SOBRE GATOS - DORIS LESSING

   Se não me engano Lessing ganhou o Nobel em 2007. Não é meu estilo. Ela é feminista demais para meu gosto. Mas aqui lhe dou uma chance. Porque ela fala de gatos. Dos gatos que teve, ou que a tiveram. E leio com muito gosto. Ela tem um estilo simples, sintético, exato. Ela nunca embeleza e nem se estende. Conta as histórias. E elas não são extraordinárias. São ótimas.
  É melhor que o livro sobre gatos de Virginia Woolf? Não dá pra comparar. Difícil ver duas escritoras tão diferentes. Este livro começa na Africa, na infância de Doris, e lá sua família, numa fazenda, tem dezenas de gatos. Ela descreve cenas cruéis. Só quem já viveu em meio aos bichos sabe: a vida próxima à natureza é vida junto à morte. Depois ela vai para Londres e lá tem mais alguns gatos.
  Que maravilha o modo como ela descreve a pobreza da Londres do pós-guerra! Que lindo o modo como ela fala do movimento de um gato, do olhar, da comunicação que se faz entre bicho e humano.
  Não, ela não os humaniza. O foco é no humano em relação ao gato. O humano pensa aquilo que o gato poderia estar sentindo ou tentando dizer. O centro não é o animal porque ele não tem voz. Mas isso não nos impede de amar esses gatos. Gatos filhotes, gatos da rua, gatos estropiados.
  Para o dono de gatos é uma festa. Para quem não os tem é um convite.

CINEMA

Vejo alguns filmes...e sinto saudades do tempo em que formava minha coleção e via pelo menos uma obra-prima por semana...
   O GOLEM DE LIMEHOUSE de Juan Carlos Medina com Bill Nighy, Olivia Cooke e Douglas Booth.
Nada mal. Fala de uma série de crimes em Londres, 1880. Bom clima vitoriano, um bom ator e um final interessante.
   CORPO E ALMA de Ildiko Enyeki
Da Hungria, um filme que fala do flerte de um casal que trabalha num matadouro. Cenas de vacas sendo mortas e personagens zumbis. Pretensioso, glacial, chato, bobo.
   OS BELOS DIAS DE ARANJUEZ de Wim Wenders
E a carreira de todos os grandes revolucionários dos anos 60-70 tem terminado assim: filmes muito baratos, assuntos de auto reflexão, chatice onanística. Um casal conversa à mesa em um belo jardim. Falam de sexo. E é só isso.
   O GERENTE NOTURNO de esqueci de quem com Hugh Laurie, Tom Hiddleston, Tom Hollander
Thriller tolíssimo, veloz, rápido, cheio de bossas, sobre um ex soldado que toma conta de gente num hotel. Deus! Eu sei que o cinema acabou, mas suas cinzas não precisam ser tão opacas!
   PIRATAS DO CARIBE, A VINGANÇA DE SALAZAR
Esta série começou bem. Trazia Erroll Flynn para o século XXI. Para isso, dividia Flynn em duas partes: seu lado canastrão-carismático era de Depp, ótimo, e o lado heroico era feito pelo outro ator ( quem? ). Mas este filme dá vergonha. Depp passa do ponto e faz um tipo de imitação barata de um Bozo drunk. O roteiro é de uma pobreza infantil e a produção parece barata, vulgar. Chega!
   PARIS PODE ESPERAR de Eleanor Copolla com Diane Lane, Arnaud Viard e Alec Baldwin.
Que filme simples e que filme bom! Mais uma Copolla em um filme ótimo de olhar e delicado de observar. Não podia ser mais simples. Diane Lane, ainda bonita, é a esposa de Alec. Ele não tem tempo livre e deixa seu sócio, Viard, levar sua esposa a Paris. Eles vão de carro, e ele alonga a viagem parando em toda cidade do caminho. E é só isso. Lindas paisagens, flerte sutil, comida e vinho e leveza plena. É um grande filme? Claro que não! Mas a gente vê e crê naquilo tudo. Pode assistir.
   CLUBE DOS CINCO de John Hughes com Molly Ringwald, Ally Sheedy e Judd Nelson.
Que boa surpresa! O filme ainda é relevante! Teens tratados como gente em um filme que os ama e os compreende. Os atores estão excelentes, Ally apaixonante e as falas se tornaram icônicas. Não se faz mais um filme assim porque o cinema não é mais assim. Mas os jovens ainda são. Eu sempre gostei deste filme, mas nesta terceira vez eu o adorei.
   UM MILHÃO DE ANOS ANTES DE CRISTO de Hal Wallis
Uma raridade. Um filme de 1940 com um tema caro aos dias de hoje: monstros e trogloditas em ação sem falas. E é só isso. Incrível é que os efeitos são bons ( para a época ).
   A BRIGADA DO MAL de Andrew V. McLaglan com William Holden.
Nos anos 60 era moda fazer filmes assim. Sobre grupos de homens em uma missão arriscada. Todos esses filmes são filhos dos Samurais de Kurosawa. Este é bem banal. Um grupo de rebeldes deve criar disciplina para lutar contra os nazis. Hoje eles seriam um grupo de heróis de HQ.
   JARDIM DO PECADO de Henry Hathaway com Gary Cooper, Richard Widmark e Susan Hayward.
Produção classe A em um western standard. Cooper e Widmark vão ao México salvar o marido de Hayward, que está preso numa mina  de ouro. Tem índios, tem romance e tem Cooper. Mas há pouco Widmark e falta um bom vilão.
   O HOMEM COM A MORTE NOS OLHOS de Burt Kennedy com Henry Fonda.
As séries de TV de western mataram os faroestes de cinema. E saturaram os fãs. Houve um tempo em que 23 séries estavam no ar semanalmente nos EUA!!! Mas filmes ruins como este também ajudaram. Um filme dos anos 70 que imita a violência dos spaguetti western. É triste, chato, sem porque.
  

APRENDIZ DE COZINHEIRO - BOB SPITZ

   Que façam logo o filme. Este é um dos muitos livros escritos tendo em vista uma futura filmagem. Pode dar um bom filme, ótimo até, mas está longe de ser um bom livro.
  Quem me conhece sabe que graças a Peter Mayle, adoro livros sobre a arte de viver. Livros que unem viagens e comida, ou bebidas com construção. Li vários que são aulas de escrita e de bom humor. São livros de luxo, para ter e reler. Dei três de Peter Mayle de presente este Natal, e sei que serão apreciados com o mesmo espírito que nos faz apreciar um bom espumante. Ou queijo.
  Muita gente escreve livros nesse estilo. Vendem bem, são ideais para férias. Passados sempre na Toscana ou na Provence, levam aos americanos e japoneses a exoticidade domesticada do que é latino e antigo. Livros yuppie.
  Este mostra a saga de um escritor que perde a esposa e vai estudar culinária ( gastronomia soa mais in ), na França e na Itália. Bob Spitz escreveu uma bio sobre os Beatles e este livro é autobiográfico. E meio chato. Spitz é verborrágico e ao contrário de Mayle e de Mayes, não tem humor. Pouco observa das pessoas ao seu redor.
 O segredo do bom livro de viagens ou de joie de vivre, é o entorno. Não a paisagem ou a casa em ruínas, são as pessoas. Destacar bons personagens. Spitz nunca faz isso. O livro, além dele, tem apenas sombras.
 

NATAL

   Nada revela melhor o rancor dos inteligentinhos que o Natal. Eles assumem o papel do ex-namorado que foi ao casamento de sua antiga amada. Ele está lá, bebe, come e ri, mas fica o tempo todo cortando o barato de quem estiver por perto. E "sabe", em seu rancor pobre e ácido, que o casamento nunca dará certo. Incapaz de aceitar o amor dos noivos, ele nega esse amor usando sua "inteligência".
  Recebi ontem, dia 24, um texto de um amigo ateu. Ateu do tipo que prega e que tem fé na não-fé. O texto diz que Elon Musk descobriu que somos programados por ETs. Que eles dirigem nossas vidas. Que vivemos em um mundo ilusório. Virtual. Weeelll....
  Crer nisso é tão absurdo quanto crer na concepção virginal. Com uma diferença que para o ateu faz todo sentido: parece ciência. Mas não é. Trata-se apenas de fé religiosa sem ética. Nessa crença de Elon há muito de budismo, muito de cristianismo e até judaísmo. É uma forma pretensamente nova de contar o que é tão antigo quanto o homem.
  O Natal significa natalidade. É o dia em que se comemora o dom da vida. A capacidade de nascer todo ano. Sobreviver. É a vida nascendo da virgindade. Da pureza. É a realeza se curvando diante da simplicidade. É a benção dos animais na manjedoura. 
  Na verdade o Natal simboliza o sentido que existe na própria vida. Nascer, dar, crer, abraçar, olhar o céu, esperar, unir, seguir, ser humilde, permanecer.
  Elon e meu amigo são apenas crianças.
  Criam fés pretensamente novas.
  Prefiro as antigas. Séculos e multidões podem estar mais próximas da verdade.

The Breakfast Club (1985) - Modern Trailer



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O CLUBE DOS CINCO ( THE BREAKFAST CLUB ), O QUE MUDOU EM 32 ANOS ?

   Assistir este filme depois de 7 anos de estudos em educação e 9 anos de prática...é doloroso. Se em 1984 a coisa era dura, hoje piorou muito. Vamos ao filme.
   Cinco alunos que não se conhecem são obrigados a passar o sábado na escola. Eles não se conhecem e cada um representa um dos chavões da adolescência. A primeira sacada do filme, ótima, e que vem na citação de Bowie, é a de que adolescência é uma invenção de adultos. Uma criação feita para reduzir adolescentes a tipos catalogáveis. Temos então o rebelde, o esportista, o nerd, a patricinha e a esquisita. Não há  nenhum tipo em 2017 para se encaixar aí. Fora da adolescência, olhando de longe, esses são os tipos. Digamos apenas que a esquisita hoje engloba um espectro maior de esquisitices. E que o rebelde diminuiu muito.
  Judd Nelson faz o rebelde e no começo ele é tão cliché que ameaça afundar o filme. Mas é proposital. Nos anos 80 o rebelde já era um cliché criado por conformistas. Bem escrito por John Hughes, esse personagem consegue se humanizar sem mudar ou suavizar, o que é bem difícil de fazer. Anthony Michael Hall quase rouba o filme como o nerd. Temos pena dele. E rimos com ele. Fico pensando qual deles eu fui. Não, nunca fui um nerd. Eu teria sido o esquisito?
  Ally Sheedy tem menos falas, mas rouba o filme. Ela faz com que a gente se apaixone por ela. Com sua timidez mórbida, ela se esconde detrás de cabelo e capuz. Quando fica mais normal rola uma decepção, ela se enfeia na verdade. É um papel maravilhoso para uma atriz brilhante.
  Molly Ringwald faz uma mágica. A patricinha não é odiável. Aliás, o elenco está tão bem afinado que nenhum é adorável fofo e nem detestável símbolo. O filme faz o que propõe: eles são muito mais que cinco tipos.
  Molly é uma patricinha. Mas é acima de tudo uma menina. Assim como Emilio Estevez, que está ok, mas é de longe o menos bom.
  Eu fui os cinco. E a mensagem do filme é que todo adolescente é os cinco. Uma mistura de tudo aquilo, e de ainda mais. Uma pessoa cheia de medo, de raiva, de amor e de vontade de viver. Nós judiamos deles. Muito. Damos a eles uma vida indesejada. Mas o pior é que os vemos como personagens, tipos muito bem definidos.
  Hoje ainda é assim. Todas as salas que olhos tem a popular, os esquisitos, os rebeldes, os nerds e os caras do esporte. Não consigo ver mais nada além disso. Minto, vejo sim, quando me dou ao trabalho de olhar um pouco mais. Percebo então que a popular é esquisita. Que o esportista é nerd. Ou que eles não são nada disso. São mais, muito mais.
  Tive a sorte de ver este filme em 1985. E me identifiquei muito com o rebelde. Revi nos anos 90 e achei que a esquisita era linda. E agora eu amo todos os cinco.
  Falar a real: John Hughes fez aqui um grande filme. Muito maior do que percebemos então. Ele atingiu um tipo de perfeição.

