Gilberto Gil - "Babá Alapalá"



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REFAVELA- GILBERTO GIL ( O MUNDO NOVO É UM MUNDO NEGRO )

   A gente não percebe porque se acostumou, mas se um homem do século XIX ( ou mesmo de 1910 ), viesse cair em Paris hoje, ou New York ou Londres ou Sidney ou meu bairro em São Paulo; o que esse homem do passado mais estranharia? Os prédios? Os carros, as telas acesas?  Não meus caros, seriam os negros. E mesmo em cidades desde sempre negras, como Rio ou New Orleans, esses homens estranhariam negros vivendo e tendo o poder de brancos. A grande revolução do século XX foi a cultura negra se fazer dominante, o homem negro ser, e será cada vez mais, a cara do planeta. Este disco, uma obra-prima irretocável, é uma espécie de biblia desse momento histórico.
   Gilberto Gil foi à Africa e voltou mudado. Não se ia muito a Africa em 1975 e a miséria lá, se hoje revolta, imagine então. Ele voltou ainda mais negro do que sempre fora e aqui ele faz uma coisa que antecipa a moda de dez anos depois: um disco world music. Em 1976 não existia nem o termo. Os criticos não sabiam como classificar este disco, foi mal falado. É genial. World Music com muita testosterona. É reggae, é batuque africano, é funk, é musica de terreiro, é filhos de Gandhi. Gil sempre foi um duende, sua alma é dionisíaca ( Caetano é Apolo ), aqui ele está em casa, feliz, solto, explosivo.
   Refavela a música, começa com lindos acordes e vai num rápido crescendo de percussão. Um monte de instrumentos, uma festa, e um refrão harmônico que é um êxtase. Uma alegria colorida que canta a favela paradoxal. Lugar feliz de miséria e dor. Toda a criatividade de um talento imenso está aqui em pleno poder. Este aliás é seu último grande disco.
   Aqui e Agora. Uma divagação mistica, daquelas que ele tão bem sabia fazer. Gil não é exatamente religioso porque ele não fala de religião. Para ele a religião é coisa resolvida, ele vive nela e pronto. Aqui ele fala do espaço e do tempo, com calma, com tranquilidade. Uma canção suave, soft, de belíssima harmonia.
   Norte da Saudade é reggae primitivo. De sertão, tosco e com um baixo ( Rubão ) absurdamente bom. A banda que o acompanha suinga, ginga e cria sem parar. Jogo de cintura, muito suór e sangue na veia.
   Ilê Ayê fala exatamente da negritude. Rápida, quase agressiva, tem uma levada que não é funk, não é samba, não é reggae, é o que? Um momento de criação solar.
   Babá Alapalá. Uma obra-prima. Isto é uma obra-prima. Ela desliza pelo ar, primitiva e sofisticada. É como um tesouro. O baixo e a percussão mandam, a voz inspiradíssima. Seu corpo vai junto. O disco anuncia: não mais melodia, ritmo e dança, música é milagre, uma coisa que é um nada invisível e que faz a cabeça pensar e o corpo pirar. Como diria o grande Ezequiel Neves: Descaralhante!
   Sandra é linda. Uma canção com letra que é poesia literária, múltipla de sentidos e uma melodia que se parece a hino de harmonização. Ela hipnotiza. Me recordo de aos 18 anos ficar tardes e tardes, ao pôr-do-sol,  cantando essa melodia.
   Era Nova é quase psicodélica. Bastante "mutante", ela tem três andamentos e uma letra complexa, e ao mesmo tempo, festiva. Aliás o disco inteiro é feliz, alegre, otimista.
   Samba do Avião. E ele transforma uma bossa de Tom Jobim em música de Cameroon. Fica bom pra caramba!
   Balafon é mais uma obra-prima. Um primor de ritmo africano, de alegria esfuziante. Impossível voce não sair rebolando pelo quarto, pela sala ou pelo carro. Uma música tão maravilhosa que ela deveria ser vendida nas farmácias, para doentes e perdidos. Voce a escuta e vê trilhas africanas diante de seus pés. E sorrisos bonitos.
   Patuscada de Gandhi. A mais simples das músicas. Uma batucada, meio terreiro, dos Filhos de Gandhi. É preciosa e muito rebolativa. Em 1981, eu, Mauro e Dió destruímos a sala de casa ouvindo isso. Acho que a escutamos dez vezes e ainda ligamos pros amigos pra mostrar nosso novo arranjo. Foi uma das mais brilhantes noites da minha vida.
   Nos anos 80, como aconteceu com todo mundo, de MacCartney a Lou Reed, passando por Bowie e Neil Young; Gilberto Gil se tornou fã de si-mesmo e isso o levou a ser uma caricatura. Seus discos se tornaram hiper-produzidos, preguiçosos e bobos. Mas é impressionante o nível de genialidade que ele demonstrava nos anos 70. Assim como Caetano, Jorge Ben, Tim Maia, Ney Matogrosso, Novos Baianos e tantos outros, Gil cria sem parar, mistura tudo, absorve o ambiente e nos dá uma salada que nunca desanda. Essa linha de evolução seria rompida pelos próprios criadores a partir de 82/83 e nunca mais seria retomada. A música feita no Brasil passaria a ser de segunda categoria, cópia de cópias ou saudosas tentativas de revivier o já ido. Chico Science tentou retomar e até conseguiu. Seu primeiro disco é filho direto de REFAVELA. Mas Chico morreu e o mangue beat se perdeu na nascente.
   De qualquer modo, aqui está o material. O futuro preto e gingado. E genial. Maravilhosa refavela!

Firenze



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FLORENÇA, UM CASO DELICADO- DAVID LEAVITT ( A CIDADE E SUA SÍNDROME )

   Florença é uma cidade pequena. Ela pode ser toda percorrida a pé. E nesse espaço pequeno ela comporta um quinto de toda a arte do mundo. Um quinto! Isso provoca uma síndrome conhecida como "Síndrome de Stendhal", o autor francês teria sido o primeiro a descrevê-la. Ela ocorre quando após horas vendo tantas maravilhas, achatado e asfixiado pelo tamanho do que há de genial naquilo tudo, o pobre visitante perde a noção de onde está, quem é e o que faz ali. Uma sensação de que não se é nada, de que a própria vida nada é, de que as obras são maiores que tudo, faz com que a consciência se esfarele. Vem a palpitação, as vertigens e o desmaio.  Eis a tal síndrome. E creia, ela não ocorreu só com um romancista francês de mente criativa, ela aconteceu inúmeras vezes. Inclusive neste ano. Vivi uma coisa parecida em Chartres. Um maravilhamento tão intenso que é como se não pudéssemos mais existir. A completa perda do senso do eu-presente.
   David Leavitt é um atual bom autor americano. E ele sabe que essa sensação era cotidiana na Renascença. O mundo moderno, não tendo a coragem de vivenciá-la, a nega. De que modo? Vulgarizando a arte. Michelangelo em canecas, bonés e chaveiros. Michelangelo como um artista pop.
   O livro não é uma descrição da cidade. Volume da Cia das Letras, da mesma coleção do Flanêur, Florença não é cidade de flanêur. Nela os passeios têm objetivo, é uma cidade pequena, e onde cada rua é uma história. David Leavitt se prende então a história recente da cidade, de 1850 para cá, e eu não sabia: ela é uma cidade "inglesa" e é um tipo de consulado gay.
   Inglesa porque desde 1850 todo inglês perseguido por ser excêntrico acabou indo viver em Florença. Em 1920 eram 50.000 numa cidade de 450.000 habitantes. Eram escritores, pintores, poetas e simples vagabundos. A tragédia deles, é que quase todos perderam o que tinham de talento na cidade. Vivendo em lugar onde tudo podia ser feito ( e esse tudo ia desde se casar com sua tia a ter amantes de 12 anos ), eles perdiam a garra e acabavam se tornando um tipo de playboys ultra-esnobes, fofocando uns dos outros todo dia, e escrevendo livros enfadonhos sobre seus casos. E.M. Forster foi o único que não perdeu seu dom, simplesmente por não ter se misturado a colônia inglesa. Os ingleses eram capazes de ficar trinta anos na cidade e continuar tomando chá e comendo sanduíches de pepino. Vinho, café e feijão, jamais! Foster se misturou, provou a cidade, conheceu a vida. David Leavitt dá breves relatos de vários desses autores. Muitos foram amigos de Oscar Wilde, e nem todos eram gays. Huxley esteve por lá, assim como Berenson, que viveu meia vida na cidade.
   Florença é considerada a mais esnobe cidade da Itália. A lingua italiana nasceu na cidade e o visitante fica impressionado com a quantidade de nomes famosos que são relembrados em cada esquina. O rio Arno, que corta a cidade em duas, é hoje um pardacento rio imundo, mas mesmo assim as pessoas se encantam com sua cor de café com leite. Se o visitante não se cercar das amarras de sua fraqueza, a cidade o deixará enfeitiçado. Ela coloca todos de joelhos.
   Em 1966 uma terrível inundação pegou a cidade inteira. Na TV da Itália, tudo o que se falava era do número de carros levados pelas águas do Arno. Mas, sem internet e sem ninguém planejar, uma quantidade enorme de jovens estudantes da Inglaterra, da Alemanha e até dos EUA se dirigiu para a cidade. O que eles foram fazer? Salvar o tesouro artístico da cidade. Eram filas de jovens, água suja até a barriga, passando de mão em mão, livros, quadros, estatuetas para lugar seguro. Há uma outra história tão bela quanto essa que se passou em 1945. Uma tropa de americanos veio libertar a cidade. Tudo pacificado, eles entram numa granja na periferia de Florença. Três oficiais entram num quarto e acendem a luz. Um deles diz: - Major! Giotto!, o outro fala: - Aqui!!! Botticelli!!! , ao que o major diz: -"E aqui um....Leonardo!!!!...
   As obras eram escondidas em casas humildes durante a guerra para não serem levadas pelos alemães. Naquele quarto simples, 45 milhões de dólares, em valores de 1945, estavam nas paredes.
   Florença é isso. Uma cidade agarrada a seu passado. Consciente do que foi e que estranhamente sabe que desde 1850 tem como moradores famosos, estrangeiros. A cidade parou de produzir nativos de brilho. Mas, orgulhosa, assoberbada, ela exibe a maior abundância de arte por metro quadrado em todo o globo.
   É um belo livrinho!

