trombone com vara
cinema, música, livros e outras coisas roxy
ELLERY QUEEN, ERLE STANLEY GARDNER E O PRAZER DA LEITURA
Faz anos que não me obrigo a ler nada que não me dê prazer. Foram os livros de Conan Doyle que me despertaram isso. Wodehouse também. Claro que não leio best sellers idiotas, eles não me dão prazer nenhum, a escrita ruim me enerva, mas se posso ler coisas classudas e populares, por que não? Quando falo aqui de Proust ou de James pode ter certeza que sinto prazer em os ler. A coisa flui e as imagens nascem com naturalidade. --------------- Nos viciamos em livros policiais, são os citados acima, porque eles nos dão prazer, e o prazer vem de nossa necessidade, natural, de narração. Amamos uma história bem contada e que faça sentido, e a beleza do estilo, se voce a exige, vem do quanto voce leu em sua vida. Um leitor básico se satisfaz com uma boa HQ ou um Paulo Coelho, um leitor mais experiente exige algum estilo, boa escrita, mais arte na articulação do todo. Bons romances policiais são exemplarmente articulados, tudo faz sentido, os personagens têm uma cara e a narrativa nos leva pela mão. --------------------Ellery Queen era um psudônimo e na verdade alguns dos livros escritos sob esse nome eram na verdade escritos em grupo. Em sua época, anos 30-60, eram considerados má escrita, pobres e vulgares. Venderam muito, aos milhões e lidos hoje parecem bons. Nosso nível de exigência caiu tanto que parecem quase arte. São do tipo " descubra quem é quem", a trama é complicada e o ambiente é aquele tipo Mike Hammer. Já Erle Stanley Gardner foi advogado e seu heroi é um advogado que descobre a verdade. Muito absorvente, queremos saber quem matou e porque e isso só é revelado no tribunal. Os livros de Gardner eram vendidos até em postos de gasolina ( eles tinham uma estante que vendia livros ). Era uma época em que o tempo que hoje é gasto nas redes sociais era usado para ler livros. Charmoso é a palavra que define Gardner. Perry Mason era o nome do heroi e ele foi até série de TV. De sucesso.
UM FILME RUIM ( KISS ME STUPID! DE BILLY WILDER )
Kiss me Stupid!, filme de Billy Wilder de 1964, é um péssimo filme. desagradável, antipático, feio, infeliz. Tudo dá errado nessa comédia que está muito mais próxima de um filme de horror. É um pesadelo de feiúra e um compêndio de mal gosto. E de gosto mau. ----------------- Dos grandes diretores, Wilder é um dos que mais tenho problemas. Eu adoro alguns de seus filmes, mas ao mesmo tempo ele tem vários que me parecem desagradáveis, deselegantes, quando não, tolos. Sim, eu ouso dizer ser ele tolo. Propositalmente tolo. --------------- Wilder cresceu e começou a ser adulto na Viena dos anos 1920 e lá ele trabalhou em bordeis e boates. Há em seus filmes muito desse ambiente. Putas de bom coração, decoração de exagero, notas de melancolia, humor grosso, travestismo, sexo às toneladas, melodrama, piadas de banheiro, sarcasmo. Esses ingredientes dão certo às vezes, mas quando não, a coisa se torna uma mistura de melado e de vodka, de repolho com café que faz enjoar. ---------------- Este filme deu errado já na pré produção. Peter Sellers, vindo dos dois primeiros filmes do inspetor Clouseau, deveria ser o ator principal. Fico imaginando como seria o filme com ele. Sellers, um gênio, como ele o demonstrou em Dr. Fantástico, no papel de Orville, um pobre professor de piano perdido numa cidadezinha do oeste americano. Orville tem uma linda esposa, feita pela estonteante Felicia Farr, e ele é ciumento, doentiamente ciumento ( algo lembra a obra prima de Sturges, Perdoa-me por me Traíres, mas é só por um minuto ). então surge na cidade um cantor famoso, bêbado e mulherengo, e esse astro quer transar com a esposa de Orville. -------------------- Peter Sellers teve um ataque cardíaco às vésperas da filmagem e a produção chamou Ray Walston para o substituir. Quem? Walston, que fazia na TV, Meu Marciano Favorito. Ou seja, substituíram um ator genial por um comediante vulgar, desagradável, chato. Não havia como dar certo. 