NOVA LISTA DA ROLLING STONE

Saiu lista da Rolling Stone com as 500 melhores canções da história. Listas são um negócio dificil de julgar. Eu conheço todas as 500 e tem algumas que eu não colocaria nem entre as mil.
A revista continua com sua birra com Led Zeppelin e Bowie. Assim, temos apenas quatro canções de Bowie e cinco do Led. Todas colocadas lá atrás. Nada de Roxy Music, duas dos Smiths e nada de Small Faces ou Kevin Ayers.
As décadas de 60 e 50 dominam a lista, mas há muita coisa dos 70 e dos 90. A década de 80 ( felizmente ) está bem pouco representada. Que bom!
Se eu esquecer meu gosto pessoal, meu coração, e analisar só com o cérebro, julgando valor artístico, histórico etc, concordarei sempre que Like a Rolling Stone é merecidamente a número um. Ela simplesmente transformou sózinha um mundo de She Loves You em mundo de A Day in the Life. A canção de Dylan foi e é o rito de maturidade de todo um gênero musical.
Satisfaction é a número dois e ela ( que não é das minhas favoritas dos Stones ) é a música que trouxe o riff de guitarra ácido e a angst adolescente para o rádio. A primeira vez que a ouvi senti meu mojo working.
Depois vem Imagine em terceiro ( estranho.... ) e What's going on de Marvin Gaye em quarto. Respect com Aretha Franklyn é o quinto.
Estranho. Nada de Beatles. Nos quinhentos eles são com Dylan os mais citados, mas surgem apenas em oitavo com Hey Jude. Antes vem Beach Boys com a majestosa e genial Good Vibrations e Chuck Berry com Johnny B. Goode ( a música que funda o cliché do rock ). Ray Charles é o décimo com What'd i say e temos ( pasmem!!!!! ) Nirvana em nono com Smells......
Daí vem Who, Sam Cooke, Clash, Hendrix, Elvis.... As fotos são maravilhosas, mas a lista fica bem mais interessante depois do centésimo lugar.
É bacana ver Chic, Bee Gees, Donna Summer, Roadrunner dos Modern Lovers, e um monte de canções lindas dos negros dos anos 50.
De 1995 pra cá temos Beck, Radiohead ( duas ), Jay-Z, Amy Winehouse, R. Kelly, e um monte de bandas de rap. Nada de Red Hot, Oasis, Blur, Primal Scream ou George Michael. Mas temos uma de Franz Ferdinand, Coldplay e dos White Stripes. Duas dos Strokes. Nada de Stone Roses ou Happy Mondays. Nem uma eletrônica.
Minha lista cerebral traria Dylan e Stones em primeiro e segundo, com Like e Satisfaction. Mas depois eu não colocaria Imagine. Viriam A day in the Life, Good Vibrations, Dock of Bay, Whole Lotta Love, Highway 61, God Save the Queen e Ziggy Stardust.
Mas minha lista afetiva tem:
1- Cut across Shorty de Rod Stewart ( não está na lista )
2- Dock of Bay de Otis Redding ( é a 26 )
3- 96 tears de Question Mark ( é a 213 )
4- Jumpin Jack Flash dos Stones ( está em 125 )
5- For no one- Beatles ( não consta entre as 500 )
6- Rocket man de Elton John ( é a 245 )
7- She comes in color- Love ( nada de estar na lista )
8- Walk on the wild side- Lou Reed ( é a 223 )
9- I Only have eyes for you- The Flamingos ( esta na posição 158 )
10- Rag mamma Rag- The Band ( necas )
Esta é a trilha de meu sentimento. Do heroísmo folk de Cut Across Shorty a alegria caipira de Rag Mamma Rag; da beleza tristonha de Dock of Bay à etérea poesia de I Only Have Eyes.