OSCAR 2012

   Leio que todos os concorrentes são fracos de bilheteria. Alguns são mais que isso, fracassos. O filme francês tem sido vítima de um fenômeno que atesta a ignorãncia do público atual do cinema. As pessoas saem no meio do filme "por não suportarem assistir um filme em preto e branco". Nos EUA inclusive vaiam as legendas. Não entendem legendas em filme. Mas não só ele. Os filmes de Scorsese, de Alexander Payne ( diretor que adoro ) e etc.... Todos fracassos. Mas há mais um sinal: em 1972 a média de idade dos concorrentes a melhor diretor era 35 anos. Este ano é de 61. E não é um fenômeno isolado, a média é maior de 50 desde a década de 80.
   O filme de Meryl Streep também é um pavoroso fiasco de bilheteria. Assim como no ano passado o ótimo filme sobre o rei George não interessou ninguém ( provávelmente por ninguém saber quem era o tal George e o tal Edward ), agora parece que já não sabem quem foi Thatcher. Chegaremos a um tempo em que dez anos atrás será "antiguidade". O DISCURSO DO REI merecia ser visto por todos. Não o viram. Era elegante demais para um público que só compreende emoções violentas.
   George Clooney x Brad Pitt. Belo enfrentamento. Vai dar Pitt. O filme é um lixo.
   Gostaria que Max Von Sydow fosse o melhor coadjuvante. Há quem o chame de "o maior ator vivo". Basta dizer que é ele o herói do SÉTIMO SELO de Bergman. Depois do gênio sueco, esteve em filmes de Woody Allen, Scorsese e que tais. É o único gênio indicado.
   Uma banda brasileira que faz covers de músicas de filmes disse algo que nunca notei: desde os anos 80 tem diminuído a quantidade de hits vindos do cinema. As superproduções têm usado temas antigos, tipo Ac/Dc no Homem de Ferro. Se a gente parar percebe, de Footloose à Eye of Tiger, passando por todos James Bond e Rocky, Dama de Vermelho e De Volta para o Futuro, há uma imensa quantidade de músicas famosas dos 80's.
   O que notei é que filmes que unam sucesso popular e qualidade artistica não existem mais. Falo de grande sucesso popular, não de filmes que apenas se pagam. Os concorrentes deste ano deram prejuízo.
   Um dia veremos um Oscar só de blockbusters. Ou ele se tornará um saudosista prêmio festivo.

Pop Will Eat Itself - Def Con One (Including the Twilight Zone)



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THIS IS THE DAY...THIS IS THE HOUR...THIS IS THIS! - POP WILL EAT ITSELF ( O FUTURO DEVERIA TER SIDO ASSIM )

   Era 1988. Auge dos HQ. Alan Moore e Frank Miller, Lobo Solitário e Ranxerox. E tinha umas revistas que misturavam tudo: politica com sexo, surf com beatnicks. Mais... séries de TV antigas com alta tecnologia e desenhos do Coelho Pernalonga com NWA. Skate, muito skate e bicicross, e ainda John Lee Hooker com Jon Spencer. Jerry Lee Lewis misturado com Cabaret Voltaire e Sonic Youth com Elvis. Nietzsche e Wolverine mais Poe com Agente 86. O anúncio do anos 90 era a mistura desenfreada de tudo o que tivesse adrenalina. Este disco representa muito esse tempo. Ouvi pra caramba por todo o ano de 1989. E se acertei antes, ao dizer em 84 que o REM ia estourar, e em 85 que os RED HOT estavam adiante da década, errei com esta banda. Eu tinha certeza de que o futuro seria assim. Jamais poderia prever que o futuro seria uma bando de grupos de frescos deprimidos.
   Eles nunca são tristes, eles são confusos. Colocam percussão eletrônica de fundo e jogam em cima um monte de ruídos e de guitarras hard. Vão falando: Dirty Harry e Bruce Lee, Watchmen e Big Mac. O disco tem de ser escutado inteiro. Ainda hoje o que procuro no rock é a evolução disto. Quando encontro ( Gorillaz é um exemplo, Prodigy foi outro ) a coisa me interessa. Quando é aquela coisinha flácida de inglês dodói ( Coldplay e que tais ) tou fora. Este disco é poderoso.
   Tem palavras de ordem, influências de Beastie Boys, de Public Enemy e de tudo o que se fazia em Manchester então. É contemporâneo aos Happy Mondays. Muitos bons tempos aqueles. O que define esse som, uma palavra: detonação. Eles todos detonavam.
   Na época eu tinha um puta amigo chamado Mauricio Nazário. Ele ouvia hardcore, Jerry Lee Lewis e Rap. Lia muita HQ e livros dos beats mais Whitman e Poe. Andava de skate e bike ( vinha até Sp desde o ABC de bike ), e tinha um sonho: ser um skatista nos EUA. Se mandou em 1993. Ano passado na Sportv ouvi falar dele. Mauricio Nazário é um brasileiro que é árbitro de snowboard no Colorado. É cartola da federação americana de Snow.... Este disco era um dos que ele gostava. E fui eu quem apresentou a ele ( ele me apresentou o Sonic Youth ). Toda essa salada que foi/é a vida do Mauricio é o som deste disco. Muita coisa, muita informação, muitas possibilidades. Deixa detonar.
   Os PWEI fizeram algum sucesso na Inglaterra. Mas logo naufragaram. Em 91 ninguém lembrava mais dos caras. Ficou este disco. Tem de ser conhecido.

Golpe de Mestre



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KUBRICK/ ROBERT REDFORD/ EASTWOOD/ KING VIDOR/ HUSTON/ GEORGE C. SCOTT

   O GRANDE GOLPE de Stanley Kubrick com Sterling Hayden
Segundo filme de Kubrick. Dá pra perceber que é um filme de um novato, ele se exibe demais. Várias cenas lembram a técnica de "KANE" de Welles. Sterling Hayden era um ator admirável. Aqui ele repete seu tipo de bandido "marcado" exibido em "THE ASPHALT JUNGLE" obra-prima de Huston feita cinco anos antes. Este é um bom filme de assalto, um pouco exagerado, mas forte. Nota 7.
   GOLPE DE MESTRE de George Roy Hill com Robert Redford e Paul Newman
Grande vencedor dos Oscars de 73, grande sucesso de bilheteria. Passado nos anos 30, temos aqui Redford em seu auge, como um malandro do baixo mundo. Logo na primeira cena vemos um belo golpe aplicado por ele e comparsa. Tudo na malandragem pura. Mas ele dá o azar de mexer com chefe poderoso ( um impagável Robert Shaw ). Descoberto, foge e começa a "trabalhar" com famoso golpista veterano ( Paul Newman, explêndido em seu carisma de picareta desencanado ). Num trem há um dos mais emocionantes jogos de poker do cinema e depois eles armam um golpe milaborante em cima do tal chefe poderoso. Redford, com o mesmo diretor de BUTCH CASSIDY, tem todo o filme para sí. Está ótimo, mas Newman e Shaw estão ainda melhores. Shaw faz um chefão ofendido que é pura jóia. A trilha sonora, velhos números de Scott Joplin foi hit em 73. Sublime. Uma diversão citada por Soderbergh entre seus filmes favoritos de sempre. É matéria obrigatória nos cursos de cinema da UCLA. Nota 9.
   O PLANETA DOS MACACOS de Franklyn J. Schaffner com Charlton Heston, Kim Hunter e Roddy MacDowell
Adoro Heston. Um ator que consegue misturar dois mundos: sério e bonitão, ágil para aventuras e sisudo para dramas. Este filme é drama e aventura juntos. E funciona. Enervante, nos confunde em seu final inesquecível. A estátua caída no chão, o silêncio, as ondas do mar... a perfeição em termos de finais de filmes. Mas ele é muito mais que isso. Ecológico, crítico, contundente. Nota 9.
   MENINA DE OURO de Clint Eastwood com Clint Eastwood, Hilary Swank e Morgan Freeman
Clint faz filmes tristes. BRONCO BILLY é das coisas mais melancólicas já feitas e BIRD não fica atrás. Ele fez comédias também, mas tem óbvias preferências pelo drama. E este tem um terço final muito dramático! Que no meu ver desequilibra todo o filme. Se em seus dois terços iniciais é um maravilhoso conto sobre um velho amargo e uma adorável perdedora, no fim faz-se um mero "filme pra chorar", tipo "ESCAFANDRO E BORBOLETAS" e que tais. Mesmo assim o elenco está de arrasar. Morgan faz um velho derrotado pela vida de um modo suave, todo em tons menores, e Clint mostra-se grande ator. O dono do ginásio é criação de quem aprendeu tudo sobre interpretação. Hilary, dizem, tem uma bio parecida com a da lutadora. Foi pra LA com 75 dólares e tinha de dividir um hamburger por três refeições. O modo como ela se empolga, como sorri é das melhores coisas que uma atriz fez na década. Apesar de suas falhas, é dos poucos vencedores do Oscar dos últimos vinte anos a não ser contestado. Lindo. Nota 9.
   GRAND PRIX de John Frankenheimer com James Garner, Yves Montand e Toshiro Mifune
Acompanhamos a temporada de 1966 da fórmula Um. Monaco, Monza, Spa, Nurburgring, Watkins Glen... Circuitos dos tempos heróicos, não eram feitos para a TV, eram feitos para assustar. O filme é visualmente deslumbrante. As corridas são muito bem filmadas ( são corridas reais com os pilotos da época, Jack Brabham, Jackie Stewart, Jochen Rindt, Jacky Ickx, Bruce Surtees, Ken Tyrrell... ), vemos os F1 mais belos, sem propaganda, longos e elegantes, Lotus, Ferrari, BRM, Honda, March. A trilha sonora de Maurice Jarre se tornou tema da F1 por vinte anos. Pra quem gosta de carros é obrigatório. Frankenheimer foi um dos grandes diretores dos anos 60. Seus filmes eram sempre inquietos. Este é brilhante em sua técnica. A falha: os dramas da vida pessoal dos pilotos são óbvios e tolos. Nota 7.
   MEU VIZINHO MAFIOSO 2 de Howard Deutch com Bruce Willis, Mathew Perry e Amanda Peet
Atores de Tv raramente dão certo no cinema. Será??? Clint Eastwood foi ator de Tv por dez anos. Steve McQueen fez Tv por dois anos. E George Clooney, que não começou na Tv, só brilhou após passar por ela. Mas a turma de Friends não vingou na tela grande. Mesmo Jennifer Aniston se tornou apenas uma boa atriz classe B. Perry neste filme é patético. Passa duas horas fazendo as mesmas caras e tropeções de Friends. Mas o filme é todo pavoroso. Uma mixórdia sem pé nem cabeça que não consegue provocar um sorriso. Comédias são filmes muito perigosos. Um drama ruim é apenas chato. Uma comédia ruim é irritante. Bruce Willis faz seu tipo cool-brega e se perde junto com o filme. Não há nada pra se fazer aqui. Zero.
   GUERRA E PAZ de King Vidor com Henry Fonda, Audrey Hepburn, Mel Ferrer e Vittorio Gassman
Vidor, um dos pioneiros do cinema, já era um veterano quando aceitou fazer este filme. É uma super-produção de Laurentiis. As cenas de batalha são grandiosas e belas. Conseguiram vinte mil homens para espalhar no campo, todos com uniformes napoleônicos e cavalos. Hoje os custos seriam impossíveis. Mas é bacana ver a diferença de multidões digitais e estas, de carne e osso. Nos envolvemos mais, nos assustamos menos. Mas fora isso, este filme é chatésimo! Não há como filmar Tolstoi. É impossível, mesmo nestas quatro longas horas. Audrey faz uma Natasha que se parece com uma americana mimada. Fonda luta para dar vida à Pierre, não consegue. Tolstoi faz livros sobre almas, são anti-cinema. O que temos aqui acaba por ser apenas mais um épico sobre Napoleão ( e o Napoleão de Herbert Lom está idêntico o Dreyfuss da PANTERA COR DE ROSA ). Nota 4.
   A LISTA DE ADRIAN MESSENGER de John Huston com George C. Scott e Kirk Douglas
Até hoje só dois atores recusaram os Oscars que ganharam: Brando em 72 pelo Chefão, e George C.Scott, por Patton em 1970. Foi um grande ator totalmente avesso a estrelismos. Quando vemos alguém como Sean Penn, que se faz de rebelde, mas que agradece seu prêmio como caipira emocionado, entendemos a seriedade que se deve ter para ser um verdadeiro outsider. Aqui Scott é o detetive que desvenda, na Inglaterra rural, um caso de assassinatos em série. Douglas é o vilão, que se esconde em máscaras e tipos soturnos. Com belas mansões, caçadas à raposa e atores excelentes, Huston nos oferece uma gostosa diversão. Um passatempo de classe. Nota 7.