Blur - Parklife



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UM GRANDE DISCO: PARKLIFE - BLUR

   Lançado em 1994, no auge do britpop, este terceiro disco do Blur é melhor que o mais famoso What's The Story dos rivais plebeus do Oasis. Não que o disco do irmãos desunidos seja fraco, ele é histórico. Mas Parklife é muito mais aventuroso.
  Muito se disse na época que a crítica inglesa, sempre sensacionalista, queria forçar um embate tipo Stones x Beatles, entre as bandas de Londres e de Manchester. Mas, assim como nunca houve uma rivalidade entre Jagger e Lennon, os rivais dos Beatles eram todos americanos, a rivalidade entre Blur e Oasis sempre soou artificial. Os rivais dos Gallagher eram eles mesmos. E a referência do Blur nunca foram os Stones, eram os Kinks, o Yardbirds na fase Jeff Beck e Bowie.
  Parklife começa com dance music muito boa e termina com colagens à la Lodger de David Bowie. Suas melhores faixas são comentários sociais carinhosos ao modo Ray Davies, e a obra-prima Village Green sempre paira no horizonte de Damon Albarn.
  Albarn é o mais esperto dos caras de sua geração, e seu gosto é sempre exemplar. Blur transpira informação, e em que pese sua voz ruim, a gente se acostuma até com ela e acaba aceitando. O disco, caleidoscópio vermelho e azul, jamais poderia ser aceito nos EUA. É inglês, tão chá com leite como The Fall ou Pulp. E os Kinks pós 1966.
  O britpop nunca existiu. Era apenas um rótulo feito para vender como novo algo que era continuação tradicionalista. Oasis, Pulp, Verve e que tais eram apenas a manutenção do bom e velho rock inglês guitarreiro. Um bando de garotos nascidos no auge do pop que, como eu, souberam endeusar a música feita durante sua estadia no berço. Depois, aos 14-16 anos, viram o segundo auge inglês entre 77-83, com Bowie, Clash e The Jam e o resto é o resto.
  Se voce quiser ter em sua coleção só cinco discos desse tal brit, Parklife deve ser o primeiro a ser comprado. Depois pegue o Oasis de praxe, um Pulp e complete com o primeiro do Elastica. Tá feito.
  PS: Não, Primal Scream não é britpop. Mas são os Stones da coisa.

O VINHO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS - SERGIO DE PAULA SANTOS

  Lançado pela editora do Senac, compro este livro, que tem uma bela capa de Ettore Bottini, um capista que faz sempre belas capas. Mas o texto, este não é grande coisa. Sergio conhece vinho, mas escreve um tipo de viagem sentimental por suas lembranças de provas e apreciações de vinhos. Com a mente solta, fala ainda de livros, amigos, festas e críticos de enologia. Eu o leio com parco prazer, mas leio fácil. Parece uma coletânea de artigos de jornal, mas não é.
  Na verdade é quase uma enganação.

Al Stewart - Time Passages - 11/12/1978 - Capitol Theatre (Official)



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gary glitter - papa oom mow mow : supersonic



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Neil Diamond - Holly Holy live 1971



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A VIDA NUNCA FOI UMA LUTA ENTRE HEAVY METAL E PROG ROCK.

   Sem a intenção, ouvi esta semana um bando de discos nada cool que exemplificam o que foi realmente o rock predominante dos anos 70. Vou botar um por um como faço com os filmes que vejo na semana:
OFF THE WALL - MICHAEL JACKSON
Produzido com genialidade por Quincy Jones, este disco, uma obra-prima, melhor disco de MJ, anunciou em 1979 a chegada de uma nova década. Vendeu 12 milhões de lps e o escuto com muito, muito prazer. Quincy cria uma cama rebolante de guitarras, teclados e metais, e coloca em destaque uma bateria e um contrabaixo que são guias de um paraíso. Em cada faixa há uma multidão de sons, de pequenas harmonias, de timbres metálicos. É esse o tipo de som que Bowie, Ferry, Gabriel e um imenso etc passariam os próximos dez anos tentando reproduzir.
12 GREATEST HITS - NEIL DIAMOND
Nos anos 70 este era o Neil famoso e não o Young. Compositor de vários hits nos anos 60, nos 70 ele canta e compõe em seus próprios discos. Ele nada tem a ver com rock. Ele é pop, no sentido popular do Elvis final, de BJ Thomas, de Lobo, dos Bee Gees, do ABBA.. Tem uma voz linda, a banda é o tipo de top de estúdio e suas canções são hinos, feitas para erguer a alma. Brega, bonito, muito bem feito. Esta é o tipo de música que mais vendia na época.
GG - GARY GLITTER
Gary foi um acidente. Gorducho, feio e já meio velho, ele estourou na Inglaterra em 1971, no meio do Glam. Vendeu muito por dois anos e então decaiu. Nunca foi aceito nos EUA. Este disco de 1975 tenta renovar seu apelo. Na época o glam já era e Gary faz o mesmo que Bowie e Ferry faziam então, canta soul music. O único problema é que sou exige boa voz e Gary não sabe cantar. Talvez seja o mais tolo disco já gravado. Mas eu me divirto pacas quando o escuto.
BORN TO BE ALIVE - PATRICK HERNANDEZ
A minha geração não nasceu para ser wild. Nasceu para ficar viva. Este disco é uma obra-prima. Disco atemporal, as linhas de ritmo são usadas até hoje, quase 40 anos depois !!!!! Um hino gay, um hino hedonista, uma grande festa. Uma das minhas canções de todos os tempos.
GOES TO HELL - ALICE COOPER
Em 1976 se acreditava que o rock pesado era coisa do passado. Então Alice lança este disco esquisito. Acompanhado por uma banda diabólica, a mesma de Lou Reed, ele canta cabaret, funk, valsa, rock e até balada. Foi um fiasco na época, eu gosto muito.
YEAR OF THE CAT - AL STEWART
Doce menestrel escocês, rei de FMs, o cara do bom gosto. Esse tal de bom gosto foi uma praga do rock dos anos 70. Era música rock feita com bons instrumentistas, cantando letras adultas, em gravações com som apurado. Tudo empacotado com acordes de piano, solos de sax, violões estradeiros e clima de fim de noite. Era o som do Steely Dan, Chicago, Fleetwood Mac, Paul Simon, James Taylor...soft rock, o som contra o qual o punk americano se rebelou. Ouvir este disco hoje é pura nostalgia. Bonitinho.
CITY TO CITY - GERRY RAFFERTY
O mesmo dito acima vale para este disco. Que vendeu ainda mais em 1977. E que hoje soa pior, chato, banal e bem pretensioso.
QUO LIVE - STATUS QUO
Adoro esta banda! Eles são mitos na Inglaterra e nunca venderam bem nos EUA. Fazem um rock de pub, um tipo de honk tonk sem fim. Todas as músicas são basicamente a mesma, todas são legais. Sobreviveram ao furacão do punk inglês com galhardia.
Well...rock dos anos 70 era predominantemente isto. Discos bem gravados e bem cantados, mas sempre meio apáticos, às vezes sem estilo, feitos em série. Foi o auge da ditadura das gravadoras, auge do LP e do aparelho de som.

 

TELEVISÃO E SMART PHONE, UMA DEFESA DO VÍCIO.

   Nasci a tempo de conhecer o mundo sem TV. Melhor dizendo, claro que em 1969 já havia TV, eu vi Neil Armstrong descer na Lua ao vivo. Lembro disso. Mas eu vi ainda o mundo em que ter uma TV em casa era sinal de burrice e de falta de classe. Gente rica não tinha TV. No máximo botava uma no quarto da empregada. As pessoas jantavam tarde e antes do jantar bebiam, fumavam e conversavam. Comiam e depois se dividiam, umas iam ler revistas, outras ouviam música e algumas faziam tricot. As crianças brincavam no tapete. Era isso. Com a TV continuou a se beber, fumar e falar. E a brincar no chão. Mas as revistas e a música foi deixada de lado. O som ambiente deixou de ser o disco do Ray Conniff e passou a ser o zumbido do JN.
  Minha geração é a primeira a ter saudade da TV como ela era. Anos Incríveis mostra isso muito bem. Criamos uma mitologia afetiva ao redor de lixo como Ultraman ou Speed Racer. A TV para nós era a janela para a imaginação. Ela era colorida, barulhenta, alegre, livre, era tudo aquilo que nossa casa não era. Mas, que praga, psicólogos e sociólogos diziam que a TV deixaria minha geração cretina. Que nós não conseguiríamos ler, prestar atenção, pensar. Pois é...
  Com o Smart Phone acontece o mesmo hoje. E agora que me viciei em um, posso dizer que olhando de dentro é tudo papo pra boi dormir. Porque vejo a coisa de dentro e não de fora. Não me ponho na sala com um cigarro lendo o NYT. Estou de frente pra tela todo o dia. E que Deus salve a tecnologia digital.
  Olho a triste e entediante verdade que me cerca e entro em outra verdade. Vivo ao lado de amigos que continuam conversas que nunca terminam. E para uma pessoa, que como eu, ama a narrativa, isso é apaixonante. Explico pra vocês: Conheço M. Ela me conta hoje que brigou com A. Depois de duas horas me manda fotos da sua cara de briga. A noite ela me diz que fez amor com A. Mas que continua com raiva. E agora ela me manda fotos de uma loja onde procura uma saia nova. Quer minha ajuda para escolher. Digo mais, amanhã ela me dirá onde está, o que está comendo e se o namoro sobreviveu. Esse é um tipo de compartilhamento de solidões que só existiu no tempo das tribos. E isso nos afasta do aqui e agora? Claro que não. É apenas mais um aqui e agora. Que compartilha o ali e depois.
  Assim como M, tenho contato constante com V, R e Z. E sinto que estamos todos juntos, todo o dia, inclusive nas madrugadas de insônia. Ando pela cidade com elas, durmo com elas e acordo com elas. E quando me canso, desligo o botão. Mas o que assumo aqui é que gosto disso. E acho que devíamos levar isso mais a sério, como um bem que nos livra das paredes frias da sala onde a TV ficou velha.
  Há uma foto "inteligentinha" na NET que mostra um bando de crianças ao lado de um quadro de Rembrandt. Elas olham seus phones e ignoram a pintura. Sinto dizer que antes da internet elas estariam olhando as paredes, as caras umas das outras, o chão, e nunca a pintura. Eu não amo pinturas por causa dos museus. Amo por causa de programas de arte que vi na TV. Irônico né...
  Só mais uma coisa: O smart phone me salvou de conversas com gente chata. Elas acham que abro a tela por ser apenas um viciado. Não sabem que a abro para me salvar delas. Para pessoas tão legais quanto M, V ou R, estou sempre aberto, no phone e na sala de casa.