O ESCAFANDRO/ A ORIGEM/ ANTHONY MANN/ TERRY GILLIAN

O PESCADOR DE ILUSÕES de Terry Gillian com Jeff Bridges e Robin Willians
O que Gillian continua tendo de melhor é sua carreira no Monty Python. Todos os seus filmes de cinema são "quase". Quase bons, quase ruins, quse insuportáveis, quase originais. Este é seu melhor. Os dois atores estão muito bem e as cenas de sonho são muito boas. Nota 6.
UM CONTO DE NATAL de Arnaud Desplechin com um monte de atores franceses atuais.
Uma chatice verborrágica sobre familia em crise. O pior aspecto do cinema frances: paroles e paroles. Câmera moderninha pacas.... Nota 1
OS HERÓIS DE TELEMARK de Anthony Mann com Kirk Douglas e Richard Harris
Na segunda guerra, Noruega, um bando de doidos faz sabotagem aos planos nazistas de produzir a primeira bomba nuclear. Mann foi um imensamente grande diretor. Apesar deste filme ser completamente banal, ele jamais deixa nossa atenção morrer. Bacana. Nota 6.
REGIÃO DO ÓDIO de Anthony Mann com James Stewart e Ruth Roman
Mann fez uma série de westerns com Stewart. Todos são hoje considerados clássicos. Em seu tempo eram tratados como rotineiros. Este começa devagar mas vai crescendo e ao final temos a sensação de ter visto algo realmente grande. É sobre homem que não quer se envolver. O filme fala de temas sérios como passividade, neutralidade, fuga de responsabilidade. James Stewart passa toda essa gama de sentimentos com calma e sem grandes esforços. O filme mostra que ação e profundidade podem conviver. Nota 8.
DAYLIGHT de Rob Cohen com Sylvester Stallone
Pornografia. Adoro filmes de ação, mas aqui há o exagero de sado=masoquismo puro. Vemos fogo, ambulancias, sangue e gente sofrendo. Não há personagens, inexiste a construção de clima. O que se dá é o horror da carnificina. O fundo do poço. Nota 1.
SANGUE POR SANGUE de Budd Boeticher com Glenn Ford
Um soldado é julgado por todos como covarde. Ele supostamente fugiu do Alamo e não ficou para ser massacrado com seus companheiros. Como provar sua dignidade? Um bom western do revalorizado Boeticher. Glenn Ford dá conta desse tipo de confuso herói. Nota 6.
MEN IN WAR de Anthony Mann com Robert Ryan e Aldo Ray
Adoro Robert Ryan. Ele, com aquele rosto, não precisaria ser bom ator. Mas ele é. Aqui vemos um punhado de soldados completamente perdidos na guerra da Coreia. Ryan é o tenente que deve os guiar. Aldo Ray é um sádico. Nada há de heróico neste filme, nada de patrioteiro. A fotografia de Ernest Haller é uma sinfonia de sol, sombras, uniformes e explosões. Trata-se de um corajoso filme anti-guerra. Mais um grande filme de Anthony Mann!!!! É ver para crer. Not 9
O ESCAFANDRO E A BORBOLETA de Julian Schnabel
Mostra aquilo em que o cinema de arte se tornou. Hoje ver um filme deste tipo é a certeza de se ver um caso médico, um suicida, um drogado. Arte no cinema se tornou sinônimo de tristeza mórbida. Parece que os ditos artistas engoliram aquilo que todo não-artista sempre bradou: que todo artista é doente. Nesta absurda chatice vemos um cara que sofreu um derrame tentar se comunicar com as pessoas. Sim, e daí? Acabei de ler um livro sobre Marlene Dietrich e sua grande lição sempre foi : jamais permita que sintam pena de voce. Filmes como este, que aparentemente glorificam a coragem humana, na verdade apelam a pena e aos tais bons sentimentos. Então tá...... Tem Max Von Sydow como o pai. Ele dá um show. Nota 4
A ORIGEM de Christopher Nolan com Di Caprio
O Matrix do ano. Parece profundo, parece original, mas é apenas um policial bem feito. Nolan adora posar de filósofo. Mas sua filosofia é toda tirada do Surfista Prateado ou de Watchmen. Se voce tirar deste filme os deslumbrantes efeitos, o que sobra? Se voce, como eu fiz, prestar muita atenção aos diálogos, voce verá que ele é raso como Duro de Matar, só que sem o humor de Bruce Willis. É o típico filme que se chamava antes de "metido a besta". Concordo com a critica de Isabela Boscov na Veja: Morangos Silvestres com dois tostões mostra o inconsciente e a memória de uma forma muito mais rica e profunda. Digo mais: nosso cérebro não é aquele festival de ação e de câmeras multiplas. Só se for o de Nolan. Onde estão os simbolos, o sexo, o demonio, a familia? As imagens de Bunuel em 15 minutos mostram mais de nossa sombra que trezentas horas de Nolan. Adoro aventuras, mas quando o cara tem vergonha de fazer diversão e tenta posar de filósofo-artista....Affff..... nota 5.

AMÉRICA

VI HOMENS NA AMÉRICA QUE USUFRUEM A MAIOR DAS LIBERDADES E RECEBEM A MELHOR DAS EDUCAÇÕES E CUJA CONDIÇÃO É DAS MAIS FELIZES. PARECIA-ME QUE SEUS ROSTOS ESTAVAM ESCURECIDOS COMO POR UMA NUVEM. PARECIAM-ME GRAVES E TRISTES, MESMO QUANDO SE DIVERTIAM. OS HABITANTES DOS EUA AGARRAM-SE ÀS SUAS POSSES MATERIAIS COMO SE ESTIVESSEM SEGUROS DE QUE NÃO MORRERÃO NUNCA, E VIVEM TÃO ANSIOSOS PARA PEGAR O QUE POSSA ESTAR AO ALCANCE DA MÃO QUE PODERÍAMOS PENSAR QUE ESTÃO PERPÉTUAMENTE COM RECEIO DE DEIXAR ESTA VIDA ANTES DE TEREM SIDO CAPAZES DE USUFRUIR DE SEUS BENS. ELES AGARRAM CADA PRAZER PASSAGEIRO, MAS NÃO OS RETÊM, E LOGO OS DEIXAM ESCAPAR, PARA PERSEGUIR PRAZERES NOVOS.
Este texto foi escrito por Alexis de Tocqueville no século XIX. Profético. Hoje todos somos "América". Ler isto me lembrou um dito de Paulo Francis: "Os americanos foram criados como uma nação de religiosos timidos. Mas a história os obrigou a se tornarem protagonistas. Um americano é sempre um nerd-timido tentando ser um extrovertido. Está sempre pressionado. Daí a figura do rei-do-rock, do astro do esporte, do drogado. Nerds em férias. Eles desconhecem o sexo com amor. Para eles há o amor-lindo ou o sexo-sujo."
Para mim o bom americano é o pioneiro. Ele tem de se mover, de andar, de procurar. Quando ele cessa de ir embora se torna um doido de pedra. É por aí.