MEU MAIOR TIME

   Sobre os videos aí de baixo.
   Não tenho idade para ter visto o Botafogo de Didi ou o de Gerson. Como não vi o grande Santos ou o Brasil de 70. Mas vi a Holanda de 74, o Palmeiras da Parmalat, o São Paulo de Telê, o Napoli de Maradona, Milan de Gullit, Rejkaard e VanBasten. Vi o Bayern de Beckembauer, França de Platini e Giresse, e vejo o Barça de Messi.
   Mas devo dizer, não vi time como o Flamengo que exsitiu de 78 até 83. Era uma tal gana de vencer que dava medo nos adversários. Não era toque ou paciência, era uma coisa de matar ou morrer.

Flamengo 3x0 Botafogo - 1979



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Botafogo 4 x 1 Flamengo - Decisão Taça Guanabara - 1968



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BOTAFOGO, SERGIO AUGUSTO/ FLAMENGO, RUY CASTRO, O NASCIMENTO DA PAIXÃO NACIONAL

   Muito mais que bundas, samba ou cerveja, a grande paixão nacional é a bola. Em dois livros, com textos épicos, belas fotos e revelações emocionantes, o flamenguista Ruy Castro e o botafoguense Sergio Augusto ( um dos melhores críticos de cinema deste país, talvez o maior ), escrevem sobre suas paixões. Há uma foto de Didi, no livro sobre o Fogão que chega a ser pura obra de arte. Didi anda pela rua, terno e gravata. A esposa vai a seu lado e atrás dos dois, uma multidão de meninos caminha respeitosa e sorridentemente o "guardando". Didi acabara de dar mais um show no Maracanã lotado e voltava para casa a pé, no meio da torcida. A foto transmite a mesma impressão que nos causa a visão de uma pirâmide do Egito. A admiração pela arte de uma civilização perdida.
 Castro explica o porque do Flamengo ser o mais amado do Brasil. Paulistas rancorosos gostam de falar que o Mengo é o maior ( em torcida ) por causa do Rio ter sido capital e seus jogos correrem Brasil afora. Bem...o Flu veio antes, sempre foi elite e não se popularizou do mesmo modo. Why? O Flamengo nasce como time de remo em fins do século XIX. As meninas do bairro davam trela aos remadores do Botafogo e enciumados, os garotos do Flamengo resolveram fundar seu clube náutico. Nascia o Mengão. Na primeira travessia pelo mar alto eles se perdem e ficam dias à deriva. A população do Rio em suspense. Afinal todos conseguem ser resgatados ( por remadores do Botafogo ). Nascia aí a popularidade do Flamengo. Nacionalmente ela se fez porque logo na década de 10, com o futebol fundado no clube, o time passa a ser o primeiro a excursionar pelo nordeste. Quanto ao futebol, é verdade, o clube é cria do Fluminense. O Flu sempre fora do futebol e existiam jogadores do Flu que remavam pelo Flamengo. Quando os cartolas das Laranjeiras peitaram um jogador rebelde, todo o time do Flu se bandeou para o Flamengo e lá fundaram o futebol dentro do clube de remo. Não vamos esquecer que o esporte mais popular do Brasil entre 1880/1920 era o remo e o segundo era o ciclismo. Com um futuro que lhes traria Leônidas, Zizinho, Domingos da Guia e Zico a popularidade do Flamengo estava assegurada.
   A história do Botafogo é bem diferente. Ela começa com o muito aristocrático Botafogo de regatas e o "juvenil" Botafogo futebol clube. Na década de 40 os dois se unem e nasce o BFR, Botafogo de futebol e regatas. O clube de futebol é fundado por um bando de adolescentes, sendo o único clube do Brasil fundado por rapazes. É engraçado o tipo de nome que os jogadores da época têm: Olimpio Tavares Gomes, José Augusto Nunes Prado ou Oscar Smith-Clifford. Era a mais fina flor da aristocracia que jogava bola. Fora o Vasco da Gama, o patinho feio que tinha até negros no time. O Botafogo é logo visto como clube para poucos, de gente "diferente", intelectuais, desajustados e nobres decaídos ( os rivais dizem que é um clube para masoquistas ). Pouca gente sabe que é o Botafogo o clube que mais cedeu jogadores para a seleção nacional, dentre a lista imensa Garrincha, Gerson, Amarildo, Heleno, Jairzinho, Paulo César Caju e Nilton Santos. Clube que "faliu" várias vezes e que sempre renasce.
   São dois livros que se lê com sorriso nos lábios e um prazer idêntico ao de se ver um bom jogo. Times que deram alegria a todo uma nação, histórias de fundação que se movem entre a saga e a anedota. Mesmo não sendo flamenguista ( fui "Zico" de 1976 até 1983 ), ou botafogo ( tive uma admiração pelo fogão na mais tenra infância ), são duas leituras obrigatórias para quem gosta do jogo. Mais, para quem gosta de história.

PAULINHO DA VIOLA

   Eu juro que era assim: Milagres aconteciam. Para eles acontecerem era preciso tempo, céu grande e um horizonte pra se deixar ir. Sem isso não tem milagre mais nenhum.
   Eu juro. Um dos milagres era Nelson Cavaquinho, o outro era Cartola e tem um vivo, Paulinho. Ele tem o tempo que é dele, tem céu grande e horizonte onde se vai. E é um nobre. E cavalheiro. Se o Brasil fosse perfeito todos seríamos Paulinhos. Único, consegue fazer um pandeiro soar triste como um cello. Faz de uma caixa de fósforos batucada,  uma orquestra de câmara. E tudo com elegãncia. Impossível imaginar Paulinho dando um grito.
   Moço do bem. Tudo o que ele faz é bom, certo e reto. Nunca precisamos tanto de muitos Paulinhos como agora. Suas músicas são canções de janelas com rosas, de jardins ensombreados e de cheiro de sabonete em tardes de verão. Dos prazeres discretos, uma tampinha que cai no chão e o vaporzinho que sai da garrafa gelada.
   O milagreiro de "Coisas do Mundo Minha Nega", uma canção que sem drama, com delicadeza, faz a crônica da melancolia. Nela há toda a rica imagem do nosso espírito com os mais belos versos que nasceram do ar. Porque nele tudo parece etéreo, como se vindo do nada. Inclusive a voz de Paulinho, pequena, exata, fina, do céu.
   Voce sabe, ou deveria saber, em versos de canção fomos um dia os maiorais. Não havia no mundo país com melhores letras. Não há mais letras. Com o fim do tempo e do horizonte se foram os milagres. "As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender". A gente fazia versos assim, simples e lindos, fáceis e tão cheios de mensagens e pensamento. E o povão cantava isso... Basta a letra de "Pra ver as Meninas" pra exibir o milagre. Um romance inteiro em 3 minutos de samba.
   Quero dizer ainda que ele é nosso Fred Astaire. O máximo com o mínimo.
   O máximo de elegância com o mínimo de esforço aparente. Natural como viver. Um milagre.

