007/ KEN LOACH/ PAUL NEWMAN/ REDFORD/ CADILLAC RECORDS/ WISE

   500 MILHAS de James Goldstone com Paul Newman, Joanne Woodward e Richard Thomas
Adoro filmes de automobilismo e adoro Paul Newman, mas este filme, cheio de modernices na edição esperta e na trilha sonora pop, é uma chatura! Muito romance entre o casal central e pouca corrida. Jamais desperta o interesse. Nota 3.
   THE GREAT WALDO PEPPER de George Roy Hill com Robert Redford, Susan Sarandon e Margot Kidder
Logo após os Oscars e os dólares de Golpe de Mestre, Roy Hill e Redford voltam com este delicioso filme sobre um piloto da primeira guerra mundial que vive entre feiras do interior dos EUA se exibindo em troca de dinheiro. Redford, um Brad Pitt mais humano, exibe seu sorriso mais simpático e faz um sonhador que luta para viver como quer. O filme, comédia que acaba por se fazer amargura, é belíssimo. A fotografia é de Robert Surtees, um mestre em campos e céus sem fim. Há uma cena tristíssima com a jovem Sarandon e o fim do filme é corajoso, aberto, sem conclusão. Veja que é uma bela surpresa. Entre 1967/ 1977 Roy Hill e Redford não erraram. Nota 9.
   A BATALHA DO RIO DA PRATA de Michael Powell
Entre os 16 filmes de Powell que tive o prazer de ver, é este o único que não gostei. Fala do bloqueio feito pelos nazistas aos navios mercantes britânicos. O tom é patriótico demais! Nota 4.
   THUNDERBALL de Terence Young com Sean Connery, Claudine Longet e Luciana Paluzzi
Este, que é o quarto filme de Bond, é de todos os estrelados por Connery o menos bom. Por um motivo simples, o vilão é o mais fraco. As Bond Girls são das melhores, Luciana Paluzzi era hiper sexy e Longet fez algum sucesso na época, mas há um excesso de cenas sub-marinas e muito pouco humor. Mesmo assim, comparado aos filmes que viriam depois, é um bom filme. Nota 6.
   RATOS DO DESERTO de Robert Wise com Richard Burton, Robert Newton e James Mason
A história da resistência dos ingleses e australianos aos Afrikan Korps de Rommell. O filme é duro, forte, cruel e muito objetivo. E é muito, muito bom. Wise foi um diretor maravilhoso! Fez de tudo, desde A Noviça Rebelde até Star Trek. Sempre com fibra, sabendo como fazer e onde chegar. Feito em P/B, com o contraste entre areia cinza e céu carregado, explosões e rostos sujos, este é um dos mais bem realizados filmes de guerra que já vi. Nota 8.
   O HOMEM COM A PISTOLA DE OURO de Guy Hamilton com Roger Moore, Christopher Lee e Britt Ekland
Roger Moore tinha um sério problema, ele era frio demais, elegante demais, distante demais. Por isso, ele jamais convenceu 100% como Bond. Um cara como ele não mataria, mandaria matar. Sean Connery parecia um grosseirão assassino que aprendeu a ser fino e culto, por isso ele nos convencia sempre. Moore não, parecia culto e playboy, nunca um matador. Devo dizer que este filme, aquele do anão e da ilha na China, é ridículo. Bond cai na armadilha dos anos 70, se torna carnavalesco e auto-gozador. Britt Ekland, futura senhora Rod Stewart, foi uma suéca muito perigosa que destruiu todos seus ex-maridos ( Peter Sellers foi o primeiro ). Linda. No fim da coisa tem uma luta num quarto entre Bond e o anão ( Mr.Tattoo ), que é o ponto mais baixo de toda a saga James Bond. Nota 2.
   O CÃO DOS BASKERVILLE de Terence Fisher com Peter Cushing, Andre Morell e Christopher Lee
Sherlock Holmes é feito de ótimos diálogos e clima londrino. Isso faz de sua leiura um prazer, mas é uma armadilha para o cinema. Tudo fica falado demais, lento, meio xoxo. De qualquer modo ele melhora no fim. O elenco é ótimo, Cushing e Lee eram a alma da Hammer, da renascença do horror clássico. Nota 4.
   CADILLAC RECORDS de Darnell Martin com Adrien Brody, Jeffrey Wright, Beyoncé, Mos Def
Para aqueles que não gostam de rock ou de blues é uma perda de tempo. O filme fala da história real da gravadora Chess, desde 1941 até seu fim, com a morte de seu fundador Leonard Chess em 1966. O elenco está divino. Brody emociona e Jeffrey está impressionante, ele se torna Muddy Waters. Assim como Mos Def faz um Chuck Berry irresistível. Beyoncé produziu o filme e se deu o papel de Etta James. Ela é ótima, mas há um pouco de Etta James demais. Colorido, com as músicas icônicas que mudaram o mundo, é divertido, mas muito abaixo de seu tema. Nota 5.
   A PARTE DOS ANJOS de Ken Loach
Eu odeio aquilo que Irlanda e Escócia são hoje. Odeio aquilo que a Inglaterra é agora. Por isso me é repugnante ver esse bom filme. Esse sotaque grotesco me dá saudades da Louisiana e do Kentucky. Que jeito de falar é esse? Parece suéco ou islandês, inglês nunca! Que bem a influência latina e negra fez a lingua! Viva o inglês da BBC, com suas inflexões latinas e o inglês americano, com seu caldeirão étnico. Mas esse inglês celta, saxão, sem nada de normando, dos rincões da ilha, esse não! Dito isso...Bravo Loach! Ele é um tipo de intelectual europeu que está a desaparecer. Esquerda que crê no homem, que tem amor ao povão. Arte que mostra o mal e que aponta saídas. Ken Loach ama gente, ama o povo pobre e sem voz. Ao contrário dos artistas mais jovens, que mostram esse povo como coisa acabada e sem chance de mudança, Loach acredita em evolução, em mudança, em vitória. O filme é bem bacana ( apesar de minha aversão ). E real, bem real. Nota 6.

The Rolling Stones Play Little Red Rooster 1964



leia e escreva já!

Howlin wolf - How Many More Years [Shindig Special (Live TV May 1965)] .wmv



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CADILLAC RECORDS

   Já escrevi isso um dia e volto a repetir: A coisa mais importante do século XX não foi o comunismo, a chegada a Lua, Bill Gates, a TV ou o esporte. Se um cara do século XIX chegasse a SP, Paris ou New York agora o que mais o deixaria pasmo seria a "negritude" do mundo. Falo negritude porque não falo só do fato de muitos negros andarem livres pelas ruas. O que mais o impressionaria é que a música é negra, o design é africano e principalmente, falamos, caminhamos, nos vestimos e gesticulamos como negros. Este filme, que NÂO é um bom filme, vai te ajudar a entender isso.
   Eu adoro Fred Astaire. Amo Cary Grant e John Wayne. Mas ninguém no mundo de hoje anda, fala e vive no mundo de Astaire, Cary e Wayne. O mundo desses ícones é o de 1941 por exemplo. E este filme começa em 1941. E começa numa plantation no Mississipi e Muddy Waters está lá. E aquele negro caipira, com seu violão é um homem de hoje. Coisa que Astaire não é.
   A história da Chess Records é conhecida por qualquer um que saiba o que seja Rock. Leo Chess, judeu polonês, pobre, pega Muddy e o grava. O resto é lenda. Muddy lança a base do som rock e Little Walter a atitude auto-destrutiva do rock star. Eles falam como Keith Richards e tocam como Jimi Page ou Jack White. Ganham alguma grana e bebem demais.
   O filme foi produzido por Beyoncé. E ela exagera um pouco em seu papel de Etta James. Tem Etta demais e Chuck de menos. Mos Def faz Chuck Berry. O cara que uniu Muddy ao country e inventou assim Elvis e os Beatles. Mos Def faz Chuck melhor que o próprio Berry.
   A melhor cena do filme é aquela em que Chess descobre um cara chamado Howlin Wolf. Cedric the Entertainer faz Wolf. O cara mais honesto-simples-forte e durão do blues. Suas cenas são do balacobaco e ele merece um filme só pra ele.
   Eles, diretora, produtora, atores, amam o blues. A gente percebe isso no filme. Mas tentaram contar coisas demais. Até a chegada dos Stones na Chess para gravar umas faixas em 1964 eles botaram ( e a cena é ótima ). " Esses branquelos magricelos são espertos".
   Ao ler a bio de Keith a gente percebe que ele passou toda a vida imitando Muddy, Chuck e Wolf. Ser chamado de black seria o maior elogio possível para Keith. E ele é, ele chegou lá. O povo que não gosta de Keith é o mesmo que não escuta black music. Ele é preto. E esse processo todos nós vivemos, em maior ou menor grau. Somos apaixonados pelo som, pela ginga, pelo improviso, pelo espírito voodoo.
   Veja o filme e entenda do que falo.
    PS: Quando Howlin Wolf morreu em 1976 ele estava tão falido que não havia dinheiro para seu enterro. Eric Clapton pagou o funeral e a lápide. Nada mais justo. Wolf é o homem que o fez nascer.