ONDE NADA EXISTE- WILLIAM BUTLER YEATS

Yeats nasceu em 1865. Viveu até 1939. Durante esse período foi o mais famoso poeta de língua inglesa. Irlandês. O primeiro a ganhar o Nobel. ( A Irlanda tem a população da cidade de São Paulo. São cinco nobéis, o que dá um prêmio para cada dois milhões de habitantes. Seria como o Brasil ter 100 nobéis.)
Apesar de ser poeta, apesar de mais que poeta, ser simbolista, Yeats teve uma vida bastante ativa. Ajudou a fundar o teatro nacional do país ( que seria o Abbey Theatre ), lutou pela emancipação da república e foi senador. Apaixonado por uma revolucionária ( Maud Gonne ) que repeliu suas várias propostas de casamento, tentou depois se casar com a filha de Maud, sendo também repelido. Casou-se então com Lady George, que se revelou uma médium ( entrou em transe na noite de núpcias ). Foi através dessa esposa que Yeats formulou sua religião.
Ele escreveu peças de teatro, prosa, ensaios, crítica e claro, a mais bela poesia da língua.
Este é o volume onde Yeats se mostra mais irlandês. Em que pese sua origem aristocrática, ele vai às lendas populares e as reescreve, dando assim uma identidade à jovem nação republicana. O livro se faz de contos populares, de personagens do folclore celta, de magia e de mistério em bosques e choupanas, de tempo indefinido e sem relógio, de matéria inconsciente.
Yeats acreditava em espíritos da floresta. Mas sua crença está anos-luz distante de gnomos e de fadas auto-ajuda ou Senhor dos Anéis. O que ele diz em sua introdução é que existe UM VAZIO NO DESEJO, um vazio no além do cosmos, um nada no infinitamente pequeno, um além de nossa razão. E que é nesse vazio, nesse nada que mora Deus. Mas atenção: PARA YEATS, O DEUS CRISTÃO JÁ É UMA INVENÇÃO DO INTELECTO. O que ele nos diz é que o Deus que habita o vazio são os antigos deuses, os seres da origem, os espíritos da floresta, do sonho, da fagulha de origem, deuses que foram expulsos de nosso meio, tornaram-se exilados pela nossa razão. Não queremos e não podemos vê-los mais.
O livro vai adiante, contando histórias arquetípicas de homens dos tempos dos deuses. Heróis ainda possíveis, dos quais o mais presente é Hanraham, um professor-músico-poeta, vagando por vilas e matas, cantando e ensinando as crianças, sendo seduzido por donzelas e por bruxas. É ele o centro das lendas. É ele que Yeats situa, conscientemente, como modelo central do irlandês livre, do irlandês não-inglês. É o Macunaíma de sua terra.
Se existem deuses no vazio ou mais vazio no nada, não é o caso. O que importa é que a poesia só é possível quando se tem alguma crença, seja em deuses, amor ou revolução. Sem a fé a poesia morre.
Yeats era pleno de fé em deuses, em mistérios, em amor eterno, em novo-mundo. Penso ter sido ele feliz. Penso ser ele meu modelo. Não foi coincidência ele ter falecido em 1939. Os deuses o pouparam. Ele sabia: Onde nada existe, Deus existe.

AMOR PELAS E PARA AS COISAS

Juro que é verdade. Juro que houve um tempo em que voce comprava um sofá ou uma televisão com a IDÉIA de que aquele objeto iria te acompanhar para SEMPRE.
O primeiro aparelho de som de minha vida foi uma vitrola ABC- A voz de Ouro. Por ser toda de madeira nós sempre passávamos lustra móveis Shell. Ela ficava brilhando. Tratava-se de um retângulo onde havia o rádio AM/OC, e o toca-discos, mono. Um alto falante. Para tocar os discos voce abria uma gaveta. O braço da agulha era pesado, verde, de ferro. Nada nela era de plástico. Madeira, ferro e vidro. Foi nesse MÓVEL que ouvi pela primeira vez Beatles, o It´s only rocknroll dos Stones e Diamond Dogs de Bowie. Ao lado havia um espaço para se guardar os discos. Lá ficavam uns 78 rotações do meu pai. Eu e meu irmão os quebramos todos no quintal.
Eu AMAVA o cheiro da madeira que aquela ABC tinha. Adorava ficar olhando a luz de suas válvulas e seu motor pesado. Minha mãe colocava um paninho sobre ela e uns enfeites de vidro colorido. Era um trambolho tosco. Mas era SIMPÁTICO. Esses objetos possuiam caráter, tinham história. Não por acaso, são procurados por saudosos quarentões em feiras de trecos. Ninguém vai procurar seu celular ou seu pc. Nem em 2050.
O primeiro carro de meu pai foi um Opala vermelho, duas portas. Foi comprado com a intenção de se tornar herança. Infelizmente não se tornou. Ao comprar um carro ( assim como uma geladeira ou um fogão ) a primeira pergunta era: ele DURA ?
Mas vou mais longe. Penso nos Dodges cor de laranja com faixa preta ou nos fuscas amarelos. Mais que sinal de breguice, o que havia nesses objetos era o desejo de se tornar diferente, de obter personalidade. O mercado tentava criar um vínculo AFETIVO entre voce e o objeto.
Hoje todos os carros são anônimos. Todos se parecem e todos são da mesmíssima cor. O mercado não quer um vínculo afetivo. Ele deseja a descartabilidade. A pergunta não é : Isso dura?
A pergunta é : É novo?
Levamos isso pra vida. Novos amores, novos amigos, novo emprego, nova casa, nova familia. Seria absurdo perguntar : isso é pra sempre? Não é para se criar um VÍNCULO. Nada é construído com a idéia de permanencia. Aliás, nada pode ser idéia.
A TV também era ABC. Eu gostava de me levantar do sofá e mexer nos grandes e barulhentos botões. Era eu quem passava lustra-móveis na madeira amarela e tirava a gordura da tela de vidro verde. Sobre ela havia um vaso com flores. Ficou no meu quarto depois e acabou sendo levada por uma empregada. Nessa TV nós assistíamos coisas que repassam na TV até hoje. Sabíamos que ela ia durar. Sabíamos que o mundo sempre falaria de Star Trek ou de Coelho Pernalonga. Principalmente : sabíamos que estaríamos sempre juntos. Mesmo que não em carne e osso. E esses objetos seriam nosso cenário. Forever. Como os Beatles e os Stones.
Eu adoro as coisas. Eu não brigo com este mundo de celulares e telas planas. Adoro dvds. O que me deixa "absurdado" é o não-afeto, a completa ausência de vínculo entre eu e meu PC, eu e meu carro. A relação deixou de ser EU GOSTO DE MEU CARRO. Passou a ser EU QUERO ESTE CARRO. Desejo sem afeto, sem amor e sem carinho. Será que as crianças ainda amam seus brinquedos????