Nu Com A Minha Musica



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OUTRAS PALAVRAS- CAETANO VELOSO, UM MAPA PARA O MAIS SECRETO

   Assim como temos um "eu" que se manifesta para o mundo e um outro "eu" que nos é secreto e imutável; um país também tem uma face voltada ao globo e uma outra, íntima e imune ao tempo, que só é compreendida pelos filhos daquela terra. Não existe valor nessas duas faces, nenhuma é mais real ou melhor, ambas existem nessa comunhão volátil entre as duas, uma se comunicando com o tempo e o total, a outra impassível diante do que lhe é exterior. Ao escutar uma das grandes canções ( e são milhares ) de meu país, tomo contato com esse "eu" mais profundo. É como se ao ouvi-las me encontrasse na mais sólida das terras, e ao mesmo tempo no mais profundo e tênue dos sonhos. A música brasileira tem esse duplo poder: é sólida e real, mas ao mesmo tempo jamais parece acabada, pronta, definida, ela sempre mantém sua profunda ambivalência de tempo sem tempo e de verdade que se sonha. Ela não é melhor que o jazz ou mais aguda que o rock, mas ela é mais. É minha cara, é a sua cara, e eu te explico o porque. Mesmo que voce seja desses que acreditam ser "do mundo".
   Ao escutar este disco, por exemplo. A gente escuta uma voz que repercute dentro, porque ela é um eco feito por alguém que viu, comeu e ouviu o que a gente viveu. Por mais que tenhamos comido hamburger e pop corn, por mais que tenhamos comprado discos de Led Zeppelin e Sonic Youth, e assistido a HBO e a FOX Life, essa voz que escutamos foi alfabetizada em nossa lingua, adormeceu com a voz de pais que falavam nossa fala e sonhou sonhos brasileiros em lingua brasileira. É um disco feito por alguém que sabe quem é Renato Aragão, Zico, Lula ou Portinari; de alguém que sabe o que é a Serra do Mar, uma chuva de verão e uma menina de bikini azul; é alguém que sabe o que significa ter nascido aqui e chutado uma bola na rua. E por isso, "só" por isso, ele falará direto dentro do seu "eu" mais escondido. Por mais que voce abomine seu sotaque baiano, ou sua pretensão "terceiro mundista", saiba, voce é farinha do mesmo saco. Por mais que voce se esforce, para um inglês voce pronuncia " Tea for Two" como um brasileiro.
   Após cursar linguística, minha apreciação sobre este disco mudou radicalmente. Se antes eu amava aquilo que ele "foi" em minha vida, agora descubro o que ele "é" em invenção de palavras, de sentidos e a complexidade inesgotável que mora em seus sons vocálicos. É um tesouro guardado, e o mapa faz-se como canção. Doce. Com percussões delicadas, sempre, e um contra-baixo estilingado que embeleza ao dar ritmo. A canção do Brasil pode ser triste, alegre, angustiada ou sexy, mas jamais é estúpida, tentar encontrar na MPB a agressividade do rock é querer achar num pássaro a alma de um cavalo.
   Por quatro anos de amor, Caetano foi meu guia e meu pai de santo. De Aninha, por Marina e até Gigi, foram noites de janela aberta sobre a cama cantando à Lua. Fui tão feliz que hoje até dói lembrar. E é tão raro, eu sei, ter tido tanto assim. Dou graças a minha sorte. Sei bem o que é o amor.  Como eu amo esta canção! "Nú com a minha mùsica"... Ela anda como ônibus velho em estradas de poeira lá pros lados de Miracatu. Gingando lento de lá pra cá... Ela é como as janelas dos caboclos nos bananais. O horizonte do mangue e os meninos de bicicleta. E é o céu, o céu que é tudo e que sobe até bem pra mais.
   "Nú com a minha música", é como o banho lento- ansioso antes de encontrar o amor.
    E a música tem um assobio calmo, um violão lindo e uma percussão que só no Brasil.
    A brisa anunciando a chuva, linda como a franjinha de Aninha, o olhar de Marina e a voz de Gigi. Estanca o sangue do tempo e recupera a Lua pra mim. Uma canção que me prepara para sempre amar.
   Linda e tão doída. Uma canção que é uma prece, um caminho que vai de alma acima e não cai.
   Talvez a gente não mereça mais nada assim...
   Culminância de um disco perfeito, calor do meu sangue. Fé de que pode tudo ser.

SÉCULO XX E SÉCULO XXI, UMA HISTÓRIA A PARTIR DA FÓRMULA UM

   Estava revendo Grand-Prix, o ótimo filme de John Frankenheimer sobre a fórmula um. Um luxuoso filme que feito em 1966 acabou sem querer se tornando um tipo de documentário sobre a romântica batalha amigável que foi encerrada nos anos 80. Podemos ver Monza ainda com a pista a sessenta graus, Spa com quilômetros de pista campestre, Monaco quase sem propaganda e Brands Hatch com suas curvas em subida e descidas sem fim. Mas o principal são os pilotos. Eles corriam a 280 por hora sem nada que os defendesse da morte. Nada de guard-rail, nada de barras de proteção. Um erro e era o fim. Os carros derrapam todo o tempo e os pilotos trabalham sem parar. E daí vemos o clima de box. Pilotos amigos, combinando festas, paquerando as tietes, soltos e sem grandes obrigações. Apenas a paixão suicida pela corrida e pelo carro. Equipes de garagem, um único dono que é ao mesmo tempo projetista, treinador, pai e mecânico. Lotus, Tyrrell, Brabham, Ligier, Matra, BRM...
   E então os anos 80. As equipes passam a ser geridas como um investimento, um negócio e o piloto como um tipo de executivo de macacão. Pilotar é agora como ir pra cama com uma mulher usando um fone de ouvido: "Atenção, mais atenção ao mamilo esquerdo! Segure a ejaculação, ainda é cedo.... mexa esses quadris... estou sentindo um esfriamento da mão direita, mexa-a nas costas dela... voce ainda tem energia pra mais 20 minutos..."  Não há retrato melhor do século XXI.
   O século XX foi muito curto. Começou com uma guerra em 1914, teve seu apogeu após uma outra guerra ( 1945/1965 ) e se encerra na década de 80, com o fim das utopias e o inicio do mundo como tela hiper-exposta. Detalhe interessante: até 1979, 1980, voce ainda via na TV pessoas que ao serem entrevistadas se sentiam muito intimidadas. Cantores pop ou atletas que travavam na frente de um microfone. Hoje qualquer cidadão das ruas se faz natural diante de uma entrevista. Porque? Pra onde se foi aquele timidez que nada mais era que uma defesa da intimidade? Na verdade o que ocorre é que todos sentem-se todo o tempo em rede, uma câmera não assusta ninguém. A solidão do piloto, isolado em seu carro, dando o máximo diante da morte, isso não mais existe. A ironia suprema do século XXI é a de que nunca foi tão dificil estar completamente só. E ao mesmo tempo nunca nos sentimos tão solitários.
   Foi nos anos 80 que as últimas companhias de cinema "puras" quebraram. Todas passaram a ser controladas por big companhias "de fora". Como diz Bogdanovich, não só os donos dos estúdios nada entendem de cinema, como muitos deles nem gostam de filmes. É apenas um negócio. Isso se percebe na mudança que aconteceu nos lançamentos. Até a década de 70 um filme, mesmo os grandes, era lançado em 3 ou 4 grandes salas, de luxo. Daí se via a reação de público e crítica. De acordo com isso, aumentava-se o número de salas, ou se tirava o filme de cartaz. Até que algum gênio teve a ideia: lançar em 200 salas. Antes  que o público pudesse fazer comentários boca a boca. Em uma semana entupir o povo com a certeza de que aquele filme era O evento. Faturar tudo em oito dias. E depois se o boca a boca fosse ruim... dane-se, os trouxas já tinham gasto seu dinheiro. Essa é uma estratégia de quem pensa apenas em ganhar e nunca em fazer bons filmes. Os velhos donos eram tirânicos, mesquinhos e bregas, podiam ter um péssimo gosto para filmes, mas viviam pelo cinema, adoravam filmes, amavam sua profissão. O sonho deles era ganhar dinheiro fazendo bom cinema, não apenas ganhar dinheiro fazendo bons investimentos.
   É então nessa década que surge a super-estrutura que em seu extremo faz com que até os tais líderes mundiais se tornem apenas medíocres burocratas/testas de ferro da estrutura maior. Ao contrário do século XX, tempo de grandes homens, fossem eles grandes ditadores ou grandes criadores, temos agora o tempo de grandes "eventos", eventos que podem ser uma copa do mundo, uma eleição ou um show de rock.
   Jim Clark morreu em 1967 a bordo de um carro de fórmula 2. Bi-Campeão de F1, Jim Clark aceitara um convite para disputar uma prova de F2... por amizade, de graça. Pilotando como sempre no extremo limite, Clark encontrou uma árvore em seu caminho. Para o mundo inteiro, fora Brasil e Alemanha, ele foi o maior piloto da história. Schumacher tem mais títulos, Senna teve a sorte de ser exibido fartamente pela Tv, inclusive morrer em rede mundial; Clark morreu só, dentro de seu carro numa curva sem arquibancada e sem câmeras. Tinha 26 anos. Ninguém o obrigou a correr. Fez o que nascera para fazer. Era dono de seu nariz. Não havia um patrão que o obrigasse a não correr na F2. Ele podia correr onde quisesse, ir onde tivesse vontade, fazer o que pensasse.  Em sua morte simboliza-se toda a diferença entre duas épocas.
  

