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DOIS CLÁSSICOS DE JEAN GABIN: PEPE LE MOKO e TRÁGICO AMANHECER

Cigarro enfiado na boca de lábios muito finos, olhos frios azuis, cabelo claro e expressão dura, ele quase nunca ri, Jean Gabin foi durante décadas a imagem que a França transmitia ao mundo. Ator dramático glacial, ele tinha na voz, soturna, o ar de quem vivia Camus e Exúpery no sangue. Sua presença, imensa, foi influência geral no tipo de ator dos filmes policiais do mundo inteiro, mas na França ele foi mais que isso, ele era o amante que toda mulher queria. ( Seria interessante pensar no que significa a mudança de Gabin para Alain Delon nos anos 60 e 70, e depois para Depardieu nos anos 80 e 90, o que essa mudança no gosto sifnifica. O Gabin de hoje seria quem? ). Jean Gabin era sólido, firme, forte, mesmo sendo nada mais que um gordinho não muito alto. Ver Jean Gabin comer, beber e fumar é um prazer. LE JOUR SE ELEVE ( TRÁGICO AMANHECER ), de 1939, é um dos muitos filmes clássicos que têm Gabin no elenco. Devo aliás dizer que não há ator com maior número de obras clássicas em seu currículo. Marcello Mastrioanni foi eleito recentemente o ator com mais filmes históricos, James Stewart veio em seguida, mas Gabin no mínimo empata com os dois. Como eu dizia, TRÁGICO AMANHECER tem Gabin, e além dele tem Jules Berry e Arletty, dois ícones da época. Marcel Carné, diretor que fez aquele que é o maior filme da história da França, O BOULEVARD DO CRIME, dirige aqui um dos mais deprimentes filmes já feitos. Gabin é um operário, amargo e doente, que se apaixona por uma jovem. Mas essa jovem, que não é fatal, tem um outro. Que o persegue e o provoca. Gabin mata esse rival. E todo o filme é feito de uma sequência de flash backs em que Gabin recorda sua história enquanto a polícia cerca seu quarto. Não há alívio. O filme é duro e frio como aço. Gabin não tem como escapar e sua vida de nada valeu. Tudo deu errado. E eu imagino como este filme, em 1939, deve ter sido uma porrada na cara do público de cinema. Ele tem sexo, tem amoralidade, e a cena final ainda choca: Gabin dá um tiro em seu peito e cai no chão, o despertador toca, é hora dele ir ao trabalho... -------------- Jacques Prévert, um grande poeta, escrevia os roteiros de Carné e isso fazia com que seus filmes fossem muito falados e muito poéticos. Este não foge à regra. -------------------- Mas vamos falar de um filme ainda maior: PEPE LE MOKO é impressionante. Julien Duvivier dirigiu, e ele foi um dos 5 grandes dos anos 30-40. Nos EUA, fugindo dos nazis, conseguiu manter seu alto nível, coisa que Renoir não conseguiu, e ao voltar para a França manteve sua carreira em bom caminho. Duvivier era mestre em editar, em dar ritmo, em visual criativo. Em PEPE LE MOKO, Jean Gabin é Pepe, um bandido. Ele vive em Argel, não esqueça que em 1937 a Argelia era a França, e Pepe se esconde dentro do Casbah, o bairro árabe, intrincado, hiper povoado, sujo, belo, impenetrável. As cenas, muitas, que mostram o povo e a arquiteura do lugar já valem o filme. Paredes brancas, vielas, ciganos, árabes, chineses, negros, é um caleidoscópio de sol tórrido. Voce sente o calor do filme, voce transpira com eles. Pepe é rei, é o chefão, é amado no Casbah. Mas ele não suporta mais ficar preso lá dentro, não poder ir à cidade, ou melhor ainda, à Paris. Então vem a tragédia: um grupo de turistas ricos vai visitar o exótico Casbah e Pepe se apaixona por uma delas. O que era dificil se faz impossível, ele precisa sair para ficar com ela.... É um filme maravilhoso! Sensual, agitado, confuso, trágico e nunca pesado, inexorável. E real, muito real. Gabin-Pepe pode ficar com a mulher que quiser, mas ele escolhe a mais difícil e a polícia o cerca. --------------- O filme noir americano nasceu aqui, em Gabin e em Duvivier e Carné. Bogart era o Gabin americano. Um cinema necessário. Para lembrarmos do que ele foi. E do que poderá, tomara, um dia voltar a ser.

JULES DASSIN É DAQUELES DIRETORES QUE VOCE DEVIA ASSISTIR TUDO

Nunca aos Domingos não é o melhor filme de Dassin, mas eu o reassisti ontem e então deu vontade de falar do cara. Jules Dassin era americano, judeu, e começou fazendo filmes policiais maravilhosos. Não indico nenhum em especial porque todos se equivalem. Sua abordagem é moderna, nada glamurosa, viril, com muita sombra, muito bandido doente, mulher fatal, e uma sensação de beco sem saída asfixiante. Se voce assistir um vai querer ver todos. Tudo corria bem quando então ele foi acusado pelos senadores do MacArthismo e fugiu. Se tornou um diretor internacional e se deu muito bem. Fez filme na Inglaterra, na França, na Grécia. RI FI FI é dessa época, e em 1960 ele faz um filme grego, NUNCA AOS DOMINGOS, um grande sucesso de bilheteria e crítica. ---------------- Melina Mercouri, uma estrela grega e que seria a esposa de Dassin na vida real, faz o papel de uma prostituta que só transa com quem ela gosta. Esfuziantemente alegre, ela é uma versão feminina de Zorba, o velho solar de Nikos Kazantzakis. Não é por acaso de que o filme de Cacoyannis, com Anthony Quinn, seria feito 3 anos depois deste filme. Pois bem, ela é uma prostituta feliz, que tem como clentes seus amigos. Ela festeja a vida, eles a acompanham, no mar, nas ruas, nas danças. Mas então surge um turista americano, papel feito pelo próprio Jules Dassin, e apesar de adorar o que vê, ele fica intrigado. Esse turista, que é um filósofo, quer entender o porque da Grécia ter decaído tanto após o apogeu do trio Sócrates-Platão-Aristóteles. Ele cria uma teoria: os gregos se tornaram hedonistas, a vida para eles deixou de ser busca do saber e passou a ser busca do prazer. A prostituta conhece os trágicos, conhece literatura, mas ela não mergulha na tragédia, ela ri. Esse americano paga à prostituta para que ele a deixe ensinar arte e filosofia. Ela aprende, não se torna infeliz, mas deixa de ser prostituta e não mais sai às ruas em absurda festa. Ela se torna uma intelectual. Bem....dificil imaginar um final para este filme e o roteiro de Dassin tateia: como não condenar a razão, e ao mesmo tempo reconhecer a beleza da vida dos sentidos puros? Espertamente ele faz o que se deve: o americano toma um porre e bebe. Então dança. E se torna aquilo que o escritor do livro de Kazantzakis não consegue se tornar: um intelectual que dança, que bebe e que se tornará mais um dos amigos da prostituta. -------------- É a Grécia do folclore, de Zorba, dos Opa!, do bouzouki, dos peixes e dos homens que pulam nos bares. Mas Dassin conheceu esse mundo, passou a viver lá e isso me faz crer que pelo menos em 1960 o país ainda era assim: grego. O que Dassin advoga é que a civilização grega deixou de lado o saber porque resolveu viver, dia a dia, o fluxo da natureza. O filme é encantador.

THE RIVER, O GRANDE FILME DE JEAN RENOIR

Um dos maiores desserviços que a crítica presta ao cinema é quando indica, para os novos fãs do veículo, os filmes históricos que eles devem assistir. Eu fico triste quando vejo aquele garoto de 20 anos, que nunca viu nada feito antes de 1990, sendo confrontado com chatices do tipo Pasolini, Rosselini, Godard ou Rivette. O moleque vê esses filmes e toma uma conclusão: Filmes velhos são mal feitos, chatos, não valem nada. Assim se perde um cinéfilo. Infelizmente ele deixa de conhecer o que realmente vale muito: Melville, Becker, Clair, Carné, Clouzot,Ophuls, Monicelli, Zurlini. --------------- Jean Renoir é um desses diretores que os críticos, e principalmente os colegas diretores, colocam lá no alto. Várias vezes é chamado de maior diretor da história. Por seu humanismo, pioneirismo, inconformismo e outros mismos. Auguste Renoir, pai de Jean, foi o pintor mais feliz da história. Auguste não tem uma só pintura triste. Ele exala amor à vida, erotismo, cor, vitalidade bem educada. Seu filho Jean tem tudo isso. E espertamente jamais tentou fazer um equivalente em cinema aquilo que seu pai fazia na pintura. O espírito é o mesmo, mas a forma é outra, Jean Renoir é um realista que vê amor no real. --------------- Assiti nas últimas semanas quase todos os seus filmes. Vinte títulos, que vão do muito chato, A MARSELHESA, ao sublime, THE RIVER. Há muito filme bom. French Can Can se mantém como diversão, A Carroça de Ouro é bonito de se olhar, e seus clássicos são todos ótimos filmes. A BESTA HUMANA é melhor que os dois ícones: A REGRA DO JOGO e A GRANDE ILUSÃO. Feito em 1951, THE RIVER foi filmado na India, em Bengala, e na época foi mal distribuído e portanto, um fracasso. Em 2023 muita gente acha ser este o grande filme de Renoir. Ele é. De tudo que vi, é o único que posso chamar de perfeito e belíssimo. ------------------ Rumer Gooden escreveu o livro, um excelente relato poético sobre sua adolescência na India. O filme é narrado por ela, e certas frases que ela diz, simples, poéticas, são inesquecíveis. O que vemos é uma família inglesa que vive em um casarão às margens de um rio, no estuário de Bengala. São cinco meninas e um menino de 8 anos. O pai, a mãe, um tio e um americano que vem visitar a família. As duas irmãs mais velhas se apaixonam por ele, assim como uma menina hindu, filha do tio, inglês, que foi casado com uma indiana que faleceu. No terço final uma muito inesperada tragédia quebra o idílio, mas a vida segue e a família renasce. O que Renoir nos mostra é, de um modo muito simples, muito tranquilo, a alegria de poder estar vivo. Ele capta como poucos aquilo que não teria a menor importância e lhe dá a dignidade da vida. O que vemos são pessoas, todas boas, toda decentes, tentando viver em paz. Injustamente a morte os visita, mas eles sobrevivem e persistem. Não de forma heroica, nada há de heroico aqui, Renoir nunca é romantico, mas de forma justa, estoica e sempre alegre. É uma vida natural. Como deve e deveria ser. É o rio. Flui. E o filme, digno de seu tema, flui também. ----------------- Claude Renoir, filho de Jean, foi o fotógrafo do filme. É um trabalho sublime. Nada de India hiper colorida, são cores pastel, suaves, como com névoa. O elenco não brilha, parece se divertir. Renoir tinha o dom de descontrair o elenco. O menino parece um menino de fato, as meninas revelam a timidez da idade. A trilha sonora, de cítaras, deve ter causado um choque em 1951. O roteiro, poético sem apelar a sentimentos doces. Bonito, sem jamais parecer embonecado. Penso ser uma pena Renoir não ter se dedicado mais a roteiros como este, trabalhar com crianças, com a memória, com a poesia do exótico. THE RIVER é sua obra prima.