O MAIS ATUAL CINEASTA DE 2013 ( INFELIZMENTE )

   A revista Bravo! fala o óbvio: todo diretor de "arte" de 2013 tem paixão por Godard. Pffff...temos um cinema todo auto-consciente, frio, distanciado, godardiano. Câmera na mão, cenários naturalistas, atores desglamurizados, tempo pego na sua fruição, o Agora e o Aqui. Até mesmo o estilo fotográfico é aquele de Raoul Coutard, o câmera de Jean-Luc. Uma pena....Eu gosto de Godard por ele ter sido o primeiro a fazer o cinema de Godard. Mas essa obsessão de 2013 me cansou a muito tempo. Eu preferia que a influência fosse de Max Ophuls ou de René Clair, para citar só os europeus. Mais beleza e menos crueza.
   Casablanca foi eleito o melhor roteiro do cinema. Antes que as crianças reclamem de não ser Homem de Ferro ou Cisne Negro, eu lembro: Existe filme com mais falas citadas em outros filmes? Quando voce vê ou revê Casablanca fica surpreso, cada linha de diálogo é conhecida de "algum lugar". Mais que isso, o roteiro criou o ambiente clássico de "covil de traidores", uma galeria de tipos inesquecíveis e um final trágico-irônico que ainda mantém seu frescor. Eu penso que Bogart-Rick Blaine na verdade nunca amou Ingrid Bergman. É o roteiro dos roteiros. E um bom roteiro my dear, é acima de tudo um compêndio de cenas que não se esquece e de falas que serão citadas.
   Um amigo pede que eu indique um bom filme em cartaz para ele ir ver. Vixi! Deus me livre! Melhor guardar a grana e esperar pelo novo Alexander Payne ou Joel Coen.
  
  
  

SUMARÉ, SÊNECA E VOLTAIRE

   Do meu bairro eu podia ver os altos do Sumaré. A antena da Tupi ( ou seria da Cultura? ) que mandava para minha casa a misteriosa imagem da TV. Eu achava que dentro do aparelho moravam pequenos homens, e que nas válvulas se condensava o cenário. Era maravilhoso ver o técnico arrumar a televisão.
   Às vezes eu ia ao Sumaré. Velhinhas cruzavam a rua. Nas janelas de suas casas, velhinhas olhavam a rua. E fazia sempre frio. Vento. Garoa. A gente ia na igreja de Nossa Senhora de Fátima, onde fui batizado. Sim, fui batizado e ainda acho, institivamente, um absurdo uma criança civilizada não ser batizada. Batismo é entrar na civilidade. Na Minha civilização.
   O bairro continua a ser um conjunto de ladeiras. E a ter suas pequenas velhinhas cruzando a rua. O ar tem muito de folhas verdes e de sombra. E há um silêncio que traz calma e também memória. Ao contrário do Morumbi que morreu ou do Itaim que se travestiu, o Sumaré continua vivo. Vento no alto do morro e a vista da cidade longe.
   Andando sinto a mão de minha mãe pegar a minha enquanto atravesso a rua. E a de meu pai me dando saudade. Eu briguei muito com ele. Eu briguei muito com todos aqueles que amei. Ainda brigarei mais. Fotografo as velhas casas. Eu ligo pra elas. Elas estão aqui pra vida.
   Sêneca disse que a vida não tem valor. Que a vida é um caminho sem valor em si. Que ao viver criamos seu valor, bom ou ruim. E que a vida só vale se for plena. Ela dura aquilo que vivemos. Viver não é uma benção e não é uma maldição. Depende. Certos bairros são vivos por terem duração. São diferentes e históricos. Existem como testemunhos. Para mim.
   Sêneca é um dos mais claros espíritos que o mundo viu. E eu continuo a andar. Uma feira. O cheiro dos legumes e das frutas. Cachorros me cheiram. Eles sempre sabem que sou um deles. Uma escola. Vozes de adolescentes. Eu sei que ainda serei sempre um deles. Como eles me percebem?
   A sombra some e eu sinto uma nova verdade. Sumaré ainda está aqui. Bom de andar. bom de tomar café e bom de olhar. Detalhes em detalhes: uma rachadura, uma flor, um enfeite no jardim. Casas com jardim. Um absurdo uma casa sem jardim. Casa sem jardim não é casa. Civilidade necessita de jardim. Como falava Voltaire, cultivemos nosso jardim.
   Estou cansado do romantismo. Chega de originalidades! Chega de novidades! Quero o bem feito, o hábil, o saber fazer. O prazer daquilo que é bonito. Chega de romantismos!
   Clássico Sumaré. Sem grandes emoções. Correto.
   Uma velhinha cruza a rua.