Beastie Boys - Shake Your Rump



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Beastie Boys - Hey Ladies



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A BUTIQUE DO PAULO, BEASTIE BOYS E O SOM DO SÉCULO XXI.

   Claro que estou só provocando, o som deste século foi criado em 1988, um ano antes da Butique do Paulo, pelo Public Enemy. Os Beastie Boys admitiram beber na fonte contaminada dos caras e levou a coisa para os playboys brancos que em 1989 não ouviam som de preto. ( Em 1999 tinha playboy que ouvia Beastie Boys, House of Pain e Eminem, mas não ouvia os pretos nunca ).
  Que som é este? Vale tudo. Eles entram num estúdio e pode tudo: Tudo o que voce ouviu a vida toda pode ser enfiado na coisa. Roubo? Não. Homenagem e bom gosto. É preciso ter ouvido, ter swingue. ( Conheço comunidades de roqueiros, que bosta de nome, que dizem escutar "de tudo", mas quando falo de rap e de punk correm e gritam: Isso não é música! ).
  Este é o melhor disco dos Beastie Boys porque é o primeiro em que eles fazem Public Enemy: misturam tudo, Tem Beatles, Isley Brothers, Santana, Rufus, Led Zeppelin, Sweet, Commodores, Jimmy Cliff, George Clinton, Stevie Wonder, isso tudo só em 3 faixas!!!! Muito foda!
  Depois deste disco, que vendeu pouco, eles passaram a revisitar o que pulsa aqui forever. Todos os seus discos dos anos 90 nascem nesta matriz. Um caleidoscópio em preto e branco. E que pulsa todo o tempo, tem manha e tem beat. O som e a vida do século XXI é essa mistura doida e tonta de coisas que pareciam não ter nexo mas que se unem porque são sexo: polaridades afim.
  Bobagem chamar este disco de obra-prima, porque falar obra-prima é coisa de roqueiro que baba nos discos do Genesis. ( Que não são ruins, os roqueiros é que são chatos ).
   Este disco tem quase 30 anos, putaquepariu, e ainda aponta para a frente. Então ele é amazing. Cool. Do grande caralho.

LONGE DESTE INSENSATO MUNDO - THOMAS HARDY

Nas 3 primeira décadas do século XX, foi Hardy o autor favorito para um Nobel inglês. Não venceu, e viu até mesmo um autor hoje esquecido como Galsworthy vencer. Este livro, lançado agora, mal traduzido, é uma maravilha. Melhor que o filme de 1967, que é muito, muito bom.
Na época nada era mais badalada que a produção de Longe Deste Insensato Mundo para o cinema. Um grande livro, com a melhor produção possível. John Schlesinger era o melhor diretor inglês jovem, Julie Christie a mais sensacional jovem estrela, Alan Bates e Terence Stamp eram dois novos atores com filmes sensacionais recém lançados, e Peter Finch era um veterano ousado. Na fotografia o grande Nicolas Roeg. O filme, vejo agora, segue o livro passo a passo, mas, que incrível, mesmo assim vemos que não é Bethsheba, a personagem de Julie Christie, a figura central. É o pastor de ovelhas, Oak, o insistente pretendente dela, quem domina o romance. Personagem adorável, simples, real e muito nobre, sem nunca parecer vaidoso, Oak exibe de modo absoluto toda a verdade do trabalho duro.
Hardy ainda era um naturalista quando escreveu este livro. Mas um naturalista à inglesa, suave. Depois seu estilo se tornaria mais sutil e no século XX ele se faria um poeta. Mesmo com a miséria de uma tradução estúpida, o romance se mantém por ter um belíssimo enredo e personagens inesquecíveis.
Foi refilmado este ano, e ao contrário da versão de 1967, passou em branco pelas telas.

CINEMA JAPONÊS NA LIBERDADE- ALEXANDRE KISHIMOTO. O JAPÃO FOI AQUI.

   Dois dados: entre 1955 e 1965, o Japão era o país que mais fazia filmes no mundo. Foram 600 só em 1960. Outro fato: fora do Japão, São Paulo tinha a maior concentração de japoneses do mundo.
   É hora do almoço em 2017. Ando pelas ruas de meu bairro e cruzo com oito japoneses. E na fila do Carrefour reparo em cinco senhoras idosas. Esses imigrantes irão sumir um dia. Seus descendentes perderão suas raízes a cada nova geração. Mas ficaram marcas. Somos o país que primeiro descobriu as séries japonesas. National Kid explodiu aqui em 1962. E Naruto é de agora e será de sempre.
  O livro é bem ruim. Ele é escrito no estilo "tese da USP". Um monte de parênteses com as fontes usadas, milhares de citações e aquela mania de dar valor ao que se fala citando filósofos e sociólogos que dão peso ao texto. Além de se dar um jeito de sempre falar da velha luta de classes....aff....
  O cinema japonês foi descoberto pelo mundo em 1951 com Rashomon de Kurosawa. Mas aqui, e só aqui, ele já era xodó dos críticos desde 1936. Se conhecia Mizoguchi, Ozu, Naruse, Gosha, desde sempre. Isso porque calhambeques itinerantes exibiam filmes em Bastos, Piracicaba, São Carlos, em fazendas onde imigrantes viviam. E depois, a partir do fim da guerra, na Liberdade.
  A Liberdade não era um bairro japonês. Se tornou isso com as salas de cinema. Cada uma tinha mais de mil lugares. E viviam lotadas. No começo eram filmes sem legenda. E mesmo assim, alguns brasileiros iam ver. Piravam nas imagens. No ritmo lento. E viraram cinéfilos.
  ( Filme japonês é lento porque a vida é vista no Japão em pequenos detalhes. A ação não importa, o que vale é a preparação para a ação. Daí um filme como Céu e Inferno. Duas horas de lentidão para uma luta final que dura meio segundo. E te mata de surpresa e prazer ).
  Lendo fico sabendo que na guerra os japoneses ficaram proibidos de falar japonês na rua. E tiveram casas e terrenos confiscados. Que chegou a haver 20 jornais. E todos foram fechados. E 600 escolas de japonês. Destruídas. Como tudo que é japonês, foi um drama silencioso. Nunca se recuperaram desse atraso getulista.
  Em 1988 fechou o último cinema da Liberdade. Eu lembro que em 1977 sempre estreava um filme de lá. Toda semana tinha um novo filme nipônico pra se ver. Quando não, dois ou três. Isso acabou. Agora são dois ou três...por ano...
  Mas ficou a marca. Brasileiro ama arte marcial. Comida japonesa. Mangá. E série de tv japonesa. E as meninas mais bonitas têm cara e jeitinho de nisseis. Mesmo sendo da Bahia.
 

O RITO

   Voce sai do sol. Entra num lugar onde a luz é sempre a mesma. Não há mais o burburinho da rua. Fala-se baixo, silêncio. Sem calor e sem frio. Depois se entra na escuridão. Uma luz vermelha, como um inseto, vem em sua direção e te conduz. O cheiro é de tapete, cortina e curvin. Senta-se e espera-se. Pensa-se. Música neutra toca nos alto falantes. A passagem continua a se fazer. A transição de lá para aqui. Voce se concentra mesmo sem perceber.
  Toca-se um sino. Como em um templo, uma, duas, três vezes. Silêncio absoluto. Uma tosse. Um papel de drops. Explode a cor. A imagem, imensa, surge. A concentração se torna Experiência. O ritual.
  Leio um livro que fala da experiência de ver um filme, nos cinemas dos anos 40-60, como um ritual. Ia-se sempre, como numa Missa, se ia sem se saber que filme ia ser exibido. Ia-se no dia e na hora habitual, sempre.
  Se preparava a ida. Roupa, perfume, caminho, fila e espera. Toda a família ia junta. Depois, quando se virava adulto, se podia ir sozinho. Lá, na fila, se via e se era visto, se exibia e se apreciava. E então vinha a transição: ante sala, sala, escuridão, silêncio, a experiência.
  Vivi o final desse tempo. Em 1975-1980 ainda se usava lanterninha, cortina, gongo...as salas ainda eram para 1000, 1500 pessoas. Mas tudo se banalizou. Como até a igreja se banalizou.
  Ouvir música em casa também trazia algo de ritualístico. Procurar um cômodo vazio, tirar o disco da capa, ler o encarte, colocar a agulha com cuidado, escutar o LP inteiro. Suportar as faixas menos boas e entrar em êxtase com as melhores.
  NÃO HÁ EXPERIÊNCIA VÁLIDA SEM ALGUM RITUAL.

NONA SINFONIA, A OBRA PRIMA DE BEETHOVEN E O MUNDO NA ÉPOCA DE SUA CRIAÇÃO - HARVEY SACHS.

   Este admirável livro começa pela biografia de Beethoven. Por ser conhecida por todos, é a parte menos fascinante. Muito melhor é quando o autor, Harvey Sachs, discorre sobre o ano de 1824, tema central deste pequeno livro de apenas 220 páginas.
  Para o autor, o romantismo é uma reação para a decepção. O fim das guerras napoleônicas podem ter sido um alivio, mas trouxeram como consequência imediata, o começo de uma época de censura e de repressão. A alma artística, ansiando por liberdade, se refugia dentro de si mesma e cria o mundo romântico, mundo que dura até hoje.
  1824 é o ano da estreia da Nona Sinfonia de Beethoven, em Viena, maio. Sachs analisa os grandes artistas em atividade plena durante esse ano: Stendhal, Byron, Delacroix, Schubert, Pushkin, Heinrich Heine. Claro que havia muito mais, Shelley, Balzac, Goethe, Leopardi eram dessa época, mas os artistas destacados são aqueles que em espírito têm mais afinidade com a Nona Sinfonia. Sachs mostra como e porquê.
  Na terceira parte ele descreve em palavras, momento a momento da imensa sinfonia. Sachs sabe música, mas escreve para leigos, e assim, luta para descrever música em palavras e não em notas e harmonias. É fascinante e também insatisfatório.
  Depois ele nos mostra as opiniões de Berlioz, Wagner, Verdi, Schumann e Donizetti sobre a Nona. E então vem a coda, o final do livro. Eu o recomendo como leitura ótima para quem começa a ouvir música séria.
  Beethoven foi o primeiro artista, seja na música ou na literatura, a se ver como um homem que trabalha para o futuro. Nem Bach e nem Mozart escreviam para a posteridade. Bach dialogava com Deus, e pensava fazer música funcional, para a glória dos céus. Mozart sabia de seu valor, mas achava que sua arte seria descartada, esquecida. Nenhum deles sequer sonhava em ser lembrado vinte anos após sua morte, quanto mais dois séculos. Beethoven não. Ele ousou se considerar mais memorável que os reis de seu tempo. Foi o modelo e o inventor do que chamamos de gênio. ( Michelangelo sabia ser genial, mas o modo como ele se via era totalmente diferente do que hoje entendemos ser um gênio. O italiano estaria mais próximo do herói. Beethoven é o artista genial como hoje o entendemos ).
  Vivemos agora, em 2017, um repúdio ao grande homem. A classe midiática luta contra aquele que se destaca. Ela defende a massa, o movimento de grupo, o modesto participante de um todo, o anônimo. Tudo tolice! O mundo sem grandes homens e grandes mulheres e grandes gays é um mundo a mercê do medíocre.