O TEMPO E O CÃO- MARIA RITA KHEL ( PARTE II, O CÃO )

Em momentos de doida angústia eu olhava meu cão e o invejava. Via-o deitado ao sol, observando o vazio e absolutamente calmo. Meu cão em casa em minha casa. Meu cão parte de paz em minha vida. Seu tempo é o tempo do planeta e sua vida é a vida de todo cão que houve e haverá. Mas nós, humanos, hoje, somos obrigados a criar nossa vida e nosso sentido todo dia. Nos questionar todo segundo e tentar ser feliz de nosso jeito. Livraram-nos da opressão de família e igreja, mas nada nos deram para nos ajudar.
Narrativa. Nesse livro se fala muito de narrativa. É o que me incomoda no cinema atual. Mostra-se um fragmento de vida, mas não se narra uma história. Não se criam mais os grandes personagens com suas grandes frases e suas grandes histórias. O que nos é dado são recortes de flashs de gente picotada. Nada que nos leve para dentro de nosso espírito.
Claro que há as excessões. Spielberg sempre tentou contar uma lenda. Assim como Coppolla. Mas eles ( a maioria, mesmo quando o filme é bom ) esbarra na dúvida. A questão que os abate: "Alguém ainda crê em narrativas? Alguém ainda sabe as escutar? " E então mesmo filmes que precisavam da fé-narrativa se perdem na falta de habilidade em se contar: Benjamim Button e que tais.
Mas os livros também são assim. Em mundo técnico só se lê livro "útil". Livros que ensinam, biografias exemplares, filosofadas. Ler Proust porque é simplesmente bom. Quem ainda?
O MORRO DOS VENTOS UIVANTES deu tanto sentido a minha vida quanto um ano de análise.
Problema: Khel fala das sociedades medievais onde se trabalha sem pressa, onde o trabalho te dá tempo para devanear, onde a mente flutua durante o trabalho. E onde narrativas são feitas todo o tempo. Contam-se histórias não só após o dia, são narrações todo o tempo. Trabalha-se cantando, contando, sonhando. Problema meu: Eu vivi esse mundo. Parar de sonhar, de recordar, de religar, de devanear, de ligar coisas, é para mim impossível. Mas este mundo me pede isso. Faça, faça, faça, faça!
Quero meu tempo de volta. Ouvir e ver histórias. Longas narrativas, completas, vastas, com pessoas de verdade, multi-facetadas, simbólicas, sublimes. Quero meu tempo para amar. Ver, conhecer, escutar, sentir falta, querer, desejar, tocar, amar. Quero meu resgate.
Garotos se drogam para poder dar um tempo. Como foram treinados a estar sempre fazendo coisas ( ser feliz é estar em movimento ) só se permitem parar quando estão drogados. Um modo idiota de se cessar a correria. Uma pena.
Eu mantenho e preservo. Não quero que derrubem aquela casa porque ela simboliza a derrubada de uma narrativa. Eu revejo meus velhos filmes. Me trazem as histórias arquetipicas de passado e futuro. Me ensinam a ignorar o tempo que escorre e nada significa. Me embrenho em imagens onde antes e depois são uma possibilidade e não uma lei. O tempo não existe em mim. Amei voce agora e amarei voce depois.
Meu cão filosofava. Nick é seu nome. Em seu olho de boxer eu via tudo. O fluir calmo do momento, a paz de se estar em casa, a preguiça tediosa e feliz, o dar de ombros. Não ser dono de si e sim ser parte de tudo.
E é só isso.

O TEMPO E O CÃO- MARIA RITA KHEL ( PARTE I, O TEMPO )

Proust tem o tempo. Ler Proust é como habitar o tempo. Tempo, tempo, tempo, tempo.
Sempre fui obcecado pelo calendário, pela estação. Não existe eu sem relógio no pulso. Tenho ódio pelo que passa, pelo que ignora o que foi, pelo coiso. Ódio e fixação pelo ponteiro.
O mundo virou lugar de coisos. Automóveis. Sacrificamos jardins por mais uma vaga na garagem. Sacrificamos praças por mais uma pista. Cinemas por estacionamentos. Mas é mais que isso. Precisamos ser, NÓS MESMOS, precisamos ser como uma Ferrari ou uma Mercedez. Temos de correr, brilhar, ter aceleração. É obrigatório ser pleno de acessórios. Funcionar. O tempo é o tempo do motor. De zero a cem em poucos segundos. A paisagem voa pela janela e nada pode ser bem visto. O que passa é sombra que corre. O que passou não existe mais.
Pior: voce é carro sem motorista. Voce é o que corre e o que dirige. Tensão e atenção. Pra sempre. A estrada é o mundo que passa. Seus olhos no horizonte. O agora é já ido. Pra frente.
Henri Bergson: A memória é o espírito. Um carro não tem espírito. Não pode ter memória.
A não ser a funcional memória de se saber ligar, engatar e guiar.
O posto de gasolina para um carro é e sempre será, um posto de gasolina. Nada de relevante poderá vir de lá. Para um carro as coisas são o que são.
Mas eu........
A tarde em que fiquei de barriga pra cima, aos 7 anos, vendo as nuvens se dissolverem no calor de janeiro. Alí o tempo não existia. Ele era eu. Se o tempo é espírito, eu me deitava em seu colo. Elaborava minha riquesa. Fui Proust e sua estada na praia, e suas garotas em flor, e sua madeleine.
Mas nós.......
As máquinas nos humilham. Nos põe de joelhos. Uma bomba que cai do céu humilha o cavaleiro experiente e sua espada bem treinada. Um computador humilha nossa velocidade. A rede de amizades via internet humilha minha agenda. As fotos da galáxia humilham nosso planeta. A linha de montagem humilha o artesão e o shopping center humilha a lojinha de bairro.
Mas é pior: todos esses trecos estão mortos. E nós sabemos disso. Humilhados não por um soldado melhor, um homem mais esperto ou um rival muito mais bem dotado. Humilhados por coisas mortas. Pelo que não tem passado.
Voce não pode mais deitar e ver nuvens. Seria algo que te faria sentir fracassado. Um tonto jogando tempo fora. Voce não pode mais sair com os amigos para fazer nada. Voce sai para se divertir. Voce é obrigado a se divertir. Assim como seu filho tem a hora exata para brincar e para descansar. Ninguém assistirá as nuvens no céu.
Estou cansado de dizer: só me interessa o que é pra sempre. Me esparramo pelo tempo. Corro atrás do que não me importa. Meu desejo é adiado até sempre. Um deprimido?
Deve existir um tempo pra mim. Onde eu possa viver com minha alma serena. E meu desejo se apresente em tempo e lugar apropriado. Minha memória é meu tesouro.
Vampiros são moda de um tempo morto. Adolescentes que não mais se permitem ser idiotas. Romances sem ingenuidade e paixões sem adiamentos. É tudo pra ontem. Eu serei ontem.
Heathcliff e Catherine. Se voces são doenças dispenso a cura. Meu momento é todo. O tempo não existe. O que é novo nasce velho e o agora já foi. Diziam que o mundo atual é muito infantil. Jamais!!!! Sofremos de senilidade-juvenil. Falta de coragem, falta de inocencia, falta de frescor.
Todo artista odeia o tempo em que vive.