SOPHIA LOREN/ BILL MURRAY/ DASSIN/ BORZAGE/ ZINNEMANN/ HENRY KING

   UM FIM DE SEMANA NO HYDE PARK de Roger Michell com Bill Murray, Laura Linney, Samuel West e Olivia Colman
Que filme esquisito!!! Fala de um final de semana em que o rei da Inglaterra vem aos EUA com a rainha a fim de visitar o presidente Roosevelt. O rei deseja convencer os EUA a entrar na guerra. Adendo histórico: até então a politica americana era toda isolacionista. O país pouco ligava para a Europa. É aqui que o mundo muda e a América passa a se envolver com o planeta. O encontro é cômico. Roosevelt os recebe na casa de sua mãe, no campo. A realeza é abrigada em quarto comum e vão a pic nic. Esperteza de Roosevelt, assim a opinião pública americana, que odiava reis e Europeus, passa a ver o rei como "gente". O filme é esquisito por ser um  misto de drama e comédia, poesia e arte. É bonito de ver e tem ótimas atuações. Murray tem aqui seu melhor papel. Faz um presidente humano, simpático e mulherengo. Ele mantém um harém ao seu redor. O ator Samuel West faz o mesmo rei que Firth fez no ótimo Discurso do Rei. West está excelente. Hesitante, assustado, reprimido. Uma das amantes de Roosevelt morreu aos 100 anos e foi só então que encontraram esta história com ela. O filme é contado por seu ponto de vista. Aviso que ele começa meio chato e de repente te pega. Nota 6.
   O ÍDOLO DE CRISTAL de Henry King com Gregory Peck e Deborah Kerr
Uma chatice sobre Scott Fitzgerald e sua namorada Sheila Graham. Peck, que não está mal, bebe e bebe e bebe. Kerr é a amante que tenta o salvar. O filme é flácido, embolado, tolo. Nota 1.
   O CASTELO SINISTRO de George Marshall com Bob Hope e Paulette Goddard
Sátira aos filmes de horror. Tem um belo clima e é agradável. O humor de Hope envelheceu mal, o filme é alegre mas não nos faz rir. Dá pra ver. Nota 5.
   UMA AVENTURA EM PARIS de Jules Dassin com Joan Crawford, John Wayne e Philip Dorn
Assisti a caixa com seis filmes sobre a segunda-guerra. Dois deles são tão ruins que não consegui ver. Portanto não falo deles aqui. Este é bom. Mostra a Paris ocupada. Wayne é um piloto que tenta sair da cidade. Crawford ama um 'traidor". Dassin se tornaria depois um diretor maravilhoso. Aqui ele entrega um filme que se deixa ver. Há um belo suspense ao final. Nota 6.
   TEMPESTADES D'ALMA de Frank Borzage com James Stewart e Margaret Sullavan
Este é quase uma obra-prima. Na Alemanha, no começo do nazismo, vemos uma familia ser destruída. Filhos se tornam nazistas, crêem em Hitler e passam a perseguir amigos e vizinhos. Há um pai que é expulso da faculdade onde dava aula e acaba morto em campo de concentração. Stewart, sempre ótimo, é um vizinho que foge do país. Ele volta para salvar sua namorada. O final é bem triste. É um lindo filme. Borzage foi um dos grandes diretores do começo do cinema falado e do fim do silencioso. Nota 8.
   HORAS DE TORMENTA de Herman Shumlin com Bette Davis e Paul Lukas
Roteiro de Dashiell Hammet baseado em peça de Lillian Hellman. Paul Lukas ganhou um absurdo Oscar de melhor ator, batendo Bogey em Casablanca. O filme se passa na América e fala de refugiados. Lukas é um guerrilheiro anti-fascismo que é chantageado por canalha. O filme tem cena forte em que o canalha é morto a sangue-frio. Mas está longe de ser um grande filme. Nota 5.
   A SÉTIMA CRUZ de Fred Zinnemann com Spencer Tracy
Zinnemann sabia do que falava. Ele acabara de fugir do nazismo quando fez este filme. O futuro de Fred seria brilahnte: Julia, Um Passo Para a Eternidade, Matar ou Morrer... Tracy foge de campo de concentração com companheiros e tenta sobreviver. Todos são pegos e executados, ele não. Um achado do filme é mostrar sua reumanização. Algumas pessoas lhe ajudam e ele vai recuperando a fé nos homens. É um belo filme. Nota 6.
   A CIDADE DOS DESILUDIDOS de Vincente Minelli com Kirk Douglas, Edward G.Robinson, Cyd Charisse e Dahlia Lavi
Kirk é um ex-astro que está em clínica psiquiátrica. Tem alta e volta a ativa, Vai a Roma fazer filme com diretor americano decadente. O filme é tétrico. Todos são fracassados, destrutivos, amargos e vazios. Minelli via que seu tempo passara e faz um tipo de auto-retrato cruel. Estranho porque ele sempre foi um diretor amado pelo sistema que ele cospe em cima. Nota 3.
   JOÃO E MARIA CAÇADORES DE VAMPIROS de Tommy Wirkola com Jeremy Renner
Já esqueci deste filme. É um samba do crioulo doido. Se passa na idade média mas tem metralhadoras e roupas à Matrix. Eles NÂO caçam vampiros, são bruxas! Nota 2.
   SUAVE É A NOITE de Henry King com Jennifer Jones, Jason Robards e Joan Fontaine
Henry King novamente no mundo de Fitzgerald. É o último trabalho deste grande diretor. Robards faz o Dr. Diver que se destrói ao salvar Nicole da loucura. O filme se passa entre os muito ricos, hedonistas, futeis. A tragédia de Diver é lutar contra esse mundo, não aceitar o dinherio de sua esposa muito rica. O filme passa longe do romantismo de Scott, mas tem alguns momentos belos, fortes. Bons atores. Nota 7.
   PENA QUE SEJA UMA CANALHA de Alessandro Blasetti com Sophia Loren, Marcello Mastroianni e Vittorio de Sica
Marcello é um taxista. Sophia uma ladra e Vittorio o pai que rouba malas na estação de trens. Apesar de ser sempre feito de trouxa por Sophia, Marcello não consegue a odiar e cai irremediávelmente em suas artimanhas, sempre. O filme é alegre, leve, bom de ver. Atinge magnificência no trabalho dos atores. Sophia, muito jovem, está linda e atua de modo tão fácil, tão prazeroso que faz com que sua arte pareça a coisa mais simples do mundo. O esforço é o que diferencia o talento do gênio. O talento demonstra esforço, o gênio faz o grande com facilidade, como a brincar. Sophia é genial. Assim como Marcello. Que estupendo bobo é esse taxista! Ele passa todo o filme resmungando contra Sophia, tentando se livrar dela, mas sempre volta, vencido, ingenuo, absurdo. Amamos Mastroianni. E há De Sica, o malandro veterano, playboy, fino e mentiroso. O filme mostra uma Itália onde todos são ladrões e todos são feitos de bobos por uma bela mulher. Verdade? Nota 7.

GOETHE, SUA CONCLUSÃO

   Goethe viveu muito. E se hoje ele está fora de moda é porque nós estamos longe e muito longe de seu mundo grande. Ele foi o último a naturalmente unir arte e ciência, mito e razão, romance e filosofia. Se interessou por tudo, foi clássico e foi romântico. Do teatro a botãnica, da física a magia, de poesia a história. E acima de tudo, si-mesmo. Um egoísta que usou amores e amigos em função de sua arte.
   E no fim da vida, aos 83 anos, eis a brilhante conclusão de Goethe...
   O Mundo é a ação permanente do Deus-natureza.
   De dissolver em espírito a matéria
   E conservar para sempre, como se fosse matéria
   Os produtos do espírito.
  
   Todos somos carne, mas nem todos produzem espírito.

O ILUMINISMO E A REVOLUÇÃO POR CARPEAUX, AFINAL QUAL É A TUA?

   Um dos mistérios benditos do mundo: Porque o homem não consegue, não pode se acomodar? Uma pessoa tem de ser muito imbecil para gastar toda a vida numa fé estática. Sim, esse é o credo do romantismo, do pré-romantismo ( que nada tem de romantico ) e do iluminismo também. São 3 modos de pensar que se negam, se chocam, mas que, como bem o prova Carpeaux, se complementam. Não haveria um sem a existencia do outro.
  O iluminismo é racional. Portanto ele escreve em regras bem claras e definidas. O texto é limpo, nada de emoção desregrada. O bom gosto manda. É aristocrático, dirigido a nobres. Contradição: Nunca é conservador, é revolucionário, porém se expressa em formas rígidas e antigas. No iluminismo, que é o classicismo, não se pensa em gênio, em inspiração ou em originalidade, se pensa em termos de clareza, elegãncia e saber fazer. Aqui é preciso cultura.
  Tudo muda no universo do pré-romantismo. Surge a ideia do gênio, da súbita inspiração. Para isso não é mais necessário ter um saber, é preciso ser um escolhido, um gênio. A obra deve ser original, emocional, imperfeita, diferente, única. Estranho, são obras esquisitas feitas com fins conservadores. Tudo aqui é passado, criação de mitos, convulsões íntimas, isolamento.
   Otto Maria Carpeaux demonstra, neste que é seu melhor livro da série, todos os fatos históricos que contribuíram para essa mudança. Um ato como o de Richardson, que esnobou o apoio de um mecenas nobre para poder escrever para as massas, mostra essa mudança com clareza. As novas religiões influenciando a formação de países ( a Alemanha luterana, país onde na vida politica tudo é regra e ordem e na vida cultural tudo é liberdade e criação ), a calma e prática Inglaterra, com a religião anglicana ditando um modo de ser em que tudo se arranja sem grandes traumas, e a França calvinista, com a dúvida fazendo parte da própria fé. Sobre todas essas forças inconscientes, a nova burguesia, com seu desprezo a escritores e religiosos, poetas e andarilhos, gente que não produz coisas que se vendem, pior que isso, gente que não os respeita. Desde então ( 1750/ 1800 ) se institui essa briga entre o mundo burguês, materialista, produtivo, trabalhador, e o mundo aristocrático da arte, imaterial, não produtivo, atemporal. Essa briga, que nasce aqui vive até o modernismo ( 1920 ), hoje se percebe que a arte de certo modo capitulou.
   Otto relembra o fato de que até o iluminismo cientistas eram artistas. Galileu ou Bacon eram grandes escritores, e ao se fazer uma máquina de fábrica ou uma usina se pensava em beleza e harmonia.  A máquina tinha enfeites, arabescos, beleza "inutil". É aqui que se dá a separação entre arte e ciência, o homem de ciência pouco se preocupando com a escrita ou com o belo. As fábricas se tornam galpões horrendos, as mãquinas mecanismos monstruosos. O pré-romantismo se ergue contra isso, dái seu passadismo, sua saudade.
   Shakespeare como o conhecemos nasce aqui. Ele é traduzido para todas as linguas e se torna o Gênio, o mito a ser seguido, o homem sem regras, sem freios, sem grande cultura que criou magia a partir do nada, o homem que foi pura inspiração. Um mito claro, mas o romantismo ama os mitos, crê neles e jamais no óbvio. O óbvio não é arte, não é vida e nunca será novo.
   Carpeux desenterra nomes meio esquecidos: Shaftesbury, Galiani, Vauvenargues. Todos grandes otimistas que acreditaram na nobreza do homem, na contínua evolução do mundo, não pela ciência e técnica, mas sim por ações baseadas em bondade e coragem. Esses nomes, melancólicos ativos, tristes otimistas, tiveram uma influência continental em seu tempo, foram centro de debates, mudaram a vida.
   É claro que Otto fala de Rousseau, de Voltaire, Jane Austen, Schiller, Sterne, Fielding, Defoe, Goethe, Vico, Choderlos de Laclos, nomes centrais, conhecidos até este século, reeditados ao infinito. Mas é nos pequenos casos, nos nomes outrora grandes e agora esquecidos que reside a magia deste belo livro.
   E fica uma lição: A arte só voltará a ser protagonista quando ela voltar a ser 100% arte. Quando ela deixar de cortejar a ciência e o trabalho e retornar a sua condição de aristocrata, de vagabunda, de religião sem igreja e principalmente de cultora do belo e do inutil.  Enquanto não renascer essa coragem, que ridiculo, continuaremos a a ver essa arte que cultua o útil, o esforço e o ser como todos são.