Beethoven Symphony No 9 Herbert von Karajan



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Robert Plant - Robert Plant: Ramble On ft. Robert Plant, Patty Griffin, ...



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Robert Plant & Jimmy Page 'Gallows Pole' - Jools Holland Show 1994 BBC



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NO QUARTER - PAGE E PLANT OU A CULPA É DO KEITH RICHARDS.

   Só uma mentalidade muito preconceituosa faria com que alguém em 1993 não amasse o disco de Plant e Page. E em 1993 eu era preconceituoso. Foi uma de minhas fases moderninhas, estava deslumbrado pelos sons coloridos das raves e tudo que não queria ouvir era som de hippies velhos. ( Ironia, hoje sou mais velho que eles eram então ). Uma pena. Eu adoraria o disco naquele tempo e o adoro hoje.
   Robert Plant é o único cara da história do rock que virou estrela sem jamais deixar de ser quem ele sempre foi. Pode ser visto andando de bike em Londres. Podia ser visto em shows de punk rock em 1978. Envelheceu sem disfarçar uma só ruga. E fiel aos preceitos hippies, nunca usou o nome do Led Zeppelin para fazer dinheiro. A banda poderia bater todos os recordes de bilheteria hoje. Ele não liga. Conseguiriam juntar um milhão de pessoas nas areias do Rio. Pra que?
   Neste disco eles fazem uma coisa mágica. Pegam canções do Led e conseguem torna-las novas sem deixar de serem as mesmas. Cavam fundo naquilo que elas sempre foram e expõe ao mundo suas origens celtas e árabes. Medievais. É música da idade média. E é música de sempre. Os arranjos, ciganos, druidas, junguianos, trazem a atemporalidade e o sonho ao universo do agora. Tolkien, ídolo de Plant casado com Muddy Waters. Funciona. O disco escutado hoje continua de amanhã.
  Keith Richards continua para sempre congelado nos acordes de 1968. A única ousadia é misturar reggae ou James Brown à Brown Sugar. Não há e nem jamais haverá a menor chance de que ele modifique suas músicas. Elas são pedras. Ainda rolam, mas estão mortas. Seria lindo ver Satanic refeito no palco. Com indianismo, marroquismo e xamanismo. Ou o Banquete dos Mendigos com doses de punk e de eletro. Mas não. Keith não deixa. Ele é um negro do blues e vai morrer sendo isso e só isso. Ok.
  Mas este No Quarter...

ETHAN FROME, UM LIVRO CRUEL DE EDITH WHARTON.

   A turma de Heminguay achava Edith Wharton a melhor escritora americana viva. Ela morreu em 1937 e deixou o posto para Dorothy Parker, que nada tem a ver com ela. Este é o segundo romance dela que leio. A Era da Inocência, que virou filme de Scorsese, é leitura prazerosa e profunda. O tema de Wharton é o destino, sempre ele. O modo como somos obrigados a fazer coisas que não queremos. A maneira como temos a vida que nunca desejamos ter.
  Ethan Frome é um dos livros mais amados pelos americanos. Curto, tem o estilo simples e perfeito de Wharton. Ethan vive numa fazenda no norte dos EUA por volta de 1890. Casado com uma mulher doente e apaixonado pela prima da esposa, que também o ama, ele não tem como fugir e viver seu amor. Lemos e sentimos a asfixia da vida de Ethan. E tomamos consciência de que a maioria das pessoas é Ethan Frome. Ele não pode mudar.
  A escrita é uma coisa mágica. Lendo este livro me senti no mundo que ele retrata. Frio, vento, gelo e a escuridão de noites sem fim. Ele tem o ambiente gótico da Nova Inglaterra. E o caráter protestante do povo americano. Eles trabalham. Acreditam na missão.
  Edith Wharton, de origem rica, era amiga de Henry James. Começou imitando o estilo complexo de James, mas logo descobriu sua voz. Ler suas palavras é lembrar tudo aquilo que um bom livro pode ser.

CRÍTICA DE ROCK, ESSA COISA SEM SENTIDO.

   Crítica de rock não faz sentido. Opinião de rock seria melhor. Escrever sobre música já é quase impossível, e sobre o gênero rock é ainda pior. Isso porque a tendência é acabar por tratar o rock como aquilo que ele não é. E dar à ele um verniz de erudição e de intelectualidade que ele nunca teve. E nem pode ter, pois isso significa sua morte como gênero original. Críticos de rock, mesmo os que pregam a simplicidade do som, acabam por fazer crítica. Educados em faculdades de letras ou de jornalismo, revelam em suas linhas os vícios da crítica literária. Acabam por dar à uma banda de iluminados iletrados de Newcastle a honra duvidosa de serem colocados no mesmo saco de Baudrillard ou de Chomsky. É o momento em que matam o rock.
  Desse modo, gente do meio que se presta a ser comparado a gente das letras acaba sendo incensado pelos críticos. E aqueles que não podem ser enfiados em uma comparação com Keats, Whitman ou Baudelaire, ficam a ver navios. São ignorados.
  Ainda é assim, mas já foi muito pior. A pulverização da imprensa em milhões de vozes na internet acabou com as patotas. Nos anos 70 só gente da esquerda era levada em conta. Desse modo, Dylan era rei e Lennon vice rei. E alienados como Black Sabbath ou Queen eram completamente deixados à margem. Ouvir Ozzy ou Mercury era coisa de analfabeto. O povo inteligente tinha de preferir Joni Mitchell. Ou The Clash.
  Na virada da década, entre 78-82, o Clash era chamado de maior banda da história do rock. Os destruidores marxistas do passado. Os caras que iam reorganizar o rock em bases igualitárias. Com eles vinha o Gang Of Four, Elvis Costello, The Jam e mais uma multidão de camaradas. Nesse mundo, The Police, The Cars ou Kraftwerk não eram muito comentados. Eles não cabiam nesse universo letrado. ( E os Ramones eram a sombra, um tipo de vício secreto culposo e culpado ).
  Nos anos 80 o niilismo imperou e a patota da crítica amava aqueles que lembravam Nietzsche. Nunca a crítica de rock foi tão poderosa e nunca esteve tão distante das massas. Eram textos gigantescos e nesse universo Iggy Pop era rei. O cinismo de Bowie era elevado à arte absoluta. Oscar Wilde mandava nas cabecinhas jornaleiras.
  Hoje nada disso faz sentido. Um crítico é um homem no gueto. Suas opiniões são levadas a sério apenas por seus amigos. Seus seguidores. Então podemos notar neste mundo muito mais aberto, que o Rush não era tão ruim e o Clash não era tão bom. Que o Grand Funk Railroad tinha seu valor e que talvez Neil Young não fosse um gênio. Leio sites de rock e é isso que vejo, o resgate de coisas que eram chamadas de lixo ( Cheap Trick e Thin Lizzy ).
  Ray Davies era tão bom quanto Dylan. Sempre foi. Mas sua patota não era A Patota.

O VENDEDOR DE ARMAS, UM LIVRO DE HUGH LAURIE.

   Sim, Laurie além de ser um bom ator e uma figura muito interessante, é escritor. Este é seu primeiro livro, de 2006, e desde então ele lançou mais três. Ele é da escola do genial Wodehouse, o cara que nos anos 30 lançou a maravilhosa série de Jeeves. Claro, não podemos esperar de Laurie tamanho senso de humor, mas sua escrita é bem feita. Tem ritmo, tem humor, tem agilidade.
  Um ex soldado inglês é envolvido, sem querer, numa complicadíssima trama que envolve venda de armas, drogas e mulheres bonitas. Laurie herdou de Wodehouse o amor à palavra, e assim dá atenção aos diálogos e aos duplos sentidos. O herói leva toda frase em seu sentido exato, que acaba sendo o sentido errado. Leia que voce vai entender o que falo.
  Este livro foi indicação de uma amiga que é mestre em conversar desse modo. Ela nunca leu os livros de Jeeves, mas por instinto ela pensa e fala como o personagem de Wodehouse. Conversar com ela é um belo exercício mental.
  Termino dizendo que este livro seria um filme muito bom.
  Quem se habilita?

Beach Boys - Help Me Rhonda (The Andy Williams Show 1965)



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HELP ME RHONDA!

A canção começa com acordes doces de guitarra ( deve ser Glenn Campbell no estúdio com seus Wrecking Crew ). Esses acordes logo são sobrepostos pela voz pensativa e bem adolescente. Voce pensa então em cozinhas de fórmica e quartos com fotos de astros de Hollywood. Mas então, sem avisar, entra o refrão, e a mágica se faz.
São as vozes dos Beach Boys e elas não estão doces. A melodia vem num ascendente quase atonal, ela vacila, e ela é, ora que coisa, profundamente angustiada. O adolescente pede socorro, insiste no pedido, chama e implora, socorro Rhonda, socorro...Nessas vozes, nessa melodia torta, há desejo frustrado, impaciência, dúvida e desespero. Há beleza superlativa.
É um dos cinco maiores singles da história do rock e do pop. Apenas dois minutos e meio, mas é um romance completo. Voce é capturado para o resto da vida. A massa instrumental aumenta, o que era doce vira quase fúria e o solo é esquálido, o pobre desejo virgem contra a contingência da vida.
Há quem ache, até hoje, que música pop é simples. Brian Wilson era simples como uma chuva de verão. Este single é pra eternidade.

