O AMOR E O OCIDENTE- DENIS DE ROUGEMONT

Porque acreditamos que só a dor ensina? E pensamos que tudo o que vale a pena vem com sofrimento? Porque toda paixão é insolúvel e infeliz? E principalmente, porque amamos essa dor de amor e lembramos com saudade aquela que nos fez mal maior? O que significa viver de verdade? Porque casar e ser feliz não rende filme, livro ou música e sofrer de amor rende admiração e 99% dos romances? De onde vem essa dor?
O homem ser masoquista não responde nada. O instinto de morte também nada diz. Quero saber porque esse instinto ( anti-natural ) existe. Denis de Rougemont, em 1938 lança este livro e em 1957 o revisa. É hoje tese irrefutada. Obrigatório.
Ele começa demonstrando a maior revolução psíquica da história: o século XII, o momento em que o casamento entra em crise e nasce o amor cortês. Primeiro os sintomas:
Antes a paixão era vista como doença, o casamento como a paz, a infidelidade era permitida e o homem se interessava sobretudo por política e guerra. O principal: a sabedoria viria pela vida. Viver era aprender.
A partir do século XII se instaura a crença de que se apaixonar é viver de verdade. O apaixonado é um herói. O casamento se torna a morte da paixão. O homem passa a se interessar por amor e poder e o saber nasce da dor, do sofrimento. Viver de verdade é sofrer e renascer.
Para explicar o porque dessa transformação ( que nada tem de cristã e sim de pagã ), Rougemont nos conta a saga de Tristão e Isolda, nascimento de todo romance e o movimento dos cátaros, irmandade herética que foi aniquilada pela igreja católica.
A saga de Tristão conta a história de cavaleiro que é enviado por rei a terra distante. Lá ele deverá escoltar princesa prometida a seu rei. Caindo vítima de feitiço, os dois se apaixonam, mas não realizam esse amor. Criam motivos para não se amarem e Tristão acaba por se casar com outra mulher, também chamada Isolda. A verdadeira Isolda casa-se com o rei e percebemos que o que os move é o amor ao amor e acima de tudo, UM IMENSO DESEJO DE MORTE. Apaixonados flertam com a morte. Eles enfrentam reis/maridos/noivos/tabús/perigos físicos; apaixonados bebem, tentam se matar, não comem, se desligam da vida, evitam amigos, evitam a família, se jogam. Apaixonados jamais se saciam e se um dia se saciam, MATAM esse sentimento. Tristão, no mágico século XII nos mostra tudo isso. Toda a tradição do romance está lá exposta. Mas, porque foi e é assim?
No tempo de Tristão a igreja cristã ainda lutava por se estabelecer. O casamento, base da sociedade, estava em crise. E seitas heréticas orientais apareciam. O europeu ainda estava próximo do paganismo. E principalmente: as pessoas ainda sabiam o porque de seus símbolos e de suas palavras. Ainda se sabia o porque da paixão e o porque de palavras como agonia, luz, noite, almas gêmeas, sede de corpo, sacrifício e doação.
Os CÁTAROS surgem no sul da França e falam provençal. Logo se espalham pelo norte da Itália e pela Ibéria. Fazem música e poesia. E têm uma visão dualista da vida. A igreja cristã irá os perseguir com furor e nada de seus passos restará. Mas, que ironia, inconscientemente carregamos sua herança. A poesia e a paixão, tal como a conhecemos nasce com eles. Suas imagens sobrevivem em nós, mas de modo cada vez mais pobre, cada vez mais vulgar, pois perdemos a chave de seu significado.
Eles acreditavam que o mundo foi criado por duas entidades. Deus criou o mundo do espírito. Lúcifer o mundo da matéria. Como homens, sentimos um grande desconforto em nosso corpo material e ansiamos de saudades pelo espírito, que vive no céu. A mulher é a guardiã das almas, ela através da maternidade faz nascer o corpo de Lúcifer/material, mas é ela também que pode levar o homem ao reino espiritual.
O amor é Deus, pois é espírito. O mundo é o mal, pois é Lúcifer. Sua igreja passa a se chamar A IGREJA DO AMOR.
Zombam do casamento cristão, pois o casamento abençoa a fornicação, e pregam a castidade, como única forma de amar espiritualmente. Mas fazem sexo carnal, SEM AMOR. Caminham pelas estradas cantando. Instituem a anima: saudade da perfeição.
Fato notável : é nesse tempo, onde a mulher deixa de ser banal e passa a ser mágica, que se modifica o jogo de xadrez. Surge a rainha, peça acima do rei. E nasce também uma crença bem conhecida: o mundo tem milhões de putas e apenas duas puras: a mãe e a amada.
Rougemont nos fala de uma crença da India. Para fazer a paixão nascer, voce deve dormir junto sem fazer sexo, depois beijar sem se tocar, e por fim transar, sem ejacular. Para a paixão se manter viva, sempre alguma coisa deve faltar. Há muito disso no amor cortês.
Com os cátaros, a poesia deixa de ser épica e se torna drama interior.
Para eles o pecado maior, base do casamento, É FAZER SEXO SEM AMOR com a benção da igreja!!! Violação de espírito e de alma. Sexo sem amor é descer ao nível mais material da vida. O bem maior é SEXO COM AMOR, encontro do eu com o outro eu, momento de ver que "eu sou voce". Mas esse momento só pode se dar na exaltação máxima do desejo, após todo um ritual galante, que visa aumentar a paixão, mantê-la. Sexo com amor é momento ápice de vida e entrada no reino noturno da morte, o encontro final com Deus.
Pois bem, essa é toda a criação mística do amor cortês. Cada sentimento e cada gesto tendo um significado profundo. Mas, com o tempo, toda essa mística se perdeu, porém tanto a linguagem como o hábito ficaram. Então sentimos " a agonia", "a dor", "o morrer em vida", "o prazer que dói", sem saber o porque de falarmos isso. Pior, nada tiramos dessa dor. Não mais sabemos para que serve a paixão, nada sabemos do sentido místico da união de espíritos que se unem para morrer.
Rougemont, que cita Freud várias vezes, diz que misticismo não é sublimação de impulso sexual, que arte não é sublimação, ao contrário, o sexo é que é um consolo, uma sublimação de um impulso místico. A vida da alma, ela exista ou não, é muito mais crucial e importante que o simples impulso sexual.
O século XIX, do qual somos ainda filhos obedientes, criou a "sabedoria" de que ser inteligente é REDUZIR O SUPERIOR AO INFERIOR. O significado ao significante, o espírito à matéria, o que é significativo ao que é insignificante. È um movimento que traduz o pensamento burguês: o que não compreendo não pode ter valor. É o ódio burguês ao poeta e ao aristocrata, dois parasitas que nada produzem.
Pois bem, se todo impulso sexual é um impulso rumo a alma, todo erotomaníaco é um MÍSTICO QUE NÃO SABE DE SUA CONDIÇÃO. Sua obssessão sexual, sempre insatisfeita, é uma ansiedade por transcendencia, por vida espiritual, por paixão; paixão que ele não sabe fazer viver, por matá-la todo dia em seu gozo imediato.
Do século XII até nossos dias, a história da paixão é a história do amor cortês cada dia mais profanado. TENTATIVAS CADA VEZ MAIS DESESPERADAS DE EROS SUBSTITUIR A TRANSCENDENCIA MÍSTICA POR UMA INTENSIDADE COMOVIDA.
Frase de La Rochefoulcauld : "Quantos homens se apaixonariam se jamais tivessem ouvido falar do amor?"
Mandamentos da Igreja do Amor:
Descrença na trindade
Alegria resplandescente.
Negação do casamento
Negação da guerra
Anticlericalismo
Vegetarianismo
Igualitarismo
Amor a mulher

Chegamos então a época carnal do homem: o século XVIII, época de luz, de racionalismo, de matéria. O amor se torna encontro de peles, contrato de bens, o flerte é um elaborado jogo de mentiras cujo único objetivo é a posse do corpo.
Mas é preciso SER para poder TER. Tristão tem uma mulher por ser um amante completo. Ele pode ter Isolda. No século XVIII Don Juan é amado por todas as mulheres, mas na verdade não pode ter nenhuma. Ele perdeu o dom do amor e passa a vida na busca, inconsciente, desse poder. Don Juan deixa de ser.
Juan procura a volúpia, Tristão realiza a suprema proeza: permanece casto. Pela não profanação, o amor de Tristão se eterniza e permanece jovem. Don Juan o profana e o mata.
Tristão é livre. Foge das regras, do pecado da carne ( não profana) e da obrigação do casamento. Não é religioso, pois não segue os rituais.
Don Juan está preso a seu instinto. Mais: ele precisa da sociedade para poder aviltá-la. Juan está preso a matéria.
ATENÇÃO! A castidade de Tristão não é a castidade dos padres. Tristão é casto por decisão de nobreza. Ele se dá esse compromisso. A castidade cristã é por imposição moral. Vem de fora.