A MULHER DO PADEIRO, FILME DE MARCEL PAGNOL E O ROMANCE DE UM TRAPACEIRO, DE SACHA GUITRY. UM TEMPO IRRECUPERÁVEL.

Houve um tempo, 2002, 2010... em que podíamos assistir toda a história do cinema em casa. Os DVDs estavam lançando sem parar filmes que eram impossíveis de se assistir até então. Mais fantástico, podíamos ser "donos" de um filme. A obra era nossa, tínhamos parte dela. Colecionamos. Hoje, além da absurda moda de se dublar tudo, os serviços digitais nos apresentam um cardápio miserável. Somente o óbvio. É como se toda a literatura mundial fosse reduzida a Tolstoi, Dostoievski e Shakespeare. E mesmo assim, apenas com quatro ou cinco obras de cada um. A hsitória do cinema, que renascera no começo deste século, foi encerrada por volta de 2015. Quem comprou, comprou. Quem viu, viu. Não verá nunca mais. ----------------- Houve um tempo em que a Provence não era um playground de turistas que querem sentir o gosto da "França real". A região era pobre, os parisienses a odiavam, e a língua lá falada era um francês com um sotaque quase incompreensível. A França oficial, chique, ficava entre Paris e Lyon, Bordeaux e Biarritz. Todo o sul era terra esquecida. Pedregosa, cheia de ventos terríveis: O Mistral, lugar de gente atrasada e tosca. Estes dois filmes mostram essa Provence antiga. Peter Mayle em seus deliciosos livros tenta nos fazer crer que ela ainda existe. Não existe não. Ela morreu junto com cigarros fedorentos e o Pernod com água da fonte. Marcel Pagnol e Jean Giono são dois dos escritores centrais da Provence. Pagnol, além de fazer livros e peças, dirigia filmes. São obras que hoje parecerão pré históricas. Ele pouco se importa com edição, ritmo, suspense, são histórias contadas ao ritmo de uma conversa preguiçosa em um bar de Marselha. Pauline Kael dizia que em A MULHER DO PADEIRO, o ator Raimu, um mito para os franceses, tinha talvez a maior atuação masculina da hsitória do cinema. Em qualquer língua. Gordo, meio bronco, sujo, ele faz o papel de um novo padeiro, que chega à uma vila. Seus pães são maravilhosos e as pessoas logo ficam encantadas. Mas, sua jovem esposa foge com um pastor de cabras e o padeiro para de fazer pães. A vila se organiza e traz a mulher de volta. É só isso. Mas que filme vasto!!!!!! O foco de Pagnol, que além de dirigir o escreveu com Jean Giono, é o povo. O filme é um desfile de tipos inesquecíveis e, creiam, muito reais! Minha origem é parecida com a do filme e aquela gente existia até mais ou menos 1950. Temos o "marquês", o homem rico do lugar, velho elegante de fala culta, que vive com 3 "sobrinhas". O padre, um chato jovem e vaidoso que discute com o professor, um janota ateu. Há ainda o baixinho fofoqueiro, o gordão bêbado e briguento, a velha virgem, o pescador que só fala se o deixam falar à vontade ( meu pai era assim, só se animava a falar se pudesse falar meia hora sem interrupção ). Mais que "tipos", essas pessoas, todas reais, críveis, são fosseis de um tempo que a quem tem menos de 30 anos parecerá incompreensível. Mas falemos de Raimu...o filme é inteiro dele e focado nele. O sofrimento, patético, de seus "cornos" são de uma maestria sem paralelo. Ele "sola", é como um piano cercado por orquestra, tem falas laonguíssimas, sem cortes, varia do "ela foi apenas visitar a mãe", até o " eu quero morrer", jamais parecendo caricato. O padeiro é ingênuo, ridículo, e quando perdoa sua esposa, que retorna capturada pela vila, não há como não sentirmos piedade por uma pessoa tão desprotegida. Percebemos que eles, o padeiro e sua esposa, jamais fizeram sexo, apesar de casados, e o filme, ele é bastante picante, tem falas de duplo sentido o tempo todo, mostra que a esposa, sensual, teve dias de intenso sexo com o pastor ( um tipo espanhol: rude e apaixonado ). Pois o padeiro a aceita como se nada tivesse ocorrido e assim a vida continua. Para quem, quase todos nós, já foi abandonado, é um dos momentos mais pungentes do cinema. É um filme que nos acompanha. Pra sempre. ----------------------- Já o ROMANCE DO TRAPACEIRO é dirigido, escrito e estrelado por Sacha Guitry. Quem? Sacha Guitry foi, até mais ou menos 1960, um dos franceses mais famosos do mundo. Homem multi midia, ele estava presente em todo canto da vida da nação. Sempre fino, elegante, malicioso, ele era chamado de a versão francesa pop de Noel Coward. Bobagem! Sacha era ele mesmo! O começo deste filme, os primeiros dez minutos, é das coisas mais deliciosas já filmadas. Mas atenção! Assim como Pagnol, Guitry faz um tipo de filme que é só dele. A hsitória não tem diálogos, a história da vida do narrador é toda narrada pelo homem de 54 anos, Guitry, que a escreve. Voce passará hora e meia ouvindo a voz de Sacha Guitry narrando a ação que acontece na tela. E que ação!!!! Há desde um quase atentado político à romance cínico, roubos e Monte Carlo, Paris e a Provence. O filme é sofisticado, chique, leve, muito bem humorado, exatamente a cara de Guitry. Mas não é para todos! Se voce estiver embrutecido por nossos costumes apressados e objetivos ao extremos, não suportará as firulas e a vaidade deste malandro boa gente. Mais que cinema, aqui temos literatura com ação. Escrevendo isto ainda ouço a voz de Guitry e isso é bastante agradável. Eu daria um braço para escrever e falar daquele modo. -------------------- Estes dois filmes, feitos no fim dos anos de 1930, são marcas de um tempo passado e irrecuperável. Assistir aos dois é como visitar um outro planeta. Um planeta que adoraríamos visitar. ( Talvez voce não...uma pena ).

COMO SE ESCREVE UM ROTEIRO: THE BAND WAGON ( A RODA DA FORTUNA )

Acima de tudo, este filme, escrito por Adolph Green e Betty Comden, é uma aula de roteiro. Explico como e por que... Fred Astaire, em 1953, ano de filme, sofria com a idade e com Gene Kelly. Aos 54 anos de idade, era considerado velho para fazer par romântico e pior, se duvidava de sua habilidade física. Cartola e bengala eram vistos como coisa de vovô e Gene Kelly, com seu tipo atlético, informal, ousado, era o rei do musical de cinema. Pois bem....como ressuscitar a carreira de Fred Astaire? -------------- Em filme mal escrito, do tipo das biografias feitas hoje em dia, se mostraria Astaire como sofredor que dá a volta por cima. Na primeira cena seria mostrado Astaire ( seu persoangem, Tony, um ator de musicais ultrapassado ), a sofrer. Sozinho em casa, bebendo, ou vendo seus velhos filmes na TV. Isso seria óbvio, apelativo, chato. O que faz este roteiro? Mostra um leilão de memorabilia do cinema. Leiloam a cartola e a bengala de Tony-Fred. Pedem apenas 5 dólares. Ninguém dá lance. Baixam para um dólar...cinquenta centavos..."Alguém quer?" ------------------- Esse o tom do filme por todo o tempo. Na cena seguinte Fred está em um trem. Ao descer há um grupo de jornalistas esperando uma estrela, Fred fala com eles contente, mas na realidade quem é esperada é Ava Gardner. Fred canta então, andando só pela estação, All By Myself, uma das muitas canções maravilhosas deste filme perfeito. Percebemos então que esta obra é amarga, amarga e engraçada, exagerada e elegante. O casal de roteiristas se auto retrata no casal de roteiristas que recebe Fred nas ruas de New York. Ele, um pianista hipocondríaco, ela, uma elétrica otimista. O filme se desenvolve nesse diapasão: a vida real retratada todo o tempo em roteiro que fantasia ao exagerar, mas revelando a realidade do momento. Jack Buchanan faz o diretor de teatro da moda, artista que irá relançar Fred à fama. Criação genial do roteiro, ele é pretensioso, artístico, over. Faz do musical um novo Fausto, um deprimente show de satanismo. ( Há aqui uma gozação com THE RED SHOES ). Fred, inseguro, teme que a bailarina famosa, Cyd Charisse, o ache baixo demais, POP demais, vulgar demais. Cada cena no filme apresenta uma solução, sempre leve e nunca óbvia, para cada problema da história. As canções, de Howard Dietz e Arthur Schwartz, são fantásticas. Triplets foi copiada até por Jô Soares 30 anos mais tarde, e a dança no clube de jazz é uma obra prima completa que exala modernismo chique até hoje. ---------------------- Ver um filme como este dignifica o cinema e nos faz recordar o que significa um grande roteiro. Vincente Minelli era um diretor que dependia sempre de um bom roteiro para fazer um grande filme. Quando tinha um roteiro mais ou menos errava irritantemente, quando com um bom script ele sabia o valorizar. A RODA DA FORTUNA é considerado um dos 10 grandes musicais da história. Não é. É um dos 5.