SUAVE É A NOITE- F.SCOTT FITZGERALD, A MELANCOLIA DA JUVENTUDE

   Assisti ontem pela primeira vez o filme de Henry King baseado no livro de Scott Fitzgerald e fico pasmo. O filme erra todo o tempo, é Fox de cabo a rabo, último filme da longa carreira de King que já estava cansado. Mas o livro é tão bom que mesmo assim o filme tem sublimes qualidades. Uma melancolia ácida na história do psiquiatra que se apaixona por sua paciente milionária e tem sua vida destruída por ela. Os dois se amam sempre, mas são infelizes all the time.
   Li o livro a mais de vinte anos e nunca o esqueci. É melhor que Gatsby. Nicole fez com que me apaixonasse por ela. E o Dr. Diver nos cativa. Fitzgerald perseguiu ávidamente a genialidade. Sua meta era o sublime e na verdade ele jamais o tocou. Ele tinha uma ambição maior que seu talento e essa é a maior maldição que um escritor de talento pode sofrer. Ele se media com Tolstoi e Stendhal, mas seu dom, grande e belo, era da altura de Huxley ou de Hesse. Grande, nunca genial. Isso fez com que Scott desenvolvesse uma melancolia persistente, derrotismo suave, uma doce dor de ser jovem e já desencantado. A América amou e ama essa imagem. O jovem rico e belo que se perde.
   Era um romântico sem fé e um idealista sem coragem. E escrevia bem. Muito bem. Todas as primeiras cem páginas de Suave é a Noite são brilhantes. Ele nos faz sentir tudo aquilo que ele sente diante de suas criações. Que não são tão "criadas" assim. Não é preciso dizer que temos aqui a reescrita de sua história com Zelda. Se há hoje um culto a memória de sua esposa louca, injustificado, isso se deve a habilidade que Scott teve em fazer dela um personagem irresistível. Algumas doidas dizem que ela tinha mais talento que o marido. Qual a prova?
   Fitzgerald teve um doloroso insight: Percebeu que a América amava sua juventude. Que seu mundo era apaixonado por beleza juvenil, festas, dinheiro e glamour. Mas que essa juventude seria sacrificada nos altares do paganismo moderno. Eles seriam o tributo pago aos deuses. E foram. Daí sua melancolia. Afinal, Heminguay se tornou um patético drunk, Wolfe morreu jovem e ele e Zelda sofreram em alcóol e clínicas caras. Todo o espetáculo dado por astros das telas e reis do rock, seus pesadelos via telas e rádios, foi pressentido por Scott. Carne jovem e bela no altar da América.
   O Dr. Diver caminha firme e decidido rumo a destruição. Fácilmente ele poderia mudar seu destino. Não muda. Alguma coisa quebra dentro dele, alguma coisa que na verdade sempre esteve para quebrar.
   O filme tem glamour, glamour quadrado que às vezes se solta e voa. O livro é maravilhoso. Vinte anos e zilhões de livros depois ainda não o esqueci. Fitzgerald...a vida é isso não é? Um momento de beleza e um infinito de dor e de lembranças...

BAUHAUS E SHOPPING CENTER

   No SESC Pinheiros tem exposição da BAUHAUS. Quando Gropius e seus amigos criaram a coisa no início do século XX tinham otimismo na alma e criação a espalhar pelo mundo. Uma usina de design, coisa hoje tão vulgarizada. Livraram as casas de paninhos, tapetões, veludos, mil cortinas, arabescos. Mataram o lar vitoriano, tipo de decoração que insiste em renascer. Erraram na sua fixação pelo concreto armado, mas seus tubos de aço, vidro, muito branco e espaços livres são must até hoje. E ainda agregarm em seu time Kadinsky, Klee e Mondrian, os mais elegantes artistas plásticos da época ( de todas as épocas? ).
   Indo a um Shopping após a exposição tive uma ideia.
   O homem tem uma ansiedade por beleza. Não cabe aqui dizer porque ( tenho uma tese ), mas ele, em toda a história, sempre esteve procurando viver, produzir, idealizar coisas belas. Coisas que lhe dessem a sensação de equilíbrio, harmonia e direção. Claro que não estou falando do sublime, passo seguinte a beleza, falo do belo cotidiano. Vejam, em nosso mundo o belo simples, livre, do dia a dia nos foi roubado. Essa beleza, consciente a todo homem, havia nas flores da primavera, nos pássaros, no sol se pondo, nos rios, nas colinas. Depois foi produzido em festas populares, nas catedrais, nos monumentos e nas praças das cidades. Dificil encontrar essa belezas em SP. Well.... Cruzo uma menina no Shopping e vejo seu olhar brilhar na vitrine de uma loja de sapatos. Beleza! O belo!!! Um relógio é belo. Assim como um paletó bem cortado, um sofá ou uma jóia. Um carro tem beleza. São nossos sóis se pondo.
   Encontrávamos essa beleza perdida também no cinema, mas ele se recusa a ser belo. Um filme bonito é o pior dos pecados para os inteligentinhos. Assim como não mais se pode fazer música meramente bela. A beleza fica reduzida a produtos, a objetos de desejo, a aço e plástico que brilha em harmonia, que parece calmo, correto e com sentido.
   Se a natureza foi exilada e as ruas nada mais têm de idilico, o que nos resta a apreciar são as vitrines que exibem a fina construção da beleza.

DONOVAN, A FLOWER IN THE GARDEN



leia e escreva já!