YEATS, BOXE, MAGGIE E UM COWBOY: MENINA DE OURO, UM FILME DO SUPER CLINT EASTWOOD

   Conheço várias Maggies ( personagem de Hilary Swank ). Elas lutam. Não têm absolutamente nada. Sorriem pouco, mas quando dão um sorriso ele vale ouro. Não são exemplos da beleza padrão, mas são lindas. Pedem muito pouco da vida. E perdem todo dia. Mas vivem, como elas vivem! De um beijo tiram toda uma odisséia e de um domingo em paz fazem um motivo para a existência. Essas Maggies estragaram meu gosto para mulheres. Depois delas eu nunca mais senti prazer com mulheres que ganharam tudo dado. Com mulheres que não precisam dar socos. O filme é um poema para todas as Maggies, e eu o revejo me sentindo apaixonado por ela. Eu amo aquela moça.
   Uma das Maggies de minha vida me disse um dia que eu era um Frankie. Perguntei se eu era assim tão velho. Ela disse que era por eu ter medo. Se essa Maggie soubesse ela poderia dizer que além de tudo eu sou louco por Yeats. Frankie vive na escória. É um perdedor, um solitário e um mandão. Um cowboy preso a cidade. Mas lê Yeats e estuda gaélico. Neste, que é o desempenho da vida de Clint, ele mistura todas as suas personas: o diretor, o solitário, o cowboy salvador. Frankie vai a igreja, lê Yeats e nada vê de redentor em sua vida. Então ele vê Maggie.
   Hilary Swank ganhou o Oscar de atriz em 2005 por este papel. Ela está deslumbrante. A pobre Maggie se torna linda em cada sorriso e consegue parecer uma menina, mesmo em meio a socos sobre um ringue. Cada vez que ela diz: "Ok Boss!" , sentimos verdade e vida naquilo tudo.  Mas o filme é do velho Clint. Majestoso, essa é a palavra exata para o que ele faz. A cena final, em que ele se dá para ela ( é o que ele faz, como mártir ele a deixa partir sabendo que ele irá junto ), é de uma sincera emoção. Clint já foi muito mais emocionante, admirável ou adorável, mas jamais foi tão humano.
   O roteiro de Paul Haggis é baseado num livro de F.X.Toole. Ganhou um Oscar. Toole é irlandês. Foi boxeador. toureiro no México, pescador no Caribe e viajou todo o mundo. Surpreendentemente, tem a voz suave, é educadíssimo, vai todo dia à igreja católica e adora poesia. Um tipo de John Huston com fé.  Aliás, mais um tipo de artista à la Huston. Frankie é Toole de certa forma.
   Eu chamaria o filme de obra-prima até seus 3/4. No 1/4 final ele ameaça cair em mais um melô de gente em hospital. O papel de Swank perde a originalidade e se torna um desempenho tipo Oscar. Mas Clint luta bravamente e consegue se equilibrar nesse meio fio entre a apelação e a verdade. A forma como ela morre redime o melô.
   As lutas de boxe são perfeitas e todos os personagens secundários são criveis. Levou ainda direção, filme e coadjuvante para um Morgan Freeman doloroso. Depois desses prêmios o Oscar não acertou mais. Talvez porque o cinema tem errado demais.
   Dizem que todo homem triste produz arte alegre e que um homem alegre produz arte dramática. Não sei se é verdade. Não acho que Bergman fosse alegre. Mas sei que todo humorista é tristonho. Bem, se essa tese for verdadeira, Clint Eastwood está tendo um fim de vida muito feliz. Poucos cineastas americanos têm feito filmes tão melancólicos. Menina de Ouro é prova de que a tristeza pode ter uma beleza invencível. O maior elogio que lhe posso fazer é que ele nos hipnotiza, nos faz chorar e é digno de cada Maggie que luta por aí. Clint Eastwood deixará um vazio imenso quando partir. Ainda bem que ele é invencível !
  

O PLANETA DOS MACACOS, AFINAL: QUEM É O HERÓI?

   Existem momentos que definem um caminho futuro em sua vida. Assistir este filme na TV, aos dez anos, sábado de noite com meus pais, serviu para me mostrar que o cinema podia ser uma coisa muito mais desconcertante que aquilo que eu pensava. Esqueça a refilmagem de Tim Burton, um dos filmes mais aborrecidos da história do cinema, e não leve em conta a nova saga, que se concentra nos efeitos e nada tem de relevante em história. Esta é a origem, a versão de 1967, que estranhamos hoje não ter conseguido nenhum reconhecimento da critica da época. Era um tempo em que todo filme que fosse "fantasioso" seria sempre tratado como "filme B". Mas com o tempo este fascinante exercício de criação se fez clássico. Além de ter sido um hit entre o público desde sempre. O filme que vi na TV Globo quando criança era um evento especial, a primeira exibição na telinha de um filme famosíssimo. E eu explico agora, o que ele tem de tão bom?
  A história. Baseada em conto de Pierre Boulle; Michael Wilson e Rod Serling, conseguiram dizer coisas profundas sem nunca perder o contato com a emoção, com a aventura. Três astronautas caem num mundo desconhecido. Viajaram a velocidade da luz e agora mal conseguem saber em que tempo estão. Vagam por um deserto e então um bando de macacos civilizados os atacam. Só um sobrevive. Até aí o que temos é pura inquietação. A trilha sonora de Jerry Fielding consegue ser profundamente cacofônica e mesmo assim servir às imagens. Graças a ela nossos nervos se sensibilizam. As imagens conseguem criar estranheza apenas com a habilidade de foco e luz. Nada foi construído, é o nosso mundo, mas parece muito esquisito.
  Charlton Heston sempre foi um deus, um Moisés, um Ben-Hur. Ele foi um herói de ação que parecia inteligente. Conseguia transmitir uma imensa virilidade mesclada a vida interior complexa. Isso é muito raro, um ator fisico e mental ao mesmo tempo. E além de tudo ele era dono de uma voz poderosa, ecoante, a voz de quem sabe fazer e faz. Pois bem, ele é preso e se torna um tipo de rato branco de laboratório. Nossa primeira surpresa é essa, os homens não são macacos nesse mundo, não são nem mesmo coelhos, são ratos, uma praga que deve ser extinta. Com o tempo ele irá falar, irá angariar a simpatia de um casal de psicólogos e a ira de uma autoridade religiosa. Tudo culminará com o final antológico. Daí vem a riquesa do filme, ele poderia, e é também, ser um alerta contra a crueldade que fazemos aos os animais. Mas ele vai além, mostra a igreja e todo dogma cientifico como depositário de autoritarismo, de cegueira. Mas, e aí vem seu ponto principal, quando Heston descobre a verdade, descobrimos com ele que é ELE, o até então Herói, o grande Vilão!!!! O final do filme não é apenas impactante por ser surpreendente ( e na época eu fiquei muito chocado ), ele causa surpresa por percebermos junto com Heston que o macaco-vilão "poderia" estar certo. Como agentes do mal, esses simios querem destruir a raça humana, mas estariam errados? A questão do filme é: os homens merecem viver?
   As refilmagens, a série de TV, as antologias de "melhores cenas" de cinema, destruíram a surpresa que aquele final causava. Mas este filme sobrevive como algo de muito invulgar, diversão com cabeça, corajosa inversão de climas e de certezas.
  Franklyn J. Schaffner não errou durante dez anos. Fez uma série de filmes famosos entre 1965/1975. Em 1970 ganhou Oscar de direção com PATTON, talvez a melhor coisa que fez. Mas com o correr dos anos foi perdendo a garra e se tornou burocrático. Não dou os méritos deste filme a sua direção. Eles repousam em roteiro perfeito e uma equipe inspirada. Mas Schaffner teve ao menos o mérito de não estragar o que tinha em mãos. O PLANETA DOS MACACOS sobreviveu às modas. É um grande filme.