TOM CRUISE - JERRY LEWIS - GLENN FORD - JEREMY RENNER

FEITO NA AMÉRICA de Doug Liman com Tom Cruise.
O traficante como um cara legal. Ok, o filme é amoral. Mas é bom pra caramba. É uma história real daquelas que só poderiam ter acontecido na América. Cruise, ótimo, é um piloto comercial em 1976. Contrabandista leve, ele é cooptado pela CIA para levar armas para os "contras" na Nicarágua. Mas logo o vemos enganando a CIA e fazendo contato com o cartel de Medellin. Ele leva armas à Colombia e drogas para os EUA. O dinheiro flui e o filme é uma comédia excelente. Sim, a moral do filme é "seja esperto e se divirta" .Mas com tantos filmes tendo por moral um tipo de culpa pós-cristã tipo " Deus não existe, a vida é um lixo", é uma alegria achar um filme que é seu oposto exato. A vida é uma festa, aproveite enquanto o tiro na cara não vem. A história desse otário-esperto adentra os anos 80 e ele se vê trabalhando para Reagan!!! Creia, os anos 80 não fizeram o menor sentido...Grande filme!
A MÚMIA de Alex Kurtzman com Tom Cruise e Russell Crowe.
Muito ruim. O roteiro não faz sentido, a ação é óbvia, as falas são ridículas. Para quem conhece A Múmia de 1936, filme cheio de erotismo e de mistério, esta balbúrdia é uma ofensa. Lixo.
ALMAS SELVAGENS de Jacques Tourneur com Glenn Ford e Ann Sheridan.
O filme se passa em 1900 na América Central. Um americano amotina um navio com a ajuda de alguns bandidos. Adentram Honduras, os bandidos achando que é por tesouro, o americano sabendo que tudo é feito para derrubar o ditador de plantão. O velho Tourneur de guerra em mais um de seus filme simples e bons.
O DIA EM QUE A TERRA SE INCENDIOU de Val Guest
Este filme inglês, de 1960, é talvez o primeiro filme a falar do fim do mundo do modo como entendemos isso hoje. Explosões nucleares desestabilizam o eixo da Terra e o clima entra em colapso. Mesmo para os padrões da época, os efeitos são ruins e o personagem principal, um jornalista beberrão, é um chato engraçadinho. O filme não é bom.
TERRA SELVAGEM de Taylor Sheridan com Jeremy Renner
Dão milhões na mão de diretores novatos e depois reclama do lixo que se produz. Hollywood tirou o poder dos individualistas e o negócio, a longo prazo, não é bom. Vemos uma manada de diretores com estilo idêntico e ideias feitas por molde de cera. Frio, caçadas, busca implacável, clima de niilismo, chatice atroz. Este é mais um.
O HERÓI de Brett Haley com Sam Elliott e Katharine Ross.
O projeto de vida do bom ator Sam Elliott. Ele é um ator esquecido que descobre ter câncer ( sim, mais um filme sobre doença ). Resolve tentar fazer um último filme enquanto reencontra a ex esposa, filho etc etc etc. Voce já viu isso milhares de vezes. Pena Sam.
ARTISTAS E MODELOS de Frank Tashlin com Jerry Lewis, Dean Martin, Shirley MacLaine
Um dos 3 melhores filmes com a dupla. Jerry é um desenhista que sonha com quadrinhos de sua heroína favorita. Dean aproveita para usar isso como modo de ganhar dinheiro. A muito jovem MacLaine é a heroína. Tashlin foi da equipe de cartoons da Warner. Ele transforma seus filmes em desenhos do Bugs Bunny. O filme começa como uma obra prima, depois cai...tem canções demais...
DETETIVE MIXURUCA de Frank Tashlin com Jerry Lewis.
Um dos filmes menos lembrados de Jerry. Ele é um detetive que procura um herdeiro que é ele mesmo na verdade. Não é bom.

The Champs "Tequila"



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Dick Dale - Surfin' Swingin'/Misirlou/Wedge Live 1963



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Duane Eddy "Forty Miles of Bad Road"



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Link Wray "Rawhide"



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HERANÇA HAVAIANA

   Recebo de herança uma das coisas mais fantásticas já feitas na face da Terra: Duas coletâneas, completas e brilhantes, de surf music. E a surf music, voce sabe, é a mais feliz das ondas musicais do século XX.
  Em forma de livro, com um texto longo e leve e fotos raras e variadas ( tem desde anúncios de produtos surf até instrumentos e carros ), são sete cds e mais de seis horas de sons excitantes. Uma mistura de sol, estradas e garotas que te leva ao coração da coisa.
  Surf music mistura country, mariachi, trilha de James Bond, sons de faroeste e r and b num coquetel de alegria e ousadia. Voce pensa em camisas havaianas, cenas de filmes, guitarristas solitários, acampamentos no mato e pranchas da Lightning Bolt. Link Wray foi um gênio, mas tem muito mais, de Ventures à Shadows, de Santo and Johnny até Jet Harris. Algumas faixas atingem o cume do rock n roll e nenhuma é chata. Faz voce pensar no quanto Dylan e Lennon estragaram o rock ( sem querer ) e no quanto Chris Isaak, Cramps e Pixies beberam aqui. O timbre das guitarras é sublime, a bateria é sempre o centro do som e eles enfiam algum som surpreendente no meio da receita certeira. Voce ouve e celebra. Dá vontade de sair. De rir e de amar. É fun. Super mega fun.
  Dentre as joias raras da herança de meu brother, só os LPs de garage podem chegar perto, e sobre eles escrevo depois.

DICAS ÚTEIS PARA UMA VIDA FÚTIL - MARK TWAIN, UM MANUAL PARA A MALDITA RAÇA HUMANA.

   Houve um tempo em que Twain era tão conhecido no Brasil como é JK Rowling hoje. Tanto era que ele foi, em 1971, o segundo autor que lembro ter lido. O primeiro foi Robert Louis Stevenson com A Ilha do Tesouro. Comecei bem, eu sei, e o livro de Twain era Tom Sawyer. Li e virei Tom Sawyer. Nele eu descobri que podia viver dentro de um livro.
   Mark Twain criou a América. Mais que Whitman ou Emerson, foi ele quem deu ao povo do país uma identidade. E foi amado, famoso, rico. Mas não foi feliz. Suas filhas morreram antes dele, e quando Twain se foi, em 1910, era um homem amargo.
  Cabelão branco e terno largo também branco. Ele dizia que vestia branco porque usar preto era perigoso. Podiam achar que ele já havia morrido. Este belo livro reúne texto que Twain escreveu entre 1870-1906. São 36 anos de artigos de jornal, romances, contos, peças e discursos. Viajava  mundo como astro de rock, dando palestras. E seu estilo era aquilo que se tornou o "estilo americano". Um jeito direto e grosso, engraçado e amargo, polido e cru, empolado e ousado. Seu texto tem sabor e tem humor. É a fala do sul, do Mississipi.
  Ele fala um pouco de tudo. Como educar filhos, como viver feliz, como ser amigo, o que se deve comer, beber, vestir. Como viajar. Ele critica as manias da Europa. Sua voz é aquela do Dude Lebowski. E é também a voz de Faulkner, de Updike, de Mailer e de Dylan. Mark Twain captura uma nação jovem e dubla seu sonho em voz. Exibe aquilo que a América quer ser.

trombone com vara: CRENÇA NO IMPROVÁVEL, O AMOR.

trombone com vara: CRENÇA NO IMPROVÁVEL, O AMOR.:    É lógico que o amor não existe. O que chamamos de amor é uma invenção artificial, mera fantasia criada por poetas. O que existe e pode s...

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Flea & Amy-Jo Albany - What's In My Bag?



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Paul Weller talks about his favourite music.



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Gustav Klimt: O Recluso Pintor & Suas Incríveis Orgias de Cores | Philos TV



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GUSTAV KLIMT, AQUELE MUNDO QUE PERDEMOS.

   Viena não foi o mundo. Não era o mundo. Não é o mundo. Viena era um mundo de burgueses muito ricos que amavam a Kultura. Um grupo de judeus que lutava para ser e ter o melhor da Europa. Viena era católica. E tinha o rigor dos luteranos. Era sensual. E hipócrita. Bonita e dourada. Acima de tudo, Viena era Wittgeinstein, Mahler, Freud e Klimt. Essa cidade não irá ser repetida. Morreu em 1914.
  Klimt pintava mulheres. Porque as mulheres são Tudo. A coisa era religiosa: a Arte era aquilo que iria salvar o homem. Era a única coisa real que nos poderia reencontrar o inefável. E a mulher era o símbolo da beleza. E do mal. Ele cria a Mulher Fatal. A mulher como manipuladora de homens. O convite à morte. E a porta para a Vida. Toda arte é erótica - esse o lema de Klimt.
  Seus quadros são montanhas de símbolos. Ouro e sexo. Deuses e morte. Mas sempre a afirmação da vida. Klimt ama seu jardim. Com o tempo será chamado de "decorativo", superficial, secundário. Hoje é central. O tempo é seu amigo.
  Em seu tempo foi famoso. E ficou rico. Fazia duas estradas: retratos para os ricos judeus, pinturas provocantes e escandalosas para as galerias. Mas não pense que os retratos eram simples comércio: são geniais. Klimt pintou alguns dos quadros mais eróticos do mundo. E as mulheres mais belas de seu tempo ( inclusive a irmã de Wittgeinstein ).
  Dânae é a mulher mais linda já pintada. Digna de Zeus.
  Dúbio e misterioso o mundo que deu vida à Klimt.
  Sorte ainda termos seus quadros.
  ( Escrito após a leitura de um dos livros da Taschen sobre o artista. )

O HOMEM COM ASAS - ARTHUR JAPIN

   Biografia romanceada é uma coisa muito perigosa. Ela pode não ter a invenção da ficção e perder a precisão da biografia. Isso é exatamente o que acontece aqui. Arthur Japin, o mais famoso autor da Holanda, escreve sobre Santos-Dumont e nada nos transmite sobre quem foi o mais famoso brasileiro do começo do século XX. Ele pega trechos de sua bio e inventa personagens e situações sobre o que poderia ter sido sua vida. Isso não funciona. Como ficção parece pretensioso e falsamente poético; como biografia é uma mentira fantasiosa. Dumont era aquele? Claro que não!
  O livro começa em Ribeirão Preto, o pai do inventor foi o maior cafeicultor do mundo. Depois vai à Paris, onde Dumont é o dandy-rei do mundo chique da França. Um homossexual mal assumido, tímido, vaidoso e mecânico de gênio. No meio de tudo isso, uma trama boba sobre a ditadura de Getúlio. Dumont teria se matado no Guarujá por causa dos aviões que bombardearam SP por ordem do ditador.
  A gente nota que o livro foi escrito já como se fosse filme. Ele grita por isso.
  Adoro descobrir livros novos por intuição. Às vezes acerto, às vezes não. Dessa vez errei. O livro é uma mistura chata de frases poéticas vazias e cenas com beleza fake.

MEMÓRIA DA ÁGUA - EMMI ITARANTA

   Uma menina aprende com o pai a cerimônia do chá. A Europa foi dominada pela China. O clima mudou, faz calor todo o tempo. A água virou um precioso bem de troca. O Estado distribui poucos cantis por semana à população. Os militares mandam em tudo. E a personagem principal percebe que alguma coisa tá errada. Nosso mundo, o de hoje, foi esquecido. Hm...
  A autora é finlandesa e dizem que o livro foi premiado. Mas hoje tem tanto prêmio que dá para premiar todo mundo. Tristinho, dark, chatinho, eu não precisava ter lido este livro, mas quis saber como acabava. Acaba em aberto, para ter continuação.
  Esquece.

CORAÇÃO DEVOTADO À MORTE, O SEXO E O SAGRADO EM TRISTÃO E ISOLDA DE WAGNER. - ROGER SCRUTON.