DONOVAN



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FERRAGUS- HONORÉ DE BALZAC

   Existem alguns autores, poucos, que são uma literatura completa. Desse modo, ler Tolstoi é como ler todo um capítulo, longo, da história do romance mundial. Se voce ler as quatro principais obras de Tolstoi e mais nada em toda a vida, voce poderá reinvidicar conhecimento em romance e em literatura mundial. Conhecer Tolstoi equivale a ler centenas de bons escritores. É assim com muitos poucos. Romancistas tão grandes, livros tão infinitos que os conhecer aumenta nossa alma, estica a nossa inteligência, dá sabedoria a nossa leitura. Depois deles voce lê melhor.
   Balzac é assim. Ler Balzac é ler toda uma literatura. Mais que isso, ele é inexplicável. Como podemos explicar um homem que escreveu sempre para tão apenas ganhar dinheiro, pagar suas contas, e que mesmo assim fez arte absoluta? Como desvendar um autor que escreveu como máquina, dezoito horas por dia durante dez anos, mais de 80 livros publicados, e que mesmo com essa produção industrial conseguiu ser único? Veja o caso de Ferragus...
   Publicado em capítulos, no jornal, virou febre em França, um tipo de novela das oito em papel. Balzac escrevia com essa intanção, a de vender, e conseguia sucesso. A história fala de ciúmes, de medo, de vingança e sempre de amor. Uma sociedade secreta, gente rica e gente pobre. Ladrões e nobres. E Paris. A cidade é o grande personagem. E como escreve Balzac!!!! Vielas e boulevares, casas sórdidas, palacetes, a lamacenta, fétida, imunda cidade. Putas, bêbados, loucos, devassos, jogadores. Becos para se perder, a cidade que Balzac odeia, e ama, e não se cansa de descrever. Gênios vivem lá e diabos.
   Balzac é diabólico! Me vejo doido para voltar pra casa e ler. Seus personagens nos capturam! Queremos ler sobre eles, conhecê-los cada vez mais. Flanar com eles. As páginas correm. Cores diante de nosso olham. Balzac pinta, faz música, narra e descreve. Seu estilo é a mescla de romance e realismo, de verdade e fantasia. Ele serve o prato completo. Domina sua arte, sabe tudo, sua escrita não tem limites.
   Que escritores passam essa impressão? O dom soberbo de tudo poder escrever, de poder criar milhares de personagens, todos individualizados, todos de verdade. O poder de dar cenário a cada página, de nos fazer ver, escutar e principalmente, querer prosseguir querendo mais e mais. Sensual Balzac, nos pega pelos sentidos.
   Eu admiro Henry James e amo Cervantes, mas Balzac me dá prazer, puro prazer, absoluto prazer. Eis um autor que pode te curar de uma ressaca de más leituras, de páginas mal escolhidas, de indicações da moda.
   Como ocorre com todo grande autor, Balzac é uma prova: Não gostar dele é revelar ao mundo e a si-mesmo a ignorância de um mal leitor.
   Devoro o gênio francês.

MASTROIANNI/ SOPHIA/ 1941/ JOSH BROLIN/ ANTHONY QUINN/ DEANNA DURBIN

   GI JOE, RETALIAÇÃO de Jon M Chu com Channing Tatum e Dwayne Johnson
A equipe é traída pelo governo. Aquelas coisas, voce disfarça a patriotada com alguns politicos "do mal". O enredo é primário, mas a ação é bem ok. Dá pra ver sem se irritar. Depois de dois minutos terminado voce não lembra de mais nada. Não é exatamente isso que o povo quer? Nota 3.
   O PREÇO DE UM COVARDE de Andrew V. McLaglen com James Stewart, Dean Martin, Raquel Welch e George Kennedy
Martin é um ladrão. Pego pelo xerife é salvo da forca pelo irmão, Stewart. O xerife, que é um puritano, os persegue pelo deserto. Os bandidos levam Welch com eles, como refém. Stewart e Martin formam um boa dupla. Um já velho e bom moço, o outro amargo e rebelde. Concordo com Tarantino, Dean Martin foi um ator subestimado. O filme é legal e de todos os westerns de McLaglen que vi, diretor que erra muito, é o melhor. Bela diversão! Nota 7.
   1941 de Steven Spielberg com Dan Akroyd, John Belushi, Toshiro Mifune
É o filme que quase destruiu a carreira de Spielberg. Caríssimo, foi um hiper fracasso de bilheteria e de crítica. É um comédia histérica e muito sem graça. O humor parece aquele de meninos de 11 anos. Mais que grosseiro, ele é bobo. Bons atores são desperdiçados e atores ruins ganham papéis grandes. Após os sucesso de Jaws e de Close Encounters, Spielberg se dava mal. ET seria sua salvação na sequência. Fuja!
   UM RAIO DE SOL de Henry Koster com Deanna Durbin, Charles Laughton e Robert Cummings
O maravilhoso ator inglês Charles Laughton faz um milionário que está morrendo. Seu filho apresenta uma desconhecida como sua noiva ( ele não encontra a noiva verdadeira que está fazendo compras ). O velho se apaixona pela falsa noiva. O filho precisa manter a farsa. Henry Koster, o diretor do sublime Harvey, faz aqui aquilo que fazia melhor, filmes para se sentir bem. Tudo é artificial, falso, ingênuo? Que bom! Porque não podemos crer em nossa própria ingenuidade? Durbin foi a atriz que salvou a Universal da falência nos anos 30. Aqui, adulta, ela exibe sua leveza etérea de sempre. O filme é uma delicia. Nota 7.
   A 25# HORA de Henri Verneuil com Anthony Quinn e Virna Lisi
Quinn faz mais uma vez Zorba. Impressionante! Não conheço caso de ator que ficou mais preso a um grande papel. Após 1964, quando fez Zorba, Quinn passou trinta anos fazendo variações sobre Zorba. Aqui ele é um romeno que na segunda guerra é confundido com um judeu. Vai preso. Depois o confundirão com várias "raças" até que ao final vai a julgamento como um nazista!!! O filme é tão improvável, tão absurdo que se torna até cômico. Uma bobagem gigantesca. Ah! No começo Quinn dança! Como Zorba, claro! Nota 4.
   SOLARIS de Andrei Tarkovski
Poucos filmes mexeram tanto comigo. Ele me deixou muito introspectivo, triste, me sentindo isolado. A verdade é que me identifiquei com o personagem central. O filme fala das coisas que mais me absorvem: tempo, memória, amor e imaginação. É um filme chato, preciso dizer isso. Mas que consegue nos dar alguns momentos de beleza sublime. Romântico então, verdadeiramente romântico. Nota 9.
   CAÇA AOS GANGSTERS de Ruben Fleischer com Josh Brolin, Ryan Gosling, Sean Penn e Nick Nolte
Pessoas que nada entendem de filmes falaram que este era um film noir. Onde? É um filme de gangster! O filme noir tem um homem sózinho, confuso, tentando desvendar um mistério. O filme de gangster, que foi criado em 1930 com Scarface e Public Enemy, fala de grupo de tiras lutando contra uma organização criminosa. É este o caso. E devo falar que é um bom filme. O roteiro é bastante fraco mas ele é salvo pela direção cheia de ritmo e sem frescuras de Ruben. Josh Brolin é perfeito. Tem voz e rosto de homem, passa a sensação de verdade. Já Ryan está no filme errado. Parece um menino vestido com o terno do pai e fumando escondido. Sean Penn imita De Niro em seus piores dias. Parece Dustin Hoffman em Dick Tracy. Mesmo assim este filme, de visual lindo, diverte e nunca cansa. Um adendo: Que época é esta em que vivemos? Cenas de violência são mostradas em detalhes pornô e cenas de sexo são feitas com lingerie e puritanismo. Why? Porque sexo só pode existir em filme "doentio"? Sempre vindo em embalagem de mal, de distúrbio e de doença? Porque seios, bundas e pênis nunca surgem em filmes alegres, leves e pop? Mas corpos dilacerados e sangue jorrando podem? Welll....Dito isto, este filme vale um 6.
   UM DIA MUITO ESPECIAL de Ettore Scola com Sophia Loren e Marcello Mastroianni
Quase um milagre. Scola consegue fazer um filme tristíssimo que não entristece. Um filme hiper dificil que nunca aborrece. Um filme tipo teatro que não parece sufocar. Ele se passa em dois apartamentos e a trilha sonora é feita pelos sons do dia em que Hitler veio visitar a Itália de Mussolini. Sophia é mãe de filhos fascistas e tem um marido do partido. Marcello é um homossexual que foi expulso do trabalho por não ser " marido, pai e soldado". Os dois se conhecem e uma mudança acontece nela. Ou não? Scola dirige com uma delicadeza exuberante. Toda cena é suave, dolorida, desbotada. Nos assustamos com um fato: Como pode aquilo ocorrer? Todos, alegremente fascistas, comentando a beleza de Hitler, a sabedoria do Duce. Bem, falo agora dos dois atores. Sophia é uma grande atriz. Nas cenas finais ela comove em sua derrota. Ela está vencida, presa, humilhada. Mas é Marcello que atinge o sublime. Nunca assisti um retrato tão perfeito de um homossexual. Em cada movimento de suas mãos, de seus olhos, percebemos sua homossexualidade, sem caricatura, sem exagero, sem nada de ofensivo, natural. Quanta melancolia naquele homem, quanta raiva muda. Lembro que em 1977 ele concorreu ao Oscar e o perdeu para Richard Dreyfuss em The Goodbye Girl. Dreyfuss estava ótimo, mas isso aqui é histórico! Um belo filme. Nota 8.

