chaplin
Uma obra-prima. Se voce quer começar a entender o cinema sem voz, eis seu filme. É absolutamente perfeito. Da primeira a última cena, é um filme que corre e acontece em tempo próprio, ele passa voando. Chaplin é o mendigo que se apaixona por florista cega, que salva milionário bêbado do suicidio e que entra numa luta de boxe. A luta é uma das cenas mais soberbas da história, uma obra-prima de ação e de enquadramento. Mas as cenas da festa, da dança e o final também são perfeitos. Nada piegas, mas bastante romântico, o filme é uma aula de cinema. Tudo se encaixa de modo tão correto, as coisas se encadeiam de maneira tão natural, que o assistir é entender o porque de certos filmes não fluirem e outros voarem. Chaplin era um gênio. O filme, seu melhor, ano a ano vem subindo nas eleições de melhores de todos os tempos. Não me surpreenderá se um dia for o melhor. Nota DOIS MILHÔES. PS: Só consigo lembrar de dois filmes com finais melhores que este: Nada de Novo no Front ( com a cena da borboleta ) e Os 7 Samurais (  a cena das espadas na cova ). O reconhecimento da florista é não só emocionante, é um final aberto e muito moderno.
   BANCANDO A AMA-SECA de Frank Tashlin com Jerry Lewis
Na Sessão da Tarde dos anos 70/80 só dava Jerry...e Elvis. Mas seus filmes, hoje, só podem funcionar como pura nostalgia. É um humorista, um grande humorista, que perdeu a graça. O tipo de humor que ele fazia era aquele que hoje é lei: um pastelão retardado careteiro e desenfreado, lembra Adam Sandler e Jim Carrey. O problema é que Adam e Jim foram ao limite, e homenageando Jerry Lewis eles destruíram Jerry Lewis. Peter Sellers por exemplo, sobreviveu melhor porque ninguém tentou o imitar. Jerry foi tão seguido que hoje se parece com um Jim Carrey piorado. Que injustiça!!! Jerry era uma fonte de ideias, de coragem e de multi-talentos. O tempo lhe foi cruel. Bem... se este texto parecer confuso é porque meus sentimentos em relação a Jerry são confusos....
   DJANGO de Sergio Corbucci com Franco Nero
Falarei mais deste filme acima...Tarantino está lançando um filme com este nome.... Nota 5.

Pop Art



leia e escreva já!

WHAMMM!....POP ART, BEM VINDO A NOSSO MUNDO!

   Quando no chatérrimo filme de Cronenberg o vampirinho fala sobre Mark Rothko desvenda-se a charada. É assim que Cronenberg se vê: Mark Rothko. Rothko fazia parte do expressionismo abstrato, a corrente mais chique da arte moderna dos anos 50. Pra quem não sabe, seus quadros eram misticos. Ele pintava duas faixas vermelhas sobre um fundo negro. E o cara tinha de ficar horas diante daquilo na esperança de entender e ter uma iluminação. Waaaaalllll....
   Enquanto Rothko era moda, um bando de ingleses estudava arte e descobria que tudo o que eles não queriam ser era Mark Rothko. Era a época da fome. A Inglaterra pós-guerra sofria o racionamento. Pouca comida, pouca energia. Em 1954 o racionamento acabou e o país viveu o maior surto de desenvolvimento da história humana. Imagine que voce vive numa Etiópia e de um dia pra outro voce cai numa Nova York. Qual sua reação? Euforia, otimismo, alegria e uma paixão doida por rótulos, por cores, por abundância, por juventude e sexo. Absoluta confiança no futuro. Eis a POP ART. O último momento alegre da arte.
   Foram apenas quatro anos de euforia. Mas que anos!!!! Entre 1960 e 1964 eles realmente celebraram o mundo. Uniram arte culta com quadrinhos, cinema, tv e propaganda. E atacaram todo o modernismo de Rothko, Pollock e De Kooning.
   Obra fundadora: O QUE TORNA OS LARES DE HOJE TÃO DIFERENTES E TÃO ATRAENTES? Richard Hamilton usa colagem. Um homem sarado, uma esposa sexy. Latas de comida, eletrodomésticos, cartazes, conforto, tv, revistas...a questão é: Pra que sair de casa? Pela primeira vez o mundo vem a sua casa. O melhor do mundo. O quadro é vivo, alegre, celebratório. Torna-se icone. Eduardo Paolozzi, Peter Blake, Pauline Boty. Suas obras são sexy, são jovens. Blake fará a capa de Sgt. Peppers e Hamilton uma série sobre as prisões dos Rolling Stones...Mas estou me antecipando. Quando em 1967 eles fazem esses trabalhos a alegria já se fora...Vamos a América.
   Sem conhecer a obra dos ingleses, ao mesmo tempo, surge a POP ART nos EUA. Com algumas diferenças. Ela já nasce crítica. Explicita desde o começo sua amarga nostalgia. Sim, eles celebram o consumo, o jovem, o mundo da comunicação, mas esse mundo é tingido com a nostalgia de sua infância. Esse traço logo aparece também na Inglaterra. Eles amam a juventude, mas essa juventude é a época já passada de seus 15, 17 anos. A POP ART passa a resgatar os objetos que deveriam ser esquecidos. Mas não o serão.
   Andy Warhol se torna o rei do movimento. Uma frase dele:  A POP ART É GOSTAR DAS COISAS. Pense bem. Parece uma frase boba. Mas pense. O que é ser POP? Amar as coisas. O que é ser Moderno? Odiar as coisas, desconstruir, ou, as ignorar. O POP ama os carros, as cidades, os supermercados, os objetos de consumo, a tv, o rock e os quadrinhos, as roupas, a moda, as revistas. O moderno abomina tudo isso. ( No mnndo de 2012, o moderno tenta unir as duas coisas e acaba no vazio. Ele ama e odeia tudo isso ao mesmo tempo. O POP hoje, gosta das coisas, mas não tem mais uma relação visceral com elas como tinha a POP ART ).
   Outra frase de Andy: NO FUTURO TODOS TERÃO 15 MINUTOS DE FAMA. Essa frase já é de sua fase critica. Todo idiota terá seus 15 minutos. Toda ideia absurda será lei por 15 minutos. Todo dogma durará 15 minutos....é um futuro de horror. Warhol anteviu o futuro/hoje. Postei uma entrevista em que ele e Edie comparecem no talk show de Merv Griffin em 1965. Edie era uma socialite que caiu nos braços da POP ART. Impressiona a atualidade dos dois. Enquanto Merv e etc parecem ser de 1965, Andy e Edie são de 2012. E que pessoas adoráveis eram os dois!!!!!
   E então. por volta de 1965 eles começaram a perceber que a tv trazia morte, guerra e dor para dentro dos lares. Que as drogas matavam. E que a revolução jovem e POP já era. É quando Andy faz sua série sobre a cadeira elétrica ( uma das obras mais assustadoras que já vi ) e Hamilton faz criticas so Vietnã em forma de cartoon. Jasper Johns, Tom Wesselman, David Hockney.... Todos passam a vender muito e a valer muito. Nenhum problema, desde o começo eles diziam em alto e bom som: Queremos vender! Queremos nos comunicar com o povo!!!
   Fato central: a POP ART quer a massa. Eles bradam que a arte do século XX perdeu conexão com a vida. Eles querem ser entendidos. O problema é que tudo aquilo se torna um maneirismo. Tudo passa a ser POP ART.
   Warhol funda a Fábrica, uma usina que fabricará ARTE. Arte é apenas um trabalho braçal. É lá que ele faz cinema ( cinema é só filmar ), faz música ( música é só tocar- Velvet Underground ) e happenings ( uma festa é arte ). Andy faz capas de rock: o da Banana do Velvet e Sticky Fingers dos Stones.
   O The Who usa as blusas de Jasper Johns. Aquele alvo no peito é uma invenção POP ART. Eu sou o alvo: compre-me.
   A POP ART fracassou? Se seu objetivo era o de celebrar, sim. Pois a festa durou apenas quatro anos e depois o que vimos foi uma melancólica repetição inconvincente. Mas eles foram vencedores em conseguir mostrar o quanto o modernismo se tornara velho, estático, morto. Escancararam as portas dos museus e das galerias e exibiram a vitalidade de novos tempos. Ao misturar ALTA ARTE com vulgaridades ( essas vulgaridades eram a tv, as revistas e o cinema ), deram a certidão de nascimento a tudo o que nasceria depois.
   Vejam o meu caso. Eu sofro de nostalgias de idade média e de era vitoriana. E ao mesmo tempo adoro cinema, tv, cartoons, HQ, dvd, internet, esportes, carros.... Moderno e infantil, conservador e além do agora, simbolista e imediatista, sonhador e pessimista...POP afinal.
   Tarantino, os Coen, Wes Anderson, todos são POP ART.
   Cronenberg, Paul Thomas Anderson, Lars, todos são Modernistas.
   O cinema dos POP é colorido. O cinema Modernista é preto e vermelho.
   Uns são elétricos, agitados, com mil ideias e com a vontade de se comunicar.
   O outro é solene, lento, fechado em si, cheio de simbolos e sentidos.
   POP e Moderno. Hamilton e Rothko. O velho embate.
   PS: Eastwood, Allen, Scorsese são clássicos. Todo esse papo pra eles é pura frescura.

Andy Warhol & Edie Sedgwick Interview (Merv Griffin Show 1965)



leia e escreva já!

ESCRITORES SÃO SERES PERIGOSOS, PRINCIPALMENTE PARA AQUELES QUE LERAM POUCO

   Escritores são perigosos. Principalmente para quem leu ou lê pouco.
   Porque todo escritor tem a tendência a pensar que a sua visão de vida é a visão comum. Comum não no sentido de banal, e sim no sentido de "comum a todos". Escritores são solitários e escrevendo se comunicam, tentam sair do buraco. Quanto mais no buraco, mais perigoso.
   Quando o leitor lê pouco ele tende a pensar que aquele livro que o impressiona é coisa única. Tendo poucos autores para comparar, ele pensará que aquele autor, pobremente comparado, é o máximo. Principalmente se esse autor suprir uma carência do leitor.
   Não há exemplo mais perfeito que a Biblia. É o pai de todo livro que supre carências de leitores que leram pouco. Nada contra, todo homem tem direito a seu consolo. Desde que continue aberto a outras leituras, principalmente aquelas que vão contra seu "livro travesseiro".
   Todo escritor que deseja ser "biblico" ataca a Biblia. Suspeite sempre desse tipo de profeta. Se a Biblia o incomoda tanto é porque ele quer ser "biblico".
   O ideal seria ler muito, sempre criticando, ou ler nada. São os melhores caminhos para se tentar ser livre. Criticar não te impede de ter um autor favorito, um idolo. Mas ler muito te livra de panelinhas, seitas, dogmas, camisas de força.
   Um escritor triste gosta de pensar que o mundo é triste. Assim como um autor amargo pensa que todo homem é amargo. E que se não o for é porque mente. Houve até mesmo autor que ao desejar a mãe desejou crer que todo homem quer dormir com a mãe. Fica mais fácil assim. A culpa é dividida.  E há os que ao verem um anjo pensem que todo homem é angelical.
   Como disse, eles são solitários e querem criar companhia. Uma mistura de vaidade e impotência.
   Mas quem paga o pato é o leitor. Ao assumir a particularidade do autor e crer que a dor de Kafka é geral, ou que o niilismo de Nietzsche explica a vida. O tcheco fala de si-mesmo. O alemão também. O que os salva é a beleza da linguagem, não a doutrina.
   Desconfie de doutrinas. Um grupo de sábios pensando o mesmo pensamento é sempre um bando de cegos acreditando ter uma lanterna na mão. O pensamento livre existe conforme sua vida e seu lugar. Ninguém sente e pensa por voce.
   O padre é o primeiro homem do ocidente a pensar somente o que está no livro. E a traduzir esse livro para nós, os pobres ignorantes. Ele nos ouve em silêncio, e depois repete aquilo que está no livro. Toda a verdade, para ele, TEM e DEVE estar no livro.
   Marxistas e Freudianos fazem exatamente a mesma coisa. Repetem a crença e repelem hereges.
   Como já falei, todo homem precisa de uma fé para poder viver. As respeito.
   Mas me dá impaciência pensar só o que está num livro. Seguir um livro ( seja o Red Book de Mao Tsé-Tung ou A Critica da Razão Pura de Kant ou o que for ), é encolher o que seja o pensamento.
    Pensar é pensar todos os livros. E mesmo que eu concorde com 50% de Bergson ou 30% de Jung ( são números que refletem o que penso ), sempre haverá espaço para a crítica.
    Há muita coisa ridicula em Bergson e em Jung. E há coisas geniais.
    Mas há a verdade?
    Escritores são perigosos. Os melhores são aqueles que não se ocupam da verdade. Que falam de uma dúvida e nunca falam algo que se parece com A VERDADE. Quanto maior o número de verdades que um autor vomita maior o desejo desse autor em ser Biblico. Ele não escreve, ele prega.
    Há autores que abrem portas e mostram o espaço livre.
    Há outros que abrem portas e ditam o que devemos ver. Fuja desses.
    Todo homem precisa crer em consolos.
   