80% do filme tem Walston na tela. O que seria um prazer, fosse Sellers, se torna uma coisa esquisita, com Walston. Mas há ainda mais erros: o cantor famoso é feito por Dean Martin, um cara sempre simpático e que Wilder parece odiar. Ele o faz ser completamente odiável. Sentimos repulsa por aquele homem que transa com a esposa do painista na cara dele. O humilha. Mas há ainda a esposa. --------------- O amigo de Orville, um outro chato, tem uma ideia, se livrar da esposa por uma noite, contratar uma prostituta e deixar o cantor transar com a falsa esposa. O objetivo é fazer com que o cantor aceite gravar canções da dupla de compositores Orville e o amigo. Ou seja, eles vendem a esposa. -------------------- Kim Novak faz a prostituta que finge ser a esposa de Orville. E isso afunda ainda mais o filme. Metida numa roupa justa, quase feia ( um milagre fazer Kim parecer feia, mas Wilder fez Monroe parecer gorda em outro filme ), o papel da prostituta é tão triste que sentimos pena dela. O cantor a perta, apalpa, puxa, empurra, humilha. O que Wilder quis com isso? Não era para ser engraçado? É patético! ------------------ Por fim, o cantor acaba por transar com a esposa real, que bêbada passou a noite no bordel da cidade, e Orville se apaixona pela prostituta. Cômico? Não, agressivo. Tudo isso num cenário feio, tosco e numa embalagem de exagero cinzento que jamais faz rir e nem sequer chega a parecer leve. É pesado. Muito pesado. ---------------- Talvez Peter Sellers salvasse essa bagunça ácida, mas acho improvável. De qualquer modo ele daria duas ou três boas tirada de humor. Isso é certo. E ouvir sua voz é sempre uma delícia. Do jeito que está, e dizem que Wilder odiou Ray Walston e judiou dele, o que ficou é um péssimo filme. Veja para crer.
UM SHOW DE ROCK
Foi no fim dos anos de 1980 que bandas como Pixies e Replacements deixaram carisma e estilo visual de lado e começaram a se apresentar no palco com a mesma roupa que um moleque usa na rua ou na escola. Eu odiei. Crescido vendo Mick Jagger, Roxy Music e Bowie, rock pra mim era visual. O apelo sexual ou a estranheza eram tão importantes quento a música. Nos festivais de música dos anos 90 e até hoje, 2025, me dá extrema aversão ver uma banda sobre um palco com absoluta ausência de mensagem visual. Rock nunca foi apenas ouvido, sempre foi olho e cintura. De Little Richard e Elvis até Kraftwerk e Prince, a imagem é 50% da coisa. ------------------ Paulão, cantor do Velhas Virgens me surpreende por isso, ele tem quase dois metros, e usa e abusa de adereços visuais. Sempre no limite do gosto, nunca brega. Sim, este texto é sobre uma noite em que fui ver essa velha banda de velho humor. Fui para sair com uma amiga, não para ver a banda, e acabei gostando da banda. Porque eles conseguem ser ainda divertidos, mas acima de tudo rocknroll. Eles possuem garra. Transmitem imenso prazer no que fazem. E amam seu público. Falei amor? ------------------------- Pessoas que olham o rock como apenas música não entendem que um dos maiores segredos do bom show é o amor. Bandas recebem amor e o devolvem. Esse foi o segredo de bandas musicalmente não tão brilhantes e que mesmo assim se tornaram mitos. Penso em Ramones, ACDC ou Status Quo. Os fãs eram sócios de um clube cujo estatuto era o amor. A banda os amava, eles a amavam. Isso era explícito. E real. Várias bandas falharam e falham nisso, geralmente por cansaço, quebraram essa regra, e se tornaram prostitutas, amor fake, mecãnico. Poucas conseguiram prosseguir dentro desse halo amoroso. O Velhas Virgens conseguem. O público vibra e eles vibram de volta, há uma troca honesta, de verdade. Paulão brinca, sacaneia, faz de Chacrinha, pula, dança, provoca, aponta para os fãs mais fieis. Cavallo, o guitar base, mantém a pose de rocker, óculos escuros, pé sobre a caixa de som, a vocalista faz folia e ela realmente parece amar o que faz. Há ainda um contrabaixista sisiduo e o batera, muito bom e que toca pesado. O guitarrista solo parece tímido, é o Mick Taylor da banda. ---------------------- Quem já foi em show comigo sabe, eu sou contido. Não me movo, sou aquele cara que fica parado prestando atenção. Aqui não. Eu sorrio e preciso retribuir o amor. Então interajo com a banda, aceno, mando mensagens, me envolvo. ( Lembro agora do show do Iggy Pop que vi a vários anos atrás e em como aquilo não me tocou em nada. Adoro Iggy, mas era uma puta velha fazendo amor mecânico ). ------------------------ Quando o show termina há uma sensação de que tudo foi entregue, a promessa foi cumprida. Eles saem do palco cansados e o público está cansado também, o cansaço bom, do pós sexo e não o do tédio. Voce percebe que a banda se revigorou sobre o palco e que o público, ao notar isso, se revigora junto. Esse o segredo do rock. Voce dá e recebe, voce recebe dando. Saio pra rua, zonzo, minha amiga detonada, e tudo parece menos complicado. Isso é só rocknroll e eu gosto sim. Exatamente assim. E claro, penso em achar um belo buraquinho pra me esbaldar.