A VIDA É UM CABARET? NÃO MAIS QUERIDO, NÃO MAIS

O filme de 1972, CABARET, filme ícone dirigido por Bob Fosse, produção que disputou com O PODEROSO CHEFÃO os Oscars de seu ano, ganhou o de direção, deixando Coppolla com melhor filme, Cabaret é cinematograficamente falando um filme perfeito, mas como eu ia dizendo, CABARET diz que a vida é um cabaret. Será? Em 1931, ano em que a história se passa, era sim. O mundo, despedaçado, se aprontava para a pior guerra da história e o povo, anestesiado, se divertia no cabaret criado para sua diversão. Sexo, bebidas, música, números de dança e a ilusão de se poder ser um grande astro, seja no cinema, seja nos livros. Risos histéricos, aplausos e assovios. Mas em meio à isso tudo, os rostos expressionistas que a câmera de Geoffey Unsworth capta tão bem. CABARET foi o primeiro musical que vi e adorei e é o melhor filme musical para ser visto por quem não gosta de musicais. Isso porque todos os seus números não acontecem na "vida real", mas sim sobre o palco. Não há a interrupção da ação falada para que avança a ação cantada. Joel Grey apresenta cada número, isso porque para Bob Fosse, a vida americana em 1972 era a vida no cabaret. ----------------------- O filme nunca será visto em sua real dimensão por quem tem menos de 60 anos de idade. Cabaret se tornou uma presença constante em seu tempo. Shows de TV, comerciais e discos, a estética cabaret, o modo de viver cabaret aparecia em todo canto. Sally, a personagem de Liza Minelli, se fez modelo de shows de transformistas e até hoje eu vejo meninos de sexualidade dúbia que são Sally Bowles sem saber quem é Sally Bowles. O mestre de cerimônias feito por Joel Grey, satânico, é molde para figuras soturnas do mundo POP. Transformer de Lou Reed, assim como Ziggy Stardust e Roxy Music I, são desses meses. New York Dolls e Killer de Alice Cooper também. A estética gay-decadente-cabaret dava o tom. -------------- Hoje a vida não é um cabaret. Sally seria uma youtuber. O escritor feito por Michael York seria um crítico de arte ou um blogger. A judia rica, feita por Marisa Berenson, seria uma conservadora, censurada na net e sem poder se revelar nos meios artísticos. O mundo da ilusão seria o mundo das redes sociais, mas esse mundo, incomparavelmente mais poderoso, com suas câmeras vigiando até mesmo o interior de seu carro e a porta de sua casa, se confundiria com o mundo real. Uma tempestade acontecendo no mundo real, como em 1931, e ignorado pela maioria, como em 1931. Mas diferentemente, podendo ser controlado e domado pelo cabaret. O filme é poderoso e atemporal. Não tem uma só cena fraca, todas parecem necessárias e magistralmente compostas. As canções, de John Kander e Fred Ebb se tornaram parte de nosso inconsciente. Bob Fosse foi um diretor genial, irriquieto, e nesse ano obteve um recorde que jamais será batido: ganhou Oscar, Tony e Emmy na mesma temporada. Melhor diretor de cinema, melhor diretor de teatro, melhor diretor de TV. Cabaret, Pippin e o especial de TV Liza with Z. --------------------- Eu jamais esqueci a cara de Joel Grey ironizando cada cena do filme. Jamais deixei de levar money makes the world go round em minha cabeça. A estridência da orquestra feminina. A bissexualidade de TODOS os personagens. Até Liza, uma figura tão exagerada em outros filmes de shows, aqui está adorável. Sally nasceu para perder e ela insiste em não ver isso. E pensar que Fosse fez o filme com uns trocados pois ninguém queria produzir um filme tão soturno..... Oscar Wilde dizia que o mundo, em 1880, era uma peça ruim. Em 1931 foi um cabaret e em 1950 era um filme em technicolor. Nos anos 60 o mundo era a tela de uma TV e nos anos 80 ele se tornou um video clip. Em 2022 ele é um "rede social do bem" e quem estiver fora não existe mais. O que nunca mudou em todos esses mundos? Money makes the world go round.....

BLUE SKIES

A canção americana teve na primeira metade do século XX: Oscar Hammerstein, Jerome Kern, George e Ira Gershwin, Cole Porter e aquele que teve maior sucesso: Irving Berlin. Todos eles fizeram música para a Broadway, todos foram bastante aproveitados pelo cinema, todos eram sofisticados, criativos, as rimas fugiam do óbvio, descreviam um estado de espírito, uma situação de vida. Era um tipo de canção feita para pessoas que liam, que iam ao teatro, que entendiam o que era cultura. Mas tudo isso sem perder sua alma popular. Nascida da mistura da canção de opereta da Europa com o jazz americano, a canção popular dos EUA vendeu como refrigerante e assim mudou o planeta. -------------- Eu nunca vou decidir se prefiro Porter ou Gershwin, Berlin ou Kern, o que sei é que Berlin tem a maior quantidade de canções famosas. Blue Skies é uma canção que fala sobre a alegria de viver. Berlin não tem pudor algum em descrever a sensação de ser feliz. É mais uma de suas obras primas. ---------------- Blue Skies é também um filme de 1947, anunciado na época como a despedida de Fred Astaire do cinema. Nascido em 1899, ele já tinha mais de 40 anos de carreira ( começou aos 4 anos nos palcos ). Fred Astaire queria fazer o que gostava: ver corridas de cavalos, tinha um cavalo vencedor, e jogar golfe. O cinema parecia não saber mais fazer filmes para ele e seus últimos haviam sido decepcionantes. O que não sabiam é que sua aposentadoria duraria apenas dois anos... --------------- Irving Berlin teve a ideia do filme: pegar um punhado de suas músicas e fazer um filme, a história de um triângulo: um dançarino que ama uma atriz que ama um cantor dono de boates. Bing Crosby é o cantor, um tipo que seria antipático não fosse feito por ele. Para quem não sabe, Crosby foi o maior cantor do século XX. Foi ele quem acabou com o tipo de canto "arrebenta peito", operístico, de vozeirão, que dominava a canção até os anos de 1920. Crosby foi o primeiro a cantar sem esforço, sem gritos, sem forçar a voz, sem aumentar o volume. O timbre é delicioso e seu controle do fraseado e da respiração são inigualáveis. Ele canta como quem conversa e isso foi uma revolução. No cinema, seu modo de atuar é de acordo com seu canto: tranquilo, ponderado, cool. Bing Crosby tem momentos maravilhosos com as canções de Berlin, mas Fred Astaire consegue ser ainda maior. Pois além de cantar, no estilo Crosby, ele dança! Putting on The Ritz é talvez a canção mais chique da história e Fred nasceu para ela. Veja o video e observe a leveza magnífica de corpo e voz, de composição de dança, de cenário e tema. Tudo se une naturalmente e faz da apresentação um apogeu. O filme tem mais, bem mais, a obra de Berlin alimenta horas de prazer e esses dois atores são insuperáveis. ----------------- Ir ao cinema para ter prazer. Soube que no Hotel Atlântico, em Santos, havia um cassino e um cinema. Quando o tempo estava bom, o teto do cinema era retirado e o filme era visto debaixo do céu estrelado. E com brisa do mar. Se este filme foi exibido por lá, numa quente noite de sábado, nada pode ter sido mais bonito e civilizado.