  

Simon and Garfunkel - Bookends



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Simon & Garfunkel - Scarborough Fair (Full Version) Lyrics



leia e escreva já!

BONITO, BONITO, BONITO...O SOM DOS ANOS INCRÍVEIS

   Simon and Garfunkel já foram tão famosos quanto Lennon e MacCartney. Juro que é verdade. Isso até mais ou menos 1980. Paul Simon chegou a participar de Annie Hall de Woody Allen como ele mesmo. Gostar dele era muito In. E Art Garfunkel foi ator de filmes de Mike Nichols. Ator protagonista. Mas eles foram perdendo popularidade por dois motivos: primeiro suas letras, hiper-intelectualizadas deixaram de fazer sentido para uma geração, a minha, que procurava no rock algo mais direto. E segundo, os dois puxaram o freio de mão, pararam de produzir, cansaram. Afinal, eles trabalhavam com música desde crianças. Nos anos 50 eles já eram profissionais. Detalhe: os dois são mais jovens que Lennon ou Jagger.
   O auge da dupla foi em 1967, com a trilha do filme A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM, o big hit de Mike Nichols que fez de Dustin Hoffman uma estrela. Esse foi o primeiro filme a usar canções pop como trilha sonora. Vendeu pacas!!! Mas antes, em 1965, eles já eram stars. Essa fase teria seu auge em 1970, com o sucesso absurdo de BRIDGE OVER TROUBLED WATER. Então veio o fim do duo e a brilhante carreria solo de Paul Simon.
   A música dos dois é sempre "bela". Voce não vai encontrar nada de torto, de mal feito neles. Até os Beatles ao lado dos dois parecem pouco polidos. A dupla procura a beleza todo o tempo, e felizmente, a atingem várias vezes. Canções como Scarborough Fair ou Bookends são das coisas mais lindas já feitas na história do rock, e The Boxer é uma maravilha de amargor-belo. Eles são tristes, delicados, suaves. Sim, parece que descrevo os artistinhas sensiveis de agora; bem, eles adorariam ser Simon ou Garfunkel.
   A série, histórica e sublime, ANOS INCRÍVEIS, usou muito de Simon e Garfunkel. Algumas das cenas inesquecíveis foram ao som dos dois. E o som da dupla é exatamente tudo aquilo que Kevin Arnold era e seria se adulto. Amores timidos, amores idealistas, liberdade, familia, sair de casa, tudo com citações de Pollock, Gertrude Stein, Norman Mailer e Lloyd-Wright. As músicas são cultas, informadas e informativas. É, com Joni Mitchell e o Steely Dan, aquilo que nos anos 70 se tornaria conhecido como "som universitário-adulto".
   Fazia muito tempo que não os ouvia. Talvez vinte anos. Reouvi hoje. E me lembrou dores de amores juvenis. E me surpreendeu a beleza das vozes e a criatividade dos arranjos.
   Posto alguns videos. Aproveite. E cantarole junto. É bonito bonito bonito....

FOLHA, 1995, AGOSTO E SETEMBRO

Está havendo uma limpeza na biblioteca da escola. Em meio a revistas rasgadas e muito pó encontro três exemplares da Folha de São Paulo. São de 1995,  agosto e setembro.  O que será que Paulo Francis disse nesse dia? Os textos seriam tão maiores quanto eu me lembro? Ou será que minha mente os esticou?
Especial de Domingo, dia 10. Um bando de intelectuais escreve sobre aquilo "Que não sabemos". Quanto texto!!! Letras miúdas, a página era mais larga. Cada folha de jornal tem o conteúdo de duas páginas de livro, em média. Nesse especial temos um antropólogo falando sobre o que Não Sabemos sobre a origem do homem ( muuuuuita coisa, na verdade tudo o que sabemos são hipóteses ), um virologista fala o que Não Sabemos sobre um virus e ainda temos um astrofisico, um médico, geofisico, literato, linguista e um imenso etc. Um biólogo que fala sobre a reprodução, Jacques Testard, é o que mais me surpreende. Ele confessa nada saber sobre a reprodução, não entende o porque de todo o processo. Ele ocorre, mas não sabe o que o faz acontecer. São seis vastas páginas.
Colunistas da Folha de Domingo: Verissimo e João Ubaldo Ribeiro. Que luxo!
No cinema passava Apollo 13, Coração Valente, Sábado, Rápida e Mortal. Dom Juan de Marco, A Morte e a Donzela, O Padre, Pocahontas. Maré Vermelha.
O Madredeus ia tocar de graça no Ibirapuera.
Uma crônica de Antonio Bivar sobre o Rio.
Matéria sobre um novo Kundera.
E uma imensa página de Paulo Francis. Falando sobre a cinemateca de New York, um novo livro sobre Kennedy, drogas, pena de morte, a China, ópera ( Puccini ), Truman Capote, Laurence Olivier. Caramba! Como era/é bom ler tudo isso! É como conversar com aquele tio culto-engraçado-viajado que todo mundo deveria ter e ninguém tem. Ele escrevia como esse tio falaria. Esse tio à mesa, já meio alto, discorrendo comentários sobre qualquer coisa que lhe viesse á mente.
Abro outro jornal. Agosto de 1995. Os 50 anos do final da guerra.
É um caderno especial. Uma edição que TODO MUNDO deveria ler. Abre com Francis falando sobre Winston Churchill. Ele fala com emoção. Voce percebe que ali Francis não escreve só com cérebro e bilis. Ele reverencia Churchill. Diz que ele venceu a guerra sózinho. E ainda mereceu o Nobel de literatura que ganhou. Suas memórias são uma das obras-primas do século.
Ao longo do caderno textos soberbos. O front russo, a guerra do Pacífico, Berlim em 1945.
Minha memória não mentiu. A Folha foi grande, foi cheia de coisas para se ler, preenchia uma manhã.
Saio de casa e vou comprar um livro escrito por Churchill. Acho num sebo as memórias de infância. Tradução de Carlos Lacerda. Capa de couro, edição original de 1961. Tá comprado.
Quase vinte anos depois, Francis ainda me educa.

A LINGUAGEM DE SHAKESPEARE- FRANK KERMODE

   Com tradução de Barbara Heliodora, Kermode se propõe a dissecar as peças de William Shakespeare utilizando para isso a análise da palavra, da escrita do dramaturgo. Nada aqui vem de fora do texto. O livro se torna então muito interessante para quem estuda ou se interessa por linguística e filologia.
   Frank Kermode é um critico e professor inglês. Um desses intelectuais à moda antiga, mestre em Cambridge. Não idolatra Shakespeare. Aponta quais suas peças problemáticas, trechos enfadonhos; e também nos diz quais as peças escritas em colaboração. Mas Kermode não é um ressentido, ele sabe conhecer o valor da obra. Para ele Hamlet é o primeiro herói moderno da história. Assim como Lear é a obra mais trágica de nossa tradição.
   Kermode faz a contagem de palavras. Cada peça tem uma ênfase em dadas imagens e sons. Desse modo, ele nos diz quantas vezes a palavra olho/olhar é usada em Lear, ou as palavras gêmeas que abundam em Hamlet. Detalhista, aplicado, sério e jamais deslumbrado, Frank Kermode avança em seu texto, iluminando as fontes de cada peça, as edições usadas, os erros de impressão possíveis. Prova o fato de que Shakespeare cria forma e conteúdo ao mesmo tempo, usa a linguagem em função de seu tema e o tema nasce da linguagem, da arte da escrita. Cuidadoso, incansável, obstinado, perfeccionista, Shakespeare amava a escrita e derramava em seu trabalho a luz de suas criações. Mais que inventor de enredos ou de personagens, ele foi um mago do texto, do estilo.
   Editado pela Record em 2006, recomendo-o para aqueles que se cansaram dos exageros de elogios de Harold Bloom, mas que ao mesmo tempo sabem que Shakespeare é o maior enigma, maravilhoso e delicioso enigma, da história das letras.

TV E TEMPO

   Escrevi ontem sobre os melhores da tv da Inglaterra e me perguntam sobre o programa de Tracey Ullman. Bem, ele ficou em décimo quarto. O Top of Pops também tá na lista.
   Apesar de Seinfeld, Frazier, Mary Tyler Moore e Columbo, a coisa mais legal que já vi na tv americana é o Saturday Night Live. Entre 1975 e 1980 foi a coisa mais influente de lá. Tinha John Belushi, Bill Murray, Dan Akroyd, Chevy Chase, Steve Martin; todos jovens e no auge da ousadia e ainda trouxe shows de Patti Smith, Talking Heads, Bryan Ferry, Bowie, Elvis Costello, Blondie, The Cars, Bruce, isso só nessa fase e só os que eu vi.
   Quando escrevi sobre o Brasil falei em novelas e Vila Sésamo. Esqueci que a novela mais importante foi Beto Rockfeller. E a Jovem Guarda. Mas penso que a vitória iria para o Festival da Record de 1967. Mesmo que voce deteste MPB, esse festival seria o mesmo que nos EUA, em 67, acontecer um programa de tv onde os desconhecidos Jimi Hendrix, Led Zeppelin, Neil Young e Lou Reed disputassem um prêmio. Nada teve mais ressonância na história da tv do Brasil que um show onde se revelou Caetano, Gil, Mutantes, Tom Zé e Vandré. Não gosto de todos eles, mas caramba, foi um desses momentos que nunca vão se repetir.
   Fato interessante: O que há hoje na tv ou na música pop "Que nunca vai se repetir"? Sopranos e Lost? Mas eles não são feitos já com a intenção da eterna repetição em dvd, blu-ray e o que vier? Walter Benjamim teria muito a dizer sobre um tipo de "arte" que é feita, pensada até, já tendo a ideia de reprodução infinita.
   Falta-nos o "Quem viu, viu, quem não viu, Nunca Mais".
   Sim, voce pode rever o Festival da Record ao infinito. Assim como Woodstock ou o doc de Ken Loach. Mas eles não foram pensados e produzidos com essa ideia. Foram feitos como um Evento Único. Uma coisa irrepetível. Alguém por acaso gravou e guardou as fitas, e mesmo em Woodstock voce não percebe nunca alguém dando show "para as câmeras". A coisa rola e fim. Acabou-se.
   O mesmo vale para o cinema antes do vhs.
   Pensar um show ou um programa como coisa que será revista eternamente, ou pior, coisa que virá cheia de bônus e bastidores, faz com que tudo de arriscado se perca. Voce não vai querer preservar um erro. Então, nada de riscos.
   Peter Falk jamais imaginou que Columbo fosse visto em 2012.