OPHULS/ MORGAN FREEMAN/ CHABROL/ FORD/ LUBISTCH

LOLA MONTÉS de Max Ophuls com Martine Carol e Peter Ustinov
De longe é este o pior filme de Ophuls. Um longo e enfadonho exercício de pretensão. Sabe-se que ele teve problemas com a produção e que sua ambição era a de fazer um filme muito maior. Mas este painel sobre a decadencia de uma cortesã não tem ritmo, não tem gosto, tem falta de tudo aquilo que sempre fez a fama de Ophuls. Uma pena. Muita gente considera este filme um dos maiores da história. Onde? Nota 3.
A DAMA DO LAGO de Robert Montgomery com Audrey Totter
A idéia é arrojada: fazer um policial noir em câmera subjetiva. O herói jamais é visto ( só quando se olha no espelho ) a câmera é o olho desse detetive. Mas essa idéia não funciona. Queremos ver as reações do herói, queremos ver o ambiente onde tudo ocorre, nos cansamos de olhar para rostos que falam olhando para nós. Fato muito interessante: sem a distração de nossos pensamentos, o que olhamos numa conversa é absolutamente banal. O filme se torna árido, mas jamais indiferente. Audrey Totter tem uma sensualidade perversa eletrizante e o enredo tem tanta podridão que nosso interesse se mantém. Mas seria muuuuuito melhor se feito sem a tal câmera subjetiva. Nota 6.
SER OU NÃO SER de Ernst Lubistch com Carole Lombard e Jack Benny
Vamos ver se consigo explicar a história: na Polonia de 1939 ( o filme é de 44 ) uma trupe de atores judeus vê os nazistas invadirem Varsóvia. Sem teatro e na miséria eles acabam ( através de mirabolante e muito bem escrita história ) tomando o lugar dos verdadeiros nazistas e se passando até por Hitler, salvando assim um espião da RAF. O burlesco impera. Lubistch não tem o menor pudor de zombar de nazis em plena guerra. Mas ele também zomba de atores e suas pretensões. O filme é uma delícia! Lombard brilha como a atriz cortejada pelos nazis e Benny é seu marido, um ator-pavão que se torna herói. É impagável. Nota 8.
DOMÍNIO DE BÁRBAROS de John Ford com Henry Fonda, Dolores del Rio e Pedro Armendariz
Um filme muito estranho. Fala de padre que é perseguido em revolução mexicana. O padre é um tipo de martir culpado e as atrocidades se amontoam. É um filme hiper-católico e hiper-carola. Mas algo o redime. A maravilhosa fotografia de Gabriel Figueroa. O México jamais foi tão misterioso, gótico, irreal e infernal. Trabalho de gênio. Mas é um drama muuuito estranho.... Nota 5.
A ÚLTIMA ESTAÇÃO de Lasse Hallstrom com Robert Redford, Morgan Freeman, Jennifer Lopez e Josh Lucas
Hallstrom dirigiu Minha Vida de Cachorro. Ele é muito bom para esse tipo de filme bucólico, sensível, humano. Aqui temos Redford ( muito bem ) como um rancheiro que vive em semi-isolamento com seu amigo ( Freeman ) aleijado por ataque de urso. Jennifer é sua nora, que vai viver lá fugindo de namorado violento. O filme é sobre a reconciliação. É bonito. Fácil de ver, muito bem narrado e todos os atores estão ótimos ( inclusive J-Lo ). Mas, como quase sempre acontece com Hallstrom, falta a criatividade, a fagulha que faz de um filme ok um filme marcante. Nada aqui é ruim, mas nenhuma cena é forte. É bacaninha. Nota 6.
MORTE SOBRE O NILO de John Guillermin com Peter Ustinov, David Niven, Maggie Smith, Bette Davis, Jane Birkin, Angela Lansbury
Hercule Poirot investiga mortes em viagem pelo Nilo. Ustinov está delicioso como Poirot e Niven dá classe ao todo. Mas o jovem casal central, feitos por Lois Chiles e Simon MacKindale, é de canastrice irritante!!!! E ainda tem Mia Farrow como a principal suspeita, hiper-atuando. Um filme que não flui, em que pese a delicia de se ver tantos medalhões. Nota 4.
A ÚLTIMA ESTAÇÃO de Michael Hoffman com Helen Mirren, Christopher Plummer, James MacAvoy, Paul Giammati
Tolstoi em seus últimos dias, tendo seu legado disputado por sua esposa e por seus discipulos. Tolstoi, nos últimos anos de sua longa vida, abriu mão de sua fortuna e de sua arte em pró de sua crença. Ele lançou o toltoianismo, um tipo de pacifismo marxista vegetarianista. O filme mostra os embates entre a condessa sua esposa, que ama o Tolstoi nobre e escritor genial, e o líder do tolstoianismo, que parece estar de olho em sua herança. Helen Mirren brilha. Sandra Bullock ter lhe tirado um segundo Oscar é piada de péssimo gosto. Mas Plummer, MacAvoy e Giamatti, todos brilham, todos se entregam aos papéis invulgares. A cena da morte de Tolstoi é belíssima. E terrivelmente dura. Faltou um diretor de maior ambição, um diretor que criasse cenas de impacto e não apenas que se deixasse levar pelo texto e pelos atores. Hoffman nunca atrapalha, mas também nada cria. Mas, em tempos de gnomos e que tais, é um filme especial. Nota 7.
UMA GAROTA DIVIDIDA EM DOIS de Claude Chabrol com Ludivine Sagnier
O grande Chabrol erra aqui. Veja bem, não é um filme ruim, é apenas um filme sem porque. Uma garota ama um escritor velho e é cortejada por playboy bilionário. E daí? E daí nada. Não há nenhum aprofundamento, nenhuma surpresa, nada de belo ou de diferente. Chabrol não erra, mas e daí? Claude Chabrol é o mais querido dos diretores da nouvelle-vague nos EUA. Ele tem uma sucessão de bons filmes de suspense ( quando critico ele amava Hitchcock ). Mas aqui, aos 82 anos, ele faz um filme inútil. Nota 3.