EASTER PARADE, FILME DE FRED E JUDY. PORQUE É IMPORTANTE SER FELIZ

Fazia muito, muito tempo que eu não me sentia no mood para ver um musical clássico. Entenda, um filme musical é um outro tipo de cinema, um gênero completamente à parte. Para o usufruir é necessário certos requisitos: 1- Sentir-se civilizado. 2- Estar disposto ao amor. 3- Estar aberto à fantasia da felicidade plena. 4- Abrir ouvidos e olhos para o dom de usufruir. 5- Diminuir a tensão. ( Todos esses requisitos explicam o porque do filme musical ser um gênero de cinema morto. Qual o frequentador de filmes que possui hoje essas condições? ). Então escolho Easter Parade para rever. Escolho por acaso, estico o braço e o pego. O encanto acontece rapidamente. --------------- O filme foi feito em 1948, e reúne músicas de Irving Berlin em roteiro de Sidney Sheldon. Berlin foi o compositor mais popular dos EUA na primeira metade do século XX. Prolífico, ele tem centenas de canções que se tornaram hits e muitas são até hoje parte do folclore do país. Foi amado por gente do calibre de Gershwin e Cole Porter, Sinatra e Bing Crosby. Suas rimas são fantásticas, as melodias lindas e leves. Para interpretar o casal principal chamaram Judy Garland e Gene Kelly, mas Gene se machucou nos ensaios e Astaire o substituiu. Charles Walters, um dos melhores diretores de musicais, coordenou a produção. O filme foi um imenso sucesso. A história fala de uma dupla de dançarinos, Fred e Ann Miller. Ela o larga para seguir solo e bêbado, ele escolhe a não dançarina Judy Garland para ser sua nova partner. O filme é a descoberta dos talentos de Judy e o nascimento do amor em Astaire. Apenas uma história leve, simples, onde possam ser encaixadas as canções de Berlin. Um tipo de simplicidade que não ofenda nossa inteligência, que divirta, que nos faça querer dançar na rua, que salve nossa semana, que nos faça querer amar. --------------- O bom musical nos diverte, o grande musical nos faz seres melhores. Por isso quando um fã de musicais, alguém como eu, vê Fred Astaire, sente estar diante de alguém maior que um ator. Ele é, para nós, uma figura religiosa, alguém que nos liga a algo maior e melhor que a vida. Musicais são como cerimônias religiosas, uma cerimônia, um encontro entre fieis, uma seita, uma educação, um sentido para o kaos. Aula de beleza, de amor, de encanto. ---------------- Postei uma cena onde Judy e Fred se vestem de mendigos. É adorável. Judy Garland consegue algo quase impossível: rouba a cena de Astaire. Nossos olhos se encantam com suas expressões, sua alegria, seu talento sem limites. Judy poderia ter sido uma humorista fantástica. Triste Judy, desde os 4 anos de idade nos palcos, cheia de problemas psicológicos, viciada em calmantes e alcool, amores frustrados, insegurança quanta ao seu talento. Ela disputa com Vivien Leigh e Margaret Sullavan o troféu da mais trágica das vidas. Mas aqui, nas telas, quanta alegria, quanta energia, quanto esbanjamento de um dom divino. ------------------------ No filme Manhattan, há uma cena em que Woody Allen lembra das coisas que fazem a vida valer a pena. Ele cita os Irmãos Marx, beisebol, canções dos anos 30, Astaire. Não há em minha vida ator que me faça melhor, que me dê mais vontade de viver, que me acalme como Fred Astaire. Entenda, ele não é um grande ator, ele não pode ser comparado à John Barrymore ou James Stewart, ele é de outra liga. Ele é uma presença. E nesse aspecto de ser UMA AUTORIDADE, só Cary Grant e John Wayne podem ser comparados à Astaire. São atores que queremos olhar e ouvir. Nada mais que isso. Irradiam luz, nos dão calor, nos ensinam como se deve viver. Salvam. -------------- Após alguns anos de realidade em excesso e desejo puramente animal, adentrar outra vez o mundo de Astaire é como voltar ao PARAÍSO.

A LOJA DA ESQUINA - ERNST LUBITSCH, TALVEZ O MELHOR FILME DE HOLLYWOOD

Pauline Kael o chamava de um filme perfeito. Eu o revi pela segunda vez após mais de 15 anos e fiquei impressionado. O filme nada tem de sensacional, de fantástico, de mágico, mas é completamente real, envolvente, convincente, atemporal ( sim, este é um Lubitsch nada velho ), sublime. ------------ Na primeira cena vemos funcionários chegando para trabalhar numa loja. A peça em que o filme se baseia é húngara e Samson Raphaelson, o roteirista, mantém o local e os nomes dos personagens: estamos em Budapeste. Cenário e iluminação perfeitos, é uma linda manhã numa rua cheia de vida. Conhecemos então os personagens através de um caso: o patrão deverá comprar cigarreiras ou não? Eis como se faz uma cena perfeita: somos apresentados à todos os atores de modo natural, simples, sem forçar nada. James Stewart é o empregado mais próximo do patrão, o chefe é um tipo simpático, hesitante, inseguro, nervoso. Feito de modo esplêndido por Frank Morgan. Joseph Schildkraut é o vendedor mais velho, inseguro, coração mole, casado, conformado. Há ainda duas vendedoras e o garoto das entregas. Em poucos minutos voce conhece todos, e conhece-os bem. A loja se torna uma ambiente acolhedor, voce está em casa. --------------- Surge então o primeiro tema do filme. Através de anuncios de jornal, prática comum antes da internet, James Stewart conhece uma moça. Se identificam sem nunca terem se visto. Ele, tímido, teme o primeiro encontro. Uma mulher, Margaret Sullavan, vem pedir emprego na loja, e não há problema algum em adivinharmos que é ela a moça do jornal. Stewart não sabe, ela não sabe, nós sabemos. Contratada, os dois passarão o filme todo antipatizando um com o outro. Ela o vê como um tipo de frio e banal funcionário, ele a vê como vaidosa e distante. --------------- Surge o segundo tema, o patrão começa a ter comportamento estranho. Saberemos o motivo mais tarde. De certo modo Frank Morgan é o centro do filme, é ele quem move o destino. E sofre por ele. Não se trata de uma comédia e nem de um drama, este filme é uma história, humana e real. Simples e encantadora. ---------------- Há uma cena, já perto do final, em que todo o grupo e funcionários está ao redor da caixa registradora. O patrão, de volta do hospital onde fora internado, distribui bonus aos empregados. Todos sorriem, falam, estão prontos para ir comemorar a ceia da Natal. Nesse momento tive um desses raros momentos em filmes: vi o conjunto dos atores e percebi o quanto aquilo parecia real, verdadeiro, humano. Mas quero dizer que era mais que isso, aquele momento era a humanidade em seu melhor, um momento de perfeição, uma daquelas cenas que parecem dizer algo do tipo: Eis a humanidade, voces são nobres, creiam nisso. ------------------ O modo como James Stewart e Margaret Sullivan se reconhecem não poderia ser melhor. Não é " de cinema", não é cômico, não é choroso. Ela simplesmente percebe, ele deixa que ela saiba. Uma cena feita com tão grande habilidade que me comoveu profundamente. Diretor e atores em sintonia perfeita. Sentido de timing exato. E dois atores em seu melhor. É uma das maiores cenas da história e das menos sensacionais. ------------ Não há como elogiar o bastante um ator como James Stewart. Pense em tudo que ele fez e se ajoelhe. Ele estava lá, nos melhores Hitchcock. Nos melhores westerns. Nas melhores comédias. Nos Frank Capra históricos. E está aqui. Não houve e não haverá ator mais icônico. Já Margaret Sullavan é uma atriz mais esquecida hoje. Mas foi grande e foi das melhores. Morreu tragicamente cedo, e isso explica seu quase esquecimento. Não era glamurosa. Como Stewart, era real. -------------------- Este não é um filme velho como LADRÃO DE ALCOVA porque o mundo que ele retrata ainda existe, embora quase extinto. Um filme deste tipo poderia hoje ainda ser feito no Japão ou na China, mas seria impossível no mundo cínico da Europa ou dos EUA. Lubitsch crê na bondade, crê nos bons sentimentos, crê nas pessoas. O filme dignifica o ser humano. É lindo.