AVENTURAS DE TOM SAWYER- MARK TWAIN

   Todo menino deveria ler Tom Sawyer. Se A Ilha do Tesouro foi o primeiro livro que li, Tom foi meu primeiro herói. Eu o li com pressa, com prazer, querendo que nunca acabasse e tolamente correndo para ver logo o que acontecia. E acontece um monte de coisas.
   Menino do sul dos EUA, beira de rios, mundo de 1860, ele vive livre. Mente, engana, é malandro. Tem familia, vai à escola. Brinca e se apaixona por Becky. Seu grande amigo é Huckleberry Finn, um sem-teto, e tem também Syd, seu irmão menor, um almofadinha. É um mundo de bichos, de crenças em assombrações, em bruxas. Há calor, perigo, espaço, cemitérios e festas.
   Tom foge para ilha para ser pirata. Procura tesouro. Se perde em gruta. Briga na rua e faz guerra com bandos rivais. Tom engana o professor, engana a tia e vê seu próprio enterro. E tudo nele tem a marca da alegria.
   Esse sul americano, sul de escravos e de grandes fazendas, esse sul de malandros, lembra o Brasil. Mas ao contrário de nossos Macunaímas, Tom e Huck têm escola, têm igreja, têm sempre alguma esperança. A cada trapaça eles me recordam os pequenos brasileiros gazeteiros, mas ao contrário de nós, a cada erro vem uma reflexão. Tom nunca se arrepende, ele nunca sofre, mas sabe que erra e sabe que um dia deverá crescer. Há consciência em Tom. Há uma história. A tragédia nossa é a de que nossos Toms não têm consciência, não por serem piores, mas por não terem uma chance.
   Tom Sawyer me veio na hora certa. Vivendo num quase Mississipi, eu pegava meu irmão e partia para a "ilha". Escavamos a terra na esperança de achar um tesouro. Fizemos cabanas e tememos bruxarias. O livro dava uma vontade doida de ir à rua, de se perder no mato. Cada enxadada era a aventura de uma pedra, uma serpente ou uma lata velha. Era bom.
   Mark Twain foi o escritor favorito de Heminguay. Ele escrevia simples e foi o primeiro autor americano a se tornar uma estrela. Ele corria a América de 1900 dando conferências. Tudo o que ele falava era noticia. Há um grande amargor em seu humor. Ele via demais e ironizava. Hoje, em nosso tempo míope, Twain é censurado nas escolas americanas por chamar negros de pretos ( niggers ). Twain pinta um mundo vivo, cheio de erros e de tentativas. As páginas saltam, pulam, sorriem.
  Viva Tom Sawyer!

OS MELHORES MOMENTOS DA HISTÓRIA DA TV INGLESA. ELEIÇÃO DO BRITISH INSTITUTE.

   O site do British Institute publicou uma relação com os 200 melhores momentos da história da tv inglesa. Valem séries, filmes para tv, programas musicais, de entrevistas, femininos, noticiários e infantis. Nos EUA, na última eleição que vi, venceu ALL IN THE FAMILY, a série politicamente incorreta em que Carroll O'Connor faz um pai de familia direitista em plena era da contracultura. Na Inglaterra deu FAWLTY TOWERS em primeiro lugar. Essa série de humor passou no Multishow em 1998, e vi cerca de cinco episódios. John Cleese, recém saído do Monty Python, estrela e idealiza a série. Fala de um hotel modesto e seus problemas, Foi ao ar em 1975 e voltou em 1979. Foram apenas vinte episódios ( apesar do sucesso, Cleese não queria esgotar a fórmula ). Ela é hiper-inglesa e fez muita gente entender o que é o tal humor britânico. Eles, os ingleses, amam os Python ( como vimos no fim das olimpíadas ).
   O segundo lugar pertence a CATHY COME HOME, filme feito para a tv. É a primeira direção de Ken Loach e teve em 1966 uma audiência de 12 milhões, ou seja, um quarto da população inglesa da época. Fala do problema dos sem-teto. Acompanhamos a saga dessa garota sem lugar, tudo no estilo documental de Loach. Postei o filme inteiro abaixo. O final é de morrer de tão belo e triste.
   Em terceiro, DOCTOR WHO, a série eterna. Seu melhor momento vai de 1963 até 1989. Não postei nada sobre esta série porque todos a conhecem.
   Em quarto aquele que é considerado o melhor desempenho da história da tv em qualquer país; John Hurt fazendo a vida de Quentin Crisp em THE NAKED CIVIL SERVANT, levado ao ar em 1975. Crisp foi o maior militante gay da história inglesa.
   Em quinto aquele que eu pensei que seria o number one: THE MONTY PYTHON FLYING CIRCUS...genialidade pura na tv. A completa renovação do humor.
   BRIDESHEAD ficou em décimo lugar. Excelente!
   Penso...e no Brasil? O que foi feito por aqui que mereceria o primeiro lugar? Alguma novela? ROQUE SANTEIRO? GABRIELA?  A melhor novela que vi foi SARAMANDAIA, um exercicio surreal de Dias Gomes, onde gente explodia, virava vampiro e vomitava formigas. Mas há ainda VILA SÉSAMO, que mereceria o primeiro lugar. Ou TV PIRATA. Quem sabe?

The Naked Civil Servant (1975) 1/8



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Cathy Come Home (1966) - Ken Loach



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(1/2) Fawlty Towers - A Touch of Class (S01 E01)



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JAMES BOND/ CRONENBERG/ PAUL LENI/ PERSON/ STANLEY KRAMER

   OO7 A SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE de Peter Hunt com George Lazenby, Diana Rigg e Telly Savallas
Aquele que é considerado o pior James Bond, Lazenby, ( teve a missão de fazer o público esquecer Connery...), num filme que é bastante divertido. Rigg, que era uma diva da BBC, é a melhor das Bond Girls, não por ser a mais bonita, mas por ser a mais esperta. O filme tem cenas de ação estupendas. Savallas, que eu adoro, aparece pouco. Um belo James Bond! Nota 7
   A ILHA DO TESOURO de Steve Barron
Recente adaptação da obra de Stevenson. Carrega no horror, não tem nenhuma magia. Nota 1.
   COSMÓPOLIS de David Cornenberg com Robert Pattison
Um vampiro anda de carro pelas ruas de NY e desata a falar tolices óbvias. Ou, dentro de uma geladeira, um representante do impessoal fluxo de capital discorre sobre o mundo sem tempo e sem "sentido". Argh.
   DEU A LOUCA NO MUNDO de Stanley Kramer com Spencer Tracy, Mickey Rooney e imenso etc
Sucesso nos anos 60, visto hoje ele decepciona, e muito. Trata de uma busca ao tesouro nos EUA de agora. Os vários participantes fazem de tudo para chegar ao dinheiro primeiro. Talvez em 1963 causasse surpresa a amoralidade dos personagens, hoje soa banal. No elenco, imenso, estão todos os grandes humoristas americanos clássicos, de Jimmy Durante à Milton Berle. Pena que os 3 Patetas apareçam por apenas 2 segundos! Buster Keaton faz uma figuração ( !!!!!! ) e Joe E. Brown tem só uma fala.... Nota 4
   O GABINETE DAS FIGURAS DE CERA de Paul Leni com Emil Jannings e Conrad Veidt
Clássico alemão expressionista. Cenários tortos criam sensação de pesadelo, luzes cheias de sombras, artificialidade total. Conta 3 histórias sobre 3 tiranos. Leni foi um dos grandes da Alemanha pré-nazista, por azar, nosso, morreu muito cedo. Nota 6
   O HOMEM QUE RI de Paul Leni com Conrad Veidt
Uma obra-prima do cinema mudo. Leni filma na Universal esta rica produção americana baseada em Victor Hugo. Uma criança é raptada e tem o rosto deformado. Ficará para sempre com um sorriso rasgado na face. Vira um palhaço-freak. Bob Kane se inspirou neste filme para seu Coringa. Veidt, usando prótese bucal, cria um personagem inesquecível. Triste ao limite e com o sorriso terrível estampado no rosto. O filme é cheio de cenários imensos, ação e melodrama. Leni faria apenas mais um filme e morreria em seguida. Um grande talento perdido. A fotografia é deslumbrante. Nota DEZ.
   OS MERCENÁRIOS 2 de Simon West com Stallone, Statham, Li, Willis, Van Damme
Gosto de filmes como este. Prometem pouco e entregam aquilo que prometem, são honestos. Tiros? Temos. Ação? Boa quando feita por Statham. Humor? Sim, eles brincam com a idade. E há uma hilária e "mitica" aparição de Chuck Norris. Um defeito: é muito curto! Só 82 minutos! Nota 6
   SÃO PAULO S.A. de Luiz Sergio Person com Walmor Chagas e Eva Wilma
Belas cenas da cidade em 1965. Fora isso, e apesar de sua fama, é um drama sobre a desumanização da cidade grande. Dinheiro, sexo e poder. Impressiona o momento de crescimento do Brasil de então. Mas o filme tem "Antonioni" demais e se arrasta. Eva era uma mulher linda! Nota 4

BRIAN PETER GEORGE ST.JOHN LE BAPTISTE DE LA SALLE ENO, SIM, ESSE É REALMENTE SEU NOME DE BATISMO....

   Quando os músicos da New Wave, em 1978, começaram a fazer montes de videos ( Eat to The Beat, do Blondie é o primeiro lp a ter todas as faixas transformadas em video-clip ), era na fonte das pesquisas de Eno que eles se inspiravam. Há um video que postei- King Leap Hat- que exemplifica aquilo que os wavers procuravam fazer. O video mostra o que entendo por video-clip. É soberbo, instigante e divertido.
   Se o rock pode ter um dia um gênio que represente a corrente hiper-bem-informada da arte, esse cara é Eno.Se Dylan é um gênio ele o foi como poeta puro, se Bowie foi um gênio ele foi um tipo de ator distanciado, mas se Eno foi um gênio ele foi um tipo de Cocteau/Picasso, o aglutinador, o fermento.
   E sempre sob controle, sempre elegante.
   Nada do que postei é de sua fase mais radical. Todas são canções em formato pop. Mas já com a ambientação fria, distante, sem emoção definida e profundamente visual de Eno. Ele antecipa tudo aquilo que valeu/vale a pena desde 1977 até agora.
   Se os anjos tivessem me concedido o dom da música, eu teria sido Brian Eno.
   Bato palmas então.

Brian Eno - Kings Lead Hat - 1977- Written & Produced by Brian Eno



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Roxy Music - Editions Of You VIVA!!! ENO!!!!!



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O SOM DO FUTURO NÃO FALA COM VOCE. ELE VIVE A SEU LADO.