CHARLIE BROWN SOU EU. OU: A DESCOBERTA DO JAZZ

Um famoso psicólogo ( quem? ) disse uma vez que entre outras coisas, a maior genialidade de Charles Schulz ao criar os Peanuts, foi a de exemplificar os vários tipos de neurose. Em Linus, Lucy, Patty Pimentinha, Schroeder e principalmente Charlie Brown, temos todas as neuroses do tempo moderno. Menos Snoopy, e é aí que o gênio se revela. Nesse meio torto e cinzento ( e pintado com tanto afeto ) Snoopy é a imagem da mente sadia. Esse beagle que dorme e come, que agride quando é pisado e dança sempre que feliz, é a imagem da saúde mental, da boa disposição, e principalmente da criatividade. Pois Snoopy sonha. Sonha em ser um ás da aviação, sonha em ser um legionário. Snoopy é a felicidade.
Charlie sou eu. Eu queria ser o Linus. O Linus é mais esquizo. Mas Charlie sou eu, fazer o que? Eu sempre subi naquele monte de terra e sempre soube que ia perder. E a menina ruiva nunca falou comigo. Sim, Charlie Brown sofre de auto-piedade. Sim, ele é o molde de Woody Allen. Sim, Schulz foi um gênio. Mas tem mais.
Nesse dvd novo há um documentário sobre o autor da trilha sonora, Vince Guaraldi. Se fala que a trilha de jazz dos Peanuts fez com que muita criança se tornasse fã de jazz quando adulto. BINGO! Taí! Se fala da primeira vez em que se ouviu o tema de Linus e Lucy. Aquele piano dedilhado nada infantil ( Peanuts nunca é infantil ), a bateria marcada, a agilidade feliz do compasso. A música se tornou hit e Vince uma estrela ( até morrer cedo, do coração ).
Assisto Peanuts desde os oito anos de idade. E sempre adorei sua música. ( As músicas de Vince são da série antiga. A partir dos anos 70 a coisa se vulgarizou. ) Mas é agora que percebo que aquele foi o primeiro jazz que ouvi na vida. Mais: que tudo o que realmente me seduz em jazz até hoje é meio Vince Guaraldiano. De Monk a Lester. Eureka!!!!! Snoopy dançando ainda é a coisa mais jazz que há.
Numa ilha deserta, se tivesse de levar só um cartoon eu levaria Snoopy. Doeria ficar longe do Pernalonga ou do Patolino. Tenho o Papa-Léguas tatuado no braço. Mas a vida sem Charlie Brown é inimaginável. Como os filmes de Hitchcock, as músicas dos Beatles ou a pintura de Renoir, faz parte de nosso ambiente, de nosso meio, de nosso inconsciente. Enriquece a vida, enobrece a alma, faz a gente até crer em algum motivo para perder.
Eu amo Charlie Brown.