O MAR, O PSICANALISTA E A MUSA

   Aqui vão três perfis de três pessoas, hoje pouco conhecidas, mas que tiveram importância fundamental não só pra mim, como pra um monte de gente da minha geração.
   Arduino Colasanti nasceu na Itália, mas isso é só um detalhe. Na verdade ele foi o primeiro cara a ficar de pé numa prancha no Rio ( no Brasil foi um salva-vidas de Santos que agora me escapa o nome... que injusto! ), era um cara culto, elegante, atlético, bonitão e boa praça. Juro que é verdade, ele existe e namorou todas as mulheres que valiam a pena. E algumas que nem valiam. Foi um dos maiores símbolos sexuais do país, num tempo em que isso não era uma profissão.
   Mas ele gostava mesmo era do mar. Nadava imensas distâncias, pescava ( era amigo dos velhos pescadores ), jogava volei, frescobol, futebol na areia e nas horas vagas namorava. Arduino veio pro Brasil em 1948, aos doze anos. Sua irmã, Marina, se faria uma das melhores jornalistas do Brasil. Ao chegar foram morar no Parque Lage, no palácio que lá existe. Eles eram parentes da Condessa Lage. Mas, cercado por todo aquele luxo suntuoso, o negócio de Arduino era fazer amizade com pescadores e viver de pesca e provas de natação. Ajudou a desbravar Búzios, Arraial do Cabo e Cabo Frio. Entre seus alunos de natação houve um tal de João Gilberto. Outro que Arduino ensinou foi Paulo Francis. Também apresentou Búzios à Brigitte Bardot, e disso ele se arrepende pois não podia adivinhar o que iria acontecer com a praia que ele tanto amava. Ele era o tipo de cara que se lhe cortassem a luz por falta de pagamento, acenderia velas e tudo bem. Um hippie anterior a invenção da palavra.
   Em 1966 se tornou ator. Não que quisesse, mas um de seus amigos de praia era Nelson Pereira dos Santos e ele achou que Arduino seria um bom tipo para seu novo filme. Depois desse ele fez mais 36 filmes, sempre achando que o próximo seria o último e nunca pensando que aquilo fosse uma carreira. Foi o primeiro ator do Brasil a fazer nú frontal em cinema e se tornou depois escafandrista. Foi em 1977, quando ele cansou do cinema e se mudou pro Maranhão. Foi viver num saveiro. Mas em 79 já voltava pro Rio. Desde então, fez algumas participações em filmes, rodou documentários sobre a vida marinha e deu aulas de mergulho para uns poucos. A grana da familia se foi faz tempo, mas Arduino não se importa. Viveu onde desejou viver, namorou as melhores mulheres, nunca precisou obedecer alguém.
   Vendo-o hoje, um senhor idoso, a pele marcada pelo sol, os olhos azuis ainda sonhadores, o que posso sentir é prazer. Prazer em ver em Arduino que a vida ainda pode vencer, que a liberdade pode ser possível e que o desejo é imperador. Na voz daquele velho do mar há alegria, paz, sentido.
   A segunda figura é um dos mais surpreendentes super-stars dos anos 70/80, Eduardo Mascarenhas, um psicanalista. Se tive ou tenho algum interesse por psicologia, ela se deve a antológica entrevista que ele deu à Playboy em 1980 ( quando a Playboy era a Playboy ). Ele, naquele tempo, era figura presente em todo canto, TV, jornal, rádio e principalmente festas, restaurantes e Ipanema. Eduardo era abominado por seus colegas, era chamado de charlatão, egocêntrico, anti-ético. Isso porque ele quebrava vários tabús ( num tempo em que eles eram todos quebrados ), Eduardo encontrava clientes na praia e conversava com eles. Dizia que no consultório era o psicanalista, na praia era um homem. Aliás essa era uma de suas frases: psicanalistas são humanos, vivem e sentem desejo. Tanto desejo que ele se casou com uma ex-paciente, Christiane Torloni, na época uma das mulheres mais gostosas do Brasil. Talvez ainda seja. Mas as más linguas diziam que ele namorava todas as pacientes....
   Houve uma época em que ele recebia em seu consultório: Arnaldo Jabor, Caetano Velloso, Francisco Cuoco, Daniel Filho, Gilberto Braga, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Sonia Braga.... seu consultório era em Botafogo, na Visconde de Pirajá.
   Ele dizia que era tudo inveja, inveja e medo. Medo do que ele falava. Em 1980 ele e Hélio Pellegrino foram expulsos da SPRJ ( Sociedade Psicnálitica do Rio de Janeiro ) por falarem a verdade. Eduardo disse que 90% dos psicanalistas jamais se dera ao trabalho de ler Freud, que no Brasil era imoral cobrar os preços que eram cobrados e que entre eles existiam até ex-torturadores. Um ano depois ele foi readmitido ( Eduardo fazia parte da Sociedade Psicanálitica de Vienna ). Nessa altura ele tinha programas na TV e pregava uma psicanálise carioca. Que psicanalista e psicanalisando não deveriam negar o fato de ser brasileiros. Ele queria sessões mais calorosas, carinhosas, vivas. Dizia que aquilo que Freud dissera, na conservadora e fria Vienna de 1880 era inaplicável ao Brasil. Que nossos medos e desejos eram outros e a forma de abordá-los tinha de ser radicalmente diferente. Mas ele próprio diria que nada há de mais conservador que um grupo de Freudianos e que qualquer mudança é sempre vista como charlatanismo. Infelizmente em 1997 um câncer o levou aos 54 anos. Ruy Castro diz que a influência e o carisma de Mascarenhas eram tão grandes, que até hoje tudo o que Arnaldo Jabor fala e escreve tem a marca de Eduardo.
   Se Ipanema dos 60/70 é marcada pelo prazer, e se eu estou escolhendo esses caras por entender que prazer é liberdade ( Arduino ) e inteligência criativa ( Eduardo ), a terceira vértice é a beleza, porque a beleza é o maior dos prazeres.
   Ionita Salles Pinto é até hoje minha noção de beleza feminina. Desde meus doze anos, quando comecei a reparar nela, em fotos de festas, fotos de viagens, fotos sensuais, e algumas aparições na TV. Ela era sensual, belíssima e acima de tudo dava uma sensação de saúde, de luxo natural, de saber viver.
   Filha de diplomatas, aluna do Sacre-Coeur, aos treze anos já era um avião. Com 14 teve uma filha, um filho aos 15 e aos 17 se separou do pai dessas duas crianças.  Só isso?
   Aos 16 ela fizera amizade com diretores de cinema e começara a frequentar reuniões da esquerda. Teve de pular um muro quando a policia entrou atirando. Ivan Lessa jura que ela era a mulher mais linda do mundo, fato que é confirmado por toda Ipanema de então. Ao se separar do pai das crianças, namorou Renato Machado ( o jornalista ), e Francis Hime. Em 1967, com vinte anos, foi pra Paris estudar cinema. Mas a saudade dos filhos a fez voltar e na festa de retorno conheceu Jorginho Guinle. A cantada de Guinle é histórica: " Ionita, eu tenho 52 anos e voce 20. Me dê dois anos de sua vida. Pra voce não é nada, pra mim é uma vida inteira". Ficaram sete anos juntos. Ela passa a frequentar o circulo de Guinle: os Rothschild, os Windsor, Marisa Berenson. Polanski. Uma vida de festas em Paris, Veneza, Londres, Cannes e Hollywood. Fez fotos com Richard Avedon e se cansou de tanto champagne. Em 1975 ela conheceu Antonio Guerreiro. Aí a relação foi o oposto da que ela tivera antes. Trancavam-se e ficavam dias sem sair. Antonio a fotografava obsessivamente. Milhares de fotos, milhares de poses não posadas. Em dois anos acabou.
   Depois ela se casou de novo, foi avó aos 35 anos, abriu uma loja e adaptada ao estilo dos anos 80, fez-se mulher de negócios. Ionita é símbolo da intensidade de uma geração.
   Essas três belas figuras são daquelas que vi de longe em minha formação. Arduino era o cara que eu ( e toda a torcida do Flamengo ) queria ser, Eduardo o cara que me ajudava com seus toques, e Ionita a mulher que eu pensava conhecer.

B-52's Devil in my car



leia e escreva já!

WILD PLANET - THE B'52'S, HEDONISMO PORQUE A VIDA É CURTA, BABY

   Felizmente as pessoas tão se tocando e essa banda começa a ter o reconhecimento que merece. Eles sempre foram ótimos! Basta voce olhar o video acima, 1978, os começos da banda. Repara na empolgação do público!!! Fred, Kate, Cindy, Ricky e Keith sempre souberam aquilo que queriam, dar prazer. Conseguiram. Mas o som desse grupo, a sonoridade de seus dois primeiros discos continua a ser única. Há um segredo nesses discos, e esse segredo está todo na guitarra.
   Em 1980, quando na loja de discos do Iguatemi o vendedor nos empurrou esse LP importado, garantindo que iríamos virar fãs ( eu e meu irmão ), o B'52's era completamente desconhecido por aqui. Fomos pra casa, botamos pra tocar e nos apaixonamos. Era diferente de tudo o que eu escutava até ali. Não era punk, não era rock clássico, nada progressivo, nem funk, nem soul ou reggae. E entre as bandas novas não lembrava Cars, Blondie ou Gary Numan. O que era aquilo? Era Sci-Fi barato, daqueles com pratos de papelão fazendo as vezes de disco voador, e era falsamente simples como Beach Boys mas com a coisa sexy da disco e mais surf bands e girl groups. Mas mesmo dizendo todas essas influências ainda não era isso.
   Três cordas de guitarra e todas afinadas em graves. Um teclado espacial, de filmes de Ed Wood, um baixo, quando há baixo, de soul music e mais uma batera de new wave, pra dançar. E as vozes... O REM chamou Kate Pierson quando quiz expressar alegria e Iggy Pop quando quiz cantar o amor jovem. As vozes femininas são colegiais, variam entre o histerismo, a alegria e a ansiedade de um sábado de noite. E o cara se chama Fred Schneider. Tive um amigo que virou gay por causa dele. Foi numa noite no Madame Satã. Ele começou a cantar imitando Fred. Soltou a franga e se descobriu. Porque pouca gente se ligava que eles eram uma banda gay. Do tipo ursinho Puff e Bambi. Fofos. Mas com bastante pimenta e batida de limão pra fazer descer.
   Dancei muito com eles. Não soltei a franga, mas devo ter chegado bem perto. Na época não se dançava calado, dançava-se cantando alto. Então tome os "uh uh uhs" do B'52's. A gente sabia que eles não eram tão "relevantes" como Clash ou tão "artisticos" como o PIL, mas e daí? Era bom pra caramba. E era verão. Foi um verão deles e mais o primeiro disco dos Pretenders. E ainda Emotional Rescue, Another One Bites The Dust, Ramones e Kurtis Blow. Jorge Ben, Pepeu e Dadi. Superman no cinema e uma tal de Aninha no coração. Do cacete. ( Mas no Objetivo logo surgiram uns caras "bem informados" pra me dizer que B'52's era medíocre, que eles não sabiam tocar. Que bom era Supertramp e Pink Floyd ).
   Do primeiro acorde veloz, até o último, viajante, o disco inteiro, o segundo da banda, é absolutamente perfeito. É dos poucos sem nada de excessivo, nada sobrando, o pique não cai. Claro que tem momentos acima do perfeito. Dirty Back Road é uma obra-prima de clima, de ritmo, de timbre. Runnin Around é empolgante, excitante, adrenalínica. Devil in My Car é um dos hinos da época e de sempre, Fred dando um show em seu estilo único. Quiche Lorraine era cantada por uma ridicula banda que eu tive. Pra nós era "Quem Sou Eu" no refrão Quiche Lorraine. Strobe Light é uma festa-frenesi... e sei lá mais o que.... Não é disco pra ficar descrevendo, é pegar e dançar, é fórmula de prazer.
   Antes de postar isto eu dei uma rápida olhada no Facebook e vi uma noticia sobre vale-tudo, uma propaganda de faculdade, um post sobre silicone e outro sobre uma Ferrari. Daí agora eu penso em Funk-do-Rio, Lady Gaga, Adele e as superproduções de Beyoncé e que tais.... sei lá, acho que tá sobrando força, agressividade, ambição, profissionalismo. Tá faltando B'52's. ( E até mais que eu vou ouvir de novo ).