CONFISSÕES- W. SOMERSET MAUGHAM

   Memórias do famoso autor inglês escritas quando ele tinha sessenta anos. Ainda viveria mais vinte, vindo a morrer em 1965. Não espere encontrar a intimidade do autor aqui. Ele quase nada fala de sua vida física. Estas memórias são espirituais, estando assim próximas daquilo que Montaigne e Rousseau escreveram. Maugham fala de seus livros e de suas peças. Dá muitos conselhos e percebemos o ressentimento que ele tem em relação a crítica. Crítica que jamais lhe deu o valor devido.
   Maugham foi um autor de imenso sucesso popular. Seus livros e suas peças fizeram dele um homem rico. E muitas obras ainda se tornaram filmes bem sucedidos. Nascido inglês, ele passou seus primeiros sete anos na França, seu pai era do corpo diplomático. Quando seus pais morreram foi para a Inglaterra, onde foi educado por um tio, severo, frio e religioso. Maugham jamais se sentiu confortável em seu país. Suas influências são francesas, Maupassant e Flaubert, e seus favoritos também, Stendhal e Balzac. Já adulto, ele irá estudar na Alemanha e sua vida será feita de viagens. Os Mares do Sul foram sua viagem mais importante.
   Algumas estocadas que ele dá em ingleses são certeiras. O fato de que eles pouco se interessam por sexo e que têm relações sentimentais e nunca apaixonadas. Ingleses gostam de lembrar de seu canto, gostam de manter uma quente amizade, mas são incapazes de arroubos românticos. Sexo é uma desagradável obrigação. São comerciantes, povo feito para o ganho monetário, sem a poesia de alemães e o dom hedonista dos latinos. Se isso é verdade ou puro ressentimento não cabe a mim dizer, o que posso falar é que sua literatura é realmente marcada pelo "bom-tom" e uma falta de sexualidade vibrante. Falam de bons e velhos tempos, do campo e da escola, de amor espiritual, mas raramente contam abertamente casos de pura luxúria ou de tara. Mesmo nos liberais anos de 1970, suas descrições "apimentadas" sempre soam falsas ou pior, violentamente culpadas. É uma literatura insuperável na arte de descrever a natureza, de contar a infância, de lidar com aventura, mas não consegue ser filosófica ou carnal.
   O melhor de Maugham são suas descrições de suas leituras de adolescência. A aventura de um novo livro, a emoção inesquecível. São páginas em que me vi. Mas devo dizer que não é um grande livro. Maugham enrola, estica, pula, edita, acaba por fugir.
   Um tímido. Ele fala que gosta de estar só, apenas a observar a vida. Pena que aqui ele apenas flutuou pelos temas, sem os tocar e arranhar.
   

ABAIXO O MUNDO REAL, LUCIA GUIMARÃES, ONTEM NO ESTADÃO

   Ela escreveu um texto que saiu ontem no Estado. Assustador. Descreve uma propaganda do Facebook. Uma reunião de familia em que uma Parente, Velha, Gorda e Feia fala sem parar. Enquanto isso uma Adolescente, Magra e Bonita, em seu Face, dá as costas a velha e a ignora com solos de bateria, guerra de bolas de neve, imagens na tela do PC que são MAIS REAIS QUE A REALIDADE.
   A mensagem que Lucia Guimarães percebe: Celebremos a autoabsorção no eu. O desprezo pela refeição comunal, o desprezo pelos feios, o desprezo pela realidade, o mundo belo e sem perigo da virtualidade. O veredito foi dado: O mundo é feio, velho e deprimente. Voce só pode ser feliz no Face. Lucia recorda a missão oficial que o hiper-fascista Zuckerberger ( hiper-ressentido com a natureza, diria eu ) advogou em seus começos: Dar poder as pessoas para tornar o mundo mais aberto e conectado. Hahahahahaha! Lucia fala que nesse mundo feliz do Face conversar com alguém que está a sua frente é pura perda de tempo. Cool é desprezar o que não é cool. É um tipo de escapismo não-romântico, sem risco, sem o sublime, previsível e controlado. A solidão, estado em que podemos criar e refletir, fica abolida. Lucia descreve estudantes do campus onde o terrorista de Boston estudava. Esses estudantes, ANTES de pensar em entregar o assassino, apagaram todas as pistas virtuais dos PCs do rapaz. O mundo real NÃO podia entrar naquele mundo virtual do campus, então, antes da policia, apaga-se tudo. Salva-se o cool perfeito do feio e imperfeito.
   Notei isso já em 2007. O mundo atual favorece a divisão dos homens em guetos isolados e estáticos. Explico. No mundo do rádio e da TV sem cabo, do jornal impresso e da revista volumosa, voce era exposto a vários mundos que não eram o "seu". Assim, eu era exposto a samba e funk para poder ouvir rock. E acabava por conhecer e ocasionalmente apreciar samba e funk. Antes de ver o filme de Fellini na Globo às 23 hs, assistia As Panteras e Chico City. Meu poder de edição da vida era mínimo. Na escola eu não podia escapar numa tela do meu colega chato ao lado ou da gordinha nerd atrás de mim. Isso tudo era bom? A pergunta não é essa. A pergunta é: O que esse mundo não virtual me trouxe? Conhecimento.
   Tenho amigos hoje que podem passar toda a vida ouvindo apenas as mesmas músicas, vendo os mesmos filmes e vivendo em um mundo onde só vivem pessoas da mesma turma. Conectados, TODOS gostam das mesmas coisas, consomem os mesmos produtos. E ilhados, longe de gostos e modos de ser diversos, crêem burramente que eles são ALTERNATIVOS, afinal, são DIFERENTES. Diferentes do que?
   Na tela voce protesta contra o desemprego. E gente cool como voce vai a rua fazer um lance cool onde voce diz o que não quer, mas não consegue formular o que deseja. Na verdade o que os cool da Espanha e da Grécia querem é poder ficar no Face sem se preocupar com a vida real.  Grana para poder viver para sempre entre gente cool em lugares cool. Não importa como esse dinheiro venha.
   Vejo em filmes italianos de 1950 o quanto os avôs dessa geração lutaram. Filas para comida, barracos e curtiços, improviso dia a dia, solidariedade entre vizinhos, espirito de grupo. Seus netos e bisnetos são mimados. Babys de fraldas em forma de bermudas pinky. O desejo deles chega só até a tela de seu brinquedo, o espaço de seu berço tem forma de apê e as brincadeirinhas infantis travestidas de sexo sem consequência. Seu mundo TEM DE SER de bebês para bebês. Daí o horror ao velho ( velhos livros, velhos filmes e velhos cool ), ao não-controle e a solidão. Bebês precisam de babás 24 hs ao dia.
   Mas o pior é: QUEM CONTROLAR, OU AO MENOS ENTENDER O MUNDO LÁ FORA, dominará com facilidade essa turminha cool. Fácil assim.
   Platão again. A teen toda cool está na caverna entretida com suas sombras. Lá fora tem o mundo de verdade. Quem diria....Platão escreveu sobre o futuro.