PRISCILLA/ FUTEBOL/ POLLACK/ NOIR/ CHRISTOPHER REEVE/ SNOOPY

FALSTAFF de Orson Welles com John Gielgud, Jeanne Moreau, Marina Vlady
Com seu ego mastodontico, Welles mistura duas peças de Shakespeare centrando tudo em Falstaff, o gordo e alegre rufião. O filme é quase incompreensível. Tem uma genialidade: seus cortes. O filme tem tanta agilidade visual que chega a nos deixar tontos. Mas fora isso... nota 4
PRISCILLA, A RAINHA DO DESERTO de Stephan Elliot com Terence Stamp, Guy Pearce e Hugo Weaving
Este filme anuncia fenômeno interessante dos nossos tempos: a transformação do travesti em um tipo de herói infantil. Como provou o big brother, o gay fofo é hoje um tipo de herói para crianças. Se tornou um tolinho inofensivo. Os Dzi-Croquettes devem estar se revirando entre sua escatológica purpurina.... Mundo onde tudo ( sex, drugs e rocknroll ) se torna, cedo ou tarde, conformismo. Bem...aqui está um filme gay sem sexo. É bacana a paisagem dessa absurda Austrália e Stephan sabe dirigir, como mostrou em seu recente EASY VIRTUE, mas é tudo tão fofo, eles são tão crianças que chega a enjoar. Os atores, principalmente o grande Stamp, são inspiradas escolhas, nenhum deles sabe rebolar. E viva o ABBA!!!! nota 5
AUSÊNCIA DE MALÍCIA de Sidney Pollack com Paul Newmann, Sally Fields e Melinda Dillon
Porque este filme me emocionou tanto? Vamos a história: jornalista ( Sally, excelente ) é usada pela polícia. Ingenuamente ela pega notícia vazada e a publica. Isso faz com que a vida do investigado ( Paul ) se torne um inferno. Qual a culpa dele? Qual a culpa dela? Aqui o jornalismo é mostrado em todo seu comércio, ela não consegue parar de produzir notícia, ele acaba por engendrar uma forma engenhosa de colocar todos a nú. Este filme magnífico, vencedor do Oscar de roteiro ( Kurt Ludke ) é dirigido com a habitual eficiência por Pollack e mostra Paul Newman em plena forma. Sua primeira aparição, entrando na redação do jornal, em termos de autoridade e carisma viril coloca até Eastwood no bolso. Há ainda uma perturbadora atuação de Dillon como uma amiga frágil de Newman. Um muito grande filme. Nota 8
EM ALGUM LUGAR DO PASSADO de Jeannot Szwart com Christopher Reeve, Jane Seymour e Christopher Plummer
Um fracasso na Europa e nos EUA, estranhamente este filme se tornou clássico em dois países: Brasil e Japão. É porque essas duas culturas tão absolutamente opostas se encontram apenas naquilo que aqui é mostrado: a crença na influência dos mortos sobre os vivos. Este filme marcou toda uma geração que tem hoje entre 40/50 anos. Fala de volta no tempo, de amor eterno, de fantasmas. Mas atenção: se voce sofreu uma tristeza amorosa séria recentemente fuja dele. É um dos mais deprimentes filmes já feitos. Defende o suicidio abertamente. Só na morte o amor pode viver. No mais, Reeve tinha um rosto tão inocente que chega a comover. Faz muita falta um ator com essa imagem de caráter. Falar dos furos do roteiro de Matheson é como falar dos furos em Batman ou em Matrix, perda de tempo. Este filme não deixa de ser uma refilmagem muuuuuuito empobrecida e simplificada do genial RETRATO DE JENNIE, esse sim, filme que faz de crente até o mais ateu dos cinéfilos. Nota 5
NASCIDO PARA MATAR de Robert Wise com Claire Trevor, Lawrence Tierney e Walter Slezak
Filme noir. O que é um filme noir? Os criticos discutem faz tempo uma definição. Falam de sombras, de mulher fatal, de crime. Mas acima de tudo falam de destino, de ser preso num destino imutável. Aqui temos um dos melhores noir já vistos. E não tem nenhum herói, todos são ruins. Fala de um sádico assassino que se casa com milionária ingênua mas que tem caso com a irmã dessa milionária. O filme é bem sexy: todas as mulheres caem de tesão por ele. Dizem todas que sentem atração por seu jeito do mal. Wise dirige economicamente. O filme não se prolonga em bobagens, as coisas acontecem. Há um maravilhoso detetive feito por Slezak que é símbolo do roteiro: até ele se vende. Uma maravilhosa diversão no gênero mais amado ( e que menos envelheceu ) de Hollywood, o noir. Nota 9.
DUELO DE CAMPEÕES de David Anspagh com Gerard Butler e Wes Bentley
Em 1950, nos EUA, em St. Louis, forma-se um time de soccer. Eles virão ao Brasil, disputar a copa do mundo. Problema: futebol nos EUA é completamente amador. Os atacantes são cozinheiros ou coveiros. Nem uniforme eles possuem. Mas treinam e embarcam. Na copa eles serão protagonistas da maior zebra da história do esporte ( de qualquer esporte ) vencerão o time mais profissional do mundo, a Inglaterra. Uma pena os americanos não amarem o futebol. Uma pena o Brasil não saber filmar aventuras. O futebol mereceria filmes como os tem o box, o beisebol, o automobilismo, o hoquei e até o hipismo. Este filme é decente. As cenas de jogo são boas, e melhor, o Rio de 1950 é muito bem recriado. O jogo com os ingleses, que na verdade foi em Belo Horizonte, é filmado nas Laranjeiras. Os EUA vencerem os ingleses em 50, seria hoje como o time de rugby do Brasil vencer a Nova Zelândia. Ou um time de basquete da Bolivia vencer os EUA. Dá pra entender? Amadores vencendo profissionais famosos. Hoje seria impossível. Na época já foi impossível. Um milagre. Como filme ele é só ok. Faltam atores de mais carisma, de mais personalidade. Se feito com os jovens Paul Newman ou Nicholson seria maravilhoso. Mas vale conhecer este filme, que foi filmado realmente aqui e que respeita muito nosso país. Nota 5
CHARLIE BROWN de Bill Melendez, música de Vince Guaraldi
Saiu o dvd duplo com os primeiros Peanuts para tv. Nada existe de melhor. Schulz era um gênio. É ver e crer. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