A LARANJA MECÂNICA - ANTHONY BURGESS
Quando Burgess lançou este livro, em 1962, ele tinha já mais de 40 anos e começara a se dedicar a escrita aos 39. Toda sua primeira parte da vida fora na Malasia, lá ele era educador. Aos 40 ele recebeu a notícia de que tinha um tumor cerebral e viveria mais um ano apenas. Ele escreveu cinco livros em um ano, para assim deixar os direitos para sua família. Os médicos erraram e ele viveu mais 37 anos. A LARANJA MECÂNICA foi um desses livros escritos no seu "último ano de vida". ------------------- 1962 foi um ano muito interessante. Foi o primeiro ano de James Bond e da Pantera Cor de Rosa. Os Beatles lançaram seu primeiro single e Bob Dylan o primeiro LP. Lawrence da Arabia, Jules et Jim, Freud de John Huston e A Noite. Em 62 o Nobel foi de John Steinbeck. E Burgess se tornou famoso com A Laranja. --------------- Ao voltar para Londres, em 1960, Burgess ficou chocado com a cultura de gangues que havia nascido na cidade. Mods e Rockers brigavam em cada rua e seu código era seguido à risca. Foi então que Burgess imaginou essa Londres do futuro, onde a violência impera e jovens andam pelas ruas a procura de sangue e sexo. Uma das sacadas mais geniais de Burgess foi não usar a gíria dos mods e rockers, mas criar a gíria do tempo onde se passa a história do livro. Uma mistura de inglês cockney com russo. Isso faz com que nos sintamos aturdidos ao ler a obra, como se estivessemos no meio de uma discussão de gangues. Há um estranhamento na leitura, uma sensação de coisa não totalmente entendida. ---------------- Burgess viajara para Leningrado antes de escrever e lá teve a ideia da língua das gangues. Sentira também na URSS o clima de reeducação que seria o norte da Laranja Mecânica. Por mais que a crítica queira ver em Burgess uma crítica ao capitalismo, ele fala do totalitarismo comunista, jovens sendo condicionados a sentir o que se deve sentir. ----------------- Quanto ao filme...são obras bastante diferentes. O livro tem um final otimista. O foco é todo na linguagem e a violência bem maior. O principal: Malcolm McDowell tinha 28 anos quando fez o papel, no livro eles têm cerca de 16 anos. ( Kubrick fez Lolita ter cinco anos mais que no livro de Nabokov também ). De qualquer modo, como cinema o filme inaugurou o movimento glam rock na Inglaterra e influiu até no punk. --------------- Mas o livro é mais vasto. Bem maior em alcance. E tem um ingrediente que Kubrick nunca sabe usar: humor. Assim como ele não entendeu o imenso humor de Lolita, ele não soube usar o humor muito negro de Burgess. ----------------- Fâ de Borges e de Shakespeare, Burgess foi um autor imensamente ambicioso e prolífico. Dizem que Nothing Like The sun é seu melhor livro. Não o li. Mas nada lhe deu mais fama que este central Laranja Mecânica.