   Brian Eno sempre foi voltado apenas para diante de si-mesmo. Ficou SÓ dois anos no Roxy Music porque achou que no segundo disco a banda já se repetia ( errou ). Ele está no Rio. Vai fazer uma obra visual-musical nos Arcos da Lapa. Vai durar todo o fim de semana. Vale muito a pena. Mais que isso, é obrigatório. Eno criou ( com o Kraftwerk ), tudo o que há na música pop atual que não tem compromisso com os anos 60/70. Explico.
   Em 1977 ele criou o conceito de música ambiente. Convalescendo no hospital, ele percebeu que a música que tocava no rádio valia muito quando se integrava ao ambiente, quando se tornava um tipo de objeto não-expressivo. O rock era expressivo demais, um monte de emoções desordenadas e sem razão, Brian Eno queria o contrário disso. O que ele desejava era apagar do pop e do rock tudo que remetesse a tradição do século XIX, a Beethoven, a música como lingua do sentimento. Ele queria música que nada expressasse, neutra, ausente, uma imagem na parede, parte do ambiente. Ela deveria interagir com o transito lá fora, absorver as vozes dos ouvintes, tomar para si os sons do mundo. Os ruídos, muitos, da cidade do Rio serão parte da música.
   Em Berlin, 1977, enquanto os punks vomitavam os bofes de tanta expressão, ele e Bowie se aplicavam em ser gelados, em fazer canção que nada tivesse de emocional, que fosse puro som e imagem. Depois ele tentou isso com Talking Heads, Ultravox e Devo; e até com o U2, a mais histérica das bandas, Eno conseguiu dar uma podada.
   Na entrevista que leio ele fala que estudou pintura na adolescência. Nunca música. Que som é imagem, é paisagem. Que desde sempre ele viu tudo como um clip, mas clip sem histórinha, sem conceito. Imagem pura. Fascinado pelo progresso, Eno pensa que mesmo baixar som na Internet é uma forma velha de pensar o som. Ele desenvolve um programa que jamais repete a mesma música. No futuro uma música será mutável aleatóriamente. Voce jamais a escutará duas vezes da mesma forma. Ao ser executada ela se auto-reformulará.
   Roxy Music de novo? São amigos, mas bandas com mais de cinco anos são patéticas.
   Interessante...desde mais ou menos 1995, as poucas bandas novas que me interessam são aquelas que de certa forma seguiram o modo Eno de pensar. Bandas não-emocionais, que fazem sons calcados em timbre, em ambientação, que criam massas de sons visuais. Toda banda que tenta, de novo!, expressar amor, ódio, desespero, tédio, alegria rocknroll, só pode ser ouvida como nostalgia. Voce vê caras de 20 anos fazendo aquilo que seus avôs de 70 fizeram até o limite.
   Em 1978 Eno já notara que após Dylan, Motown, Led, Iggy, MC5 e vasto etc, a linguagem da guitarra/bateria mais cantor emocionado chegar ao ponto mais alto. Depois só poderia vir a incessante repetição. A não ser que se seguisse uma trilha oposta a tudo o que eles faziam. Foi o que Brian Eno fez.
   Não foi pouca coisa. E ele continua nessa estrada. Não é um músico, como ele mesmo diz, eis um pintor de sons.

calligaris, mundo hoje e UMA BANDA DE ROCK

   Palestra na USP. Não falarei o nome, mas o cara sabe falar, o que já é um alivio. Voz alta e clara, raciocinio direto. Em dada hora ele fala de Cotardo Calligaris. Cita-o como exemplo da decadência do leitor de hoje. Se antes o jornal exibia Sabino, Lispector e Nelson, hoje seus cronistas são simples conselheiros sentimentais. Pastores leigos que dirigem as dores de leitores infantis. " Veja o que vejo, leia o que leio, pense como penso." Tudo com o brilhareco classe-média de frases como: "Estava eu em Nova Iorque", "Quando estive em Berlim"....
   Muito pior que seus pensamentos, à Revista Nova ou Programa da Hebe, é a paupérrima forma de escrever. As frases surgem aos trancos, quebradas, sem brilho, nada originais. Pensamentos rasos em frases áridas, é o pior dos mundos. O menos ruim seria Jabor ( em conteúdo ) e Marcelo Coelho ( em estilo ).
   Ele então nos dá para ler o que seriam os Caligaris de antes. Nada de conselhos sentimentais, nada de jeca exibição de "estilo de vida". Antes uma valorização da vida simples. Se fala de um café da manhã como se esse frugal café fosse a justificativa da vida intima. Se recorda um dia como se esse dia, banal, tivesse o significado de uma epopéia. O Homem comum, o leitor, visto não como um tipo de criança que precisa de orientação, mas como um adulto que tem uma vida e uma rotina que devem ser respeitadas e observadas. Nada há de util nessas crônicas. Aparentemente. São mais que uteis.
   Jamais voltarão. Cada vez mais queremos guias e não a valorização do que somos.
   André Forastieri publicou ontem um texto, lindo, sobre o show de Robert Plant. O que ele diz? Que o Led faz com que TODAS as bandas atuais pareçam coisa de meninos. Pequenas, modestas, timidas. O Led era um esbanjamento de energia, de força e de vida. Puro Nietzsche. Outra banda assim? Nunca mais.
   Estamos ficando tão diminutos que logo nos sentiremos diminuídos perante uma pulga. Época de menininhos feridos e de menininhas sozinhas. Bluffff....
  

AGORA ME DESCOBRI

Convoco voces para que saibam: Agora sou máquina. E como tal devo funcionar. Meus ossos serão lubrificados e minha pele será flexível. Funcionarei para fazer com que o Funcionamento das Funções do grande Organismo Mundial continue a Funcionar.
Meus pensamentos existem para alcançar um objetivo: Funcionamento. E quando eles se desviam, bem, cabe a mim-mesmo rearranjar meu equilíbrio químico para que tudo volte a sua clara e eficiente Função. O Pensar é uma troca de fluidos entre células e ele existe para dar uma direção ao corpo. Fora disso, tudo é Disfunção.
Descobri que houve um dia a Máquina Primeira. Uma partícula mecãnica que começou a funcionar e explodiu em energia. E que a maquinária daí advinda deu em mim-mesmo. Descobri que a Terra funciona! Correntes mecãnicas e fluidos quimicos que se adaptam ao lugar onde caem. Evoluem com a Sabedoria Funcional da Mecânica!  Tudo com a finalidade de funcionar, pois o que é a vida? Uma Energia mecãnica que Deve produzir mais vida.
Deus e Arte são falhas do sistema. Paramos às vezes para pensar em nossa finitude. E temos medo. Sim, Eis a maior das falhas em nosso sistema: Somos uma Máquina que Teme seu fim. O Temor é Tamanho que inventamos diversões. Nos distraimos enquanto funcionamos. Até pensamos que aquilo que vemos não seja a Verdade. A Verdade é nossa ação no Aqui e no Agora. A Verdade é nosso Trabalho. Eu Irei Partir, mas o Trabalho é Infinito.
Morrerei como uma máquina que sou. Enferrujarei e me tornarei esterco. Talvez um dia isso termine e consigam criar a Super-Máquina invencível. Mas até lá meu velho Modelo Anos 60 será destruído e substituído por novos modelos 2000 e alguma coisa.
Nosso comando descobriu que funcionamos melhor com música. A Música é um ritmo que faz com que nossos mecanismos funcionem mais harmoniosamente. E o Cinema é uma boa forma de se descansar de um dia de Funcionamento. Algumas dessas artes até fazem com que nossos fluidos neuroniais funcionem melhor.
O Sexo é uma forma funcional de se produzir novos modelos. É uma de nossas utilidades.
Animais são máquinas que têm um software mais antiquado. Serão inutilizados um dia. Não ha´razão nenhuma para a existência de um Tigre. Qual sua função?
Igrejas são ok. As mesmas máquinas que precisam de poesia, ou seja, Aquelas que apresentam falhas de funcionamento, precisam de Igrejas. Desde que sejam Igrejas úteis. Que façam a Máquina se Readaptar a sua Função. Assim como as Poesias sejam canções que elevem a maquinaria e as levem a sua função.
Ah! Maravilhoso Mundo Admirável ! Maquinário Concantenado! Graxas e Fluidos que me fazem Brilhar!
Máquina que Escreve e Funciona como aglutinador de Ideias. Ideias que são restos da Quimica que trabalha no Cérebro.
Agora sou Essa Máquina.

O PRIMEIRO LIVRO, A ILHA DO TESOURO, STEVENSON

Era uma coisa muito estranha... Ao passar meus olhos pelas linhas impressas na página branca eu via um garoto, via uma barrica de maçãs, via um navio de piratas. E de visão em visão acontecia aquilo que eu pensava ser impossível, lia as quase 200 páginas que me pareciam antes uma eternidade, e que agora eram como que uma viagem. De visões. Um milagre naquele ano ( mais um ), eu podia viajar no tempo, estava na Inglaterra de 17...
   Sim, foi meu primeiro livro. Eu sei, antes houve Renard, A Velha Raposa; mas esse eu não li de verdade, esse eu desvendei como um brinquedo. Porém este, A ILHA DO TESOURO, de Stevenson, esse foi tocado desde o inicio como um livro. A relação que tive/tenho com ele espelha a relação que tive/tenho com todos os livros. A possibilidade de uma passagem.
   Meu pai comprou pra mim. Anunciava na TV. Uma coleção da Abril, Clássicos Juvenis. Vinha embalado em plástico e a capa era uma beleza. Dura, mostrava um pirata subindo num navio. O mar escuro, o céu ameaçador. Um lampião nas mãos do pirata, o rosto era o de um assassino sujo. Era 1971, e em meio a meus amores, pela professora, pelos Monkees, pelos Hardy Boys e pelos desenhos do Pernalonga, mais um nascia, o amor pelas coisas que nos fazem voar. Principalmente as que vinham embaladas em forma de livro, com cheiro de papel e letras bem impressas.
   Eu tinha apenas 7 anos e a leitura foi lenta. Eu lia em voz alta, para meu irmão, que tinha 4 anos. Lia de manhã na cozinha, lia no quintal, debaixo do mamoeiro, debaixo da videira, junto ao poço. Lia no frescor do porão, lia na sala cheia de sol. Era um esforço, eu cansava, mas era um prazer, eu achava alguma coisa. Tinha nas mãos, só pra mim, um mundo paralelo.
   Jim era o menino. E quem me conhece perceberá o quanto meu gosto estético foi ditado por esse primeiro livro. A chuva de noite, a hospedaria. O mapa do tesouro, a morte. A viagem pelo mar e os tipos suspeitos. A fuga rumo à Ilha e a luta. O encontro do baú. Milhares de imagens que vão da velha Inglaterra suja e fria à ilha tropical e misteriosa. Os personagens, um velho doido perdido na ilha, o cozinheiro bandido, Black Dog.
   Hoje ele continua aqui comigo. O mesmo livro, agora com 41 anos de idade. Criou manchas amarelas, a lombada está cheia de pó. O tempo o marcou, da mesma forma que me marcou. Robert Louis Stevenson foi então o primeiro autor que li. E quinze dias depois veio o primeiro autor que chamei de "meu autor", TOM SAWYER, de Mark Twain. Mas essa é outra história...

É PRECISO APRENDER A VER?