AS MENINAS DE VELAZQUEZ, A MAIOR OBRA VISUAL DA HISTÓRIA HUMANA

Antecipando o zoom, nosso olhar penetra em sala. Mas não é apenas uma sala. É um mundo. As pessoas nos olham e respiram. E começa assim a sucessão de milagres.
Sabemos todo o tempo que aquilo é uma pintura. Nosso cérebro grita isso. Mas algo escondido dentro de nós balbucia: São vivas!
A vida/morta está para sempre viva naquele retângulo. Respiram os ares do museu do Prado. Eu irei partir, voce irá partir, nossos brinquedos eletrônicos tornar-se-ão pó, e aquela vida/morta estará lá.
Ao canto do quadro há o fundo de uma tela. E um pintor nos mira nos olhos e segura um pincel. Os olhos daquele pintor se movem para dentro de nós mesmos. Segundo milagre: ao penetrarmos naquele ambiente somos penetrados pelos olhos de quem lá está. As três meninas posam ao centro. Uma princesa-criança loura e suas duas amigas. Ao lado das três belas infantas, uma anã retardada nos observa. Ela é a imagem do grotesco. Dois adultos observam a cena ao fundo, mas na verdade nos observam. Olhando o quadro, de súbito nos sentimos nús. E bem ao fundo há um homem partindo por uma porta. Um cão está quase adormecido ao canto e uma criança perturba o quase-sono desse animal. Onze quadros estão enfeitando as paredes desse aposento. E um espelho, bem ao centro, reflete um casal que olha o quadro ao nosso lado. Capturados: estamos agora dentro daquela sala de 1656.
Olhe algum tempo para essa cena e voce estará vivendo com eles. Sua mente se entorpece- desperta e tudo o que existirá então será aquela gente e aquele tempo. Nenhuma imagem feita por mãos humanas tem esse estarrecedor poder. Suga voce para dentro da obra.
Então se inicia um diálogo entre voce e as pessoas. "Desculpe ter entrado sem avisar..." E elas, fantasmas que são, nada podem responder, apenas olham seus olhos e respiram paralisadas. Me vem um pensamento: Quando nosso mundo ruir, esta obra permanecerá. Pois não se trata de pintura, é um feitiço. Aquilo é o mundo real, eu é que sou um simulacro.
Que arte é essa que se perdeu? Observando mais de perto vemos que tudo alí é fumaça, são tênues camadas de tinta. Esfumaçamento da vida, o rosto da menina loura brilha e se avermelha e os cabelos são ouro enquanto sua mão pega um frasco que se move. Sentimos raiva então. Raiva por termos perturbado aqueles seres.
Recordo que é esta considerada a maior pintura de toda a história. O único outro que pode tentar se igualar é Rembrandt com sua Ronda Noturna. Século XVII. Ouro da pintura e da filosofia.
Chego então ao muito perigoso momento em que sinto a tentação de não mais sair daquela sala. Se eles são fantasmas vivos, serei um vivo fantasma e lá ficarei. Quero acariciar o pelo marrom daquele cão imenso e quero ser olhado e olhar os olhares daqueles espectros que respiram. Serei a imagem no espelho de fundo, serei o objeto do pincel que se segura, serei parte daquele mundo suspenso. Há um perigo mortal em toda obra-prima. Elas são maiores que nosso mundo. Têm um canto de sereia que pode enlouquecer. Pois esta obra é mais que sereia, é um oceano.
Agora, na rua de novo, sinto estranhamente que as meninas me esperam para outro dia. As coisas aqui fora parecem vulgarmente mortais, e eu, num quadro, tive visões de dourada imortalidade.

MEMENTO MORI - MURIEL SPARK

Iris Murdoch, Doris Lessing e Muriel Spark. Das três é Muriel a menos conhecida ( embora seja bastante famosa em GB e EUA ). Das três talvez seja ela a melhor. E nisso nada há de esnobismo, ela é a mais fácil de ler. Murdoch cai às vezes num exoterismo obscuro e Lessing é ambiciosa demais ( para seu dom ), mas Spark tem humor, um maravilhoso e amargo humor inglês, humor de velhinha sortuda, humor de quem viu, não gostou e achou graça.
Durante esses dias copeiros lí Philip Roth e detestei. Se Portnoy é um livro maravilhoso, esse livro sobre a morte de seu pai ( cujo título me escapa ) é um pé no saco. Masturbativo. Lí também o Monsenhor Quixote, de Graham Greene. Greene é autor delicioso, mas escrevia demais. Se Nosso Homem em Havana e O Consul Honorário são maravilhosos exercícios de humor absurdo, este Monsenhor é uma rala lenga-lenga sobre marxismo e catolicismo. Mas Muriel Spark é um prazer. Vamos ao livro.
Escrito em 1959, trata de velhos. Sim, velhos. A jovem Spark, em seu segundo livro fala de velhinhos ricos em Londres. Velhos bem velhos. O menos ancião tem 70 anos. Nada de bons velhotes. O livro os exibe obcecados com testamentos, com fofocas, concorrendo uns com os outros, sovinas, desmemoriados, senis, loucos. O humor transborda. Muriel tem um dom para pegar o banal e sutilmente exagerá-lo. Um livro que poderia ser deprê, é alegre, colorido, vivo e ao mesmo tempo, azedo. É profundamente inglês: os velhos tomam chá todo o tempo, babam por seus pães com geléia e manteiga. Cada um deles tem a ilusão de ser superior, original, todos são ridículos.
Telefonemas anônimos e uma governanta que os manipula. É isso que move o romance. Mas o que impressiona é a simplicidade da escrita de Spark, a facilidade com que ela nos fixa personagens, sua maestria em contar e descrever. Escritora nata. Nasceu para narrar.
As ilhas britânicas fabricam escritores, bons escritores, com a facilidade com que nós produzimos jogadores de futebol, bons jogadores. Não sei se é o clima cinzento que os faz se recolher e contar histórias, ou se é o chá, mas apesar de não ter tantos gênios como a França ou a Alemanha, em quantidade de bons livros, são os ingleses, escoceses e irlandeses imbatíveis.
Muriel Spark é da boa safra dos anos 50/60. Memento Mori é grande prazer.