O MOÇO E A LEOA, UM AVISO DA VIDA REAL
Me causou estranheza a reação das pessoas à morte do moço pela leoa. Todos procurando informações sobre o estado de saúde física e emocional da leoa. Não vi uma só pessoa sentir pena do rapaz ( minto, uma amiga do facebook se interessou e me fez ver quem ele era ). Por que chegamos nisso? ----------------- Na sal de aula 5 alunos se levantam e vão ao banheiro no meio de uma explicação. O professor pede para eles não saírem. Eles riem e saem. Na favela, se voce tiver o azar de ter uma filha bonita, ela pode, aos 12 anos, ser requisitada pelo tráfico. Por isso, pais que têm filhas bonitas mal as deixam sair de casa. Ou as disfarçam de feia. A favela é um feudo, onde há, inclusive, o direito do senhor do feudo a primeira noite da noiva. Ele que decide onde voce pode morar e quando voce pode sair de casa. Tem seu exército e sua nobreza. ------------------ O governo cobra o que quer de todo mundo e não dá a menor satisfação do que faz. Roubos por todo lado. O país estagnado, mas a imprensa, a grande prostituta, elogia sem parar. Estado imenso, esmolas aos miseráveis, conforme-se e não pense. Todos anestesiados. -------------- Mas o pior, sempre foi, é nossa classe média. Desde sempre. Foi ela que derrubou um imperador porque não queria o fim da escravidão e é ela quem luta para manter privilégios ilusórios. Assim como ela não se importa com as prisões injustas de um golpe de araque, e como papagaios gritam sem anistia não entendendo o que isso significa - um salvo conduto à um governo que os saqueia - pensam que na favela tudo é funk e pagode, sexo e liberdade, sem querer saber que tudo lá é medo e violência. ----------- Eu falo porque tenho contatos lá dentro, e não são da biqueira, são de pessoas que tentam viver sua vida em paz, faz mais de 15 anos que convivo com gente de lá. Inclusive uma mulher, que foi poupada de virar "lanchinho de traficante" porque seu primo é do tráfico e livrou a barra dela. --------------- Fale a verdade: voce está muito mais preocupado, se segue a mídia vendida, com o destino de Maduro ou a prisão do ex-presidente, que com os velhos que foram roubados ou o massacre que está rolando no campo. Então quem vai ligar para um moço esquizofrênico? Sua preocupação e´a ecologia, as calotas polares, a camada de ozônio. Voce se preocupa muito mais com a Palestina que com a favela. ----------------- O brasileiro é educado a odiar mudanças e se dependesse dele todos viveriam de bolsa família cada um em seu lugar. Somos adeptos das capitanias hereditárias, esperando que os Barbalho ou os Calheiros nos concedam favor. E aplaudimos o artista que parou de fazer músicas de crítica social e ignora tudo ao seu redor, sabe como é né, o amor venceu baby.... Anistia Não! ( quero que a professora de 60 anos se ferre na prisão ). ------------------------ Piedade? Não. Eu quero a guilhotina! ----------------- E os Almeida Prado, os Alves Guimarães se acham especiais porque estudaram história da arte e têm um salário de 45 mil na Petrobrás. Ouvem João Gilberto e leram toda Clarice. Acham funk uma expressão legítima ( aquela música que fala que vai foder a menina até ela chorar, sua cachorra vadia ), e vão em toda vernissage de artista pós modernista. Alienados, repetem sem parar aquilo que um jornalista diz que fica bem pensar. Olhe para essa classe média e veja o que eles são: bonecos. Mortos para qualquer pensamento próprio. ------------------------ Então isso é o Brasil e é aí que um moço se joga aos leões. E tudo que a mocinha, estudante de letras da USP, pensa: vão sacrificar a pobre leoa? ( Mas é claro que se a leoa fosse um PM e o moço fosse um cara com 30 passagens pela polícia ela diria que o moço era inocente e deveria ter sido poupado. Matem a Leoa! Diria ela ). ----------------- No século XX eramos um país rico que estava esperando acordar. Neste século somos uma nação que não quer acordar. Em coma induzido. Eu adoraria viver no país que a Globo fala que existe. --------------------- Estou lendo a bio de Ricardo Amaral. Em dado momento ele fala das pessoas maravilhosas que estavam numa festa do Dr. Roberto Marinho ( doutor? ): Sergio Cabral, José Dirceu, Aécio Neves, Marta Suplicy, João Doria. Quem ousa ir contra esses nobres favorecidos? Eis o Brasil. Que fique como está. E que os moços se jogem às feras ou morram nas ruas sem um olhar de pena.