TROUBLE IN PARADISE ( LADRÃO DE ALCOVA ), O FILME MAIS ANTIGO DO MUNDO

Existem obras de arte que são atemporais. Por exemplo: Sherlock Holmes. Apesar de seu charme "Inglaterra 1900 ", o tipo de diversão que Conan Doyle nos oferece é atemporal: mistério, suspense, gótico. Henry James é atemporal em sua psicologia do dinheiro e Proust é o mesmo em sua radiografia dos sentimentos. Nosso modo de pensar o poder e a sociedade é o mesmo de James e nossos ciúmes, medos e desejos são os mesmos de Proust. Mas há obras geniais que são testemunhos de seu tempo e são válidos como visita àquilo que fomos e provavelmente jamais voltaremos a ser. O valor, imenso, dessas obras se dá por sua BELEZA, por sua ENGENHOSIDADE. Pelo tamanho do espírito de quem as fez. Nada têm a ver com nosso mundo, mas nos fazem um bem imenso ao nos mostrar que existiram outros modos de ser e de fazer. Nos revigoram. Ativam partes obstruídas de nossa mente. ----------------------- Penso que uma pessoa que viva apenas na sua contemporaniedade é uma pessoa escravizada. E em 2022, um dos tempos mais pobres da história humana, viver com os dois pés e a mente neste momento é viver com apenas 2% daquilo que uma pessoa pode ser. ------------------ Ler John Milton ou Marlowe é ler algo passado, tomar contato com sentimentos e atitudes que nos são estranhas. E por isso são vitais: são descobertas daquilo que mora em nossa sombra mais escura. Ruínas que testemunham aquilo que perdemos. Ecos distantes que existem como forças indomadas porém incomunicáveis. Jamais entenderemos racionalmente o que era aquele mundo, mas podemos tomar contato com as forças que nos construíram. Como disse, há algo de profundamente liberador ao nos relacionarmos com uma arte perdida. No mínimo entendemos que somos mudança sem fim e que o que hoje parece definitivo é apenas uma etapa. Em seu melhor aspecto, crescemos muito, pois tomamos posse de uma herança comum a todos. ------------- O cinema já possui filmes em seu passado com mais de um século de idade. E alguns deles continuam a ser contemporâneos ( e espero que voce tenha entendido que isso não é um mérito em si ). Há filmes dos anos 20 ou 30 que continuam atuais porque falam de sentimentos que permanecem os mesmos. Há filmes que têm uma forma, um estilo de produção que permanece válido. Cortes rápidos, história com conteúdo, atores realistas, modo natural, são características de 2022 e que vários filmes antigos já as tinham. Mas existe gente como Ernst Lubitsch e seu cinema é completamente VELHO. E de todos seus filmes nenhum é mais VELHO que LADRÃO DE ALCOVA. --------------------- Lubitsch foi um homem da cultura vienense, um homem da virada do século XIX para o XX. O que caracteriza essa cultura é sua malícia elegante, o amor ao estilo, o modo de fazer acima do conteúdo, a discrição, a descoberta do sexo como poder, o horror à grosseria. Todos os seus filmes exibem tudo isso em imensas porções, mas só perceberá esse universo aquele que não tiver os dois pés em 2022. Assistir seus filmes é olhar para um mundo perdido em definitivo. ------------- LADRÃO DE ALCOVA conta a história de um casal de ladrões. Ele se faz passar por um nobre francês ( sim, em 1932, ano do filme, ainda havia nobre francês dando sopa por aí ), ela se faz passar por uma americana rica. Mas logo sabemos que os dois mentem. Se conhecem logo no começo do filme e de modo brilhante Lubitsch encena seu encontro: ele a rouba e ela o rouba. Percebem o furto, riem, e se unem. O amor nasce da alegria do trabalho em comum, o modo elegante de roubar é encenado de maneira rápida, alegre, leve. ------------ Juntos eles armam um golpe em cima de uma milionária. Ele se aproxima como um nobre falido, e a milionária o contrata como secretário. Ela é indicada para ser uma governanta. Mas algo dá errado: ele se deixa seduzir por ela. Lubitsch evita sempre o romance meloso, como vienense, e o roteiro é de Billy Wilder, ele crê que o amor é interesse mundano. O dinheiro vence o sentimento. Mas é hora de dizer o porque do filme ser o mais velho.... --------- A sedução. Herbert Marshall faz o ladrão. E não há ator menos contemporâneo que ele. Inglês, ele tinha uma perna mecânica, fora atingido por bomba na guerra de 1914 em que servira. Desse modo, em todos os seus filmes, ele mal se move, sua atuação é sempre da cintura para cima. O olhar é suave como brisa de primavera, a voz veludo fino, as mãos mal se notam, as roupas parecem recém passadas. O modo como ele seduz a milionária é suave, calmo, discreto, profundamente delicado. Voce nunca viu olhar como o dele. E apesar de tanta delicadeza, eles logo vão para a cama, pois Lubitsch sempre sugere sexo, sexo de adultos. Herbert Marshall nunca é violento ou ousado, ele DESEJA mas nunca IMPÕE. É ela quem abre a porta do quarto. ----------------- Ela é Kay Francis uma atriz que tem a presença chique dos anos 30: cabelos curtos, corpo magro e longo, olhar sonhador, voz maliciosa. As roupas são sempre justas e brilhantes e ela seduz a Herbert Marshall pelo que não diz, pelas frases ditas pelo meio, pela porta aberta, pelo olhar que evita mirar. Miriam Hopkins é a cumplice-ladra, uma atriz do estilo apimentada anos 30: na época se dizia LEVADA DA BRECA, uma maluquinha da era do jazz. Ela transpira desejo sexual por Marshall, os olhos brilham e cada roubo é uma penetração. ------------ Pelas palavras que usei voce deve ter percebido que nada neste filme lembra nem remotamente o cinema de hoje. Nada aqui é explícito e o que não se diz é mais importante e veemente que aquilo que é dito. É um cinema de pontinhos ... e nunca de exclamações !!!!!. Os ambientes são propositalmente artificiais, os coadjuvantes são TIPOS adoráveis ( Charlie Ruggles e Edward Everett Horton estão admiráveis como sempre ), a trilha sonora comenta a ação, os cortes são abruptos e dizem aquilo que não foi dito, a ação mantém o ritmo de um relógio, não acelera e não atrasa, os risos jamais são gargalhadas. O filme pede que nos sintamos educados, que relaxemos e gozemos o tempo em que ele transcorre. Imagino o prazer em ver esse filme em 1932, uma peça de arte delicada em um mundo que tentava preservar sua civilidade entre duas guerra hediondas. ----------- A palavra chave aqui é essa; CIVILIDADE. Neste filme tudo é civilidade. É, como toda obra de Lubitsch, uma homenagem à um mundo que morria, uma tentativa vã de o salvar. Wilder fazia o mesmo mas já sabendo que o mundo que ele amava era morto. Lubitsch ainda tinha esperança. CIVILIDADE, não há nada mais fora de moda no cinema contemporâneo. Asssitir este filme é ver fantasmas. É um cinema que nada pede, antes nos convida. Que não exibe, sugere e que não tenta emocionar, seu obejtivo é entreter. Elegante, muito elegante.

FLIC STORY - JACQUES DERAY, UM GRANDE FILME POLICIAL

Para quem não sabe, Flic é gíria francesa para policial, seria "tira". Jacques Deray foi o melhor discípulo de Melville, o diretor que melhor desenvolveu um tipo de filme policial genuinamente francês. Neste filme de 1975, Deray nos conta uma história real, acontecida nos anos 50 em Paris. Um assassino foge da prisão e um policial de elite tenta o capturar. Ao contrário dos filmes americanos o destaque aqui é para o perfil, a personalidade de policial e de assassino. Existem muitas cenas de tiros, de mortes violentas, ação, mas o coração do filme está na exibição da alma dos dois protagonistas. Jean-Louis Trintignant faz o killer. E, sem dúvida, é um dos mais perfeitos monstros já criados por qualquer ator. Olhos frios, rosto sem expressão alguma, ele mata como quem acende um cigarro. É indiferente, é banal, é cruel. Cada gesto desse ator extraordinário é violência fria. Alain Delon faz o policial. Delon também brilha, mas seu papel é mais ingrato por ser menos "sensacional". O policial odeia ser violento, tenta obter informações por meios sutis, é paciente, espera, deixa o tempo correr. Delon conduz o filme, nos entretém, nos faz torcer por ele. Não consigo lembrar de uma só cena nesse filme que pareça supérflua. Todas as tomadas são perfeitas, exatas, tensas, acertam seu alvo. É o tipo de filme que deveria ser exibido e estudado em escolas de cinema. Como acontece nos filmes de Melville, os personagens vivem por seu trabalho, sua missão, mesmo que esse trabalho seja roubar e matar. Todos executam cada ato, cada fala com precisão absoluta, o que nos faz pensar em samurais. Melville gostava de dizer que seus filmes eram faroestes feitos na Paris moderna. Eu diria que são filmes de samurai feitos na França. Falo de Melville porque isso se aplica a Deray, um perfeito esteta do policial. E caso voce não saiba, o grande tema de nosso tempo é a violência, o crime, a escolha entre ser bom ou ser mau. Eu amei este filme e sei que voce irá amar também. Veja.

GEORGES SIMENON

Um amigo, alguns dias atrás, me pediu dica para algum livro bom de ler. Aquele tipo de literatura que é POP mas não é simplória, que narra uma história com engenho, com arte, com sabedoria. Lhe indiquei Durrell e espero que ele tenha gostado. Estes dias tenho visto alguns filmes baseados em livros de Georges Simenon, e este autor belga é dos grandes narradores do século XX. ----------------- Assim como Durrell e tantos outros, Simenon vendia muito. Seus livros eram achados em bancas de jornal, em supermercados, era motivo de resenhas todo mês. Ele produzia muito e apesar de tão popular, Simenon chegou a ser cotado para o Nobel. Seus romances, quase todos, mas não todos, são policiais e Maigret é o comissário de polícia criado por ele. Se voce pensou nos outros grandes autores policiais, esqueça. Simenon é profundamente europeu. Seus crimes são nada sensacionais, a violência é muito mais moral e espiritual que física, e o aspecto psicológico está sempre em evidência. Maigret é pessimista, pesado, mal humorado, parece lento, ranzinza. Seu método é dedutivo, ele observa, recorda, guarda, rumina. Nada há de Agatha Christie em seus livros, os crimes de Christie são como jogos de salão, Maigret cheira a rua, a porões. Os criminosos são sofridos, rastejantes, poços de dor. ------------ Jean Gabin fez sucesso como Maigret no cinema. Assim como Bogart se tornou Sam Spade e é impossível ler os livros sem imaginar Bogey, Gabin se tornou o corpo e a voz de Maigret. O maior ator francês da história do cinema se move com uma naturalidade espantosa. Para ele, interpretar é como respirar, não há esforço aparente em nada do que ele faz. Os filmes, feitos entre 1958-1962, são diversões maravilhosas.

SOBRE CIGARROS E LIBERDADE ( VENDO FILME DE JACQUES BECKER )

Talvez voce não se recorde, mas um dos maiores prazeres na infancia é ver um homem fazer um trabalho bem feito. Recordo da alegria que era ficar o dia inteiro assistindo os pintores trabalharem em minha casa quando ela sofria uma reforma. Eu e meu irmão ficavamos atrás dos pintores vendo eles lixarem e passarem massa nas paredes, pintarem, limparem. Ainda hoje o cheiro de tinta látex me traz boa sensação. Na rua, quando um eletricista consertava algum poste, logo dezenas de crianças se juntavam para observar. Dos maiores prazeres era ver o técnico abrir a TV e revelar o mistério do aparelho cheio de tubos, lâmpadas e fios. Pois bem, assistindo a dois filmes de Jacques Becker, Le Trou e Grisbi, recordo esse deleite. E penso, o grande cinema nos faz recuperer esse prazer puro de olhar. Em Le Trou o que vemos é um grupo de presos escapar, ou tentar escapar, da prisão. O filme dura 3 horas e consegue não cansar mesmo sendo inteiramente feito dentro de uma prisão. Observamos barras sendo lixadas, buraco escavado, porta arrombada, tudo com tão grande detalhe e capricho que voltamos a ser a criança olhando um pintor a pintar. Em Grisbi, filme fetiche meu, o revejo vezes sem fim, vemos Jean Gabin viver sua meia idade. Um bandido que quer se aposentar. Ele come torradas com foie gras, bebe vinho, se veste, e esses são os grandes prazeres do filme, olhar Gabin viver. A câmera o focaliza 100% do tempo. Becker é um diretor sem limites, faz o que quer, se filmar Gabin lendo a lista telefônica conseguirá parecer interessante. ------------------ Mas é do cigarro que desejo falar. Gabin fuma Gitanes no taxi, na rua, no bar, no bordel, no restaurante. E penso, mais uma vez, que o mundo ficou bem chato a partir dos anos 90, quando deixamos que os fumantes se tornassem o primeiro grupo a ser perseguido pelos "bons". Todos sabiam que fumar dava câncer, mas essa era uma escolha indivudual e ninguém tinha nada a ver com isso. Então criou-se a história de que existia o fumante passivo e em seguida se fez a conta do quanto custa um câncer de pulmão. Pronto! o fumante era um pária. ------------------ Desde então foram criados centenas de párias, o fumante foi o primeiro. A partir dele tornou-se comum uma coisa que até então era impensável: obrigar um adulto a ser saudável. Mais ainda, vigiar esse adulto todo o tempo. Abriu-se um precedente. Consigo lembrar que dentro de seu carro, ambiente que era privado, meu pai podia dirigir sem cinto, colocar o braço para fora, me levar no colo, fumar. Era uma escolha de um adulto e caso houvesse um acidente ele pagaria por seu erro. Como adulto responsável ninguém se sentia no direito de invadir sua vida. Eu não era fumante e odiava bares e cinemas cheios de fumaça, mas jamais passara pela minha cabeça proibir que pessoas deixassem de viver sua escolha. Eu prefiro uma boate sem fumaça, mas abomino obrigar um fumante a fazer algo que ele não quer fazer. Não fumar. Penso que as pessoas foram abrindo mão de suas escolhas individuais pelo tal "bem de todos", e isso sempre pode ir longe demais. ------------------------ Democracia não é liberdade. Democracia é um acordo onde a minoria aceita obedecer a maioria. Liberdade é individualidade, é uma coisa diferente de democracia. Sociedade livre é aquela onde há democracia e liberdade individual. O cigarro acompanhou o mundo nas décadas mais livres de sua história, entre os anos de 1900 até 1990 ( com várias tiranias, eu sei, mas nunca antes houve tanta liberdade ). Temo que seu fim marque o fim do mundo de Jean Gabin.