Após o cínico século iluminista vem o romantismo.
O romantismo, já sem a chave mística do século XII, é sentimental, jamais espiritual. Usam todas as palavras, mas em sentido errado. Perdem a ingenuidade. Sentem que há algo por detrás da paixão, não sabem o que. Morrem ( literalmente ) pela amada, não pela alma.
Stendhal surge como o primeiro homem realmente moderno. Sente o vazio e o desejo de amar. Mas sua razão lhe diz que tudo é corpo, tudo é um DESEJO DO FÍSICO. Ele vive na angústia de ter de JUSTIFICAR RACIONALMENTE AQUILO QUE NÃO É RACIONAL.
Dá-se a invasão de romances, filmes, melodias de amor. Mas é um amor profanado, pobre, sem significado, vazio de mito, fadado a angústia do vazio.
Esse doce romantismo trai mais um desejo burguês: O DESEJO DE SE TER SEM SE PAGAR. Passamos a querer amor, mas sem abrir mão de nada, sem risco algum, sem morte.

Rougemont passa então a fazer algo que me deixou espantado: faz o paralelo entre a guerra e a paixão. E demonstra que o modo de se fazer a guerra sempre reflete a sociedade que a faz e a paixão que a inspira.
No século XII a guerra era ritual. Cavaleiros marcavam local e data para resolver a batalha. Não se lutava por um país. Lutava-se por um líder. Cada guerreiro tinha seu traje e seu brasão. Seu valor estava em sua alma: habilidade, fé e nobreza.
No século XIV a guerra se torna um negócio. Guerras são resolvidas por embaixadores. Soldados são comprados e às vezes a guerra se resolve so se comprar o exército inimigo. Há um horror pela morte: tenta-se matar o mínimo possível. Essa forma de guerrear termina com o canhão. Arma que é considerada covarde e imoral. Arma que torna o combate inútil.
No racional século XVIII se civiliza a guerra. Táticas, cidades abertas que não podem ser atacadas, movimentos matemáticos de tropas, campos de batalha escolhidos por seu bom ar, regras de captura. Até então o objetivo de toda guerra é a captura do chefe inimigo.
A partir da Primeira Guerra o objetivo deixa de ser capturar o chefe rival ou adquirir território. O objetivo é DESTRUIR COMPLETAMENTE O INIMIGO. Toda regra é jogada ao lixo. O soldado torna-se máquina de matar e resto de batalha. Não se deseja vencer para ter, deseja-se destruir.
Toda a evolução do modo de se ver e fazer a guerra acompanha toda a relação do homem com sua paixão. Desde a guerra como ideal nobre e de fidelidade, passando pela guerra como exercício de elegancia racional, até a GUERRA EXERCIDA SEM QUALQUER SIMBOLISMO. Apenas a captura e destruição do oposto.

Já na parte final do livro, Rougemont faz uma jogada de mestre ao defender o casamento!!!!
Como? Mas ele não demonstrou a verdade simbólica da paixão? Sim. Ele passa 3/4 do livro nos seduzindo com a beleza da paixão e da cortesia. Mas ele é inteligente demais para não perceber que essa paixão, CHEIA DE SIGNIFICADO, é irrecuperável. Jamais poderemos voltar à paixão como encontro com a morte gloriosa. Essa paixão hoje é apenas um impulso desprovido de sentido. Perdeu-se seu código, e isso está morto e esquecido. Para sempre.
Rougemont passa a dizer então o que realmente significa o casamento.

O cristianismo surge como única religião que se propõe a viver o real.
Esse é o milagre do cristão. O mundo real não é a ilusão de que fala o budismo e nem o mal de que falam os cátaros e os orientais. Não é mundo de fadas como dizem os celtas. E mais que isso, o mundo real é criação de Deus.
Pois então é a religião cristã, e só ela ( e é fácil verificar isso ) que pressupõe o crescimento da ciência e da tecnologia. Se Deus criou a matéria, cabe a nós nos interessarmos por ela, amá-la e aperfeiçoá-la. Ao contrário do Grego, que estudava o real com interesse frio, o cristão ama o real como parte de Deus. Seu semelhante torna-se parte também desse Deus, e é então no cristianismo que surge um conceito que SUBSTITUE A PAIXÃO: A COMPAIXÃO. Ao contrário da paixão que só enxerga o ser amado, a compaixão vê o todo, e ao contrário da paixão que pensa estar a felicidade apenas na morte com o amor, na compaixão a felicidade pode estar aqui e a salvação pode ser agora.
O casamento é então um estar junto em compaixão. Um caminhar no mundo real, um tentar se adaptar ao mundo verdadeiro. Servir e se apacientar.
Se para o cortês se apaixonar é morrer dia a dia ( em felicidade trágica ), para o cristão, amar é viver. Se o compromisso da paixão é com a amada e mais ninguém, o compromisso do casamento é com este mundo.
O casamento é uma escolha.
A paixão é um feitiço.
Não há melhor definição da diferença entre o paganismo e o cristianismo.

Rougemont ainda discorre sobre Wagner e o ponto máximo da paixão em música, do amor de Romeu e Julieta e dos poetas alemães.
Livro indispensável para quem pensa em amor e paixão, para quem já amou com Eros e com Ágape, para quem, como eu, já morreu de paixão pagã e já amou de ágape cristã ( mesmo não o sabendo ).
Um clássico.