ELA É CARIOCA -RUY CASTRO ( A FILOSOFIA DO PRAZER SEM LUCRO )

   Prédios de quatro andares, um bairro onde todo mundo se conhecia. Tinha o clube mais exclusivo do Brasil ( o Country. Fundado por ingleses, 480 sócios desde a fundação. Sabia que um dos sócios foi um ex-campeão de Wimbledon? E que esse cara, chamado Bob é o fundador do Bob's ? Essa é a espécie de pioneirismo que digo ser nativa de Ipanema, foi a primeira lanchonete do Brasil. O Bob original a vendeu em 1979 ). A gente lê esse livro e fica sabendo do primeiro bar-do-Rio que existiu, esse tipo de bar que hoje em SP tem um em cada esquina,  aqui chamado de bar pra "gente bonita", gente tipo Ipanema, né? O povo lá era bonito, e bem educado. Ruy lista as escolas do bairro e quem estudou onde e com quem. Vai de diretores de cinema a jogadoras de volêi ( Jacqueline e Isabel, claro, do tempo em que vôlei era esporte de gente educada ). Lógico que é um povo da elite, privilegiados. Mas em Higienópolis também havia muita grana, mais até que em Ipanema, só que em Higienópolis, Pacaembu ou Morumbi se criou o que? Existe uma "Garota da Alameda Franca"?
   O Brasil era isolado, periférico e não tinha a menor vergonha disso. Não queríamos ser como Miami ou igual a Londres. Tudo bem, até tinha uma certa paixão pela França, mas os franceses da época queriam ser como o Brasil, o que igualava tudo. A gente olha pra música brasileira hoje e pensa: O que é isso? Deve ter gente boa, mas eu falo daquilo que toca no rádio, daquilo que vai ser a trilha sonora deste tempo. Tem como alguém dizer que a coisa melhorou? Não sou fã de Bossa-Nova, mas Tom Jobim, talvez o músico mais elegante do século, já dizia que o Brasil nunca mereceu a Bossa-Nova, que pra se entender a BN tem de se ter uma namorada e andar de barco. Eu sempre senti isso. Que Ipanema era um tipo de Brasil ideal, um país platônico, belo, inteligente, limpo e engraçado. Não podia durar.
  Ipanema de verdade dura de 1950 até 1968. E com muito boa vontade dá pra esticar até 1979. Depois é o crime, a especulação imobiliária, a droga pesada, a pura barbárie. O começo em 1950 : Reuniões em casas abertas a noite toda. Amigos que iam às casas de outros amigos, coisa de cem pessoas, e ficavam bebendo, ouvindo música a noite toda. Depois iam para a areia dormir. Nessas reuniões de uma juventude ociosa e ansiosa, nasciam planos de fazer musica, cinema, teatro e Tv, ou carnaval, revistas e viagens. Daí vieram alguns botecos, alguns bares, e depois as primeiras lojas. E o sucesso. Ipanema se torna a praia mais famosa do mundo. O fim em 1979: a tanga de Fernando Gabeira e o Circo Voador. Gabeira, guerrilheiro perigoso, volta do exílio. Uma multidão vai o esperar no aeroporto. Ele surge de pantalonas coloridas, camiseta justa e se dizendo bissexual. No dia seguinte está em Ipanema com uma microsunga de croché lilás. Ao mesmo tempo o Circo Voador era construído pelo pessoal do ASDRÚBAL TROUXE O TROMBONE. A trupe havia crescido tanto desde 1974, que montaram uma tenda nas areias de Ipanema e abriam a coisa das sete da manhã às onze da noite. Shows, peças, capoeira, aulas, tudo que fosse criativo e alegre. Logo foram despejados. A Ipanema de então, 1979, eu já me recordo. O verão de 79 para 80 foi talvez o mais alegre da história do Brasil. Basta pensar nisso: os exilados voltavam, as revistas eram agora sem censura, filmes liberados, um otimismo pleno de que tudo seria bom pra sempre, a onda da saúde e de se "transar o corpo numa boa", surf e skate começando a virar moda, era instituída a "psicanálise tropical" por Eduardo Mascarenhas, sol sem medo de câncer de pele, droga só maconha, Joãozinho Trinta e uma onda de musicas "desencanadas" e programas de TV criativos e sem nenhuma vergonha. Mas o melhor de tudo: o Brasil criava, copiava muito pouco. Foi um verão em que me entupi de Jorge Ben e de Moraes Moreira ( em 1984, meu ano mais snob, morreria de vergonha desse verão ), de praia com Coca-Cola e de Carnaval ( até hoje recordo a Portela daquele ano ). A gente sentia um puta orgulho de ser do Brasil. E ainda dava pra saber que todo domingo tinha Zico, Júnior e Adilio jogando e se eles jogam o prazer tá garantido. Se hoje a palavra chave é SUCESSO, em 1979 ela era PRAZER.
   E ainda agora me dá uma estranheza quando algum amigo me pergunta o porque de eu fazer tal coisa. Jamais me passa pela cabeça que alguma coisa deva ser feita para se ter sucesso. As coisas são feitas por prazer, não é? O sucesso é fazê-las tendo prazer, não? Essa filosofia, tão estranha para os filhos dos anos 80 é básica para os que não negaram 1979. Ruy Castro é de 1969, ele sabe disso. A vida não é para se fazer alguma coisa com um objetivo de ganho. O ganho real é fazer por prazer. Isso era Ipanema.
   É um prazer ler então os perfis desse povo que fez esse momento de brilho. Tom, Danuza Leão, Daniel Más, Arduino Colasanti ( esse é meu ídolo ), Domingos Oliveira, Leila Diniz, Arnaldo Jabor, Eduardo Mascarenhas, João Saldanha, Gerald Thomas, Carlinhos, Elizabeth Gasper, Vinicius, Rubem Braga, Paulo Francis, Cazuza, e mais 300 nomes de artistas, pescadores, bares, boates, lojas, esquinas, gatas, gatos e gaiatos. Uma festa, nossa Paris anos 20, nossa New York anos 50.
   Um tesão de livro, e se voce quer ter prazer, leia com vagar, ao sol, com um chopp do lado, uma musiquinha de fundo, e uma menininha, bonitinha, passando bronzeador. É um livro inútil, sem objetivo, sem nada de ambicioso, meio bobo. Mas e daí? Ele é bonito e é um prazer. Entendeu?

Asdrúbal Trouxe o Trombone



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Frank Sinatra & Antonio Carlos Jobim (1967 )



leia e escreva já!

RIO

   Quem tem menos de quarenta anos vai achar esquisito, mas o Rio pra mim será sempre lugar de aristocracia. A cidade onde as pessoas são mais educadas, mais interessadas em arte e onde se valoriza mais a educação e a beleza da vida. Eu sei, sei que estou errado, mas essa é a cidade que existiu até 1982, juro que é verdade!
   Mas o mundo muda, as coisas pioram e melhoram e o Rio mudou porque o Brasil mudou. Estou relendo "Ela é Carioca", pra mim é o melhor livro do Ruy Castro, uma enciclopédia, com verbetes e tudo, sobre Ipanema, e só Ipanema. Eu cheguei a conhecer o fim dessa idade de ouro carioca, e ler esse livro me dá uma grande alegria e ao mesmo tempo uma sensação de que aquilo tudo foi um sonho, nada de verdade. Caraca, eu tou ficando velho!
    Todo mundo queria ser carioca nos anos 70, tanto queria que quem não podia odiava o Rio com uma paixão de amante cornudo. Namorar uma carioca era ser invejado por todos os amigos. Passar um fim de semana lá era in e todas as girias elegantes nasciam em Ipanema. Assim como a moda. Da Company à Richards todas as marcas bacanas vinham daquelas areias. E que moda!!!! Muita pele morena, muito cabelo queimado, muito adereço, muita roupa branca e nudez total. Um verão que era pra sempre. Séculos antes de sertanejos, calypsos e axés, música nascia no Rio, seja samba, bossa, romântico e até rock. São Paulo tinha Rita Lee e a Bahia tinha um monte de baianos...que moravam no Rio.
    O que mais sobressai, e Ruy fala disso, é que havia um culto à beleza. Um hedonismo saúde total. Todos queriam ser bonitos, queriam coisas bonitas e belo era a saúde, a pele escura e um jeito de leveza natural. Sem maquiagem, sem retoques, sem remédios. Daí o culto ao Rio, a praia, a nudez sem operações e botox. Indios civilizados. Luxo, calma e muita volúpia.
   A gente acreditou naquilo tudo. Lembro de carnavais em que senti estar no melhor lugar do universo em todos os tempos. Que o Rio era o exemplo do máximo dos máximos. Muita alegria, muita festa, e tudo muito free. Dava pra crer na felicidade, que é muito mais que alegria. E como toda aristocracia, o Rio tinha centenas de duques, condes e rainhas. Gente que parecia nunca trabalhar, cujo único motivo de vida era ser "carioca". A anos-luz da influência protestante do trabalho-como-dignidade-humana, ser um come-dorme era motivo de orgulho. Playboys detonando dinheiro, deslumbradas queimando heranças... e daí? Como esse povo era bonito!!! E como se vestiam bem!!! Era um despojamento chique, uma simplicidade equilibrada que dava dor de cotovelo em paulistas e gaúchos.
   O Rio tinha a praia e não precisava mais nada. Milênios antes dos arrastões. Sol e choppe e carnaval e reveillon ( ainda se falava muito francês ), e ainda o deboche e o domingo no Maracanã. A vida como a arte de se brincar e rir de tudo.
   Mas veio a década de 80 e a coisa quebrou. O medo do sol, o medo da favela, o medo da aids, o medo do desemprego, o medo de ser ridiculo, o medo do medo. O feio então se tornou um bem, o sério se fez confiável e o que era bonito se fez inutil. A aristocracia morreu ou foi relegada a papéis de palhaços. Desandou o Rio, desandou Ipanema, e o Brasil passou a ter sonhos mesquinhos, o maior deles o de ser Miami.
   Este livro, que é mágico, lindo, colorido, eufórico e belo é uma ode de amor a Ipanema, ao Brasil, a tudo.