   Kant, Schopenhauer, Auerbach, Nietzsche, Wittgeinstein, Freud, Merleau-Ponty, Foucault e Girard. Todos são citados várias vezes por Scruton e todos são, ao final, refutados pelo filósofo inglês. Refutados em relação aquilo de que se ocupa o livro, o erotismo e a morte. Uns mais outros menos, todos revelam algo de reducionista ao evitar o tema ou a aborda-lo de uma maneira que o descreve DE FORA e jamais de dentro. Scruton não tem medo. Ele não evita entrar no sentimento e no ato, na fantasia e naquilo que sabemos acontecer mas que não conseguimos entender. Roger Scruton aceita o não-saber. Para ele é isso o sagrado: fazer, aceitar, repetir, seguir, sem jamais entender. Saber que ali há algo que foge ao entendimento e que por isso pode ser puramente ilusório. Mas não parece ser. E por isso ele, o mistério, é confirmado em atos, objetos, lugares que são aquilo que precisam ser. Para Scruton o homem é sagrado. Por mais que o cinismo atual ria disso, ele é.
  Somos corpos reais que se percebem no limite da realidade. Enquanto corpo estamos no mundo, enquanto sujeitos estamos observando o mundo de um lugar que sempre nos parece fora da realidade corporal. É o que nos define como seres não-animais: olhamos para nós mesmos, analisamos o que somos e o que devemos ou não queremos ser ou fazer. Temos escolhas. Ao contrário dos bichos, estamos sempre decidindo, antecipando, planejando. Nosso corpo, real como é uma pedra, se move entre as coisas como ser que funciona por instinto. Nosso eu, colocado à parte do real, olha e tira ideias, cria e lembra.
  Dentro dessa verdade, o Amor-Erótico surge como o momento em que o corpo e o sujeito se unem em um só. Eu amo a pessoa que está naquele corpo. Ao contrário da pornografia, não é aquele corpo que desejo, o que desejo é quem está naquele corpo. A pessoa e o corpo se tornam um só para mim, e eu me torno um só para ela. E, contra a ideia de Freud, de que a paixão era nada mais que um tipo de fome ou sede, algo mecânico e animal, só aquela pessoa pode fazer por  mim o que faço por ela. Ela é insubstituível. Única em um universo.
  Scruton vai em frente e toca na escolha. Para ódio dos modernos, não podemos escolher a quem amar. Somos presos do acaso. Mas podemos escolher como amar essa pessoa que nos surge. E vem daí a ópera de Wagner. Scruton a disseca em texto e música. Lenda vinda da idade média, ela fala de um sobrinho que se apaixona pela mulher prometida ao tio. E ela o ama do mesmo modo. Tudo termina em morte e em vitória do amor. ( Contei a história de um modo bem simplificado ). O que Wagner mostra é que amor e morte são a mesma coisa. Todo amor verdadeiro só pode vencer se encontrar a morte. E essa morte é o modo que o amor encontra de durar para sempre.
  Wagner não acreditava em Deus. Mas amava o budismo. O amor era, para ele, o modo de se deixar dissolver no Nada e a morte se tornava assim uma libertação da ilusão. O amor de Tristão e de Isolda seria profanado se tivesse de viver em meio às exigências do mundo fútil e vazio do dia a dia. Para ele viver puro e perfeito ele precisa morrer.
  Scruton aceita isso e vai adiante. Para ele, esse amor não precisa de um deus para ser sagrado. No olhar que reconhece, na individualidade de cada amante, vive a eternidade da particularidade que só o sujeito pode ter. No amor e na morte o Ser se afirma como sujeito livre. Ele sai do mundo das contingencias, das obrigações, e passa a se mover no mundo das escolhas e dos riscos. Sim, ele não escolhe seu amor, mas como disse, ele escolhe manter esse amor no nível do AMOR CORTÊS, o mundo do amor que significa, que simboliza, que vai além. O amor que nega a fome, a pornografia. ( A pornografia é o desejo que transforma o amado em objeto desfrutável e intercambiável. Ela vive da dessacralização do amor e da ofensa ao corpo ).
  A música de Wagner, sagrada e prova de um eu criador, leva o ouvinte para dentro desse erotismo que, como todo erotismo, coloca os amantes fora do mundo real e dentro do mundo com sentido. Para o casal, só eles existem, só eles são vivos, só eles podem durar. Na morte eles dizem ao mundo que escolheram seu destino. Saíram do mundo dos fenômenos e adentram a liberdade. Deixam de ser dois e se tornam parte de um todo onde não há eu e voce.
  Qualquer um de vocês, se já amou de verdade, sabe do que falo. Por mais ateu, ou cínico ou frio que voce seja, sabe que no amor há a companhia da morte. O mundo inteiro morre para os amantes. O passado morre. O que existe é o amor e o medo de que ele se perca. Há um momento em que sentimos a proximidade da morte. "Se ela se for eu morro".
  Não se engane. Ela se foi e voce morreu.

TOLSTOI, A BIOGRAFIA, ROSAMUND BARTLETT.

   A Rússia não existe. Nem Europa, nem Ásia. A coisa mais sensacional deste ótimo livro é fazer nos sentir dentro da Rússia. E a Rússia não é fácil não! Coisas que só existiam no país. O SANTO-TOLO por exemplo. Pessoas que vagavam pela nação, mendigando, sendo recebidas como santos homens e como tolos ingênuos. Aristocratas culpados. Não havia no mundo aristocratas tão esbanjadores e cercados de luxo como os russos. E ao mesmo tempo, em nenhum outro país acontecia de tantos deles largarem tudo e se tornarem peregrinos pobres. Tolstoi viveu todos os meandros da alma russa. Foi a encarnação daquilo que o país pode ser e será. Penso agora se há na Inglaterra alguém que encarne e alma inglesa. Ou nos USA. Ou na França. Talvez Wagner seja a alma alemã. Mas não há um só artista ou filósofo que resuma em si a alma da França, da Inglaterra ou de qualquer outra nação. Tolstoi é a Russia. E isso é muito complicado.
  O livro começa traçando as raízes da família aristocrata do autor. Pai e mãe têm origens nobres, a mãe com mais dinheiro, o pai com muito história. As primeiras 200 páginas do livro são sublimes. Tios e tias com vidas sensacionais. E alguma dolorosas. E então nasce Liev Tolstoi, em meio a muitos irmãos, parentes, servos, visitas, na imensa propriedade de Iasnaia Poliana. ( Servos eram parte de uma terra. Não podiam ser vendidos, portanto não eram escravos, mas eram parte das terras dos nobres, como eram as árvores e as casas ).
  O jovem Tolstoi usou sexualmente as servas, se apaixonou, caçava, brigava muito, duelou, serviu na guerra. Foi um jovem inquieto, cheio de ideias, dúvidas e excesso de energia. Desde cedo tinha paixão por vida no mato, exercícios. Mas a guerra o mudou. A absurda guerra da Crimeia, a luta contra turcos e ingleses. A Russia era então um esbanjamento. Muito dinheiro usado para o luxo, muita repressão politica e a religião ortodoxa. Tolstoi seguiu a fé de seus pais, por algum tempo. Começa então a escrever em revistas, em jornais. Publica pequenas histórias e logo se torna o escritor mais famoso da Russia.
  Faz amizade com Turgueniev, mas logo brigam. Nunca encontrará Dostoievski. Este admira Tolstoi, mas Liev o ignora. São opostos. Escrever Guerra e Paz é um prazer. Sonia, sua esposa de origem alemã, passa a limpo o texto. A obra estoura e vende muito. Pronto, ele é famoso. Mas existem os servos e Liev começa a mudar.
  A obra de sua vida é fazer o bem aos pobres. Incrível como Tolstoi passa a desprezar sua vida de artista. Ele dá muito mais valor às cartilhas educacionais que redige e imprime que ao seu livro de sucesso. Tolstoi quer educar o povo russo e abre escolas, inventa métodos educacionais, percorre as aldeias. Começa a ser perseguido pelo estado.
  Mas há a escrita. Ana Karienina é um martírio. Tolstoi escreve com dor, com desprazer, como obrigação. E o sucesso é mundial. Karienina se torna o romance mais famoso de seu tempo e Tolstoi o mais admirado dos autores. Mas ele continua a mudar.
  Pensa na morte, entra em crise, cria uma religião. Lança textos e livros religiosos, traduz evangelhos do grego, faz palestras, funda o "tolstoismo". Eis a obra da sua vida.
  Torna-se vegetariano, pacifista, influencia o jovem Ghandi. Comunas tolstoianas surgem nos Canadá, nos EUA, na Inglaterra. Ele prega o fim da propriedade privada, o sexo apenas como reprodução, o fim do estado, o trabalho como bem maior. Trabalhar com as mãos, comer o que se planta e seguir Jesus Cristo. Tolstoi é o guru da Russia e uma das pessoas mais famosas do planeta. E ao mesmo tempo passa a ser odiado pelos ortodoxos e pelo governo russo.
  Ele se abstém de suas posses, se afasta da família. Vive em trapos, como um santo-tolo. Prega a paz e a resistência pacífica. Então vem a Primeira-Guerra, a revolução de 17 e o bolchevismo. Tolstoi é considerado o precursor de Lenin. Lenin o admira, mas Liev é contra o estado, o que cria uma rusga entre as duas filosofias. Tolstoi morre em 1910, numa estação de trem. Seu enterro é um evento mundial e sua casa centro de peregrinação. O livro segue sua esposa e seus filhos até os anos 30.
  A vida de Tolstoi é o desconforto de um gênio com o mundo onde lhe coube nascer. Escrever era pouco para ele. O que ele desejava era mudar o mundo. Acabar com toda a violência. Trazer a verdade do cristianismo para o centro da politica. Dar comida e educação aos pobres. Dignidade a todos.
  Em 2017 ainda matamos bichos para comer bife. Ainda fingimos não ver os rostos de esfomeados. Rezamos sem atentar para nossa mentira fundamental: somos violentos. Educamos sem salvar. Vivemos sem agir. E a Russia, terra que Tolstoi amava mais que tudo, ainda é esbanjamento e luxo.
  Ler Anna Karienina foi um dos pontos fundamentais de minha vida.

FREUD EDIPIANO: ÚLTIMA AULA DO CURSO SOBRE.

   O professor conta para a sala, mais de 50 pessoas, hipnotizadas, a história do mito de Édipo. E percebo como deveria ser mágica a época em que bons narradores contavam histórias de forma oral, ao lado do fogo ou à beira do rio. O foco da história: Édipo como alguém que faz perguntas, alguém que quer saber. ( Evito dizer à sala que minha visão do mito é a de que ele mata o pai= Deus, e esposa a mãe=ciência, e isso leva à sua cegueira; ou então o pai como Deus e a mãe como a natureza física ).
  Tirando o foco do escândalo, o professor nos leva às 3 fases de uma criança: o tempo do "o quê é isso?", depois o por quê, e afinal o não avassalador. Mas, filosofa natural como toda criança é, quando ela pergunta o quê é o mar, não é ao mar físico que ela se refere, mas sim o quê significa o mar. Ele é água e sal, e tem peixes, mas daí vem a questão: "por quê ele existe?". Lembro bem que minhas questões, aos 3 anos, eram básicas: De onde vim, onde eu estava antes de vir, para onde eu ia, e principalmente: Se o amor de meus pais por mim seria eterno.
  Segundo o professor, essas questões são comuns à todas as crianças em certa época de suas vidas. E em certo momento todas elas são respondidas com o Não. Você não poderá ter o amor de seus pais para sempre, você nunca terá certeza de nada, e há coisas que voce jamais saberá. É esse Não que formula a lei da civilização e é esse Não que dá sentido à procura. Mas...
  Vivemos em um tempo que odeia o Não. Achamos que todo não é arbitrário e que tudo pode se tornar sim. Não aceitamos o impossível. Não aceitamos aquilo que não tem cura, não tem solução, não pode ser vencido. Nem a morte aceitamos mais. Pior, mesmo a fase do Por Quê tem sido asfixiada. Nas redes sociais, na mídia, nas conversas, ninguém mais pergunta o por quê das coisas, o que se deseja é saber o quê é. Pontos de afirmação e nunca interrogações. A civilização, no seu geral, e mais que todos o Brasil, está ancorado na fase dos 12-16 meses de idade: "Quê é isso?", sem conseguir ou desejar alcançar o "Por quê isso?".
  Quanto as escolas...Bem, o necessário seria dizer aos alunos Por Quê é importante ir à escola. E NUNCA responder com coisas que nada significam, tipo: Porque precisa, Porque vai ser útil, Porque um dia voce vai entender. Jovens não se importam com aquilo que não tem valor existencial. A matemática terá valor se ela fizer sentido para sua vida e não se ela for apenas útil. O utilitarismo da escola mata o sentido que ela pode ter. Ou deveria ter.
  Saber tudo o que aqui foi dito nada tem de útil.
  Mas faz todo o sentido para mim.