A FITA BRANCA/ PECKIMPAH/ LANG/ A ESTRADA/ CHABROL

SMOKING/NO SMOKING de Alain Resnais
Dois atores fazem todos os papéis neste irregular filme de Resnais. Cansa a artificialidade. Azéma está excelente como sempre, é uma atriz sem limites. Longe de ser tão bom quanto os geniais Medos Privados ou Mariembad. Mas Resnais é sempre invulgar. Nota 6.
KUNG FU FUTEBOL CLUBE ( OU KUNG FUSÃO ) de Stepehen Chow
Tolíssimo, breguíssimo e infantilíssimo. Mas simpáticamente assumido. Não tenta ser mais do que pode ser. Nada de cores tristonhas e de complicações afetadas, é diversão pop e fim. E nisso ele é perfeito. Engraçado, bem dirigido, cheio de ação. Fuja se não tiver senso de humor. Relaxe e divirta-se se o tiver. Foi recorde de público na Ásia. Chow é o cara! Nota 7.
JORNADA AO TERROR de Norman Foster com Joseph Cotten e Dolores del Rio
É o noir que Orson Welles dirigiu por telefone. Ele estava no Rio, fazendo um documentário, e tentou manter o controle deste filme via fone e telex. Apesar de tudo e da assinatura de Foster, o estilo é todo Welles, soturno e fatalista. Bom exemplo de noir. Nota 7.
CLIFFHANGER de Renny Harlin com Sylvester Stallone e John Lithgow
Uma das várias tentativas de Sly de come back. É aquele filme em que ele é um alpinista. A ação é muito boa, toda com dublês e em abismos reais. Dá pra ver com prazer. Nota 6.
CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ de Zucker, Zucker e Abrahams com Leslie Nielsen
Quantas vezes voce já viu???? Trinta? Mas ainda dá pra rir. É um pequeno clássico. Leslie está genial e o roteiro não teme a completa tolice. Me lembra muito a velha revista Mad, mas nos extras os roteiristas citam Os 3 Patetas, Os Irmãos Marx e Jacques Tati como influências. Esta comédia é exatamente aquilo que sempre tentei escrever, puro prazer. Nota 8.
ASSASSINOS DE ELITE de Sam Peckimpah com James Caan e Robert Duvall
É sobre uma empresa particular que defende pessoas em risco de assassinato. Caan, que foi traído por Duvall, busca sua vingança. Mas o filme mostra que nenhuma vingança é possível, os dois são marionetes. Peckimpah, já em sua fase junkie-terminal, faz um filme sujo. Há um ar de falencia em toda cena. Nada tem glamour, nada tem alegria. O visual é seco, cafona, árido. Falta ar ao filme. Longe das obras-primas do genio Sam Peckimpah, mas é um filme de macho e dos melhores. Desagradável, mas que te prende. Tarantino assinaria. Nota 8.
AUSTIN POWERS de Jay Roach com Mike Myers e Elizabeth Hurley
A trilha sonora é um show. Tem de Bacharach à Nancy Sinatra. Myers é tão vaidoso que quase estraga tudo e o roteiro parece escrito por alguém com 11 anos de idade. Mas eu adoro o visual ( baseado em Michael Caine ) e os trejeitos de Powers. Adoro o sotaque britanico e as gírias ( groooovy yeah!!!! ). Este é um dos filmes que tenho vergonha de gostar. Nota 6.
OS CARRASCOS TAMBÉM MORREM de Fritz Lang com Brian Donlevy e Walter Brennan
Roteiro de Bertolt Brecht. Um filme corajoso. Na Praga ocupada, vemos a crueldade nazi e a resistência tcheca. O roteiro tem maravilhosas reviravoltas e falas sobre a liberdade muito agudas. Os atores estão inspirados e sentimos, vendo o filme, toda a opressão da Gestapo. Delações, interrogatórios, medo constante, covardias. O filme não adoça nada. Lang faz aqui mais um grande filme. Todo seu estilo, cruel e seco, esparrama-se pela ação. Cada cena é primor de técnica e de economia. Maravilhoso. Nota Dez.
LE BEAU SERGE de Claude Chabrol com Jean-Claude Brialy, Gerard Blain e Bernadette Lafond
Chabrol, crítico dos cahiers, recebeu uma herança e a torrou neste seu primeiro filme. É então o primeiro filme da Nouvelle Vague. A história é simples: um jovem doente volta a sua cidadezinha para reencontrar sua origem. Lá ele toma contato com Serge, amigo que se tornou alcoólatra. Namora a vagaba do lugar e no fim encontra o que procurava. Chabrol vai fundo: todos são derrotados. O campo é visto como lugar de miséria e de gente estúpida. Tudo é frio, pobre, sujo e todos estão no limite. A moral não existe. Inacreditável ser este um primeiro filme. A direção é sublime e a fotografia de Henri Decae é inventiva. Excelente. Nota 8.
A FITA BRANCA de Michael Haneke
Sómente uma época deprimida para produzir este filme. Nunca, em toda a história do cinema, houve um tempo com tantos filmes deprimentes, flácidos, fatalistas. A moda é ser o mais negativo possível. Este filme, de fotografia belíssima, condena toda a humanidade. Tudo é desapontamento, horror e medo. Adoro filmes tristes, detesto filmes deprimidos. A diferença é imensa. Um diretor que filma a tristeza consegue fazer viver a película. Um diretor deprimido não dá vida a nada. Mas esta é época em que até as comédias têm cenários tristinhos e musiquinhas chorosas. É isto que minha geração deu ao mundo? O prazer de se ver o fim de tudo o que tem valor? Deplorável.
A ESTRADA de John Hillcoat com Viggo Mortensen, Robert Duvall e Charlize Theron
Continuamos a saga. O roteiro é tão falso que chega a ser cômico. Tudo morre menos as pessoas. Então tá... Mas logo penso: talvez seja um filme simbólico! Bem, se for, seus símbolos são primários. O menino é Cristo e a Terra se tornou bíblica. Não dá pra engolir. Isto é mais um exemplo de aventura boba ( é Mad Max para metidos a besta ) que luta para ser intelectual. Coisa de Jeca. Cores cinzas, falas amargas, trilha sonora minimalista, idas e vindas. Quanto chavão!!!!!! Em tempo de deprê ( até os teens são pessimistas ) e de coraçõesinhos tímidos, isto é retrato do fim de feira geral. Nota Um ( pelos bons atores ).

ETERNAMENTE JORGE BEN

Abominável são os caras da mpb que seguem Chico Buarque. São todos exatamente iguais, formatados em formol. Previsíveis seguidores de Gil. Gritinhos alegres e aquelas frases sobre abacateiros e corpos livres. Cantoras que nem é bom falar: iguais iguais iguais. Mas a coisa muda quando falamos do "namorado da viúva", do "homem gol", do cara que falava dos alquimistas.
Tivesse dado certo, o Brasil seria terra de jorges. Ele é o melhor que o país pode dar, ele é o máximo. Entre 1963/1979 tem uma carreira exemplar. De Bebete até Amante Amado.
Rei de alegria e divisor de águas: o que é bom na música daqui bebeu em discos de Ben. O resto não me importa. De Marcelo D2 a Mano Brown, de Fernanda Abreu até Tim Maia e seus clones, todos são da tribo de Jorge e salve Jorge!
Caetano teve uma boa e breve fase Jorgiana e Os Alquimistas Estão Chegando é meu hino maior. Sempre que minha vida brilha Jorge é presente. Ele dá a trilha de minhas meninas bonitas, de meu futebol manhoso, de meus fins de tarde de luz, das luas novas e das alvoradas. Salve Simpatia!
Vi vários shows de Jorge e todos são iguais ( ainda bem ) mas em 1979 ele se superou. O show grátis que ele fez em Pitangueiras, na praia, no velho festival de verão, 200 mil pessoas, foi o momento mais dionisíaco da história pós-Grécia. Calor, vapores insanos, meninas se dando e areia ao vento. E a Banda do Zé Pretinho mandando deixar rolar. Vida boa, vida solta, vida de Jorgear com swingue.
Presto aqui homenagens ao maior dos melhores. Como James Brown, um criador de nova linguagem e como Chuck Berry um nativo universal. Vi Jorge tocar na França, vi Jorge ser plageado por um inglês. Salve Jorge rei de Taj Mahal do Salgueiro e de Madureira.
Sempre desejei ser Jorge Ben. Porque ele é feliz. Porque ele faz feliz. Porque ele tem um fusca e um violão. Último rei negro, último brasileiro real, músico de ritmo que é sangue e é fogo, Jorge é cavaleiro consagrado ao riso e a mulher que sabe dançar.
Menestrel medieval de espaçonaves siderais, digo e repito mais uma e toda futura vez:
SALVE JORGE!!!!!!!!

CINE ANOS 80

Conversando com um amigo percebi nele uma leve surpresa quando lhe disse que Rambo e Exterminador do Futuro eram tratados nos anos 80 como lixo dos lixos. E não só isso. Todos os filmes de ação ( incluindo Batman e Mel Gibson ) eram desprezados. Um bom crítico não os analisava e o público culto os ignorava. Na verdade cinema sério era europeu, americano era um nada.
Scorsese era olhado como um quase bom diretor ( jamais um autor ) assim como Woody Allen e Altman ( Annie Hall e Manhattan eram somente boas comédias ). O único diretor respeitado era Coppolla. Gente como Lumet, Pollack, Peckimpah, Spielberg e Lynch era somente ok. Ou nem isso.
Todo filme europeu era levado em conta, mesmo os ruins. Via-se todo italiano com bons olhos e todo francês com vivo interesse. Diretor importante era Fellini, Kurosawa e Bergman. O resto era mais ou menos. Bertolucci, Belochio, Monicelli, Resnais, Godard, Tavernier, Rhomer.
Hoje a coisa é bem diferente. O que era B nos anos 80 é hoje classe A. Desse modo, animações e aventuras são levadas a sério. Indica-se um filme como Piratas do Caribe ou Batman a prêmios. Isso seria impensável em 1982. O Senhor dos Anéis teria o respeito que 007 tinha : nenhum.
Por outro lado vemos que filmes franceses não causam nenhum frisson agora. Uma obra-prima como Medos Privados de Resnais causar rebuliço é um milagre. Toda uma produção que é hoje tão boa quanto a americana está relegada a quarentões e cinquentões. Para teens a França é terra de Henry e Zidane e é só.
O cinema se infantilizou e talvez pensem que ele sempre foi assim. Não. Spielberg era tratado como um Paulo Coelho das telas e Croenemberg era um tipo de estranho sem público. De Palma era considerado pobre e vulgar. Um bom filme tinha de tratar de coisas adultas, com finura e ritmo e ter boas interpretações. E principalmente : ser verossímil. Não se iludam, Stallone e Arnold sempre foram ridicularizados. A diferença é que atores como Butler, Daniel Craig ou Scarlett não teriam chance em 1981. Seriam coadjuvantes em Rambo ou em Mad Max.
PS: Os filmes que antes eram o tipo "cinema classe A", são hoje produzidos na TV. É a TV que pegou o público orfão do cinema. Das séries históricas, às sagas sobre famílias mafiosas ou médicos doidos, de agências de 1960 às famílias que vendem droga, todas essas séries são os filmes americanos adultos dos anos 70/80. São os temas dos filmes que venciam prêmios e levavam pais às salas exibidoras. Quem quiser conhecer o cinema americano dos anos passados, que ligue a TV.