NUMA MESA DE BAR ( MULHERES, BACH E O BLUES )

   Uma conversa com um amigo à mesa de um bar na noite de um domingo terrível em seu tédio soberano. Então tudo aqui escrito pode ser caótico, ou não, porque um dos meus defeitos mais chatos é a falta de desarrumação.
   Mulheres, claro. Meu amigo teve mais um relacionamento errado. Pelo menos ele tem relacionamentos. São mais que contatos futeis, regra de hoje entre adultos. Pobres mulheres! Na ditadura de SEX AND THE CITY em que elas vivem, quem ganha somos nós que agora temos mulheres livres. Não precisam de nossa ajuda e de nossa proteção. E elas têm de levar os filhos a escola, fazer ginástica, trabalhar, ficar bonitas e ainda ir às baladas da noite. Têm de ser mães, trabalhadoras, sexys e livres. E elegantes sempre. Coitadas...Nós apenas aplaudimos. E sentimos falta de uma mulher mais lenta e relaxada, que não imite Sarah Jessica Parker. Menos piadinhas e mais bom humor, please!
   Não sou comuna. Aliás acho comunas ingênuos. Tão ingênuos como coroinhas de igreja. Mas devo dizer que o capitalismo conseguiu atingir seu mundo perfeito. Pense e veja... Existem séries de TV que têm como atração o trabalho. Sim! Voce fica em casa, após trabalhar todo o dia, vendo gente na TV trabalhando!!! Não é incrivel??? Voce assiste um funileiro consertar um carro, um cozinheiro fazer um banquete para 500 pessoas. Voce assiste um bombeiro em seu cotidiano de work, voce vê uma corretora vender casas e um maquiador maquiar. É o sonho do hiper-capitalismo, transformar o trabalho em show, em desejo, em espetáculo. E tome médicos operando, advogados advogando e vendedores vendendo. Falo que isso é absurdo, muito absurdo. Imaginem numa mesa de bar quatro  amigos conversando: "Cara, quero ser um funileiro e usar minha serra e serrar muito!", "Eu quero pegar meu carro e vender casas! Muitas casas! Yeah!"  Na TV são workers bonitões, glamurosos...Bláh!  Vamos falar a real: Cara, trabalho é uma merda! A gente trabalha porque é obrigado, porra! Não vem o bacana da NBC ou da CBS me dizer que a vida de um peão é excitante. Bullshit!!!
   Meu amigo e eu andamos meio downs. A gente conhece isso: Blues. A verdade é que ninguém ouve blues por anos e passa impune por isso. Voce fica sabendo as coisas.
   A vida é toda imperfeição. O amor é sempre torto. Não adianta negar, amamos aquilo que não temos. Se voce percebe que aquilo é 100% seu, bem, já era, voce perde o tesão. Se voce começa a babar por uma mulher e a ligar pra ela toda hora, logo voce vai ver o que te acontece. Parece bobo falar isso, mas é o que é.
   Mães amam seus filhos porque sabem que vão perdê-los um dia.
   A arte é perfeita. O mundo da arte e do pensamento é perfeito. E mentiroso. Eu passei anos atrás do amor que existia na arte, atrás do sentido que há na filosofia, atrás da beleza que há na pintura e da harmonia que vive na música. NECAS! Isso não existe. Platão estava certo. A vida é sombra. As ideias são a perfeição. A matemática é perfeita. O mundo não é matemático.
  Meu amigo, lembro que voce ouvia Bach e vivia em paz maior. Tá na hora de voltar a Bach.

OUTRAS VIAGENS SOBRE SOLARIS

   Não esgotado o assunto, volto a desenvolver pensamentos nascidos do filme de Tarkovski ( Sobre o filme especificamente falo abaixo ).
   Eu amei seus seios, sua boca e sua pele inteira. Amava seu tom de voz, os dentes tortos e o cheiro de sexo. Sua impulsividade, seu humor sincero e reto, seus sonhos simples. Amava suas canções e o modo como ela ria sem medo ou vergonha. Sua coragem. Mas há uma questão nisso tudo: Eu a conheci? Eu realmente sei quem ela é, foi, queria ser? Ela me conheceu?
   O que sei de sua história? O que ela sente ao acordar, ao menstruar, quando está só, quando pensa nos pais. De onde ela veio, o que fez, o que é. Eu a conhecia?
   Esse é um dos assuntos dificeis do filme. Outro é a identidade. Assunto que é o mais importante da filosofia e da neurologia hoje. Existe um eu? Há algo de particular em mim ou em voce? Não seríamos apenas um arquivo de memórias e de reações óbvias? Que eu sou? Quem ela é? Mais perturbador no filme é: Será possível ter contato com alguém? Ou nos iludimos pensando que aquela distãncia, aquele não-conhecer, aquele quase nada, seja um contato? A questão agora não é mais Quem eu sou e sim, O Que eu sou.
   O filme dá duas pistas.
   Amamos aquilo que perdemos ou que podemos perder. Não amamos aquilo que achamos ter para sempre. Desse modo, pouco ligamos para pais e mães, que nos parecem pra sempre, e amamos a vida, que sabemos perder um dia e aqueles que nos parecem mais distantes. Quem ama a Deus O ama por sua incerteza e não o contrário. Tarkovski diz isso e mais: Amaremos a Terra apenas quando ela estiver destruída.
   Segunda pista: Se ela que eu amo pode ser uma ideia virtual em minha cabeça, o que remete ao fato de que ela não existe e na verdade é substituível; lógico será que eu também seja uma virtualidade na cabeça dela. O filme vai nessa lógica até o limite ( e tentarei não descrever o final perturbador ). A vida como um oceano de memórias, um pai que tem um filho que será e é sempre uma ideia abstrata em sua mente criativa.
   Parece exotérico para voce? Eis o mais platônico dos filmes.

SOLARIS- ANDREI TARKOVSKI.... FILMES DE ARTE PARA PESSOAS INTELIGENTES ( NÉ NÃO? )

   Todo filme que precisa de "bula" ou de manual de instruções é falho como cinema-puro. A linguagem do cinema não é verbal, ela é cinemática ( é terrivel ter de dizer algo que deveria ser tão óbvio ), mas nossa cultura é 100% verbal e então temos de transformar música, pintura, dança e cinema em discurso verbal. Deixa de ser bobo manézão! Filme muito falado, filme que só vale como narrativa verbal NÃO vale como cinema. Pode ser um bom conto, uma aula de filosofia, mas nunca um grande filme.
   Solaris dialoga com 2001 de Kubrick. Lançado 4 anos mais tarde é a versão russa da saga espacial-filosófica de Kubrick. O filme anglo-americano é mais cinemático, ele não precisa de palavras, é puro deleite visual. Solaris é literatura. Fico imaginando os orgasmos que Aronofski e Von Trier devem sentir com sua loooooonga chatice. Tarkovski faz tudo aquilo que eles ( e mais um monte de modernetes ) tentam fazer. Com uma diferença crucial: Andrei tem muito a dizer. E pensa com originalidade. Soderbergh refilmou esta saga em 2002 com George Clooney. Foi seu maior fracasso. Os fãs de Aronofski e que tais não suportam aquilo que seus guias adoram. Vamos ao filme...
   Um psicólogo é enviado ao planeta Solaris. Na estação orbital russa, um dos tripulantes morreu e dois outros ficaram doidos. Porque? Lá, o psicólogo descobre que o mar gelatinoso que é aquilo que compõe o planeta tem o poder de ler a memória das pessoas. Com esse conhecimento ele dá vida a essa memória. O psicólogo recebe então a visita de sua ex-esposa, morta a dez anos. Ela surge como ser de carne e osso, real para todos os outros, mas desmemoriada. Ela é sua esposa, mas ao mesmo tempo não é. O psicólogo se apaixona de novo...
   Realidade virtual. Muito mais sofisticado que Matrix e outros desse tipo, Tarkovski fala que a consciência é uma verdade ilusória. O que amamos? Amamos aquilo que amamos, mas o que é esse amor? Roger Ebert dizia que o filme demonstra que o amor é "amar a ideia que fazemos do amor", amamos aquilo que imaginamos sobre a pessoa amada, amamos aquilo que desejamos crer. O psicólogo do filme ama a réplica de sua esposa, réplica que não é a esposa mas que parece ser essa esposa. Esposa virtual, criada com as imagens da memória do marido, mas, ironicamente, desmemoriada, sem história, sem origem familiar. E essa réplica sofre por não ter história.
   O filme, lento ( Tarkovski é o diretor mais lento de toda a história ), solene, silencioso ( e com algumas poucas cenas com belíssima música eletrònica ), tem um apuro visual que beira o sublime. Por exemplo a primeira cena, das algas e da água, a poética e inesquecível cena dos amantes sem gravidade, flutuando, e a cena final, forte, surpreendente e misteriosa. Não descreverei essa cena, mas direi que ela muda toda a compreensão da obra.
   É um filme chato. Algumas cenas são exasperantes. Por outro lado é um filme que dá tempo a que pensemos sobre aquilo que vemos. Apreciamos uma cena, sempre longa, e depois podemos raciocinar sobre ela. Esse é o objetivo de Tarkovski. Um filme que é como uma instalação, cenas que formam um todo. Sublime? A teoria do sublime diz que a beleza-sublime nasce em meio ao medo, ao esforço, a vitória sobre uma força maior. Este filme nos dá beleza em meio a uma chatice quase insuportável. De seu modo é sublime. Seu mistério fica em nossa memória. É absolutamente original.