Helen Mirren on Vasily Kandinsky



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Matemáticas Kandinsky - Video birografia.m4v



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DO ESPIRITUAL NA ARTE - KANDINSKY

   Abstração. Para Kandinsky ela acontece quando um pintor copia uma floresta, um rosto ou uma cena no mar. Pois a realidade é abstraída da pintura e ela finge ser uma floresta, um rosto ou uma cena no mar.
  Concreta. A pintura de Kandinsky não deveria, segundo ele, ser chamada de abstrata. Pois ela nada abstrai, ela é concretamente aquilo que ela é: cor e forma.
  Mas se um pintor tira de uma paisagem seu motivo para pintar, de onde vem o motivo da nova pintura? Segundo Wassily Kandisnky, da alma. Uma pintura concreta reflete a alma de quem a pinta, isso se ela for pintada com verdade e entrega absoluta.
  Kandinsky criou sozinho aquilo que conhecemos como pintura abstrata. Mais radical que Picasso ou Matisse, ele deu a pintura sua liberdade: uma tela é feita de cor e de forma, nada mais que isso. A cor canta uma emoção, a forma dita um ritmo. Diante de seus quadros vemos a verdade.
  Este livro foi escrito por Kandinsky em 1912. Nele ele explica e defende sua arte. E elogia a música. Para ele, toda arte quer ser música. Porque a música é a mais espiritual de todas as artes. Inexplicável e etérea. Ela nada copia da natureza, ela é pura alma. A pintura que ele faz, ao não copiar nada da natureza, se aproxima da linguagem musical por meio de cor e forma. Suas telas cantam.
  Kandinsky é para mim o maior artista plástico do século XX. E penso que só Paul Klee chega perto dele. O russo pintou a música da alma, e o suíço o sonho do espírito.

Susana Seivane - Himno gallego a gaita



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Cantiga de Maio "O que da guerra levou cavaleiros"



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A IMAGEM DESCARTADA - C.S. LEWIS ( escrevemos para eternizar a vida ).

   Lewis não foi um autor de livros juvenis. Ele foi também um autor de livros infantis. Mas, assim como Tolkien foi um linguista em Oxford e Cambridge, Lewis foi um professor de literatura medieval nas duas instituições. Este é seu último livro, uma coletânea de uma série de palestras dadas em 1963.
  O objetivo do livro não é falar de literatura. É tentar aproximar o mundo medieval de nossa época. Jogar ao lixo preconceitos e mostrar como era a cultura medieval. E ele me surpreendeu muito. Ao contrário do senso comum de 2017, a idade média NÃO FOI um tempo de improviso e de falta de ordem. O homem medieval tinha um profundo amor pela ordem. Sua grande paixão era catalogar, listar, colocar tudo em uma hierarquia. Desse modo, havia a hierarquia da guerra, o catálogo do amor, o modo certo de se escrever, a maneira de ver a vida. Lewis fala da catedral, da igreja, dos anjos, dos livros, da zoologia, da geografia e do espaço sideral.
  Ao contrário do que se pensa, a Terra era considerada redonda, mas centro e periferia do Cosmos. Centro por ser o alvo das influências planetárias; periferia por ser o lugar menos elevado do Cosmos. A Terra era "morta" por não se mover, os planetas eram considerados "animais", seres viventes que influenciavam mas não dirigiam a vida do homem. ( Sim, isso é astrologia ). Talvez a imagem mais bela do livro de Lewis seja essa: O homem medieval via o espaço não como um lugar "lá fora", mas sim um lugar "lá dentro". O espaço era cheio de luz, de anjos, de planetas vivos, de estrelas animadas, de sons, de movimentos. O espaço era olhado como "o alto", o ponto mais perfeito e elevado. O espaço era festa, objetivo de vida, vida absoluta. Daí se deduz que esse homem via a morte como ilusão, a vida era a condição natural do cosmos. Cada planeta vivo em sua órbita, cada espaço escuro, noite de um dia luminoso, cada estrela reino de anjos.
  Homens letrados medievais tinham um profundo amor pelos livros. Para eles tudo que era escrito era "verdadeiro". Se Platão escreveu, mil anos antes, sobre os hermafroditas, então esses seres são uma verdade. Não importa se eles existiram ou não, por terem sido pensados e escritos, eles são parte do mundo. O mesmo se dá com a história. Heitor ou Ajax existiram pois estão na Ilíada. Eles fazem parte da história e a história existe para divertir e para ensinar. Se desconhece o conceito de informar. O que importa é ensinar e divertir.
  Esse mundo se revela, desse modo, pleno de interesse. É um mundo onde tudo importa. Cada pedra e cada animal, cada texto e cada lenda oral, tudo tem algo a ensinar e a dizer. Então o autor medieval escreve com paixão sobre aquilo que a vida é. Nossa dificuldade em os ler é o fato de acharmos que eles "perdem muito tempo" descrevendo o trivial. Esquecemos que isso ocorre porque para esses autores tudo na vida é digno de espanto. A descrição de uma fonte, de uma fada ou de uma parede é tão importante quanto a vida de um rei ou um santo. Tudo é da vida e tudo DEVE SER HOMENAGEADO. A escrita medieval é sempre uma homenagem, a vontade de eternizar o mundo na escrita. O que se escreve é o que se sabe, o que se sabe é amado.
  Lewis diz que um escritor medieval sentiria pena de um autor moderno. Acharia uma pena ele ter de inventar histórias. Isso lhe mostraria que o mundo deveria ser indigno de ser homenageado. O medieval pegava o que já existia e o descrevia. O atual imagina e descreve sua imaginação.
  Não falarei dos anjos pois esse não foi o assunto que mais me seduziu neste muito interessante livro. Termino dizendo que talvez voce tenha pensado que a biografia seria então um tipo de literatura medieval. A resposta é sim e não. Sim porque ele pega o real e vê interesse nisso. Mas essa biografia só terá esse espírito medieval se tiver por objetivo "ensinar e maravilhar". Uma biografia puramente jornalística está tão longe da idade média como o cinema de ação está próximo desse espírito.
 

UMA AULA SOBRE FREUD QUE HABILITA FREUD PARA MIM ( SE É QUE FREUD FOI ASSIM ).

   Vamos direto ao ponto: Nossos instintos estão relegados à simples função vegetativa. Nossos olhos piscam, nosso estômago digere, nosso coração dispara ao sentir medo. E então, falemos do medo. O medo é instintivo a qualquer animal. E quando se sente medo ou se foge ou se ataca. Mas não o homem. Nosso medo precisa ter um porque, precisa ser entendido, combatido e refletido. Então não será mais um instinto, será uma série de narrativas, uma história. O homem é então o único animal que transformou o instinto em palavras. Não se sente medo, se sente medo "de algo", "de um certo modo" e "porque tal coisa representa tal perigo". Conheço bem o medo, não o escolhi à toa. Quando vivenciei o medo sem porque, puro instinto solto, só voltei a sossegar ao saber o porque e o como desse medo "irracional".
  O homem não nega o instinto. Ele simplesmente o perdeu. Na verdade amamos o instinto, idealizamos a vida instintiva, usamos a palavra a toda hora, mas eles foram educados, racionalizados, contidos, e quando as palavras, a razão toma o instinto, ele morre.
  Um aluno pergunta se a linguagem não seria "instintiva". Não, pois instinto não se aprende, e o bebê aprende a falar. ( Instinto é aquilo que não se aprende, que não varia em tempo e lugar, que é comum a todos os homens em qualquer tempo, e que se faz sempre do mesmo modo, sem evolução ou variação. Por exemplo, todo leão caça do mesmo modo, todo lobo vive na mesma ordem social, todo elefante cria os filhos do mesmo modo, todo gato mia nas mesmas situações, não importa se em 500ac ou 2017, todos fazem tudo sempre do mesmo modo ).
  Outro aluno pergunta se os bichos seriam felizes. A resposta é que se ser feliz é viver de acordo com seu sistema vegetativo, sim, animais são plenamente adaptados e felizes, DESDE QUE não tenham contato com humanos, pois nós reprimimos seus instintos.
  Ver um gato dormir, um sabiá comer, um tigre caçar, é ver um ser plenamente livre, em uso completo de tudo aquilo que ele é. Um homem jamais terá essa chance, pois ele dorme pensando, come sonhando com outros planos ou desejos e não caça, e se o fizesse teria montes de vontades e medos misturados ao ato. Nunca somos plenos, pelo simples fato de que pensamos.
  Mas esse fato é inescapável, portanto, podemos viver razoavelmente bem apenas pelo uso das palavras. Se somos "amaldiçoados" pelo conhecimento, é esse conhecimento nossa maior arma. O que nos tirou do Eden é ao mesmo tempo nossa salvação.
  Mas há um fato que se sobressai cada vez mais: nossos instintos, tão fracos, precisam cada vez mais de motivação-pulsão. Comer precisa de variedade, temperos, novidades; o sexo precisa de aditivos, rotatividade, brinquedos, clima; e o próprio instinto de viver e de sobreviver passa a necessitar de motivações, metas e respostas. O sexo instintivo não requer troca de parceiro, ou climas ou imagens; idem para a fome ou a vontade de viver. O instinto requer satisfação simples, e se possível sem variação. Um leão será feliz com a mesma carne por toda a vida e um boi cruzará com qualquer vaca. Mas o homem, com seu instinto fraco-domesticado-mudo ( instinto não fala ), precisa de pimenta e de erotismo.
  As palavras nos levaram ao paradoxo do suicídio, à anorexia, ao tédio e a depressão. O paradoxo de querer morrer, de recusar comida, de sentir vazio perante o universo e a não sentir desejo cercado por coisas que se desejou.
  A linguagem fez de nós ETs em nosso mundo e estrangeiros em nosso corpo. A minhoca em seu jardim está em casa. Completamente em casa. Já nós, quando dizemos "casa", criamos um conceito de "casa", e perdemos essa "casa" para sempre.
  Nosso mundo é feito de palavras. E por isso voce está aqui e nunca ali.

CS LEWIS DIZ O QUE FOI A IDADE MÉDIA.