LUIZ FELIPE PONDÉ

O texto da Folha de 16 do oito, segunda. Mais um gol de Pondé. Ele escreveu ano passado um texto que trago comigo: Catherine. A melhor radiografia que já li sobre o que é ser romântico hoje. Depois ele voltou a me impressionar ao ousar defender os padres e a igreja católica contra a tirania do iluminismo. Agora ele escreve sobre a pobreza espiritual de quem "usa" as facilidades das igrejas light. Religiões que eu chamaria de self-sevice.
Budismo consolador, catolicismo rancoroso, protestantismo prático, exoterismos auto-ajuda. Mas pior que tudo, a pretensa superioridade de iluminados ateus. Superiores em que? Pondé tem a coragem de chamar esse povo de "espiritualmente infantil". Eles pregam a materialidade da vida negando a existência de vida espiritual. Amputam o que lhes é assustador, ou pior, inatingível. Dos vários erros de Freud um dos piores foi seu desprezo pela fé. De seus seguidores o pior erro é ignorar Jung. Conhecer e vivenciar para poder julgar.
Pondé confirma que o primeiro passo para se libertar é negar o eu. Negar o eu é base de toda religião verdadeira. Mas o que ele nota é que no supermercado religioso destes dias, tudo é preocupação com o bem-estar do eu. Um egoísmo tipo: Olhem! Eu alcancei a luz!!!!!
Isso não é religião. Conhecer um mundo subjetivo, mundo onde a língua é a do símbolo e do não-tempo é conhecer o além do eu, o fora de mim e de tudo, é ir para adiante e para dentro. Esse tipo de experiência só pode ser transmitida pela poesia ou pela música. Não há como verbalizar racionalmente, pois toda experiência religiosa é pré e pós racional. Quem a viveu sabe do que falo. O único relato que conheço sobre esse momento luminoso está no final de Anna Karenina, no momento em que Lievin resolve sua aflição.
Em mundo que nos faz todo o tempo olhar para o umbigo/espelho, não pode haver experiência religosa real. O primeiro passo é se deixar e se esquecer de sí. Comungar com a vida. E A VIDA não é seu mundinho.
Toda pessoa inteligente ( desde a renascença ) precisa ser atéia se quiser ser levada a sério. Bem. Eliot, Yeats, Tolstoi e Kierkegaard não eram. Foram desconsiderados por isso. Infelizmente continuo ateu. Mas sei o valor que a religião possui. Ela não é ópio e jamais sintoma ( mas pode se tornar as duas coisas. Aliás, marxismo e psicanálise também podem ser ópio e sintoma ). O valor da religião está profundamente unido ao próprio valor da vida. Sem ela não seríamos humanos. Condenar a fé pelos crimes cometidos em seu nome é como condenar a física pela bomba H e a química pelo antraz.
Tudo neste mundo se torna cada vez menos religioso. Não é bom se isolar, não é saudável deixar de comprar e querer, não se deve viver em meditação ou busca. Se oferecem pseudo-religiões então. Um tipo de fé comunitária e feliz, sem auto-sacrifício, em que voce não precisa se submeter a nada. Religiões feel-good. Igrejas que matam o auto conhecimento.
Elas fazem voce funcionar. Apenas isso.
Ando pensando muito no amor. Convenço-me de que a coisa é bem simples. De que todo iluminista, consumista, neurótico, tem na verdade um caso de amor consigo mesmo. Ele é completamente incapaz de amar algo diferente de sí-mesmo. Tudo lhe remete ao espelho. A verdadeira religião, como a verdadeira arte e o amor verdadeiro, é um ato de amor ao diferente, de doação, de se dar SEM MEDO, de entrega. Transcender seu tempo, seu lugar e seu desejo. Aceitar negando.
Espero um dia chegar nesse lugar.

KUNG FUSÃO - STEPHEN CHOW

Não escrevo sobre os filmes que mais gosto. Às vezes um grande filme dá ensejo a apenas um "maravilhoso" e um filme médio dá toda uma dissertação. Mas aproveito este filme para falar do que é um bom e um mal filme.
Sigo sempre a regra de Pauline Kael. Bom é o filme que atinge seu objetivo. Mal é o que não o consegue. Uma comédia deve fazer rir. Um drama tem de emocionar. O filme romântico faz com que amemos os personagens e um filme de arte tem de nos fazer ver algo de novo. Aventuras nos distraem e terror nos assusta. Bem.... até aí tudo simples. Isso seria a regra do filme ok. Porém, o filme realmente bom teria uma regra adicional. Ele jamais, seja em que gênero fosse, poderia ofender nossa inteligência. A honestidade seria a regra dourada. Manter o respeito ao bom gosto. E quando falamos de filmes excelentes estamos falando de comédias que também são drama ou arte, de aventuras que são épicos existenciais ou de filmes de amor que são poesias.
Stephen Chow faz uma comédia que tenta ser apenas uma comédia. E consegue. Mas o que me faz escrever sobre este filme não é seu talento ( que existe ). È algo que a princípio me incomodou no filme, mas que depois reconheci em mim mesmo. O cinema hoje só é possível como filho da tv e não mais o contrário. Explico.
A geração de Chow ( que é a minha ) é a geração que cresceu hipnotizada por Speed Racer, Pernalonga e Super Dínamo. Por mais que depois tenhamos amado Fellini ou Ford, nosso primeiro contato significativo com o audio-visual foi através das correrias de Road-Runner ou das trapalhadas dos Flintstones. As coisas acontecem em vinte minutos, tudo é colorido e os personagens agem sem pensar.
Se no cinema mudo a influência era do circo e se no cinema dos anos 30 foi o teatro, agora é tudo tv. ( Assim como o cinema dos anos 50/60 parecia tão rico por ser feito pela geração influenciada pelo próprio cinema ).
Cada vez mais os atores interpretam como se interpreta na tv. Um tipo de interpretação feita para o close, para o cenário pequeno, para dois personagens em cena. Os filmes diminuem. O visual é para telas menores, para ser apreciado em casa. ( Falo de filmes comuns. É claro que Avatar é melhor em tela gigante. Mas note: mesmo assim os closes abundam ).
Não é por acaso que a animação tem hoje um status tão grande. O fato não é o de ela ter melhorado. O filme com humanos, real, é que se tornou mais "desenho animado". Todo humorista é hoje Patolino. Todo herói de aventura é He Man e toda ação remete a Tom e Jerry ( correria sem fim com violência aos trambolhões ). O cinema de arte neste universo não passa de uma matéria de tv educativa.
Kung Fusão ( Soccer Shao Lin ) dá um passo adiante. Seus ( bons ) atores interpretam como cartoon. O filme jamais tenta ser de verdade, ele é tv todo o tempo. Mas, por ser tão honesto em seu objetivo, ele agrada e agrada muito. É bobo, superficial, mas nunca grosseiro ou fake.
Stephen Chow bateu todos os recordes de bilheteria na Asia com este filme. Trata de mestre de arte marcial que forma time de futebol. As cenas de ação são boas, mas há cenas muito engraçadas!!! Além do que, como ator, Chow tem um tipo excelente. Não se trata mais de desenhos terem de se parecer reais. Agora a realidade deve se parecer com cartoons.
O pessoal que hoje tem 20 anos, quando começar a fazer seus filmes trará o visual do pós-tv. Será o cinema influenciado pela internet e pela conexão 24 horas. Bem mais velozes que os filmes velozes de 2010 ( que ainda são tv ), e com ainda menos vida interior e tempo para reflexão. Talvez seja feito interativamente, sem diretor final ou sem roteiro fixo. Vai saber.
Kung Fusão é o máximo a que hoje podemos aspirar. E quer saber? Basta.