OS PRAZERES E OS DIAS - MARCEL PROUST, A MELHOR DROGA
Não conheço droga melhor que Proust. Ele faz com que sintamos a realidade de um modo totalmente diferente. Após ler um texto seu, cores, cheiros, vozes, tudo parece diferente, mais rico, mais exaltado. Reparamos nos detalhes, sentimos mais e melhor. Mas como toda droga, ele tem um preço e um mal, o preço é exigir que nos foquemos naquilo que ele diz e o mal é que há a melancolia da perda em tudo que ele escreve. ------------ Este livro é o primeiro que ele publicou, aos 23 anos, e estamos longe da saga do Em Busca do Tempo Perdido. Sentimos aqui um quase ensaio do que ele viria a produzir. Mas ainda não é o autor do parágrafos sem fim, dos aprofundamentos radicais, da feitiçaria do tempo. Composto de vários textos, esta obra abrange contos, poemas em prosa, poesia, comentários. Nada muito longo, mas já com uma complexidade original. Proust é incapaz de não escrever bem e de não produzir beleza. Algumas páginas brilham de tanta cor, de tanto perfume. A Morte de Baldassare é uma pequena obra prima e Violante um conto magistral. Já se nota a habilidade de Proust em compor sinfonias de vozes e de sentimentos, harmonias de palavras, climas musicais. A coisa se desenrola diante de nossos olhos e cérebros como fosse um sonho, sonho mais real que a realidade, daí o caráter de droga. Vicia.
CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO - HITCHCOCK
Se eu disse, em um post abaixo, que devemos lembrar que ao ver um filme de John Ford estamos vendo a obra de um homem do século XIX, digo que Hitchcock não, o inglês é já um homem do século XX. Em seus filmes vemos toda a neurose pós Primeira Guerra-Freud. Mesmo em um filme menor como este, não se trata de um grande filme, notamos como nada é o que parece, ninguém pode ser o que gostaria de ser e toda narrativa pode ser um engodo. Se todo filme de Ford é a afirmação de uma moral, todo filme de Hitch é a certeza do precário. Medo, dúvida, mudanças involuntárias, enredamento, cobranças, esse o mundo de Hitch e esse é nosso mundo ( ou era, o mundo de 2025 não é mais aquele do século XX ). -------------- Este filme, de transição, não é um dos grandes Hitch e talvez nem seja um bom filme. Percebemos que são três grandes cenas e que se cria uma história, bem forçada, para encaixar essas cenas. Entre elas, uma história que é quase desinteressante. ----------- Sim, eu continuo achando Alfred Hitchcock o maior talento da história do cinema e o mais atemporal dos autores, mas ele tem filmes bastante insatisfatórios, poucos, mas eles existem. Este é um deles.
FRANK SINATRA NO SANDS AO VIVO
Gravado em 1966 no Sands em Las Vegas, este disco não tinha como ser melhor. Sinatra, maduro, aos 51 anos, tem controle absoluto da voz e é acompanhado por Count Basie e sua orquestra. Unindo todos esses ingredientes, o que temos? Um dos melhores momentos de Frank e isso significa que é um dos melhores momentos da música popular em qualquer gênero ou tempo. ---------------- A orquestra de Basie dá às canções um sabor viril, forte, cheio de testosterona. O toque dos metais é sempre feliz, ousado e o conjunto de baixo-bateria-guitarra é sacolejante. A voz de Sinatra pode se esparramar sobre essa cama de musicalidade swing. E ele aproveita. Estando em casa em Vegas, a voz de Frank abusa da dicção clara, do controle da respiração, e melhor que tudo, da emoção. Observe uma canção como IT WAS A VERY GOOD YEAR. Numa outra voz ela poderia soar melosa, talvez revelasse fragilidade excessiva, poderia ser uma exibição de lágrimas e gemidos, mas não com Frank. Ele sofre como Homem. Ou como homens deveriam sofrer. E por isso ele faz dessa canção uma obra prima. Mas não só ela. Todas as canções, eu disse todas, são superlativas, compêndios de arte musical. --------------- E o modo como ele tem o público nas mãos é delicioso. --------------- Voce leva sua mulher ao Sands e pede um Jack. Fuma dois Camels enquanto espera o jantar. Come um belo filet e conversa animadamente com ela. Então, durante o champanhe, entra Sinatra e canta FLY ME TO THE MOON, e voce pensa, perfeição. Sua mulher sorri e voce sabe que ela levaria Sinatra para a cama. Não importa. Ele é o cara e voce se sente o cara também. Então porque não mais um Jack e mais dois Camels? A vida pode ser triste às vezes, mas existe uma mulher, uma Lua e uma noite. E voce sabe que vale a pena. Ele faz valer.