    Crianças sabem ver. Olham.
   O vidro gordo de Toddy. A cor marrom e a tampa de lata. O rótulo com a cara de um menino que ri. As letras que dão voltas e curvas. A redondez da embalagem pesada.
   O tom de azul de uma ilustração do Peter Pan. Um azul profundo dos céus noturnos de uma Londres que nunca existiu. O azul mais profundo e salpicado de luzes brancas e de pontos dourados. O azul infinito, o mais lindo tom da mais linda noite. Cor que se esparrama das folhas de papel perfumadas de novidade para minhas mãos.
   O formato das bolachas doces em forma de bichos. O desenho sinuoso da girafa e a forma compacta do rinoceronte. O leão que parece rugir e a hiena que é feia. A cor sem graça das bolachas e a dureza da forma simples. Algumas são mais escuras, e essas são as melhores.
   Melhor que ver as imagens na tela de TV é ver o belo móvel de madeira amarela. As pernas longas e finas, pretas, com pés dourados. Os botões redondos, de madeira preta e que são enfeitados com metal. A tela de vidro verde, arredondada, que reflete o meu rosto. O brilho da madeira lustrada, com cheiro de lustra-móveis Shell. E detrás dela um mundo de segredos. Uma placa de papelão e entre as frestas posso ver as válvulas acesas. Elas brilham amarelas, fios se aquecem e fazem um zumbido discreto. Será dentro dessas válvulas que vivem os homens que aparecem na TV?
   As paredes com sua geografia de linhas pintadas de azul claro. Lá no alto há uma moldura de madeira que corre por todo o quarto. O lustre é um imenso guarda-chuva de ferro, cheio de furinhos, azul. A parede á áspera e vejo uma aranha minúscula passear. As cortinas voam com a brisa da manhã preguiçosa.
   Um cesto de roupas velhas. De palha. Dentro dele tem paletós antigos e panos vários. E lá mora um ratinho branco que nunca vi. Abro o cesto e me enfio lá dentro. Nele exsitem coisas para se ver que nunca ninguém viu. E eu quero ver o que nunca ninguém viu. Dentro.
   Cada flor guarda seu inseto. O vermelho faz "zuuummmm" e uma doçura que não provo se esparrama para fora. Por entre as folhas verdes o sol pinta círculos que tocam minha cara. No chão as formigas correm para fugir do tempo. Joaninhas nas folhas, marimbondos voam. A terra úmida tem uma confusão de folhas perdidas.
   Em cada pedra há uma vida.
   Os pássaros voam em círculos que toda tarde são os mesmos. E toda tarde eu observo e vejo. E toda tarde é um todo. Conheço cada um deles. O que tomba para a direita, o que tenta ir à frente, aquele que pia mais alto. As nuvens tem um deus que me olha. Isso eu sei e ninguém me disse.
   Depois eu pedi essa nuvem pra mim e tirei o deus de lá.
   .......Então a gente para de ver.
   E hoje eu mal sei como é seu rosto.
   A arte nada mais é que a tentativa de se voltar a ver. A poesia é a lingua da visão.
   Frase de Picasso: "Passei a vida inteira tentando reaprender a ver como era quando criança".
   E eu? Tenho passado as últimas três décadas tentando ver como via antes......
   A janela do porão era suja e quebrada. Ficava ao rés do chão de quem passava fora. No vidro imundo e quebrado uma teia de aranha. Ela era vermelha, redonda, e me dava medo. Mas a vontade de ver era maior. A teia parecia pó e carregava um monte de insetos já secos. Tudo naquele cenário parecia úmido. No beiral da janela tinha um dedal. E uma bolinha de gude. Quando chovia a aranha sumia. Eu pensava que ela se encolhia até ficar um nada. Um nada que morava lá. A chuva batia no vidro e algumas gotas entravam no porão. Era um lugar precário. Um rato passou lá fora um dia. Olhou pro vidro e correu. Um dia pintaram tudo.

ARTE OU DIVERSÃO, O QUE É O CINEMA? 007 E COSMÓPOLIS.

    Vou falar de dois filmes que vi ontem e os dois não poderiam ser mais diferentes.
    A SERVIÇO SECRETO DE SUA MAJESTADE é o mais desprezado dos filmes de James Bond. Isso porque ele carrega o peso de ser o primeiro sem Sean Connery. Em 1969 esse foi um assunto tão importante quanto o fim dos Beatles em 1970.
    Connery saiu do papel porque ele não queria passar a história como "o ator que é James Bond". Sean era ambicioso e assim que saiu foi logo fazendo um filme nada pop com Martin Ritt. Quem assumiu o papel? Chamaram um australiano de nome George Lazenby. Esse tal de George seria o único Bond a fazer apenas um filme. Ele foi execrado, ridicularizado, perseguido. Só agora, eu que adoro Bond, vejo George nesse papel. Ruim? O filme é ótimo. George faz um 007 deselegante, meio brega, tosco até. De certa forma ele antecipa Daniel Craig em seu tom anti-glamour.  O problema é que em 69 todo mundo lembrava de Connery... ninguém iria engolir Craig assim como não admitiram Lazenby. Connery voltaria em mais um filme e depois viria a era do gozador Roger Moore.
   Cada James Bond explicita seu tempo. Sean Connery era machista, cruel, politicamente incorreto e frio como aço. Sexista e sexy, nada bonito, muito bom ator. Roger Moore espelha os anos 70. Moore era gozador. Não levava nada a sério e brincava com o papel. Timothy Dalton foi a cara dos anos 80: insosso, arrumadinho, sem originalidade. Pierce Brosnan era indefinido. Mezzo Roger Moore, mezzo Dalton. E agora Craig, a cara de nosso tempo: Musculoso, frio, objetivo e bastante violento. Nada de elegãncia ou de safadeza, ele é um trabalhador.
   Quanto ao filme de Lazenby, ele tem cenas de ação enlouquecedoras. O estilo já é o hiper-editado, vemos flashs de ação, mas sem exagero, ainda dá pra saber quem é quem. Perseguição em esquis, perseguição em carros, perseguição em trenós. E a melhor Bond-girl da história: Diana Rigg, atriz que era mito na TV inglesa e que por isso foi chamada. Bond se casa com ela no final. E temos ainda a trilha do gênio John Barry. ( Aliás, 1962, ano da estreia de Bond, foi o ano das históricas trilhas sonoras de Bond, de Pink Panther por Henry Mancini e de Breakfast at Tiffanys... )
   Esse é o cinema diversão, hiper profissional e que eu considero dificílimo de fazer. No outro extremo temos o cinema arte, o cinema que pretensamente ignora o público.
   COSMÓPOLIS transpira "arte" em cada fotograma.  Tudo nele é artístico: os cenários, a trilha, a luz, e principalmente as falas. Ele tem aquele ar tristinho, escurinho-tipo: luz de geladeira, que todo filme de arte tem atualmente. Como julgar um filme tão "superior"?  Tão antenadinho? Superior em ambição, Cronenberg quer fazer uma crônica sobre tempos ruins. Portanto se em Bond o que nos pedem é: Divirtam-se; aqui ele pede: Pense. Pensamos, como pensamos. Pensamos tanto que dormimos. O filme é constrangedor. Explico.
   O que ele fala? Que o capital flui pelo mundo como um tipo de sangue venenoso que corrompe nossas vidas. Impessoal, ele obedece regras próprias. O carro flui pelas ruas, navega pelo oceano do mundo real, que sendo real é antigo, pois o mundo do dinheiro virtual é sempre o mundo do futuro. Vemos um tipo de vampiro, um morto vivo que flui nessa odisséia sem herói em busca de nadas que nada trazem. É um filme morto, tão vazio quanto seu tema. Cronenberg critica o mundo virtual, mas nada oferece em troca. Pior, coloca na boca dos personagens frases de um primarismo constrangedor. Personagens que são tão artificiais quanto um Schwarzenegger empunhando uma bazuca. Ah sim, o diretor de filme de arte sempre pode falar: "Tudo é proposital! Voce é que não entendeu"...Uma pinóia! Seu filme-funeral está longe de ser arte sem aspas, ele nada cria de novo, nada cria de perturbador, e passa longe da beleza, mesmo da beleza do horror. Há quem o aplauda. Como nos piores filmes de pseudo-arte, este filme possibilita a que qualquer um projete em suas imagens sentidos e simbolismos que ele não tem. Filmes de arte ruins podem ser como espelhos.
   O cinema atinge seu zênite quando une a arte de verdade com a diversão. Quando consegue perturbar e fazer o tempo voar. Quando o filme faz pensar e ao mesmo tempo dá prazer. O prazer do pensamento, da descoberta, da beleza ou da catarse.
   007 dá prazer e não faz pensar.
   Cosmópolis é um buraco. Masturbação chique travestida de discurso fatalista.
   Prefiro o prazer.

MULHERES APAIXONADAS/ REGINALDO FARIAS/ WILLIS/ CLIVE OWEN/ BATMAN/ PIRATAS PIRADOS

   MULHERES APAIXONADAS de Ken Russell com Alan Bates, Glenda Jackson, Oliver Reed
A prosa de DH Lawrence desaparece aqui. E nem poderia ser diferente. Como levar para a tela a profusão de ideias, de imagens e de pensamentos tortuosos que abundam no livro? Lawrence é infilmável. Ken Russell tem aqui o momento mais famoso de sua carreira ( concorreu a Oscar de direção ). Seu estilo se faz presente: exagerado, ácido, desagradável, sem nenhuma noção. E estranhamente fascinante. Não esquecemos de suas imagens. Há uma profusão de cores, de gritos, de cenas fortes, de tentativas apaixonadas. O filme, como o livro, que é o melhor de Lawrence, fala de dois casais: um par de amigos e uma dupla de amigas. Eles se conhecem e se envolvem. Glenda está magnífica. Para quem não sabe ela foi a grande atriz da época ( 1969/1976 ),  no auge da fama abandonou o cinema para fazer politica na Inglaterra. Neste filme ela é Gudrun, a mulher que na década de 20 quer viver plenamente. Alan Bates, um de meus atores ingleses favoritos, é Birkin, um homem insatisfeito, rebelde, livre, que se envolve com a amiga de Gudrun. Oliver Reed faz o ricaço e violento amigo, que se apaixona por Gudrun. Necessário dizer que o filme passa longe do convencional. Nenhum casal chega ao namoro normal. Todos se comportam como loucos, como bichos ou como queria Lawrence, humanos estéreis em alma. O que me fez pensar no seguinte: Como o mundo mudou em dez anos! Um filme como este seria impossível em 1959. Cheio de cenas de nú frontal masculino,´tem a famosa cena dos dois amigos lutando boxe pelados. Lawrence escreveu um livro sobre a sede por um novo mundo. Lawrence queria um novo sexo, novas relações e nova religião. O filme de Russell não passa perto disso. É mais um tipo de histerismo abobado sobre um quarteto doido. Mas é um bom filme. Irritante, inflado, pedante, e forte. Nota 7.
   CRUPIÊ de Mike Hodges com Clive Owen
Em 1971 Mike Hodges fez um dos melhores filmes do cinema inglês: Get Carter, onde Michael Caine fazia um bandido extra-cool. Era uma pelicula que antecipava o cinema de Danny Boyle e de Guy Ritchie em 25 anos. Em 1973 Hodges fez o fascinante Homem Terminal, uma sci-fi cabeça que fracassou. E então sumiu. Já com 65 anos, ele volta em 1998 e faz este filme sobre um observador. O crupiê é um escritor que se coloca à parte da vida. Para ele existem dois tipos de humanos: os jogadores e os crupiês. Os jogadores vivem, jogam, se arriscam. O crupiê observa, vê o que rola. Mas o filme, fascinante, vai além disso. Ele segue regras, não mente, gosta de coisas bem feitas, corretas. Se parece muito com um cavaleiro medieval, e creio que é assim que ele se vê, um tipo de cavaleiro etéreo, com seu código de honra rigido. Hodges mostra aqui seu absoluto dominio de imagem. O filme é soberbo. Tenho absoluta convicção de que Mike Hodges foi um grande diretor. Nota 8.
   POSSESSÃO de Neil LaBoute com Gwyneth Paltrow e Aaron Eckhart
O filme se passa entre ratos de bibliotecas. Vemos livros, manuscritos raros, estantes repletas. É o mundo fechado dos eruditos, dos pesquisadores, dos amantes de letras. E paralelamente se mostra a vida de poetas românticos de 1850. É o ambiente que mais adoro. Mentalmente é onde vivo.  Mas tenho de confessar a verdade: fora isso o filme nada tem a dizer. Fica sendo um tipo de Ghost para ratos de biblioteca. Não tem um porque, não faz sentido, não emociona. É um absoluto fiasco. La Boute sempre foi um enganador. Nota 2.
   CÓDIGO PARA O INFERNO de Harold Becker com Bruce Willis e Alec Baldwin
No cinema em 1998 já era fraco. Em dvd agora é quase um nada. Bruce, de quem gosto, vinha do mega sucesso de Sexto Sentido e fez este policial bobo, filme que tenta criar emoção com as figuras de um policial decadente e uma criança autista. A trama é muito fraca, pior, inverossímil, e Bruce não pode usar o que tem de melhor, seu humor. Becker foi um dia uma promessa...fez pluft...Nota 3.
   PIRATAS PIRADOS de Peter Lord
Animação sobre piratas bem doidos. Divertidíssimo! O filme é uma explosão de bom-humor e de gozação saudável. Leve e colorido, ele cumpre plenamente seu propósito: fazer rir sem jamais parecer grosso. Os tipos são todos bem delineados e as tiradas funcionam em tempo exato. Mais uma grande animação.  7.
   BATMAN de Leslie H. Martinson com Adam West e Burt Ward
Quem em criança viu Batman jamais irá conseguir levar a sério um herói de malha justa e capa negra de morcego. É uma figura ridicula, seja aqui ou seja com Tim Burton/ Chris Nolan. Este é o longa que nasceu com o sucesso da série de TV. Visto hoje ele é chato pacas. Nota 3.
   ASSALTO AO TREM PAGADOR de Roberto Farias com Reginaldo Farias
Um grande sucesso do cinema brasileiro e uma aventura que ainda funciona muito bem. Um trem é assaltado. Acompanhamos o destino dos assaltantes. O ambiente é a favela. O filme faz pensar: o que mudou? Estão lá os barracos e o povo mal vestido. A diferença é que hoje a favela não tem mais o jeitão rural que tem aqui. Vemos árvores e porcos nas vielas e muita criança pelada. Hoje a violência cresceu, os barracos têm TV e geladeira. Uma mudança de atitude: aqui todos querem sair da favela, têm vergonha de viver nela. Hoje há um orgulho, uma "alegria" por ser favelado ( da comunidade ). Isso significa o que? Aumento de auto-estima ou comodismo? Eu não sei. Um fato: em mais de 40 anos elas continuam lá. O povo que lá vivia em 1966 lá continua. O filme tem ação e drama, é bom. Nota 6.
   O MONGE de Dominik Moll com Vincent Cassell
Lixo. Num mosteiro um monge milagreiro se envolve com sexo. O mal invadiu o lugar, em quem esse mal vive? Logo percebemos que o mal está no monge que lá foi criado. Não espere nada de sério. O filme tem um tom pomposo, mas é raso como um pires. Pior de tudo, é chatíssimo! Nota ZERO.