O HOMEM ARANHA- STAN LEE, STEVE DITKO

Mais do que temos consciência, toda a minha geração foi afetada pelo Homem Aranha. Primeiro amamos o Super-Homem e o Batman. Mas ao travar contato com Peter Parker, Gwen Stacy e Mary Jane Watson tudo mudou. O Aranha de 70/76 ( que saiu aqui anos depois pela Ebal e pela RGE ) tocou em um nervo sensível. Garotos de 11/12 anos ficaram enredados.
Quando falo do Aranha, por favor, esqueça os filmes de Sam Raimi. Embora ele seja um fã fiel e real de Stan Lee, nada em nehum dos filmes faz justiça ao gibi. Primeiro porque Parker era um tímido forte. Ele era um cara forte que se sentia inibido. Papel para um jovem Robert Redford ou um jovem Brad Pitt. O ator que o faz daria um bom Osborn. E Mary Jane era uma pré-hippie alegre e ágil. Um tipo de Angelina Jolie.
Mas o principal, e aquilo que tanto nos marcou, é que o Aranha foi o primeiro contato com aquilo que pensávamos ser o tal "real mundo jovem". Peter vivendo em seu apartamento de solteiro, perdendo Gwen Stacy ( quem não amou e chorou com a morte de Gwen ? Aquele gibi foi histórico ), sendo paquerado por MJ e tendo problemas de emprego com JJ.... tudo aquilo nos encantava por ser real, de verdade. O que nos pegava não era a ação, era o cara por detrás da máscara. E eu me apaixonei por MJ. Como não amá-la?
De repente o Super-Homem parecia "coisa de criança". Mas, que chato, o Homem-Aranha não teve a sorte de encontrar no cinema seu Christopher Reeve. Reeve é o perfeito Clark Kent, misto de beleza e força, nobreza e timidez. Assim como Batman jamais achou seu Bruce Wayne ( na verdade achou. George Clooney nasceu para ser Batman, mas seu filme foi um desastre ). Bruce é misto de inteligência e raiva, um lord inglês com neurose. Keaton e o ator atual ( Bale sempre parece bronco ) não têm elegancia e jamais parecem ser inteligentes. Sorte do Homem de Ferro que achou seu ator ideal.
Esperar a chegada de novo número de Homem Aranha, com seu cheiro de tinta e seu formato grande era emoção de amor puro. Vejo hoje que eu não estava só. Para todos nós, antes dos livros de Dickens, dos filmes de Kurosawa ou dos discos de Dylan veio o Aranha de Stan Lee.

PARIS! PARIS! - IRWIN SHAW

Um livro tão delicioso como vinho à calçada ( em Paris ).
A França divide a humanidade em dois: gente que despreza as coisas do país de Stendhal e gente que tem uma relação visceral com a nação dos francos. Amantes de vinho ou aficionados por Coca-Cola. Para se amar a França é preciso cultura. Sinto muito, mas é assim. O livro, de um dos mais famosos autores de best-sellers dos anos 60/70/80; expõe o que é viver em Paris.
Começa falando de um momento especial. O dia da vitória na segunda-guerra. Momento culminante de otimismo e de celebração. Última vez em que soldados foram recebidos como heróis. Irwin conhece a cidade como soldado, em tempo em que tudo estava para ser feito e em que a vida em Paris era muuuuuito barata. Nessa primeira parte vemos a Paris de Cocteau e Anouilh, de Sartre e de Genet, a cidade de De Gaulle e do comunismo. O autor descreve deliciosamente as ruas, os tipos, os restaurantes e as grandes festas. Ele flana pela cidade, ele visita museus, ele vive.
Depois ele mostra Paris no inverno, a cidade mais triste do mundo. O cinza-chumbo do céu, a solidão, os porões, as pontes. Mas logo volta o verão e com ele a esperança. A cidade, agora nos anos 50, ainda não tem edifícios de 12 andares. Pela lei, o céu deve ser sempre visível. Tempo de filmes, de se morar em barcos no Sena, tempo de esporte, de mulheres lindas e chics, tempo de americanos. Irwin nos conduz por cada praça, nos faz conhecer ricaços e artistas, nos leva aos hotéis. A narrativa flui.
Mas chegam os anos 60/70 e com eles a cidade muda. O Les Halles, zona do mercado, é demolido e Paris se moderniza. Torna-se uma quase caricatura de sí-mesma. Os preços sobem e os americanos partem. Morar em Paris só para os muito ricos. E para os imigrantes desesperados. Mas ainda é França, ainda é a cidade de Balzac. Os boulevares, os cafés, os bistrôs. Ainda é a cidade onde se vive mais do que se trabalha. Os carros ainda voam por ruelas estreitas. As putaines ainda fazem o trotoir e as praças convidam ao fazer nada. Se voce souber ver, ainda se avista Montmartre e Montparnasse como no tempo de Modigliani.
Se discute politica e só Paris produz líderes que parecem preferir viver que governar. Ainda se despreza a Inglaterra e se teme a Alemanha. Ainda se lê muito. Voce pode ficar numa mesinha lendo seu jornal, pode olhar o povo que passa, pode flanar. Antes Paris se dava a seu olhar, ela era incontornável. Hoje voce precisa a procurar, ela se esconde em feiúras modernas. Mas se deixa entrever para quem sabe onde olhar.
O livro de Irwin Shaw, mais que lição de olhar é lição de viver. Delicia.

AMERICAN GRAFFITTI/ SHINDÔ/ MIZOGUCHI/ MALLE/ LOACH

A ILHA NUA de Kaneto Shindô
Um dos mais estranhos filmes que já vi. Numa ilha, estéril, quente, um casal e duas crianças precisam trazer água do continente ( a ilha não tem água doce ) para manter sua horta e sua vida. A ilha nada tem de cruel, ela é linda. Mas a vida deles é absurda. O filme, que não tem diálogos, é apenas o ir e vir em canoa, subir morros íngremes com cuidado, regar a terra arenosa. A fotografia é belíssima e a trilha musical maravilhosa. O diretor, de esquerda, quer nos dizer que o trabalho impede a comunicação. Eles não têm tempo para falar. A vida se resume a manter a própria vida. O filme, com todo esse arrojo e conteúdo tem um problema: é chato. Foi enorme sucesso de arte em seu tempo. Mas cansa ver a canoa cruzando o mar e o morro sendo subido. Nota 5.
À PROCURA DE ERIC de Ken Loach
Eric Cantona foi o ponto final na galeria de cavalos selvagens do Manchester United. Não a toa, ele diz em entrevista que jogadores como ele e George Best foram expulsos do United. Futebol hoje é para almofadinhas. Cantona nunca deu certo na seleção da França. Formou ataque com Papin, mas foram tirados da copa de 94 pela Bulgaria de Stoichkov. Em 98 ele poderia ter sido campeão do mundo. Zidane e Cantona fariam maravilhoso ataque. Mas Eric brigou com todo mundo e não foi chamado. De qualquer modo, ele tornou-se um deus no United. Mito. Seu estilo misturava a força de Adriano com a volúpia de Edmundo. O caráter era de Serginho Chulapa. Há uma cena famosa em que ele pula o alambrado, invade a torcida rival e desfere socos num torcedor. Se na final de 2006 estivesse ele em campo ( parou em 99 ) Zidane teria mais um para bater no italiano. O filme, sobre carteiro fracassado que recebe visitas de Cantona, tem o esquema de filme de Herbert Ross com Woody Allen. Só que no filme antigo é Bogey quem dá conselhos para Woody. Ouvindo o ex-jogador, o carteiro volta para ex-esposa e arruma situação do filho. É um filme honesto, jamais brilhante. Ken Loach é diretor da velha esquerda britânica: ele ama a classe operária. Seus filmes têm cheiro de povo. Este não chega aos pés de Kes, mas é um triste e simpático trabalho. Ken deve ser um cara muito legal. Nota 6.
AMERICAN GRAFFITTI de George Lucas com Richard Dreyfuss, Ron Howard, Charles Martin Smith e Harrison Ford
Se voce assistir este filme hoje vai achá-lo apenas ok. Mas deixa eu te dizer o porque de sua fama. Foi o primeiro filme a idolatrar os anos 50 ( o filme é de 73. A história se passa em 59. São quatorze anos que graças a revolução de 68 parecem 50 ), foi o primeiro filme em que não existe personagem ou história central, são vinhetas que se completam. Foi também o primeiro filme grande a usar discos pop como trilha sonora ( Scorsese já fazia isso desde 70, mas eram filmes pequenos), e foi ainda o primeiro filme teen nos moldes como conhecemos até hoje: carros, sexo, medos e piadas. O filme tem trilha sonora repleta de obras-primas dos 50. Vai de Buddy Holly a Beach Boys, de Chuck Berry a Fats Domino. Tudo está lá. Os atores estão muito simpáticos, os carrões são aquilo que se chama de super-muscle-cars e o filme é de uma despretensão cativante. Com o sucesso deste filme Lucas partiria para o projeto Star Wars e sua carreira como diretor iria pro espaço. Coppolla produziu. Nota 7.
A INDOMÁVEL de Ray Enright com Marlene Dietrich e John Wayne
É sempre bom ver Wayne, mas um western quando é bom é muuuuuito bom; quando é ruim é terrível. Este é bobíssimo. Nota 1.
LUA NEGRA de Louis Malle
Após o sucesso escandaloso de Lacombe Lucien, Malle fez este tipo de Alice no País das Maravilhas jungiano. Foi um absoluto fracasso. É impossível encontrar algum sentido neste filme. Guerrilheiros matam, há uma fazenda onde velha senhora morre e fala língua inexistente, ovelhas em todo canto, um rato de estimação, uma mulher dá o seio para que a velha mame, um unicórnio falante, uma águia assassinada... e tudo isso é só a metade. No meio dos absurdos anos 70 este é dos filmes mais loucos. É ruim demais. Mas ele vai tão fundo em sua ruindade que acaba ficando em nossa memória. Malle, diretor sempre provocante, escapa dos diretores "ruins e bem loucos" da época por ter um trunfo: ele sabia dirigir. Tudo é bem filmado, bem fotografado, bem dirigido. Malle mostra a loucura, mas ele nunca perde a razão. A fotografia é do bergmaniano Sven Nykyvst. Malle era o cara. Isto não é o filme. Nota 4.
OS AMANTES CRUCIFICADOS de Kenji Mizoguchi
Que lindo filme!!!! Lembro que foi este o primeiro filme japonês que vi na minha vida ( tv Cultura, 1990 ). Fala de amor que nasce e é sacrificado. Fala da ganancia de maridos ricos e de costumes arcaicos. Fala da coragem de amar. Mizoguchi, um tipo de anti-Kurosawa, dirige com uma delicadesa de seda. O filme é cheio de portas de papel, paredes de bambú, vielas com sol. As mulheres, como em todo filme do mestre, são as heroínas. O final do filme é toque de mago. Belo e muito doloroso. Nota 9.