BRUNO BETTELHEIM E A INFÂNCIA
Estou lendo o livro de Bettelheim sobre os contos de fadas. E adianto aqui uma bela informação. Crianças acreditam e devem acreditar no mundo anímico, mundo onde tudo é vivo e tudo pode falar. No mundo dela, animais sentem como humanos, pedras podem ser vivas, o sol nasce porque ele quer e cada dia é povoado por anjos, fadas e mistérios. Pois bem, se esse universo é violado por uma adulto, se ele não pode, por alguma razão, se plenamente uma criança, na idade adulta ela irá compensar essa perda. Como? Sendo a caricatura de uma criança. Crendo em ganomos, magia, astrologia, no querer é poder. --------------- Vejo diante de mim um homem de 40 anos. Ele usa uma blusa do Snoopy e bermudas listradas. O cabelo tem uma franja roxa e na mão ele carrega um livro sobre o poder das fadas. Tenho a certeza que ele teve pais que o obrigaram a aprender inglês aos 3 anos, ciências aos 5 e ser responsável aos 6. Ou pior, ele foi exposto ao mundo cru do sexo aos 7. Esse homem abobado, pronto para crer em qualquer bobagem que um adulto lhe diga ( sim, pois a mais trágica característica do adulto infantil é que ele crê em tudo que um adulto lhe diz, desde um cometa que irá bater na Terra, até o mais delirante socialista cínico ), esse homem de ursinho na mão ou essa mulher que parece uma pubscente aos 50 anos são aqueles que pautam o poder que domina o planeta hoje. Pautam, mas não comandam, isso porque os Soros, Putin, Trump ou Gates da vida foram crianças infantis e são adultos bastante realistas, tão realistas que sabem que ninguém é mais fácil de ser dominado que um adulto criança. Alguém como Musk sabe lidar com o mundo real porque viveu a fantasia quando ela estava presente em seu cérebro infantil. Entenda, um artista genial tem um pé na infância porque ele recorda o que viu aos 4 anos, ele viu porque viveu lá. Isso é totalmente diferente de um adulto que sente saudade de uma infância que ele nunca teve e chora com Bambi idealizando a criança que ainda vive nele porque jamais pode existir de fato. ------------------- A grande meta desta geração é poder ser criança para sempre. Penso que não pode haver meta mais vazia de sentido que essa.
O MONÓCULO, CONTO DE ALDOUS HUXLEY
Um homem usa um monóculo. Rico, jovem, ele anda pela rua na Londres de 1925. E se sente confuso. O monóculo foi comprado como um disfarce. Com ele, sua intensão era criar um "tipo", parecer mais seguro. Mas ele sente que para as pessoas pobres ele parece tolo e para seus amigos ricos, um pretensioso. Vai à uma festa e não entende o que faz lá. Um sulafricano bêbado zomba de sua cara, um amigo lhe quer tirar dinheiro e a moça que ele quer está envolvida com o sulafricano. Vai com um amigo para a rua, já bêbado e pensa, pensa, pensa.... --------------- Huxley faz aqui um conto de mestre. Entenda, escrever um conto perfeito é uma arte rara. Conseguir dizer tudo e conseguir criar personalidades reais em poucas páginas é ato de que domina uma técnica. Completamente. Entendemos tudo sobre o narrador, sua culpa por ser rico, o fato de não se sentir bem em ambiente nenhum, sua sovinice, sua falta de força. Ao mesmo tempo entendemos o quanto a reunião dos amigos lhe é insuportável, a chatice das pessoas repetindo sempre as mesmas piadas, os mesmos elogios, os mesmos gestos. Ele é um inadaptado, um outsider e este é um dos melhores contos dos anos 20, tempo em que se escreveram os melhores contos da história. Isso porque foi um tempo de extrema transição, de revoluções, de novas modas, de liberação total. Tudo o que voce acha que aconteceu nos anos 60 e 70 foi plantado nos anos de 1920. Leia e se delicie.
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