Kraftwerk Ruckzuck (live on WDR TV in 1970) QUANDO O FUTURO SURGE...O TEMPO, UMA QUESTÃO....



leia e escreva já!

APRESENTAÇÃO DA FILOSOFIA- ANDRÉ COMTE-SPONVILLE. PARA QUEM QUER COMEÇAR A SABER PENSAR

   A filosofia não responde a nada. E nem se importa com isso. O que ela nos dá é um método de pensamento. Impossível filosofar sem conhecer filosofia. Sem ela voce pensa em círculo e não clareia nada. Filosofar é conversar com as ideias que vieram antes. Por isso é necessário, para filosofar, ler filosofia. Mas livros de filosofia são árduos. Porque eles não dão respostas, antes demonstram a construção, passo a passo, de uma pergunta. André Comte-Sponville nos dá aqui uma bela introdução à filosofia. Seu público alvo são aqueles que sentem o desejo de filosofar. Mas que não conseguem, por enquanto, ler filosofia.
   Na tarefa de popularização do pensamento filosófico existem dois caminhos possíveis. A pura picaretagem e a didática. Picaretas são vários e Alain de Bottom é o menos ruim deles. Didáticos são honestos. No didatismo voce pode contar a história da filosofia ou explicar o ato de se filosofar. Bertrand Russell tem uma excelente breve história da filosofia. Apesar de ignorar Schopenhauer e Marcel, é a melhor exposição histórica breve que já li. Sponville não fala de história, fala das doze grandes questões filosóficas. Cada capítulo aborda em seis ou sete páginas um desses tópicos. Ele não vulgariza.
   1- A Moral. A moral é individual. Não há uma moral que possa ser imposta. O que é a sua moral? André usa a parábola de Platão: Se voce tivesse um anel que te fizesse invisível, o que voce faria? Mataria? Roubaria? Estupraria? O que voce, mesmo sem ser visto, Não se permitiria fazer? Eis sua moral. Se voce não mataria ou mataria, eis a moral. Ela é sua e não depende de castigo ou de recompensa.
   2- A Politica. Politica é história. Moral do grupo. Tudo é politica e não fazer politica é assumir uma não-humanidade. A politica só existe na história de um grupo. Ela é o que o grupo foi e pensa ser. Acordo que nos livra da animalidade.
   3- O Amor. André fala de Eros, o amor que falta, o desejo do que não se tem. De Phillia, o amor ao que se tem, o amor feliz, o amor que protege e cuida. E de Ágape, o amor que dá e não recebe, o amor que é caridade, que defende e alimenta a tudo aquilo que é vida. Tudo que nos une a vida é amor: amor a si-mesmo, amor ao dinheiro, ao poder, aos livros, a natureza. Amor ao amor que se tem, ao amor que se dá e o amor que nega o que se é em favor daquele que se ama. Amor que é potencia.
   4- A Morte. O paradoxo da morte. A grande questão da filosofia. O que ela é? Como algo que existe ( a morte ) pode não ser? O que seria a vida sem a morte? Porque vivemos se morremos? Como pode a vida ter nascido do nada? E se havia o nada, porque surgiu algo?
   5- O Conhecimento. É possível conhecer algo? Voce conhece o que? Sua rua? Mas voce conhece mesmo sua rua? Sua história, sua materialidade, quem vive nela, cada grão de pó, cada mancha, tudo o que ela é, foi e poderá ser. Voce conhece voce-mesmo?
   6- A Liberdade. Existe? Se existe, o que é ser livre? Fazer o que quiser? Liberdade é fazer ou ser? André demonstra a ilusão da liberdade e a verdade da liberdade. Eis o que o livro tem de bom: Ele demonstra sempre mais de um lado, mais de dois, mais de três.
   7- Deus. Se Deus existe porque existe o mal? Que Pai é esse que nos deixa sofrer? Sponville é ateu, mas fala que afirmar a não existência de Deus é uma imbecilidade. Como afirmar a existência é também uma imbecilidade. Explica o que é um agnóstico, o paradoxo da fé.
   8- O Ateísmo. O que é o ateísmo, as formas de ateísmo. O ateu e o agnóstico, o mistério. Não há prova sobre Deus, nada nos leva a aceitar sua existência. O que é o materialismo?
   9- A Arte. É o mais satisfatório dos capítulos. O que é a arte? Porque ela existe? André dá a mais perfeita explicação do que seja um gênio: É alguém que cria algo de novo e de diferente, mas, que ao contrário do mero novidadeiro ou charlatão, deixa atrás de si um contingente fértil de seguidores, de discípulos. Eis a superioridade da arte: Se Newton jamais tivesse existido, suas leis com certeza teriam sido descobertas por algum outro. A gravidade estaria lá. Mas se Shakespeare, ou Beethoven, ou Michelangelo jamais tivessem existido, toda sua obra, todos seus seguidores, tudo aquilo que eles, e só eles, criaram, jamais teria nascido. Com certeza o mundo seria outro e nós nos veríamos de modo diferente: menor. Há uma bela definição: Toda verdadeira arte é poesia, pois a poesia é essa linguagem plástica que toca a  explicação do que seja a vida.
   10- O Tempo. Tempo....o passado e o futuro: existem? Tudo é o presente. Tudo é uma abstração. E se não houvesse gente...haveria tempo? Existe tempo no Cosmos? E pode haver ação sem tempo? O que é a eternidade?
   11- O Homem. O que é um homem? Eis um capítulo perturbador. Se um homem é razão, então uma criança deficiente ou vegetativa é o que? Se um homem é comunicação, então um animal que se comunique será humano? Sponville diz que para ele, homem é aquele que nasceu de um homem. Portanto, tudo o que é gerado por dois humanos é humano. Perigo apontado por ele: o dia em que homens puderem nascer de uma criação artificial, de uma fábrica, será isso ainda um homem? Se ele for sem falhas, sem dúvidas, sem medo, será homem?
   12- A Sabedoria....
   Esses os 12 capítulos. Que são os doze temas mais questionados desde sempre. E todos eles irrespondíveis. Jamais chegaremos a uma conclusão sobre a sabedoria, o homem, o tempo etc e etc. E nem devemos, pois o que tem conclusão está morto, está aprisionado. A ciência lida com conclusões, não a filosofia que não é ciência e nem é arte. ( Mas a ciência pode ser filosófica, assim como a arte ).
   Sponville não conclui portanto. Joga questões, as explica, aposta algumas teses ( filosofar é um jogo sem vencedor ), cita alguns filósofos.
   Se voce quer começar, eis seu livro.

PONDÉ, YEATS, MARTELL, POLITICA E CINEMA COM ALMA

   Pondé citou Yeats na segunda-feira. O poema em que o irlandês fala da terrível certeza que todo canalha tem, e das hesitações que acometem os justos e bons. Dá até vontade de crer nos gnósticos e dizer que nosso mundo é obra do mal. Porque, como bem notou Yeats e como Pondé crê, quem segue o mal sente-se forte, duro, "em casa"; enquanto que o que segue o bem sempre sofre uma sensação de inadaptação, de fraqueza e de dúvida. Terroristas nunca hesitam.
  Ler Bernanos dá muito medo.
  O mal cobra um preço a quem ousa ser bom. Essa a raiz, terrível, do catolicismo puro. O bem só pode sobreviver a custa de nosso sacrificio. Nada pode ser mais antipático que dizer essa verdade.
  Falando de coisas mais amenas....
  Um amigo fala do voto. A questão é simples meu amigo. Assim como a arte e a religião perderam sua aura ( de acordo com Benjamin ), ou seja, não significam mais transformação e não mais repercutem, não têm identidade, a politica também se transformou em mera ciência. Voce vota e elege alguém. Pura mecânica. Um partido faz o papel de polo positivo e outro de negativo. Um precisa do outro para existir e um repele o outro. Entorpecido nesse campo magnético, cheio de eletricidade e de "verdade", voce aperta um botão. Veja bem, até aqui, você aperta um botão...
   É só isso, um ato banal.
   É claro que se voce tiver alguma cultura, todo o passado da politica vem a sua cabeça ( como vem o passado da arte ou das igrejas ), mas é mero flash-back. No eterno agora a politica nada mais significa. Não há a possibilidade de história, de reflexão ou de consequência. Politica-no-eterno-agora, como arte e igreja no eterno- agora, nada mais tem a dizer. Torna-se mera ferramenta.
  Pondé citou Yeats e um dia citou O MORRO DOS VENTOS UIVANTES, em seu melhor texto. Bom gosto ele possui.
  Um outro amigo me diz que anda cheio de vontade de rever A PALAVRA de Dreyer. Bem... Ebbert sempre fala que todo amante de cinema chega um dia a Dreyer, Ozu e Bresson, e descobre que os três são os "santos" do cinema. Austeros, profundos e capazes de milagres com quase nada. Dreyer transformava um filme em catedral de silêncio e de horror=Sublime ( para quem não sabe, o Sublime é a união do terrível com o belo ). Ozu fazia o milagre de conseguir de um nada de roteiro uma épica sobre gente comum. Ele transformava familias banais e sentimentos vulgares em atos de profunda nobreza. E Bresson dava aulas sobre o sentido da vida em imagens reais. Ele modificava o real sem que percebêssemos. Fazia documentários sobre a alma.
   Questão de aura. Mas ainda têm público?
   Leio comentários no youtube sobre A VIDA DE PI. Quase ninguém entendeu uma saga tão simples. Somos uma geração que sabe tudo sobre o efêmero e nada entendemos sobre o atemporal.
   Perdemos nossa aura.