O MAIS NOBRE DOS ESPORTES

Quem já disputou alguma coisa a sério sabe que sempre há uma hora em que voce quer estapear seu adversário. Não existe essa besteira de que o que vale é competir. Voce quer é ganhar sempre. E se puder, humilhar o adversário. Quem fala em "o que vale é saber perder", é aquele que já sabe ser a derrota certa.
O boxe é então o menos dissimulado dos esportes. Sim, ele tem sua máfia de resultados, doping etc. Todo esporte tem. Mas sua prática, ali, sobre o ringue, é um ato de verdade. Nada na troca de socos finge uma nobreza de delicadas atitudes. Sua nobreza é outra. É o sangue azul da coragem, do se deixar atingir, do saber se esquivar, conseguir se reerguer, e principalmente: derrubar o oponente. Eu respeito todo lutador.
Nenhum esporte é tão épico. De Ali a Sugar Ray, de Joe Louis a Marcel Cerdan, de Rocky Marciano a Carlos Monzon. Uma galeria de heróis, de martires, de loucos e de poetas do corpo. Mas principalmente: uma constelação de homens com atitude. Não é a toa ser o boxe o mais cinematográfico dos esportes, o mais jazzistico, o esporte existencialista. É um fio de navalha.
O volley jamais terá um herói. São bonzinhos. O tênis precisou de dois séculos para produzir um John McEnroe. O futebol, como disse Eric Cantona, está matando todos os seus cavalos selvagens. É uma época de Kakás e Christianos Ronaldos. George Best ou Garrincha seriam desempregados. No automobilismo não existe mais a atitude kamikase. Ela está extinta. Jim Clark ou Gilles Villeneuve jamais again. Mas mesmo na era de Jackie Stewart, Maradona, Borg ou Magic Johnson, era o boxe quem tinha Mano de Piedra Duran, Leonard ou o estúpido e fascinante Mike Tyson. Cavalos selvagens. Originais. Vira-latas únicos. Extintos.
Pessoas boazinhas odeiam boxe porque ele é violento. Bem...homens são violentos. A vida é violenta. Voce trucida um boi pra comer um hamburger e um bacaninha de um mico trucida um passarinho no ninho. Eu sou vegetariano e adoro boxe ( não o de hoje. A atual safra é a pior da história ). No ringue nada é falso, nada é cinico, não há frescura. Voce derruba o cara na sua frente. E depois o cumprimenta. Ele está lá porque quer. Voce está lá pra bater e levar na cara. Simples assim. Puro.
Tenho um certo desprezo por esportes fru fru. Coisas como volley ou ginástica olímpica. Patinação e peteca. Mas não sou tão troglô. Adoro xadrez e golfe. Curling e surfe. ( Que também deixou de produzir os Mickey Dora e Tom Curren do mar ). Mas é o boxe o esporte mais dramático, mais objetivo, mais corajoso, mais vital. Nobre.
Em mundo anônimo ele está com os dias contados. Burocratas e cientistas não suportam a doida exuberancia de um esporte de Ali e Julio Cesar Chavez. O boxe não é racional. As luvas serão penduradas. Os ringues transformados em lan houses. Tempo de guerra, de droga e de sequestros. Mas não da violencia do boxe. Tempo de mentira.
Pena......quem jamais vestiu as luvas não sabe o que perdeu.

AS FESTAS

No calor das nove da manhã bombas explodem nas ruas para nos acordar. É mais um dia de festas na aldeia. Todos devem acordar juntos, comer juntos, dormir a mesma hora.
Então é descer o morro onde fica a casa branca de meu avô e ir a algum bar tomar o café da manhã. Longo café, tentativa de cura de ressaca. O resto da manhã, calor seco e céu sem mancha, é caminhar ao rio onde meninas de biquini tomam cor e nadam na água fria. Lá sou o brasileiro, em tempo em que ser brasileiro ainda era ser raro. Sobre o rio há uma ponte feita por romanos e um menir no alto de colina, posto por celtas. Lagartos correm de nós e a vegetação é idêntica a de faroeste americano. Rochas enormes, mato seco, árvores modestas. E uma estrada cheia de curvas que nunca termina. Passa um carro a cada meia-hora. Correndo e cantando pneus.
O almoço é sonolento e é comunitário. Cabritos, arroz, saladas, peixes, linguiças, vinho, pão. Dá sono e a sesta, longa, abafada, moscas zumbindo, é na cadeira da varanda, ao sol. De lá se vê toda a aldeia, esparramada em descampado. O cemitério, todo branco e um campo de futebol ao lado. Montanhas ao longe de onde se ouvem fogos que estouram no céu. Na praça a banda chega e algumas pessoas vão passeando pelas barracas. O sono é bom.
Nunca anoitece. Um jogo de futebol entre aldeias rivais e o baile em que casais dançam de rosto colado. Jogo de tiro ao alvo, cassino, cartas de poker, adivinhadores, ciganos, doces e salgados. E vinho verde, branco, tinto, doce, rubi e rose. Missa na igreja antiga, missa na igreja nova. Cavalos passam trotando.
O fogueteiro, de fogo, solta fogos que fazem desenhos no céu. Está escuro afinal, e o vento vem forte. Alguém grita: Fogo!!!! Detrás da casa de meu avô o monte está em chamas. O fogueteiro deixou o fogo pegar. A festa sobe o morro e com galhos secos bate nas chamas para as apagar. Me vou na multidão e entro na fumaça e nas cinzas. Me dão um facão para derrubar arvorezitas. Entre chamas altas vejo um velho forte tossir e surgir imundo. É meu avô, que é só fuligem e está rindo. Apagar um incendio é parte da festa.
O sino toca. Mais festa só amanhã. Haverá corrida de carros. Durmo fedendo a fogueira.
Na manhã seguinte vejo meu avô partir rumo a plantação. O burrico vai com ele. Todos na rua me chamam de " um dos Cristos". É o sobrenome de meu avô.
Festa é fazer coisa junto. Festa é estar feliz com monte de gente. Festa é comunhão. Ser parte de massa que se sente una.
No morro há uma gruta romana. Um gaiteiro toca sua música sobre essa gruta. Dizem que tem gente que se perdeu lá. Dizem que tem bruxas que vivem lá. Os lobos se foram. Mas há uma raposa.
Sentado na varanda bebo uma cerveja. Tudo aquilo sou eu. Apaguei o fogo, bebi o rio, dancei a música, gargalhei de noite. A gruta é minha e a bruxa faz parte de mim. O lobo está desaparecido em mim, mas minha raposa não. Eu sou meu avô. Sou meu pai e sou minha mãe. A igreja é minha, o cemitério é meu. Sou um dos Cristos. Pertenço.
A vida é muito maior que uma neurose. Que um desejo. Que um medo. A vida é imensamente maior que eu. Ela é mestra minha, eu lhe pertenço.
Talvez seja isso amor.