O SAMURAI, UM FILME DE MELVILLE COM ALAIN DELON. UM TRATADO SOBRE O COOL.

Aviso que O SAMURAI não é um filme típico de Melville. E aviso também que Jean Pierre Melville é talvez meu diretor favorito do cinema francês. O SAMURAI, feito em 1967, é o filme mais elogiado feito por Melville, mas não é meu favorito. BOB LE FLAMBEUR é imbatível. Revejo O SAMURAI. O que sinto, o que vejo? ------------------ Alain Delon é Jeff Costello, um assassino de aluguel. Na primeira cena ele está deitado, vestido, em seu quarto. Uma cama, um armário, um passarinho na gaiola. O quarto é pequeno, sujo, e ao mesmo tempo é estremamente arrumado. Tudo em seu lugar preciso, cada coisa completamente à postos. Delon pouco fala no filme, seu rosto não muda de expressão. Ele não sorri, não demonstra medo ou raiva. Mas Delon não é um Eastwood. Clint é impassível e seu rosto é sempre indecifrável. Delon é impassível mas deciframos ou pensamos decifrar sua alma. Neste filme achamos que estamos vendo dor ou raiva em seu rosto, talvez solidão? Alain Delon sempre foi muito melhor ator do que se pensa. Por ser uma super estrela tende- se a o perceber como "uma personalidade". Ele é mais que isso. Tinha a capacidade de transmitir dor sem fazer esforço algum, de ser mau sem abrir a boca, parecia explodir em silêncio. ------------------- Costello mata um homem, é pego como suspeito, a polícia o pressiona, ele foge, é traído. E no meio de toda essa ação o que vemos é Alain Delon colocar seu chapéu, vestir o terno preto, deitar sobre a cama, andar pelas ruas, roubar um carro. ------------------- Melville se deixa parar sobre atos que parecem à toa: um curativo feito no braço, o vestir-se, a porta sendo trancada. São dezenas de cenas que parecem gratuitas, sem porque. Cenas longas, sem música, METICULOSAS. Noto então o sentido do filme: ele é sobre método, sobre precisão, sobre um homem que faz tudo corretamente, cada gesto é econômico, exato, perfeito. Eis o foco: ele é um samurai, e quando ele coloca um esparadrapo no braço ou alisa a aba do chapéu, é como um samurai golpeando seu inimigo. Cada movimento é perfeito, leve, sem nada fora do lugar, gestos de arte pura. ---------------- E se Delon-Costello é assim, Melville também é. O filme é um ataque de espada, aço que corta o ar. E como vemos nos filmes de samurai do Japão, para haver o golpe é preciso horas de preparação. Quando uma arma dispara ela se move de A para B sem nada que a distraia. O braço e a arma se tornam um objeto único. -------------- Costello foge da policia no metrô, nas estações, nas ruas. A ação acontece em silêncio, em economia, em suspensão. Matemáticamente. O filme é cartesiano, e por isso é 100% francês. Nenhum outro país poderia fazer um filme como este, tão seco, tão preciso, tão cool. Concentrado.----------------- Sim. Não há filme mais cool que este. Costello é gelado, alheio e atento, um tigre. A SOLIDÃO DO SAMURAI SÓ PODE SER COMPARADA À SOLIDÃO DO TIGRE NA SELVA. Melville abre o filme com essa citação. Diz ser do livro Bushido, dos samurais. Mas é mentira. Essa citação não é japonesa. Foi inventada pelo diretor. -------------- Em que pesem Bogart e Mitchum, Alain Delon é o ator mais cool do cinema. E Melville o mais cool dos diretores. Não há ator que seja tão cool em papeis tão antipáticos. E não há diretor que seja tão cool em filmes tão pouco afetados. A impressão que tive é que diretor e ator fizeram o filme em tal estado de concentração que nada poderia entrar na obra sem estar em foco absoluto. Tudo nele é importante e nesse mundo há quase nada. Eis a palavra que procuro e agora encontro: ZEN. --------------- O ZEN se encontra quando conseguimos fazer um ato simples com absoluta precisão e suprema perfeição. Para isso é preciso que olhar um passarinho ou dar um nó de gravata seja tudo o que existe para quem o faz no momento eterno em que o faz. O SAMURAI é isso: Costello é zen: ajeitar o chapéu com tamanha concentração é atingir o zen. --------------- Melville sabia tudo. Seu filme é nú. Seu filme é simples. Seu filme é perfeitamente conciso. Seu filme é zen.

POR QUÊ LOLITA, O FILME, É TÃO RUIM?

Assisto Lolita mais uma vez. Detesto. É um filme muito, muito ruim. Mas não basta dizer isso, é preciso apontar os erros. Por que eu amo o livro e odeio o filme? -------------- Livros maravilhosos que se tornaram filmes péssimos são muitos. Anna Karenina não tem nenhum versão que preste. Idem para Madame Bovary. E mesmo Poe, tão filmado, nunca foi filmado direito. Lolita, em livro, é uma maravilhosa sátira, nada erótica, sobre a tolice de um europeu diante da América. Lolita é os USA: bela, infantil, maldosa e inocente, inconsciente, egoísta, saudável, voraz, indecifrável. Humbert é o europeu: pretensioso, velho, vaidoso, racional, elegante e ao mesmo tempo tolo, vulnerável, assassino. Nada disso há no filme. Nada. Os erros são percebidos já nos créditos iniciais. O roteiro é de Vladimir Nabokov. Ora, era óbvio que ao transpor seu romance para as telas, Nabokov, gênio que é, tentaria fazer algo novo, diferente, outra versão. O que era um romance de estrada se torna um romance familiar. No livro Humbert se impressiona pela quantidade de moteis, estradas, postos de gasolina da América. Nada disso aqui. Pior, Lolita quase desaparece, basicamente é uma comédia ridícula, nas telas, entre a mãe e o escritor. ---------------------- Oswald Morris fez a fotografia. Ele é um dos maiores da história, mas o filme é em preto e branco. Erro fatal!!!! Lolita pede rosas, azuis, roxos, vermelhos berrantes, laranjas. A América é colorida em technicolor, isso impressiona e enlouquece Humbert, um inglês em preto e branco com fog. O filme é todo fog, sisudo, alemão. Lolita perde a validade e o charme. --------------- Nem vou comentar o que todo mundo sabe: Lolita tem 12 anos e um metro e trinta de altura. É uma boneca americana. Infantil e má. Nas duas versões para a tela ela tem 16 e poderia passar por ter 18. Seria um crime colocar uma menina no papel? Então que não se filme. -------------------- Humbert, no romance, é um belo homem que faz as mulheres sentirem desejo. Ele é solteiro por escolha, tem propostas sexuais e escolhe Lolita. Melhor, cai sob seu feitiço. Nobokov fala da paixão que a Europa sente pela América, o continente criança. Aqui Humbert é feito por James Mason, ator nada feio, mas sem sex appeal. Entenda, Mason é um grande ator, mas jamais poderia ser Humbert! Poderia ser Richard Burton, Olivier, se feito dois anos mais tarde Peter O'Toole ( esse seria perfeito ), mas nunca Mason. Lawrence da Arábia, O'Toole, fazendo Humbert melhoraria o filme em 100%. ---------------- Comentar o erro na escolha de Sue Lyon é tolice. Ela tem a idade e o tipo errado. Mas qual a culpa dela? Na verdade, no cinema, Lolita quase some da história. A mãe aparece demais e as cenas entre ela e Humbert são de uma chatice insuportável. Shelley Winters é perfeita, mas o que lhe deram para fazer pesa demais. Kubrick estica as cenas, parece se divertir com aquilo. Nós não. --------------- Por fim há Quilty, o escritor de sucesso que é o amante de Lolita. É feito por Peter Sellers. De um modo tão perfeito que Kubrick o chamaria no ano seguinte e lhe daria 3 papeis em Dr Fantástico. Vendo o filme eu tive vontade de ver a história de Lolita e Quilty e esquecer Humbert e a mãe. Os primeiros minutos, Quilty à mesa de ping pong com Humbert pronto para o matar, são os únicos minutos divertidos do filme. " Vamos jogar ping pong romano? Ping Roma....agora voce diz Pong Roma...." Sellers tenta salvar o filme. Não pode. ------------------- A versão de Adrian Lyne é menos ruim.