A VIDA DE PI- YANN MARTEL

Yann Martel nasceu na Espanha. Foi plantador de chá, lavador de pratos, segurança. Esteve na India e agora vive no Canadá. Em 2001 ganhou o Booker Prize com este livro. Sucesso de vendas, sua versão em cinema será lançada agora, em novembro, por Ang Lee. É o filme mais aguardado do ano. Como tudo em Lee, será sublime como Tempestade de Gelo, ou lamentável como Hulk. Ele não tem meio termo.
O livro é no mínimo inesquecível. Original. Se Paulo Coelho fosse bom escritor seus livros seriam como este. Falo isso porque o tema de Yann é o mesmo de Coelho, com uma diferença crucial: Yann é muito criativo. E sabe escrever. Este livro é sempre uma surpresa, nunca faz o que esperamos.
Um autor em crise vai a procura de Pi. Na verdade esse tal de Pi se chama Piscine e foi um menino indiano que teve a sorte de crescer em Zoológico. ( Penso se o filme de Cameron Crowe já não foi um pouquinho inspirado aqui ). Acompanhamos o escritor que ouve o relato de Pi.
Primeiro a vida no zoo e um belo e longo relato sobre sua adolescência e o que é a vida de um animal num zoológico. Nessa parte o livro é risonho. Um prazer leve e claro acompanha sua leitura. Piscine cresce e se interessa por religião. Em relato humorístico, vemos sua conversão ao hinduísmo, depois ao catolicismo e por fim ao islã. Todas sinceras e todas naturais. A vida é feliz para Piscine. Seu pai ama o esporte e a mãe é o que uma mãe deve ser.
Mas vem a guinada. O zoo fecha e eles embarcam os bichos para o Canadá. Mas o navio afunda. Piscine deverá sobreviver num bote, no Pacífico, com uma zebra, uma hiena, uma orangotango e um tigre. Pi irá passar quase um ano à deriva.
Todo esse trecho do livro é um pesadelo. Os animais se comem, ele se desespera, mas vive. Por fim sobram ele e o tigre.
Não contarei o resto. O que posso falar é que o fim é extremamente surpreendente. Yann Martel dá um nó na história e na nossa cabeça. Torce a conclusão, usa duas suposições, dá um toque de ironia suprema. Se voce for ateu achará o final "como deve ser". Se for religioso, achará o final "como deve ser" também. O modo como voce reagir à conclusão mostrará quem voce é.
Gosto de livros com linguagem mais elaborada. Como bom estudante de letras, pouca importância dou ao tema, o que me seduz num autor é seu estilo ( daí meu amor por Henry James e Proust, autores que são puro estilo ). O estilo aqui é o do best-seller, simples, comum, sem firulas de lingua e imagem. Mas o que o salva, e o ergue, é sua criatividade. Yann Martel tem o que falar, não é mais um autor falando sobre o tédio, mais um cara que escreve sem ter nada para dizer. Ele tem muito pra narrar. Conta uma bela história.
Raras vezes choro com um livro. Belos filmes me fazem chorar, literatura me eleva, me espiritualiza, mas não provoca lágrimas ( ou risos ). Este tem uma linha que me emocionou muito. É um "Eu te Amo". Dito perto do fim do livro. Quem ler saberá.
Até lá.

JUSTIÇA SEJA FEITA AO ISLÃ, PRIMEIRA IMPRESSÃO SOBRE A VIDA DE PI

   No originalíssimo livro de Yann Martel, A Vida de Pi, fala-se sobre 3 religiões: o hinduísmo, o catolicismo e o islamismo. Martel defende as três e assim conseguiu me fazer pensar coisas novas sobre esse tema.
   Primeiro o modo como um oriental vê o cristianismo. O que mais os surpreende, e que lhes é incompreensível, é como pode o filho de um Deus ter vindo a Terra como um fraco. Um filho de divindade deve ser poderoso, forte, imenso. Um Deus que é humilhado, incompreendido, e pasmem! Morto!!!! Um Deus que morre!!!! Isso é absurdo!
   Outro fato que eles estranham é a pressa que os cristãos têm. Deus fez o mundo em 7 dias!!!! Para o Oriente o mundo é obra de milhões de anos. E mais, a vida de um fiel é decidida em um segundo, um ato, um pensamento. Orientais têm infinitas encarnações para se refinar, um cristão tem poucos anos e um ato único. Para um oriental, o cristão vive na pressa e num eterno Agora. ( Ah, ele diz que cristãos possuem obsessão por Letras Maíusculas.... )
  Mas o que mais me surpreendeu é a beleza do islã.
  Confesso que é a religião que menos me interessa. Preconceito?
  Talvez Yann jogue uma luz sobre isso.
  Quando vemos imagens do Irã ou do Paquistão, o que vemos? Primeiro: Eles nunca estão sós. Andam em grupos, abraçados, conversando, rindo ou orando, sempre sem a solidão que nos aterra e nos seduz.
   Isso nos irrita. Estamos acostumados a pensar em individualismo como condição de brilho e inteligência. Afinal, até Jesus foi um incompreendido solitário.
   Segundo. Todos se parecem. E é isso. Eles Não Desejam ser diferente. Barbas e roupas brancas. Para serem todos iguais. Nomes próprios que se repetem ( Muhammad aos milhões ), a busca é pela não-individuação.
   Terceiro. A simplicidade. Nada de supérfluo. A verdade está no Alcorão e tudo deve ser simples e claro. Seja o pensamento, a arquitetura, a roupa.
   Se voce unir tudo isso, vida em grupo, anonimato e simplicidade, voce obterá tudo aquilo que nosso complicado e individualista mundo mais nega.
   Fosse só por isso, o livro de Martel já valeria muito.
   Mas o melhor, é divertido pacas!

GOTTFRIED KELLER E O ROMANTISMO A QUE ESTAMOS FADADOS

   Quanto mais o homem é amassado pelo anonimato, pelo medo ou pelo puro desespero, mais ele tende a reafirmar a presença de seu ego. É simples: se tudo grita a seu redor que voce é um nada, mais e mais voce vai berrar: Eu existo e eu sou Eu.
   Esmagaram toda a história e tudo o que era "homem" no século XVIII. De repente nada era mais o que era certo, tudo virara nada. Que reação poderia nascer a não ser a afirmação desesperada da única coisa que se mantinha " ao lado" ( aparentemente confiável e fiel ), o Ego. Pois veja então....
   Até então a paisagem onde uma criança nascia seria a mesma de sua velhice. E se ele nascia rico, morreria rico, se pobre seria pobre. Ele teria a profissão do pai ou de um tio e se casaria com uma vizinha ou uma prima. Seria batizado, casado e enterrado na mesma igreja. Teria a proteção do mesmo barão e lutaria uma guerra que seria certamente justa. O mundo era conhecido, imutável, confiável e principalmente vivido em grupo. Todos saberiam quem voce era: filho de seu pai.
  A indústria trouxe novos cenários. Fábricas, sujeira, fumaça e a derrubada de bosques. O progresso mudou a vila, o bairro. E seu futuro já não seria o de seu pai. Na fábrica voce não seria filho de ninguém. Voce seria mais um. Estradas, trens, bancos, desemprego, fuga do campo.
  Assustado, o homem precisa se reerguer. Nasce o romantismo. Se voce não é mais filho de seu pai, então será filho de sua nação, da história de seu país, de seu folclore. Seu Ego é seu mundo, e nesse mundo voce cria fantasias. O amor é livre, escolhe e luta, Deus agora é amor, o Amor manda. A vida não é mais algo dado a cada um, ela agora terá de ser conquistada. É imperativo viver e deixar sua marca no mundo.
   Penso que tudo isso sobrevive. Jamais voltaremos ao mundo pré-romantico. Onde nossa vida era do grupo. Assinamos tudo o que fazemos, lutamos para nos afirmar. Somos todos romanticos.
   Gottfried Keller era suiço. Leio duas novelas: O TRAJE FAZ O HOMEM trata de um alfaiate pobre, que por ser belo e bem vestido. vê-se confundido com um conde. A trama segue deliciosa, ele tenta resistir a mentira, mas vai mergulhando fundo e acaba, claro, por se apaixonar.
   A outra novela é ROMEU E JULIETA DO CAMPO, que traz um belo retrato dos camponeses de então. A infelicidade surge entre vizinhos que brigam e a vida de ambos se desfaz em dividas e rancor. Os filhos se apaixonam e fogem. Acabam por ter um destino trágico. No final dessa novela há toda a confirmação do ego romântico. Os dois se amam por uma noite e se deixam afogar, juntos, afirmando assim sua vontade de "eternidade". Se precisam ser conformados a vida familiar, preferem antes morrer.
   Nunca mais alguém se conformaria a ser e ter aquilo que seu pai foi e possuiu. Nunca mais viver seria apenas continuar a "doce rotina" da eternidade. A rotina doce fora corrompida, a inocência se perdera, e como bem sabemos, quando se deixa ir a inocência, nunca mais a reencontramos.
   Aldous Huxley afirma em seu livro " A FILOSOFIA PERENE" que a função sublime da religião é exatamente destruir esse ego, trazer ao ser a conciência de que ele é parte de um todo, de que nada ele pode possuir e que toda posse é dor. Incrível!!!! Com toda sua adoração por magos, bruxas, vampiros, celtas e druidas, os romanticos são dos menos religiosos dos seres. Percebem o mundo como um espelho e ansiam por um amor que é posse egoísta. Alimentam o eu, inflam, sentem pena de si-mesmos, se imaginam como seres hiper-sensiveis e especiais. Deixam de lado toda chance de paz e de serenidade.
   Se nosso mundo é uma ponte ao anonimato, somos todos pequenos romanticos com nossos blogs, nossas bandas de rock e nossos videos bombando. Em meio a bilhões de seres tentamos fazer nosso ego sobressair. Gritamos: Estou aqui ! Sou diferente! Existo!!!!Tenho opinião!
   Huxley e todos os seus santos, gurus e xamãs devem estar com piedade de nós.

J J CALE

JJ surgiu do nada e já meio velhaco. Nunca foi hippie. E penso que nem mesmo rocker. Sempre foi um tipo de cowboy. Todas as suas canções têm cheiro de estrada. TODAS. Mas é uma estrada diferente. Não é a rota 66. É o litoral da Florida, palmeiras e ritmos que às vezes são caribenhos. Mas é um cowboy. Sujo. E sua voz confirma isso. Canta rouco, não é nunca simpático. Não é nunca alegrinho. É sempre sério. E sem choro nem vela.
Nada de rockstar. Não pense em poeta-dylan-cohen-simon-young. Não. Nada disso. JJ é prosa. É Twain. Poe às vezes. Eu adoro JJ e quero ser um dia JJ. Lembro de ouvir JJ em 1985. Onde hoje tem uma praça tinha barracos e campos de futebol. E naquele tempo eu me dilacerava de amor e de desejo e de sexo e de coisas químicas. E JJ era um alivio, um bálsamo. Ele interrompia minha dor e minha doideira. Sem fazer de mim um cara frio ou angelical. Ele me fazia homem. Não tem som mais de homem que o de JJ.
JJ é anti frescura.

JJ Cale - devil in disguise - studio live



leia e escreva já!