O ELOGIO DA LOUCURA- ERASMO DE ROTTERDAM, TODOS SÃO UNS PEIDORRENTOS

   Quando a Biblioteca do Congresso Americano elegeu os cem livros mais importantes do milênio ( ou seja, sem Biblia, Alcorão, gregos e latinos ), este livro, para minha imensa surpresa, ficou em terceiro lugar. ( Dante e o Quixote à frente ). Como atualmente ando estudando, com prazer e fascínio, o humanismo da renascença ( existe outro? ), eis que leio a obra central de Erasmo. Divertida, criativa, ácida, cômica, pessimista, didática e acima de tudo, dúbia. É o mais inteligente livro que li em minha vida.
   Erasmo perdeu os pais cedo e por isso foi aos 10 anos mandado para os monges. Isso desenvolveu nele o ódio aos dogmas, a disciplina, a vida limitada. Logo sai de lá e passa a viver entre Paris, Roma e Londres. Amigo de Thomas More, é na casa do amigo que escreve esta obra-prima. Lançado em 1509, ele logo se torna um sucesso. Todos lêem O Elogio da Loucura e Lutero chama Erasmo para sua cruzada contra o Papa. Erasmo não aceita. Vê nos protestantes um dogmatismo ainda pior que os dos católicos. Fica à parte dessa guerra, o que é condizente com sua obra. Editor, educador, Erasmo mudou a Europa. Anti-erudito, ele se preocupava em jamais parecer sábio, pedante, narcisista. Atacava os filósofos, os doutores, os reis e os bispos. Ria de suas frases sem sentido, de suas crenças vazias, de sua pretensão balofa. Percebia e expunha toda a loucura de seu mundo. E tinha a consciência de que essa loucura fazia desses bufões homens felizes. Ninguém no mundo mais feliz que um rei ladrão, um papa vaidoso ou um sábio cego. Ser feliz é portanto ser um louco.
   Quem fala no livro é a Loucura. Ela é uma deusa que alegremente nos conta um fato inegável: O mundo é dos loucos e aqueles que não o são têem uma vida pobre, triste e lamurienta. Essa a genialidade de Erasmo, nós nunca sabemos quando ele está falando a sério. Por exemplo, ao descrever os Poetas como seres esfomeados, vaidosos e tolos, jamais percebemos se ele os abomina de fato ou os compreende. A deusa Loucura se ri deles e nos convence de sua inutilidade. E assim acontece com advogados, médicos, escritores, nobres, padres e monges. Todos exibidos em sua estupidez, mas ao mesmo tempo Erasmo prova que é essa loucura, a ganância, a paixão, a luxúria, a mentira, a ilusão, que fazem deles homens felizes.
   Os dois momentos mais hilários são as descrições dos monges e das crianças. Monges remelentos, fedidos, passando a vida sem ler, sem trabalhar, inuteis. Bispos que discutem o sexo dos anjos, celeumas teológicos futeis como por exemplo se uma abóbora pode receber o Espírito Santo. E as crianças, egoístas idiotas, burras ( Erasmo sempre fala sem meios termos ), sujas, barulhentas, peidorrentas. E por isso, felizes. Em Erasmo ganha corpo essa certeza de 2013: Ser infantil é ser feliz. A ignorãncia é uma benção.
   Como seria maravilhoso termos um Erasmo hoje! Nos confundindo e nos deixando atordoados ao dizer que felicidade é ser Sarney ou Lula. Que alegria é assistir ao BBB e acreditar naquilo tudo. Ter um Erasmo para arrotar no rosto dos "doutores donos da verdade", peidar em astrólogos, teólogos, marxistas, liberais, cientistas, psicanalistas, existencialistas, poetas e roqueiros. Mostrar a absoluta loucura burra, a auto-ilusão risível que vive em todos esses seres absurdos, pomposos, falastrosos e masturbatórios. ( Inclusive o absurdo de blogueiros que chutam verdades que ninguém lê ). Erasmo seria delicioso ao mostrar o tolo carnaval de universidades e de congressos. Mostraria a infantilidade babosa de doutos venerandos, a loucura do delírio dos criadores de verdades "comprovadas".
   Falei dos capítulos sobre crianças e monges? Puá! Nada supera o escárnio sobre os professores! O modo como ele descreve os caspentos mestres, mortos de fome, ensinando gramática para crianças asnáticas e barulhentas, o modo como o tal mestre se torna um velho surdo, magro e remelento, a maneira como Erasmo por outro lado descreve a absurda e Louca alegria desses mestres fedorentos " que acreditam ter uma missão", caramba!, Erasmo é o Cara!
   Dizer mais o que? Este é desde já um de meus livros favoritos.

CIÊNCIA NOVA- GIAMBATTISTA VICO

   Vico não foi famoso em seu tempo ( 1660-1744 ), mas sua influência acabou por se fazer sentir em Colingwood e Croce, ou seja, até o século XX. Marx gostava dele, assim como Herder, Nietzsche e Heidegger. Qual a marca que esse filósofo italiano deixou?
    Acima de tudo ele era anti-cartesiano. Vico logo percebeu que o modo matemático de Descartes não podia explicar a vida. Isso porque à razão explica apenas aquilo que por ela é feita ou criada. Eis uma grande proposição de Vico: O homem conhece aquilo que constrói. Aquilo que faz. Só podemos entender completamente as coisas que criamos ou que podemos fabricar. A matemática é a criação mais humana por direito e fato. Ela inexiste em animais ou no universo. Ela existe apenas no mundo do homem. Criada, desenvolvida e mantida pelo homem. Se amanhã todos os humanos deixarem de existir a matemática cessará de existir. Portanto, ela é completamente transparente ao homem. Por outro lado, a vida não pode ser completamente conhecida pelo homem. Pois ele não a criou, e não consegue fabricá-la. O mesmo se dá com o pensamento, com a natureza, com o cosmos. Como compreender profundamente algo que não fizemos e que não conseguimos reproduzir?
    Para Vico a grande ciência humana é a História. E história compreende também o estudo da línguagem dos homens, a arte e a religião. O homem construiu a história do homem no mundo e ela pode ser compreendida e totalmente desvendada. É uma obra nossa, de total responsabilidade humana. Vico a estuda então e desenvolve a teoria dos três estágios de uma civilização: a mágica, a heróica e a humana. Na época da magia tudo é obra de deuses e do sobrenatural, na época heróica tudo gira ao redor de heróis e de seres especiais e afinal na era humana se institui o governo dos homens, que pode ser republicano ou monarquista. Espertamente Vico chega a esse ponto pelo estudo das palavras. Ele pega uma palavra latina e pesquisa sua origem. Percebe então, por exemplo, que divino vem de divinare e que divinare era adivinhar, portanto divinizar é adivinhar, ser adivinho. É um belo jogo de palavras, mas nem sempre garantidamente correto. Pois Vico esquece que mesmo o antigo grego ou o antigo latim sofriam influências de outra línguas mais antigas e que uma palavra que pareça ser origem de algo pode ter vindo de uma cultura onde aquele vocábulo possuia outra raiz. De qualquer modo o que hoje nos impressiona é a habilidade e a inteligência da mente de Vico em busca da história.
   É irrefutável o fato de que o conhecimento só pode ser completo quando dominamos o fazer. E que a História é uma ciência 100% humana, ao contrário da biologia ou da química, que estudam coisas que existem independentes da vontade e do saber humano. Têm portanto limites ao nosso conhecimento.
   Ciência Nova foi lançado em 1725 e preparou o século XVIII para a explosão de história que nele haveria. O final desse século assistiria a insurgência do homem e de sua história. Vico, filósofo que hoje é muito reconhecido, sabia.