UM GÊNIO CHAMADO PETER SELLERS

Nenhum filme de Stanley Kubrick irá te conquistar na primeira assistida. Todos precisarão de uma segunda visita e alguns uma terceira. Barry Lyndon eu odiei quando visto na primeira vez e gostei muito na segunda. DR FANTÁSTICO eu achei chatíssimo e mesmo na segunda vez senti tédio. Ontem, não sei porque, vi mais uma vez. E só então entrei na loucura do filme. Teoricamente é uma comédia, mas todos sabemos que não existem comédias feitas com fotografia escura. Um dos segredos técnicos da comédia é a de que elas devem ter um visual claro. Então digamos ser uma comédia mal humorada. Se é que isso existe. Kubrick parece sempre um professor alemão dando aula de alguma ciência exata. Li isso em algum lugar e nunca esqueci. Todos os filmes de Kubrick são frios. Ele parece não ter a menor simpatia humana. Dificilmente voce lembra de alguma cena risonha, calorosa, realmente humana em algum filme seu. Não há amor. Não há mulheres reais. Kubrick parece uma máquina de fazer filmes. Provável que isso ocorra por seu controle maníaco. Filmes hiper planejados. Aquilo que sobra em Kurosawa e Fellini é ausente nele: calor. Desse modo, todo filme de Kubrick sempre parece amputado. A dimensão humana está ausente. São teses sendo filmadas. Aulas de um mestre alemão. ----------------- Dr Fantástico tinha tudo então para ser um desastre, porque de todos os seus filmes é o mais "aula de herr doktor". Mas não. Ontem, finalmente, eu adorei o filme. E isso se deve ao fato de que é este, talvez, o filme com as mais maravilhosas atuações já eternizadas. Todos os atores estão em seu máximo. Vamos a eles. ------------- George C. Scott faz o general que vai à reunião no Pentágono. Seu papel lhe garante o Oscar que viria oito anos mais tarde, com Patton. Observe o que esse ator extraordinário faz na cena em que ele conta ao presidente o desastre ocorrido. Note como seu rosto consegue exibir, ao mesmo tempo, medo da bronca, prazer pela guerra, orgulho ferido, vaidade masculina e prazer guerreiro. Mordendo seu charuto, criando caretas de cartoon, rugindo e gemendo, Scott nos arrasa. Sentimos um prazer sensual em obervar sua face imensa. Mas há mais! Slim Pickens e o sotaque texano, o profissional correto que observa passo a passo suas instruções no manual de detonação. A determinação em cumprir uma ordem. Sterling Hayden, como o general que enlouqueceu, uma atuação maníaca, ingrata, a voz magnífica a falar delírios paranoicos. E Peter Sellers...três papeis que mesmo em meio a atores inspirados, nos hipnotizam. -------------------- O general inglês, modesto, hesitante, o presidente dos EUA, que tem a maravilhosa cena em que conta ao telefone para o colega russo a hecatombe que irá ocorrer: " também estou triste Dimitri...não Dimitri, também sinto muito...okay Dimiri, voce sente mais que eu, mas eu também sinto...", e por fim o cientista alemão, em cadeira de rodas, braço mecânico que se rebela contra ele mesmo, um homem em convulsão tentando domar seu lado nazista. Peter Sellers era um gênio. Um dos muito, muito raros atores que podiam usar esse rótulo. E no entanto ele era um vazio... ---------------- Peter Sellers poderia ter vivido e filmado até este século, mas morreu em 1980, com apenas 50 anos. Teria a mesma idade de Clint Eastwood. Surgiu no rádio inglês, o Goon Show, um programa que fez história, um Monty Python dos anos 50. Começa no cinema ao lado de seu mentor, Alec Guiness, nas comédias da Ealing, filmes que hoje são lendários. Se torna uma estrela em 1962, fazendo Clouseu, em A Pantera Cor de Rosa. Entre 1962-1967 faz todos seus grandes papeis. A partir de 1968 começa sua queda, escolhas erradas, péssimos filmes. Em 1979 tem seu último grande desempenho: Being There, filme de Hal Ashby, onde faz um jardineiro que nunca saiu de casa, um idiota que repete slogans que viu na TV. Alçado a condição de guru, se torna presidente dos EUA. Sim, é Joe Biden em 1979. Indicado ao Oscar, perdeu para Jon Voight em Amargo Regresso. Terrivelmente injusto. ---------------------- Desde 1963 Peter Sellers sofria do coração. Teve quatro enfartes seguidos em 64 e quase morreu várias vezes. Era meticuloso, triste, deprimido, e se casava sempre com a mulher errada. Em cada divórcio, um enfarte. Em entrevistas, Sellers dizia não ter nada dentro de si. Que sua personalidade era um vazio. Sellers dizia viver apenas quando interpretava. Sem um papel ele era como uma coisa morta. Muito triste não? --------------------- Ele me deu alguns dos momentos mais prazerosos do cinema. Não houvesse tanto preconceito contra a comédia, teria três Oscars. PS: Como a vida é mesmo um mistério, vejo agora, no Facebook, uma foto da festa de aniversário de Peter Sellers. Em 1967 ele comemorou em grande estilo. Estava casado com Britt Ekland, uma atriz sueca, e ela fez a festa. Na foto vemos os Beatles, Mick Jagger e Peter O'Toole conversando, enquanto Jeff Beck brinca com uma guitarra ao lado de um nobre inglês. Toda a swinging London foi. Dizem que Sellers ficou a festa inteira ao canto, incapaz de se divertir. Britt Ekland terminaria o casamento no ano seguinte e no divórcio arruinaria Sellers, o que o obrigaria a aceitar qualquer papel. Nos anos 70 Britt faria o mesmo com Rod Stewart. ---------------------- Sim. Peter Sellers foi um gênio. E como todo gênio não sabia viver.

CATCH 22, UM FILME DE MIKE NICHOLS

Mas que filme brilhante é este! David Watkin, o fotógrafo, faz cenas de uma beleza cinética maravilhosa. São tomadas hiper próximas-fechadas e outras abertas, que variam sem parar. Aviões decolando, e nunca se viu tão belas decolagens, closes na fuselagem, closes nos rostos, o mar distante, a cabine claustrofóbica, o céu...Visualmente poucos filmes são tão excitantes e instigantes. E há as personagens. Joseph Heller escreveu o livro e Buck Henry fez o roteiro. TODOS os personagens são loucos e todos são deliciosos. O clime do filme é de histeria aguda mas Mike Nichols mantém o controle, não há um exagero em gritos e olhos arregalados, é um tipo de histeria cool. Martin Balsam é um general sujo e assassino, Alan Arkin um piloto em crise de pânico, Anthony Perkins um padre delicado, Orson Welles o comandante supremo, gordo, cansado, ausente. Jon Voight um trambiqueiro que vende o que pilha na Itália. Charles Godrin sempre de cachimbo, nunca fica nervoso. São montes de personagens marcantes que desfilam sem parar diante de nossos olhos deliciados. Mas eu pergunto: Por que este filme não foi um sucesso em seu tempo? Foi uma questão de timing. MASH de Robert Altman havia sido lançado alguns meses antes e seu sucesso crítico e popular havia sido imenso. Quando este filme saiu a sensação foi de replay, de o mais do mesmo. Pena, porque este filme complementa a obra prima de Altman. Ambos são críticas a guerra, mas cada um tem um estilo completamente diferente. MASH é uma comédia cínica maravilhosa e CATCH 22 é uma sátira hiper negra, cruel, louca, totalmente insana. Em estilo são opostos. MASH é focado no texto e nos atores, CATCH foca no visual, nas mudanças de tom, no tempo que vai e volta, em cenas de sonho e de pesadelo. Os dois filmes nos deixam em um estado próximo da euforia, são estimulantes. Catch 22 é o tipo do filme que pouca gente viu e que todos deveriam ver. Garanto que voce vai adorar.

HARD TIMES, LUTADOR DE RUA, A DIFICULDADE DE SE TORNAR UM HOMEM ( CADA VEZ MAIOR )