TWELVE DREAMS OF DR. SARDONICUS- THE SPIRIT, ATEMPORAL

   Existem bandas que se negam a fazer parte de qualquer tipo de hype. E nem tomam para si a pose de "alternativas". Ficam num tipo de limbo, pois não são nem pop e nem "arte", não fazem parte de uma tendência e nem tentam ditar novidades.
  Veja o Spirit. Randy California, seu guitarrista, aos 15 anos já fazia jams com Jimi Hendrix e aos 17 já era o lider do Spirit. Mas mesmo com essa raiz, o som dele nunca é o de um guitar-hero. Nem psicodélico. E nem pop-anos-60. Na banda temos ainda seu padastro ( sim, step-father ), Ed Cassady. Um careca, na época já quarentão, e que tocara com Zoot Sims e Dexter Gordon. Ou seja, jazz. Mas o Spirit nunca lembra jazz. Então o que é a banda?
   Tenho cinco discos do grupo e são todos diferentes entre si. O primeiro é plácido, maconheiro; o segundo é mais técnico, frio, e bastante criativo. Este, que agora comento, é sua obra-prima, e vários experts e músicos jovens o adoram. Porque?
   A primeira coisa que se nota é sua atemporalidade. É um disco de 1970, mas poderia ser de 2012 ou de 1992. Principalmente de 92. Em vários momentos a sensação é a de estarmos diante de um disco grunge. Pearl Jam e Stone Temple Pilots. When I Touch You antecipa em 22 anos o som de Eddie Vedder. Mas o disco é mais que isso. Nature's Way, Animal Zoo, Mr.Skin... são várias as músicas que impressionam já de primeira. Variam entre introspecção e celebração, todas são pra cima.
   Entre os amigos de Randy, Neil Young era um dos maiores e na casa de Neil ( nas montanhas ), Randy começou a pensar no disco. O guitarrista de Neil o produziria. Há bastante de Young na sonoridade de algumas canções. Mas é um Neil Young menos angustiado, mais californiano, solar.
   O que causa espanto é o fato deste disco não ter sido um hiper-hit. Todas as faixas poderiam ter sido sucessos. Não foram. O Spirit acabou na vala das bandas cult ( o que não impediu a eleição de Ed Cassady como o segundo batera mais querido do mundo em 70, à frente de Ringo e de Ginger Baker ). Escutado hoje, Twelve Dreams respira como recém nascido.
  No efêmero mundo do rock, nada pode ser mais relevante que isso. O Spirit não é de ontem e nem de agora. É de sempre.

Spirit - I Got A Line on You



leia e escreva já!

A SINGULAR HISTÓRIA DE PETER SCHLEMIHL- ADELBERT VON CHAMISSO, AS DELÍCIAS DA CRIATIVIDADE E O MUNDO SOLTO E RACIONAL DO SÉCULO XVIII

   Belo tempo...tempo das narrativas onde a imaginação corria solta.
   O século XVIII é inalcansável por nós. O romantismo ainda não nascera, então nada de desejos de se confessar, de se expor o ego, de usar o papel como vomitório. Mais que isso. As nações da Europa ainda não se firmavam. Mais que alemão ou italiano, um homem era de Weimar, de Estrasburgo ou de Milão. Isso dava ao continente um aspecto de livre ir e vir. Todos os intelectuais e artistas se expressavam em lingua comum ( francês e latim ) e estudavam em várias culturas. Não havia endereço fixo, voce era súdito de uma ideia e da necessidade. Ora, nesse ir e vir, a criatividade fluia. Em plena adolescência, a razão, longe do cansaço de hoje, florescia em novas possibilidades. Ler os contos ou novelas da época é encontrar mentes em plena alegria criativa.
   Chamisso já faz a transição para a nossa época, a época romântica. ( Sim meu caro, somos ainda todos românticos com nossa obsessão pelo coração e a mente, nossa visão de que tudo é o EU, nosso culto a lideres e gurus, nossa hipervalorização do amor, do ódio; desejos de viagem, de aventura e de poder "viver"...Tudo isso é romantismo, criação de Goethe, Schiller, Keats, Wordsworth e Shelley...Beethoven e o endeusamento de Shakespeare... Napoleão e patriotismo...)....
   Weeellll....voltando: Chamisso, nobre, é cientista, poeta, romancista, viajante, pesquisador. Viaja o mundo, vai aos polos, ao Brasil, ao Pacifico. E vive essa transição. Ainda é um clássico, um nobre do século XVIII, pensa racionalmente, é livre de país e de confissões; mas amadurece no XIX, já tem o germe do exagero de sentimento. Em 1814 escreve esta noveleta. Um sucesso! Se lê muito nessa Europa. Não há cinema ou TV, o que existe é ópera e romance, e a mesa do jogo e do bordel. Do que trata? Em clima de sonho, um homem vende sua sombra ao diabo. Em troca de ouro infindável. Triste destino! Sem sua sombra ele deixa de ser aceito pelo mundo. Se torna um pária rico. Após várias peripécias, se isola como um tipo de estudioso da natureza.
   Várias teorias explicam a sombra. Seria um bom nome? A alma?  Saúde?  Fé?
   Diversão pura, escrito no estilo simples e direto da época, este é um conto ( novela? ) que sobrevive ao tempo, às modas. Encontrando ao fim da vida sua razão e seu alivio no estudo e na pesquisa, o conto acaba por espelhar a vida do próprio Chamisso e mais ainda, a vida de toda uma geração. Leia.
  

TERRENCE MALICK/ FORD/ O DITADOR/ HANYO/ MORGAN FREEMAN/ JOHN WAYNE

   A DIFICIL VINGANÇA de Terry Miles com Christian Slater e Donald Sutherland
Dificil este modesto western passar aqui. Continuam insistindo em fazer faroestes sem ter nenhum conhecimento sobre a mitologia do gênero. Os atores não têm tipos fisicos para o assunto e sua linguagem cheia de Fuck é toda de LA 2012 e não de Dakota 1885. Nota 1.
   NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS  de John Ford com John Wayne, Claire Trevor, Thomas Mitchell e John Carradine
O Homero da América ( Ford ) e seu filme Odisséia. Uma diligência cruza território hostil. Nela vão os personagens icônicos do país: o jogador, o comerciante, o banqueiro-ladrão, a prostituta, uma esposa fiel, o bêbado e o fora da lei. Wayne tem seu famoso close, uma apresentação à eternidade como jamais outro ator mereceu. É uma aventura, é suspense e é um filme-mito. O elenco explode em carisma e Ford filma como quem narra uma saga cantada. É o mais americano dos filmes. Minha professora de literatura diz que gênio é o homem que capta todo o insconsciente de uma país e o traduz em linguagem. É o homem que traduz e batiza uma nação que não se conhecia e não se reconhecia. No cinema é John Ford esse homem. Ele captou a América de 1776 até 1976. Depois de então o mundo de Ford permanece como sonho perdido de uma ideal de país que não mais existe no mundo sólido, mas que se faz eterno e mitológico no universo do desejo. Um filme que não é o melhor de Ford, mas que é insecapável. Nota DEZ.
   A MOCIDADE É ASSIM MESMO de Clarence Brown com Elizabeth Taylor, Mickey Rooney e Donald Crisp
Quem criou este mundo? Tudo aqui é um tipo de paraíso: as casas, as pessoas, até mesmo as dores parecem paradisíacas. Eis o mundo que o século XX, sofrido, desencantado, pobre em sonhos, tolo, sonhou. Como cada vez mais descreio de criações vindas do nada, deve ter havido um dia um mundo parecido com este. Onde e quando eu não sei. Com certeza não em 1948. Liz tinha quinze anos então, exagera um pouco no choro. O filme fala de um cavalo e do sonho de uma menina em vencer um derby. Rooney está ótimo como um ex-jockey. É do tempo em que animais eram filmados como animais e não como pseudo-humanos. Nota 7.
   CREPÚSCULO DAS ÁGUIAS de John Guillermin com George Peppard, James Mason e Ursula Andress
E não é que é bom? Uma surpresa! A história fala de um ex-soldado de infantaria, que na primeira guerra entra para a aviação alemã. Ora, em 1915 aviação era coisa de nobres, de esnobes. Ele não é aceito e passa todo o filme quebrando regras de cavalheiros, sendo ambicioso e afoito, tentando se vingar do despeito com que é tratado. As cenas nos céus, com aviões de época, são maravilhosas. Nuvens, tiros, piruetas, quedas. Chegam a hipnotizar. Uma diversão correta, com belo estudo de um "herói" ruim, egoista e destrutivo. A fotografia de Douglas Slocombe é de arrasar. O diretor prometia bela carreira, mas se perdeu em filmes tolos. Este é ótimo. Nota 7.
   HANYO de Ki-Young Kim
É considerado um clássico do cinema coreano. Um casal contrata uma empregada. Ela seduz o patrão e a vida de todos vira um pesadelo. Um dos filmes mais desagradáveis que vi. Todos são cruéis, brutos, estúpidos. Pequenas violências se acumulam. O filme não é bom. Mal filmado e com atores muito ruins. Mas tem originalidade e em seu país é o equivalente ao que para nós é Glauber Rocha, fundador de novo caminho. Nota 4.
   UM VERÃO MÁGICO de Rob Reiner com Morgan Freeman e Virginia Madsen
Um escritor alcoólatra vai passar um verão na praia. Lá conhece familia de divorciada. Se aproxima das crianças e tudo acaba bem. Reiner teve seu momento ( Harry e Sally ), esse momento passou. Lançado este ano, duvido que passe por aqui, deve ir direto para dvd. Tudo é previsivel, todos se tornam bons com facilidade, tudo se resolve. Mas sei lá, às vezes a gente precisa desses filmes do bem. Relaxa ficar vendo essa gente legal vivendo de um modo legal e tendo um destino legal. Sei lá, de repente a vida é mais isto que um cara se entupindo de drogas e comendo mulheres modernetes na noite. Bem, pelo menos o meu mundo está, felizmente, mais perto disto. Nota 5.
   THE THIN RED LINE de Terrence Malick com Jim Caviezel, Sean Penn e John Cusak
Um amigo me fala que este é um dos filmes recentes do cinema que Pondé mais gosta. Então o revejo. Tinha a lembrança de ser um filme chato. Ele é. De ser apelativamente cruel, e é. Mas agora percebo algo que antes não percebera. Malick é um cristão no sentido medieval e "puro" do termo. O mundo é um horror, os homens se matam, se comem, e em nada mais conseguem crer, Acreditam apenas na força e na dor. Então vivem uma realidade de força e de dor. Um mundo de gemidos, sangue, tiros e solidão extrema. Mas, para quem ainda quer ver, existe a folha que balança, um raio de sol na água, bichos olhando distanciados, praias e crianças. Caviezel ainda pode ver. O mundo dele é o mundo do espirito. Ele não se deixa engolir, não se deixa perder. Para Malick, o que podemos fazer é conquistar nossa alma, ela é nossa potencialmente, cabe a cada um a merecer. Caviezel a possui. Penn talvez um dia a obtenha. O comandante feito pot Nick Nolte é a carne absoluta. Todos os filmes de Malick repetem esse mesmo tom. Este, talvez o mais crú, é o mais dificil. Com certeza foi por este papel que Caviezel se tornou o Jesus de Gibson. Nota 8.
   O DITADOR de Larry Charles com Sacha Coen
Não é cinema. É um programa de Tv. Engraçado? Poucas vezes. Tem a fluência atravancada de Austin Powers. Mas Powers era mais engraçado. Humor rasteiro, de amigos bêbados, fácil de fazer. Basta atirar pra todo lado e pensar que o público é idiota. Tão ruim quanto Borat, ele faz humor sem alegria, risos sem celebração. É o humor pesado, o anti-humor segundo Comte-Sponville. Nota 2.