...E TODOS SOMOS UNS FAUSTOS

Li, embora não mais lembre onde, que existem 3 tipos de homens: Quixotes, Hamlets e Faustos.
Quixote é aquele que crê no sonho. Preza por seu nome e por sua origem e vê a mulher como bem supremo. Esse tipo de homem, que surge por volta de 1600, já sabe que muito daquilo que o guia é invenção, mas ele ainda aposta em suas fantasias. É um tipo de amante da vida, de deslumbrado pelo sol. Ele despenca de abismos, erra e se quase morre, mas sempre dá a volta por cima. Se move, apaixona-se, auto-ilude-se, aventura-se. Nada nele há de puramente racional, mas é com ele que nasce Sancho, sua sombra, o dono do bom-senso.
Hamlet é um tipo de homem que vem da mesma época. Mas nada tem de Quixote. É homem que tudo questiona, que de tudo duvida. Para ele a crença é impossível. Seus olhos vêem que tudo é um palco onde todos são marionetes. Hamlet duvida até mesmo de suas dúvidas. A mulher para ele é um amor fadado ao fim. Sua Ofélia é musa impossível. Se o Quixote vê na vida milhões de possibilidades, Hamlet vê a vida como prisão.
E por volta de 1800 nasce o homem Fausto. Esse é o puro desejo. Fausto quer tudo. Ele quer poder, ele quer sexo, liberdade, dinheiro. E tudo tem. Fausto cai na armadilha de Mefistófeles : ao ter tudo ele percebe que nada tem valor. Fausto é o homem que vende sua alma. Seu desejo, após satisfeitos todos os apetites da carne, o leva a tudo querer saber. Ele precisa saber o que é a vida, a morte, o amor e o homem. Mas ao saber tudo, tudo se perde. Fausto é o anti-Quixote. O espanhol sabe que poderia saber, mas prefere ignorar e opta por viver sua fantasia, o alemão não pode estancar sua sede. E nesse frenesí de desejo e de orgia ele perde Margarida. A imagem de pureza passa a lhe ser odiosa. A imagem de amor puro lhe é culposa. Torna-se oco.
Fausto não pode mais sonhar e se aventurar como Quixote. E as indagações de Hamlet já não lhe dizem nada. Quixote caminha adiante, Hamlet anda em círculos. Fausto está sentado em trono de aço, tendo a seu redor o mundo que corre. Ele não cria sonhos ou delirios, ele não cria indagações ou medos. Cria desejos e mais desejos.
Somos hoje seres do mundo de Fausto.

NOVA LISTA DA ROLLING STONE

Saiu lista da Rolling Stone com as 500 melhores canções da história. Listas são um negócio dificil de julgar. Eu conheço todas as 500 e tem algumas que eu não colocaria nem entre as mil.
A revista continua com sua birra com Led Zeppelin e Bowie. Assim, temos apenas quatro canções de Bowie e cinco do Led. Todas colocadas lá atrás. Nada de Roxy Music, duas dos Smiths e nada de Small Faces ou Kevin Ayers.
As décadas de 60 e 50 dominam a lista, mas há muita coisa dos 70 e dos 90. A década de 80 ( felizmente ) está bem pouco representada. Que bom!
Se eu esquecer meu gosto pessoal, meu coração, e analisar só com o cérebro, julgando valor artístico, histórico etc, concordarei sempre que Like a Rolling Stone é merecidamente a número um. Ela simplesmente transformou sózinha um mundo de She Loves You em mundo de A Day in the Life. A canção de Dylan foi e é o rito de maturidade de todo um gênero musical.
Satisfaction é a número dois e ela ( que não é das minhas favoritas dos Stones ) é a música que trouxe o riff de guitarra ácido e a angst adolescente para o rádio. A primeira vez que a ouvi senti meu mojo working.
Depois vem Imagine em terceiro ( estranho.... ) e What's going on de Marvin Gaye em quarto. Respect com Aretha Franklyn é o quinto.
Estranho. Nada de Beatles. Nos quinhentos eles são com Dylan os mais citados, mas surgem apenas em oitavo com Hey Jude. Antes vem Beach Boys com a majestosa e genial Good Vibrations e Chuck Berry com Johnny B. Goode ( a música que funda o cliché do rock ). Ray Charles é o décimo com What'd i say e temos ( pasmem!!!!! ) Nirvana em nono com Smells......
Daí vem Who, Sam Cooke, Clash, Hendrix, Elvis.... As fotos são maravilhosas, mas a lista fica bem mais interessante depois do centésimo lugar.
É bacana ver Chic, Bee Gees, Donna Summer, Roadrunner dos Modern Lovers, e um monte de canções lindas dos negros dos anos 50.
De 1995 pra cá temos Beck, Radiohead ( duas ), Jay-Z, Amy Winehouse, R. Kelly, e um monte de bandas de rap. Nada de Red Hot, Oasis, Blur, Primal Scream ou George Michael. Mas temos uma de Franz Ferdinand, Coldplay e dos White Stripes. Duas dos Strokes. Nada de Stone Roses ou Happy Mondays. Nem uma eletrônica.
Minha lista cerebral traria Dylan e Stones em primeiro e segundo, com Like e Satisfaction. Mas depois eu não colocaria Imagine. Viriam A day in the Life, Good Vibrations, Dock of Bay, Whole Lotta Love, Highway 61, God Save the Queen e Ziggy Stardust.
Mas minha lista afetiva tem:
1- Cut across Shorty de Rod Stewart ( não está na lista )
2- Dock of Bay de Otis Redding ( é a 26 )
3- 96 tears de Question Mark ( é a 213 )
4- Jumpin Jack Flash dos Stones ( está em 125 )
5- For no one- Beatles ( não consta entre as 500 )
6- Rocket man de Elton John ( é a 245 )
7- She comes in color- Love ( nada de estar na lista )
8- Walk on the wild side- Lou Reed ( é a 223 )
9- I Only have eyes for you- The Flamingos ( esta na posição 158 )
10- Rag mamma Rag- The Band ( necas )
Esta é a trilha de meu sentimento. Do heroísmo folk de Cut Across Shorty a alegria caipira de Rag Mamma Rag; da beleza tristonha de Dock of Bay à etérea poesia de I Only Have Eyes.