   Contos e poemas fantásticos são uma parte da idade média. Assim como peças religiosas. O que Lewis destaca, em suas últimas aulas, é que o ponto central do pensamento medieval é o desejo de ordenar, catalogar, salva o universo. ( Salvar no sentido que hoje damos a "salvar um texto ou uma foto no arquivo de nosso computador ). Lewis diz que nenhuma invenção moderna deixaria o homem medieval mais feliz que a enciclopédia. Com sua ordem, índice e abrangência, ela pareceria ao medieval a realização suprema de um sonho.
  O homem medieval amava o livro. E acreditava em tudo que estava escrito. Para ele, se estava num volume, era uma verdade. Mas esse homem conhecia textos que se negavam, que brigavam entre si, e daí vinha a vontade de os ordenar, de construir um pensamento, um sistema que os abrangesse, em ordem e sem conflito. Essa é a raiz de toda filosofia medieval, a ordem, a classificação, a criação de um tipo de sistema onde tudo se encaixa. Hierarquicamente.
  Esse PANO DE FUNDO, preste atenção nessa frase, PANO DE FUNDO, criou a ordem heráldica para a guerra, criou o amor cortês para o sexo e toda a cerimônia da igreja para a religião. Um pano de fundo feito de ordem, ritos, deveres, costumes, a serem usados a fim de dar um sistema coeso àquilo que antes lhes parecia caótico.
  A Divina Comédia é o ápice desse modo de pensamento, a transformação do além em um sistema ordenado, mecânico, coeso, infalível. Longe da ideia popular, de que o homem medieval era um tipo de beberrão infantil, ele era um amante de sistemas, um buscador de ordem, um construtor de catedrais.
  PANO DE FUNDO. Lewis diz que se o pano de fundo de toda obra medieval é o sistema, no século XX é Freud. Toda obra traz as teorias de Freud como pano de fundo, como um tipo de cenário onde o drama acontece. Interessante ele observar, e acertar, que logo esse pano de fundo poderia ser trocado por Einstein. Ou seja, a relatividade e a ciência como pano de fundo às obras da arte e do pensamento.
  Outro fato é que Lewis conta que toda grande obra vai contra esse pano de fundo. Desse modo, Freud seria destruído pelos grandes pensadores ou artistas, assim como os sistemas seriam corrompidos por Shakespeare após a idade média.

trombone com vara: É PRECISO APRENDER A VER?

trombone com vara: É PRECISO APRENDER A VER?:     Crianças sabem ver. Olham.    O vidro gordo de Toddy. A cor marrom e a tampa de lata. O rótulo com a cara de um menino que ri. As letr...

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PODRES DE MIMADOS - THEODORE DALRYMPLE.

   Coloque um broche com o símbolo do combate ao câncer de mama e se sinta então parte de elite "que se importa". O livro bate forte e convence nessa característica única de nossa época: o respeito ao "fraco" e ao "oprimido", e a consequente vaidade que nasce de ser alguém que se importa com o fraco e com o oprimido.
   Dalrymple mostra de forma clara e lógica, que ao se importar com africanos famintos, chineses oprimidos e negros explorados, acabamos por não nos importar concretamente com nada. Defendemos um prisioneiro na Guatemala, mas não conseguimos ajudar nossa mãe, que sofre com a solidão no quarto ao lado. Nos indignamos com a repressão policial na favela, mas não nos indignamos com o modo como nosso pai é tratado no ônibus lotado. Nos tornamos então uma pessoa tão justa, tão correta, tão indignada, tão "boa", que não temos mais espaço interno para ser "apenas" uma pessoa real e presente. Mas nossa vaidade, essa está a salvo, pois estamos todo o tempo "do lado do mais fraco".
  Dalrymple conta alguns casos famosos deste século. Escritores que se fingiram de oprimidos e assim alcançaram o sucesso, pessoas que foram consideradas do mal por não exporem suas dores pessoais ao público. Hoje é muito mais fácil publicar e vender se voce tiver o único mérito de ser parte de uma "minoria perseguida", ou por dizerem a "sua verdade de violência e de miséria". Um escritor "apenas" branco, homem e europeu, se não for viciado, ou meio doido ou gay-sofrido, terá uma imensa dificuldade em ser publicado e comentado. O público leitor foi convencido que "vida real" significa dor e violência, sofrimento e horror, alguém que venha de um meio apenas normal será considerado um "alienado". E ao ler as experiências terríveis de pessoas oprimidas, o leitor, elite envergonhada, se sente "conhecedor da vida real e apoiador das nobres causas". O apelo do livro não mais é a beleza ou a arte da escrita, é a pura vaidade de ler e se pensar do bem.
  Somos parte de um tempo em que a vida privada está submetida ao público. Assim, uma pessoa sensível tem de chorar em público, sofrer às claras e se indignar com exagero. A discrição, que antes indicava elegância e cultura, hoje é tida como "coisa de gente fria, sem coração". É preciso nunca perder a chance de se emocionar, de exibir o coração, de se fazer de criança desprotegida, de perder a pose. Uma celebridade pode ser um crápula, mas se apoiar a causa certa e mostrar algum sofrimento em rede de TV, pronto: ele será mais um cara do bem.
  Dalrymple mostra o começo de tudo isso com o romantismo em fins do século XVIII, o momento em que perder a sofrer passou a ser "viver". Só vive quem sofre e quem sofre é uma vítima da sociedade repressora e má. Pois no âmago de todo romântico vive a certeza de que "todo homem é bom, a sociedade é que o faz mal". Portanto, nada mais heroico que ser uma vítima, ou seja, um sofredor oprimido. Desse modo, de forma lógica, todo homem ou mulher feliz e bem adaptado seria o opressor, uma pessoa que está de acordo com a sociedade que faz dos homens seres maus.
  Estamos no reino em que o mérito é não possuir mérito. " Vejam! Sou pobre e tive câncer, sou um campeão!" Dalrymple pergunta: Campeão do que? Os politicamente corretos não percebem que ao dar tanta atenção a pessoas com vitórias normais, eles próprios admitem que nada esperavam dessa pessoa.
  Nossos artistas são aqueles que trazem o estigma de serem vítimas e não gênios talentosos. Sylvia Plath, Frida Kahlo, Modigliani, Mahler, são ícones acima de tudo por terem sofrido perseguição, doenças ou se matado. Foram vítimas antes de serem artistas.
   O mundo nunca foi tão "bom". E ao mesmo tempo nunca houve tanta violência injustificada. Ele liga os dois pontos. A liberação das mulheres, justa, abriu as comportas para a loucura do ciúmes, genético e biológico, dos homens. A glorificação do gueto, compreensível, levou ao estilo gangster como algo de desejável e sexualmente atraente. Tratar viciados como vítimas indefesas, o que nunca foram, leva a passividade do próprio junkie. Despejar dinheiro em países pobres, o que seria bom, leva a criação de uma elite corrupta e violenta. E o pior de tudo: tratar as crianças como anjos que sabem por instinto o que é melhor para elas mesmas levou à falência da educação mundial. Educar se tornou vergonha igual a oprimir e julgar é hoje um pecado sem perdão.
  Em apenas 200 páginas, Dalrymple dá uma clara mensagem sobre o prazer em ser uma vítima que tomou conta do mundo. Amamos lamber feridas em público, adoramos nos importar com os cachorrinhos sem lar e os índios sem terra. Somos todos bons, e cada vez mais, que pena, crianças e iguais.
PS: É falado sobre a mentira de que a segunda guerra foi a pior guerra da história...a maior chacina da história foi nossa....a guerra do Paraguai matou 95% da população masculina de uma país inteiro.
Mas, adoramos pensar que somos herdeiros da pior guerra da história. Toda guerra é ruim, e a segunda foi mais um crime numa história que não tem fim.
 

EM SÃO PAULO À MODA DE ORHAN PAMUK

   Escrevo agora sobre minha cidade à moda de Pamuk. Istambul NADA tem a ver com São Paulo, mas tem muito a ver...
  A ruptura em SP não se deu com a perda de um império. Foi a perda de uma ilusão. A cidade cresceu na ideia de ser uma filial europeia em meio a falta de estilo e de elegância brasileira. SP negava o Brasil. Não se pensava negra como a Bahia e nem tropical como o Rio. Também não era fechada entre montanhas como Minas e nem caipira como era o sul do país. SP sonhava ser Milano.
  Esse sonho se desfez a partir da década de 70. Os negros saíram da periferia e tomaram o centro da cidade e depois os bairros mais classe média. As favelas cresceram e então veio a imensa onda vazia que baixou sobre a cidade. SP não era Milano. Nem Napoli dava pra ser. SP era Brasil.
  Mas não é. Porque o Brasil também se "esvaziou" com SP. E se Istambul vive na tristeza de não ser Europa e não poder voltar a ser Império Otomano, o Brasil vive o pesadelo de não ser Europa ou Miami, e ao mesmo tempo ter deixado de ser Brasil.
  O que era então esse Brasil?
  Sigo os passos de Pamuk: Como ele, eu também sinto fascinação pelos restos da São Paulo de 1920 até 1960. O pouco que ainda vive de uma cidade que era dividida entre os ricos muito chiques e os pobres bem caipiras. Nesse mundo perdido, o mundo brasileiro, eu respiro em paz e feliz. E penso que todo brasileiro traz dentro de si esse ser que sente melancolia por alguma coisa que se deixou perder.
  Um mundo feito de muita preguiça, sem hora pra voltar pra casa. Mundo de botecos onde todo mundo sabia o nome de todo mundo e onde se tinha crédito na caderneta. Mundo de macumba, de igrejas em festa, de fogueira e de namoros no escuro das ruas. Rádios ligados alto, jogo do bicho, cães vadios e vendedores de bijú. Papagaios no céu, bolinha de gude e futebol de capotão. Pescarias e sono na rede. Café e bolo de fubá. Um Brasil longe do Brasil de hoje, longe da Europa e dos EUA, longe de qualquer pretensão a ser protagonista. Portanto, sem ansiedade.  
  Hoje o que vemos é um país perdido numa briga que não é dele. De um lado os PC e de outro os Reacionários. Uns querem uma ideologia de esquerda à americana, ou seja, politicamente correta e libertária; os outros querem a preservação de algo que eles nem sabem o que é: família e religião.
  Ambos não entendem que o que eles precisariam era reencontrar o modo brasileiro de viver. Entendam, modo de viver, de sentir, de querer; não falo de um isolacionismo bobo e burro, falo de alma, de costume de deixar ser. Consumir filmes americanos, rock inglês, livros japoneses, mas saboreando tudo ao modo brasileiro, o modo lânguido, meio ingênuo meio malicioso, o jeito brasileiro de ser.
  Então não me interesso por essas ruas e esses prédios que são cópias mortas de coisas de segunda do primeiro mundo. Me interesso por aquilo que SÓ EXISTE AQUI. A entrada daquela padaria ( padaria que era uma coisa que só aqui existia ), o jardinzinho daquele sobrado, os 4 andares daquele hotel derrotado e sujo, o sabiá sobre o ipê. Recantos de uma cidade que não é Istambul e não é Miami nem Sevilla. Lugares como Engenheiro Marsillac, a Serra do Mar, a Cantareira, as ruas esquecidas de Pinheiros, da Lapa, do Brooklyn ou da Vila Mariana. Ruas que só existem aqui e não em Londres ou em Montevideo.
  Meu ódio por SP é proporcional ao amor por essas ruas.