É sempre doloroso e difícil se tornar um homem. Como é se tornar uma mulher ou um homossexual. É dificil crescer. Eu demorei 55 anos para saber o que significa ser um homem. Hoje me sinto um. E como tudo aquilo que importa, não há discurso verbal que possa explicar isso. ( Wittgeinstein não errou ). Assisti ontem um filme que me fez pensar sobre isso. Lutador de Rua, feito em 1975 por um dos discípulos de Clint Eastwood, Walter Hill. ----------------- A primeira cena já é exemplar do que estou falando aqui. Estamos em 1935 e um trem chega numa cidade pequena. Ele vem beeeeem devagar, quase parando. Um homem desce do trem em movimento, tranquilo. Ele é pobre, mas tenta se vestir de modo descente: paletó, boné, sapatos. Uma valise a mão. Anda, nada cool, apenas é um cara que anda e o filme começa. Por todo o filme ele não modificará seu modo de agir e de ser. Não conta coisa alguma sobre seu passado, não se vangloria, não é violento ( mas vive de lutas de rua ), não é romântico ( mas sua vida é ), não precisa de ninguém ( mas faz atos de amizade ). Imediatamente percebo que em 1975 ainda havia filme desse tipo, com homens. O ator é Charles Bronson, e mesmo não sendo bom ator, ele tem o corpo para esse tipo de personagem. Que corpo? Ele é feio. Tem traços grossos. Parece pesado. Cheio de cicatrizes. Não há ator assim em 2022. ----------------- Seu equivalente hoje seriam Vin Diesel ou Jason Statham. Mas observe. Vin Diesel é malhado. Seu corpo não é real. Seu rosto é de adolescente envelhecido e inchado. E seus filmes, me divirto vendo Velozes e Furiozos, são apenas video games. Aprender a ser homem vendo Vin Diesel é aprender a ser fake. Jason Statham é muito, muito melhor. Gosto muito dele. Mas nos seus melhores filmes ele é tão cool, feito para parecer tão admirável, que ele se torna um MODELO e nunca um SER HUMANO. Inatingível. -------------- Mas ainda se fazem filmes mais realistas com atores feios. E desses é melhor nem falar. Eles, todos, não são modelos de homem, são antes modelos de fracassos no processo de crescimento. Mostram a crise, a impossibilidade, o eterno retornar ao começo. São filmes que SABOTAM o tornar-se homem. Quando não criticam abertamente esse desejo biológico. ( Nosso corpo biológico tende ao amadurecimento. É um fato animal e até vegetal. ) ---------------- Provável voce nunca ter ouvido falar de Robert Ryan. Ele é o maior ator não estrela da história. Fez papeis de boxeador, bandido, cowboy, bêbado. tudo entre 1940-1973. Ryan foi o homem mais real do cinema. Mas havia também Bogart. John Wayne, Mitchum, Widmark, Gary Cooper, James Stewart, Peck, todos modelos de masculinidade. Lee Marvin. Clint Eastwood, Nicholson, Sam Shepard, às vezes Al Pacino. A partir dos anos 70 isso foi acabando. Surgiu o novo homem, aquele exemplificado por Dustin Hoffman, Woddy Allen e Richard Dreyfuss. Sensível, inseguro, em crise sem fim. Fizeram ótimos filmes, mas enterraram o cinema como modelo de masculinidade. Pior, fizeram com que esse modelo se tornasse uma piada. Rambo e Schwaza se fizeram na vida com piadas. A virilidade como brincar de ser macho. Nada menos viril que brincar. Mesmo que seja brincar de ser homem. Neste filme, Lutador de Rua, há também James Coburn, e Coburn é um homem até debaixo do oceano. Ele tem a voz e a presença que todo homem queria ter. ------------------- Coburn é um malandro de rua que organiza lutas clandestinas, Bronson luta bem e os dois se associam. Problemas acontecem, os dois rompem e ao final, como em 90% dos filmes desse tipo, Bronson vai embora. Detalhe: dá seus ganhos para Coburn, ele quer apenas o necessário para ir à próxima cidade. --------------- Nômade, solitário, duro, coração de ouro que nunca é exibido, correto nos modos mas sem afetar, trabalhador duro. Esse o modelo. E lembro de um fato: esses atores são de uma geração que viveu dificuldades materiais. Isso molda caráter. Endurece. Cria cicatrizes que voce supera e se fortalece ou afunda em auto piedade. Não houve escolhas para eles. Tiveram de seguir adiante sem pensar muito. -------------------- Os filme de Walter Hill são sempre sobre luta. Uma pessoa tentando vencer. Nunca foi um grande diretor e com o tempo se tornou um mal diretor. Mas entre os anos 70-80 fez vários bons filmes. Este é muito bom.

FILMES SEX, DRUGS E ROCKNROLL

Assisto um pacotão de filmes feitos entre 1966-1970 endereçados àquilo que os executivos de Hollywood imaginavam ser "o público jovem". Antes de falar especificamente deles, devo dizer que havia um cinema jovem já em 1962,63, mas eram filmes pequenos, marginais, muitos estrangeiros. O problema é que com o estouro de bilheteria de Bonnie e Clyde e quase ao mesmo tempo de A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM ( THE GRADUATE ), os chefões finalmente viram que o público que consumia discos às toneladas também ia ao cinema. --------------- Pessoas apenas dez anos mais velhas que os hippies e beats de então não conseguiam enteder a onda que rolava. Viam tudo de fora. Melhor exemplo é o caso de Antonioni, artista que tentou radiografar as cenas inglesa e americana e cometeu os nada "na onda" BLOW UP e ZABRISKIE POINT. O erro do diretor italiano foi tão grande ao ponto de ele querer filmar The Who em ação, gravar os Yardbirds, e só perceber o erro após o filme editado. Mesmo assim alguns jovens viram Blow Up e Zabriskie sob efeito de ácido nos cinemas. 2001 foi um hit entre os doidos. Mas Kubrick sabia tão pouco de rock e de estradas como Antonioni. -------------------- Os filmes que aqui comento são tentativas apressadas de faturar em cima do mundo hippie. Um deles é uma obra prima. Outro é um camaleão cult. Outro é das coisas mais chatas e ridículas já feitas. E há os outros, apenas curiosidades que vão do muito entediante ao interessante. -------------------- BARBARELLA tem Jane Fonda pelada. Henry Fonda teve uma paternidade estranha. Jane ficou pelada e Peter, o outro filho, fumava maconha em todo fotograma dos filmes feitos então. Barbarella é uma chatice canastrona e cafona, de efeitos especiais de mal gosto, ação estática e um humor constrangedor. Foi um fracasso então e hoje não serve nem como nostalgia. Roger Vadim era um impostor. O típico cara mais velho tentando se dar bem na onda jovem. Ele não mergulha no ridículo-festivo-psicótico que fez de Valley Of The Dolls algo horrivelmente delicioso, Vadim fica numa confortável babaquice. Este filme representa o que de pior se fez naquela época. ---------------------- Já EASY RIDER é, visto mais uma vez, uma autêntica obra-prima. Gostei muito mais dele visto pela terceira vez. Há um cena assustadoramente bela. Peter Fonda vai à um bordel, e com as meninas e Dennis Hopper, toma um ácido. A viagem, em um cemitério, é a versão mais real de uma bad trip já filmada. Mas o momento duro e lindo se dá quando Peter-O Capitão América, diz amar sua mãe e ao mesmo tempo briga feio com ela. É cena terrível. Pois quem conhece Peter sabe que sua mãe, na vida real a atriz Margaret Sullivan, se matou nos anos 40 cortando a própria jugular. Relatos da época dizem que a criança Peter Fonda, viu a cena e quase morreu de dor e desespero. Sacou? Peter expõe na tela de cinema uma ferida, terrível, de si mesmo, ou mais que isso, rememora para nós uma possível bad trip vivida na realidade. Mas Easy Rider é mais que isso. É o canto fúnebre da América de Walt Whitman. É filme de uma tristeza comovedora. É a primeira peça de arte a perceber que o movimento hippie era melancólico. Voce sabe, espero, o quanto ele mudou o cinema feito nos USA. Mas mesmo a gente esquecendo isso, vendo o filme apenas como um filme e não como peça histórica, ele é lindo. A câmera gira em círculo, em cena dentro de tenda, e nos faz ver o rosto de cada hippie da comunidade do deserto. E cada rosto é como um monumento. Particular, individual, único. São rostos fora do padrão. É o ápice e também o enterro do movimento começado em 1795, o romantismo anglo-americano. Um adendo especial a Jack Nicholson. Não me lembro de atuação melhor que essa. Jack faz o americano perdido, aquele que tenta viver dentro do sistema e não consegue. É apaixonante o que ele faz aqui. Por fim, 2022 nos mostra, em qualquer manifestação ecológica ou feminista, tudo que estava aqui agora tornado produto e "coisa bacana e a ser incentivada". São as mesmas roupas, os mesmos rostos e as mesmas manias. Porém em 2022 vividas como hábito, como costume, como parte da cadeia de consumo. Easy Rider é uma obra imensa a ser revista e reanalisada sempre. ------------------- VANISHING POINT é um filme que muda a cada revisão. O assiti algumas vezes e a cada vez minha opinião se transforma. Ele foi uma obra-prima para mim. Foi uma chatice sem fim. Foi uma aventura muito boa. Me fez dormir. Hoje eu vi nele um tipo de "grande filme sobre o suicídio". Kowalski quer morrer e se mata. O filme, feito após as mortes de Hendrix e Joplin, fala de um outsider que é alçado à mito pela mídia e morre por isso. Hoje senti o DJ como um vilão. Ao exagerar o valor de um simples piloto, ele o leva à morte. A trilha sonora é maravilhosa. Corra Kowalski, voce é o símbolo de todos nós, corra por todos os infelizes...well....não há, de Hendrix à Cobain ninguém que sobreviva à isso. ------------------------ CANDY é um lixo sem graça feito para mostrar Ewa Aulin pelada. Moderno? Jovem? Jamais! Christian Marquand, seu diretor, era um picareta, um sub Roger Vadim. Caso típico de veterano tentando se dar bem na onda hippie. Tem até Marlon Brando como guru indiano. Um vexame. Apesar de que os 10 minutos iniciais com Richard Burton, como um poeta estrela assediador, serem muito bons.------------------- UM BEATLE NO PARAÍSO. Deus! John Cleese ajudou no roteiro! Como pode ter escrito algo tão sem sal? Peter Sellers, mesmo ele, um gênio do humor, está ruim, é um bilionário inglês que adota um mendigo. O mendigo é Ringo Starr. Daí os dois andam por aí vendo os erros do capitalismo. Pois é.... enquanto eles vêm os erros a gente adormece. ------------------ THE TRIP tem Peter Fonda, pouco antes de Easy Rider, numa trip de LSD. Quem lhe dá a droga e o assiste é Bruce Dern. O diretor é Roger Corman, o cara que deu trabalho aos novatos Coppolla, Bogdanovich etc. A primeira metade é horrenda. Frio, bobo, vazio, chato. Didático até. Mas na segunda parte Peter sai às ruas bem chapado e o filme fica bem legal. Efeitos de cor e movimento que traduzem o estar doido ( nunca tomei ácido, mas quando louco por bebida é daquele jeito que vejo tudo e me sinto ). ------------------------ THE WILD ANGELS fala de Hells Angels, e tem de novo Peter Fonda, Bruce Dern e Roger Corman. Mas é imperdoável. O que vemos? Os caras andando de moto e arrumando brigas. Só isso. Menos ruim é HELLS ANGELS ON WHEELS. O diretor Richard Rush fez carreira e é bom. Jack Nicholson dá profundidade à um frentista que por acaso passa a andar com os Angels. -------------------- Richard Rush fez depois PSYCH OUT, filme que é dos poucos que mostra o mundo hippie de San Francisco por dentro. Jack Nicholson, com rabo de cavalo, é um mega drogado, e o que vemos é sua banda crescer na vida enquanto uma menina surge na "comunidade". É um filme bom. Tem cenas documentais e funciona como nostalgia e como diversão. Sincero, ousa até uma crítica aos próprios hippies mais radicais. E devo dizer: Jack faz qualquer filme crescer.