O ESCAFANDRO/ A ORIGEM/ ANTHONY MANN/ TERRY GILLIAN

O PESCADOR DE ILUSÕES de Terry Gillian com Jeff Bridges e Robin Willians
O que Gillian continua tendo de melhor é sua carreira no Monty Python. Todos os seus filmes de cinema são "quase". Quase bons, quase ruins, quse insuportáveis, quase originais. Este é seu melhor. Os dois atores estão muito bem e as cenas de sonho são muito boas. Nota 6.
UM CONTO DE NATAL de Arnaud Desplechin com um monte de atores franceses atuais.
Uma chatice verborrágica sobre familia em crise. O pior aspecto do cinema frances: paroles e paroles. Câmera moderninha pacas.... Nota 1
OS HERÓIS DE TELEMARK de Anthony Mann com Kirk Douglas e Richard Harris
Na segunda guerra, Noruega, um bando de doidos faz sabotagem aos planos nazistas de produzir a primeira bomba nuclear. Mann foi um imensamente grande diretor. Apesar deste filme ser completamente banal, ele jamais deixa nossa atenção morrer. Bacana. Nota 6.
REGIÃO DO ÓDIO de Anthony Mann com James Stewart e Ruth Roman
Mann fez uma série de westerns com Stewart. Todos são hoje considerados clássicos. Em seu tempo eram tratados como rotineiros. Este começa devagar mas vai crescendo e ao final temos a sensação de ter visto algo realmente grande. É sobre homem que não quer se envolver. O filme fala de temas sérios como passividade, neutralidade, fuga de responsabilidade. James Stewart passa toda essa gama de sentimentos com calma e sem grandes esforços. O filme mostra que ação e profundidade podem conviver. Nota 8.
DAYLIGHT de Rob Cohen com Sylvester Stallone
Pornografia. Adoro filmes de ação, mas aqui há o exagero de sado=masoquismo puro. Vemos fogo, ambulancias, sangue e gente sofrendo. Não há personagens, inexiste a construção de clima. O que se dá é o horror da carnificina. O fundo do poço. Nota 1.
SANGUE POR SANGUE de Budd Boeticher com Glenn Ford
Um soldado é julgado por todos como covarde. Ele supostamente fugiu do Alamo e não ficou para ser massacrado com seus companheiros. Como provar sua dignidade? Um bom western do revalorizado Boeticher. Glenn Ford dá conta desse tipo de confuso herói. Nota 6.
MEN IN WAR de Anthony Mann com Robert Ryan e Aldo Ray
Adoro Robert Ryan. Ele, com aquele rosto, não precisaria ser bom ator. Mas ele é. Aqui vemos um punhado de soldados completamente perdidos na guerra da Coreia. Ryan é o tenente que deve os guiar. Aldo Ray é um sádico. Nada há de heróico neste filme, nada de patrioteiro. A fotografia de Ernest Haller é uma sinfonia de sol, sombras, uniformes e explosões. Trata-se de um corajoso filme anti-guerra. Mais um grande filme de Anthony Mann!!!! É ver para crer. Not 9
O ESCAFANDRO E A BORBOLETA de Julian Schnabel
Mostra aquilo em que o cinema de arte se tornou. Hoje ver um filme deste tipo é a certeza de se ver um caso médico, um suicida, um drogado. Arte no cinema se tornou sinônimo de tristeza mórbida. Parece que os ditos artistas engoliram aquilo que todo não-artista sempre bradou: que todo artista é doente. Nesta absurda chatice vemos um cara que sofreu um derrame tentar se comunicar com as pessoas. Sim, e daí? Acabei de ler um livro sobre Marlene Dietrich e sua grande lição sempre foi : jamais permita que sintam pena de voce. Filmes como este, que aparentemente glorificam a coragem humana, na verdade apelam a pena e aos tais bons sentimentos. Então tá...... Tem Max Von Sydow como o pai. Ele dá um show. Nota 4
A ORIGEM de Christopher Nolan com Di Caprio
O Matrix do ano. Parece profundo, parece original, mas é apenas um policial bem feito. Nolan adora posar de filósofo. Mas sua filosofia é toda tirada do Surfista Prateado ou de Watchmen. Se voce tirar deste filme os deslumbrantes efeitos, o que sobra? Se voce, como eu fiz, prestar muita atenção aos diálogos, voce verá que ele é raso como Duro de Matar, só que sem o humor de Bruce Willis. É o típico filme que se chamava antes de "metido a besta". Concordo com a critica de Isabela Boscov na Veja: Morangos Silvestres com dois tostões mostra o inconsciente e a memória de uma forma muito mais rica e profunda. Digo mais: nosso cérebro não é aquele festival de ação e de câmeras multiplas. Só se for o de Nolan. Onde estão os simbolos, o sexo, o demonio, a familia? As imagens de Bunuel em 15 minutos mostram mais de nossa sombra que trezentas horas de Nolan. Adoro aventuras, mas quando o cara tem vergonha de fazer diversão e tenta posar de filósofo-artista....Affff..... nota 5.

AMÉRICA

VI HOMENS NA AMÉRICA QUE USUFRUEM A MAIOR DAS LIBERDADES E RECEBEM A MELHOR DAS EDUCAÇÕES E CUJA CONDIÇÃO É DAS MAIS FELIZES. PARECIA-ME QUE SEUS ROSTOS ESTAVAM ESCURECIDOS COMO POR UMA NUVEM. PARECIAM-ME GRAVES E TRISTES, MESMO QUANDO SE DIVERTIAM. OS HABITANTES DOS EUA AGARRAM-SE ÀS SUAS POSSES MATERIAIS COMO SE ESTIVESSEM SEGUROS DE QUE NÃO MORRERÃO NUNCA, E VIVEM TÃO ANSIOSOS PARA PEGAR O QUE POSSA ESTAR AO ALCANCE DA MÃO QUE PODERÍAMOS PENSAR QUE ESTÃO PERPÉTUAMENTE COM RECEIO DE DEIXAR ESTA VIDA ANTES DE TEREM SIDO CAPAZES DE USUFRUIR DE SEUS BENS. ELES AGARRAM CADA PRAZER PASSAGEIRO, MAS NÃO OS RETÊM, E LOGO OS DEIXAM ESCAPAR, PARA PERSEGUIR PRAZERES NOVOS.
Este texto foi escrito por Alexis de Tocqueville no século XIX. Profético. Hoje todos somos "América". Ler isto me lembrou um dito de Paulo Francis: "Os americanos foram criados como uma nação de religiosos timidos. Mas a história os obrigou a se tornarem protagonistas. Um americano é sempre um nerd-timido tentando ser um extrovertido. Está sempre pressionado. Daí a figura do rei-do-rock, do astro do esporte, do drogado. Nerds em férias. Eles desconhecem o sexo com amor. Para eles há o amor-lindo ou o sexo-sujo."
Para mim o bom americano é o pioneiro. Ele tem de se mover, de andar, de procurar. Quando ele cessa de ir embora se torna um doido de pedra. É por aí.

ONDE NADA EXISTE- WILLIAM BUTLER YEATS

Yeats nasceu em 1865. Viveu até 1939. Durante esse período foi o mais famoso poeta de língua inglesa. Irlandês. O primeiro a ganhar o Nobel. ( A Irlanda tem a população da cidade de São Paulo. São cinco nobéis, o que dá um prêmio para cada dois milhões de habitantes. Seria como o Brasil ter 100 nobéis.)
Apesar de ser poeta, apesar de mais que poeta, ser simbolista, Yeats teve uma vida bastante ativa. Ajudou a fundar o teatro nacional do país ( que seria o Abbey Theatre ), lutou pela emancipação da república e foi senador. Apaixonado por uma revolucionária ( Maud Gonne ) que repeliu suas várias propostas de casamento, tentou depois se casar com a filha de Maud, sendo também repelido. Casou-se então com Lady George, que se revelou uma médium ( entrou em transe na noite de núpcias ). Foi através dessa esposa que Yeats formulou sua religião.
Ele escreveu peças de teatro, prosa, ensaios, crítica e claro, a mais bela poesia da língua.
Este é o volume onde Yeats se mostra mais irlandês. Em que pese sua origem aristocrática, ele vai às lendas populares e as reescreve, dando assim uma identidade à jovem nação republicana. O livro se faz de contos populares, de personagens do folclore celta, de magia e de mistério em bosques e choupanas, de tempo indefinido e sem relógio, de matéria inconsciente.
Yeats acreditava em espíritos da floresta. Mas sua crença está anos-luz distante de gnomos e de fadas auto-ajuda ou Senhor dos Anéis. O que ele diz em sua introdução é que existe UM VAZIO NO DESEJO, um vazio no além do cosmos, um nada no infinitamente pequeno, um além de nossa razão. E que é nesse vazio, nesse nada que mora Deus. Mas atenção: PARA YEATS, O DEUS CRISTÃO JÁ É UMA INVENÇÃO DO INTELECTO. O que ele nos diz é que o Deus que habita o vazio são os antigos deuses, os seres da origem, os espíritos da floresta, do sonho, da fagulha de origem, deuses que foram expulsos de nosso meio, tornaram-se exilados pela nossa razão. Não queremos e não podemos vê-los mais.
O livro vai adiante, contando histórias arquetípicas de homens dos tempos dos deuses. Heróis ainda possíveis, dos quais o mais presente é Hanraham, um professor-músico-poeta, vagando por vilas e matas, cantando e ensinando as crianças, sendo seduzido por donzelas e por bruxas. É ele o centro das lendas. É ele que Yeats situa, conscientemente, como modelo central do irlandês livre, do irlandês não-inglês. É o Macunaíma de sua terra.
Se existem deuses no vazio ou mais vazio no nada, não é o caso. O que importa é que a poesia só é possível quando se tem alguma crença, seja em deuses, amor ou revolução. Sem a fé a poesia morre.
Yeats era pleno de fé em deuses, em mistérios, em amor eterno, em novo-mundo. Penso ter sido ele feliz. Penso ser ele meu modelo. Não foi coincidência ele ter falecido em 1939. Os deuses o pouparam. Ele sabia: Onde nada existe, Deus existe.