SODERBERGH/ JACKIE CHAN/ TONY CURTIS/ ROBERT RODRIGUEZ/ BRAD PITT/ OLIVIER

   VIVO PARA CANTAR de Frank Ryan com Deanna Durbin
Em 1999 Haley Joel Osment, eu juro, foi chamado de gênio. O menino do Sexto Sentido era tido como "o maior talento infantil da história do cinema". Anna Paquin recebera a mesma dádiva alguns anos antes e na época Matrix era considerado na Set "o maior filme da história dos filmes". Nada como o tempo para colocar tudo nos eixos. Matrix é encalhe de sebos, Paquin luta por papéis na TV, e Joel.... sei lá. Atores infantis costumam quebrar a cara quando crescem. Judy Garland, Natalie Wood e Jodie Foster são os únicos que tiveram como adultos o mesmo sucesso de crianças. Roddy MacDowall também teve uma boa carreira adulta, mas como criança ele era bem mais. Deanna Durbin foi uma big star aos 14 anos. Cantava e tinha uma imagem simpática, calorosa, do bem. Mas aqui, já adulta, dá pra se notar a proximidade do fim. Ela se tornou "comum". Sem grande diferencial. Sabiamente ela largou o cinema e foi viver na França. Poupou seus fãs de assistir seu ocaso. Ela era ótima, mas este filme é um lixo. Nota 1.
   O ESCUDO NEGRO DE FALWORTH de Rudolph Maté com Tony Curtis, Janet Leigh, Herbert Marshall e Barbara Rush
Finalmente lançam este DVD no Brasil!!! Um dos mais reprisados filmes da Sessão da Tarde dos anos 70, é surpreendentemente bom. Maté foi um grande diretor de fotografia. Começou com Dreyer e foi para Hollywood onde dirigiu alguns filmes médios. Este é seu melhor. Tony Curtis era lançado a época como a nova estrela da Universal. Ele funciona em aventuras muito bem. Faz aqui um tipo estourado, meio bronco. O filme fala de jovem, estamos na idade média, que é o filho de um nobre arruinado sem o saber. Vai para a corte, onde é hostilizado por jovem nobre e ajudado por velho mestre de espadas. Eu não sei porque o filme me lembrou muito Star Wars. De qualquer forma, ele é alegre, movimentado, muito colorido. Boa amostra do antigo filme juvenil, do antigo filme "B", que hoje seria tratado como filme "A". Nota 7.
   EL MARIACHI de Robert Rodriguez
Eis o primeiro filme de Rodriguez, famoso na época por ter sido feito com a grana de um carro. Ele é pobre, claro, tem uma fotografia miserável, mas é cheio de ação, clima e promete aquilo que seu diretor faria em seguida. Filmes pop levados com leveza e rapidez. Vale conhecer. Nota 5.
   FÚRIA DE TITÃS de Desmond Davis com Judi Bowker, Laurence Olivier, Claire Bloom e Maggie Smith
Não se empolgue com os nomes veneráveis de Olivier, Bloom e Maggie Smith. Muito menos com os efeitos de Ray Harryhausen. É uma insuportável aventura mitológica sobre Perseu etc... Incrivelmente ruim, até os efeitos de Ray estão ridiculos. A magia que ele criava antes, aqui está perdida. O ator central é um dos piores já vistos. A câmera insiste em dar close de seu rosto e tudo o que ele faz é ajeitar os cachos dos cabelos e aumentar seu biquinho. Olivier é Zeus. Porque, ao fim da carreira, ele aceitava filmes tão ruins? Vaidade? Grana? Pior: este lixo foi refilmado no ano passado com o mesmo nome. Pra que? ZERO!!!!
   HORA DO RUSH 2 de Brett Ratner com Jackie Chan e Chris Tucker
O cinema americano não soube usar os talentos de Chan e de Chris. Assim como ocorreu com Jim Carrey, os executivos os rotularam de "astros para filmes ligeiros" e fim. Jackie Chan merecia aventuras mais caras, mais ambiciosas ( mas talvez nessas aventuras ele fosse sufocado em efeitos digitais ) e Chris merecia filmar mais, muito mais. Este filme, delicioso, é aquele que voce já sabe: os dois vão para Hong Kong, se envolvem com máfia e depois tudo se resolve nos EUA. Eu queria mais, mais lutas, mais piadas, mais duração. Mas é um filme legal para dias de tédio. Nota 6.
   SET UP de Mike Gunter com 50 Cent, Ryan Philippe e Bruce Willis
Muito rap, massacres, vida de cão na prisão, guitarras, tiros e mal caratismo. Que lixo é isto? Como é possível que uma coisa que já foi tão nobre como o cinema, possa agora, como uma rameira sifilica ou um traficante de veneno produzir algo tão do mal, com intensões tão ruins. Ele glorifica a bandidagem, a violência, a vida sem moral alguma. Depois não venham reclamar do rumo que o mundo toma. Bruce se especializou em pequenos papéis "especiais" de chefões do crime. Morro de saudades do "bom e velho" Duro de Matar. Ali tínhamos ação com boas intenções, humor e tiros, explosões e suspense. Nada disso aqui. ZERO!!!!!!
   PÁGINA OITO de David Hare com Bill Nighy, Rachel Weisz, Judy Davis e Michael Gambom
Bom filme inglês. Bill, sempre sério e elegante, é um velho funcionário da segurança britãnica. Ele descobre que o primeiro-ministro tornou-se conivente com a politica americana de tortura e combate ao terror. Mais que isso, que há uma outra agência de segurança dentro do governo, mais imoral, mais corrupta, para agenciar as coisas desse ministro. O filme mostra sua intenção: a Inglaterra é agora apenas um apêndice dos EUA. Bill Nighy é um agente à velha moda, ético, trabalha para o país, para o defender de inimigos e não para acomodar interesses globais. Amargo e com final dúbio, é um digno veículo para um bom ator. Rachel faz uma vizinha ativista da causa árabe. Seu papel, melhor do que parece, é que faz com que Bill se mova. Não sei se esse filme foi exibido aqui. Nota 7.
   ONZE HOMENS E UM SEGREDO de Steven Soderbergh com George Clooney, Brad Pitt, Matt Damon, Julia Roberts, Elliot Gould e Andy Garcia
Revejo-o após dez anos. O filme tem poucas semelhanças com o original de Sinatra. O que fica de mais próximo é o aspecto cool da produção. Temos um fascinante desfile de roupas elegantes, cenários bonitos e figurantes bem dirigidos. A trilha sonora de David Holmes é exuberante, ninguém hoje faz trilhas sonoras melhores. Vejo o filme, excelente, e penso que ele é uma bela amostra daqueles filmes espertos feitos por volta de 1960, com seus ladrões amorais e seu clima chique. Nos extras do DVD, Soderbergh fala de Golpe de Mestre ( um espetacular filme com Paul Newman e Redford que ganhou melhor filme em 1973 ), e mais, atrás de Soderbergh há um poster de um filme: Bande a Part de Godard. Um filme com Anna Karina que trata de roubo. O que tem Bande a Part? É o nome da produtora de Tarantino e agora surge no escritório de Soderbergh...filme influente é assim que se revela... Voltando, dá pra notar um monte de furos no roteiro, o plano não é assim tão genial; mas a coisa é muito bem dirigida e tudo o que sentimos durante o filme é prazer. George Clooney está em casa, nasceu para esse tipo de papel. Mas Brad Pitt está ainda melhor. Seu rosto é pura diversão. É este filme que exibe melhor o tipo de filme pop que eu adoraria ver mais na Hollywood de hoje. Absolutamente sem erros. Nota 9.

FEBRE DE BOLA- NICK HORNBY

   Este é meu livro favorito de Hornby. Alta Fidelidade foi lido logo em seguida a um fora que levei, não tinha como ter boas lembranças dele. Grande Garoto eu gosto bastante ( talvez seja o melhor ), mas me identifico muito com o cara que narra esta "saga", que é Nick, aqui escrevendo seu primeiro livro. Ele é 7 anos mais velho que eu, e como aqui nos brasis sempre estivemos dez anos atrás, acabamos eu e Nick sendo da mesma geração. Ou voce nunca notou que nossa década de 60 foi a de 70, a de 70 foi a de 80 e nossos anos yuppies foram no governo FHC, em plena década de 90?
   Em 1968, o jovem, o muito jovem Nick Hornby, aos 11 anos, é levado pelo pai a um jogo do Arsenal. Contra o Stoke City. Os pais dele haviam se separado, ele estava down, e cansado de ir nas visitas do pai a zoos, lanchonetes e cinemas. No futebol ele descobriu um mundo insuspeito até então. Um mundo de homens, de palavrões, de multidões. Das enormes massas de torcedores de então. Mas foi somente alguns jogos mais tardes que ele se tornou um obsessivo, um fanático pelo Arsenal. E foi numa muito dolorosa derrota. Para o Swindon, exatamente o jogo que postei abaixo. Nick chega a uma conclusão: ninguém vai ao futebol para ter prazer. Futebol não é uma diversão, um passatempo e muito menos uma arte. Só pensa isso quem não torce. Voce sofre num jogo, tem medo, e JAMAIS espera que seu time jogue bonito, o que voce quer é vencer, vencer sempre. Jornalistas e intelectuais falam do jogo artístico, uma besteira!!!! Se futebol fosse uma arte voce vibraria ao ver Zidane exibir sua arte e destruir seu time. NÃO! Futebol é outra coisa.
   Cada capítulo do livro é um jogo e cada jogo é uma lembrança daquilo que ele vivia. O colégio, a faculdade, os primeiros amores. O futebol muda, o mundo muda, Nick admite nunca ter mudado. O futebol, como o rock, faz da pessoa um eterno crianção. Ele continua sendo o garoto que chorou ao perder uma final contra um time da segunda divisão.
   Ficamos sabendo o que é o futebol inglês. Hornby se lamenta de ter se apaixonado logo pelo Arsenal. Porque não o Tottenham, um time que tem fama de jogar bonito sempre, ou o WestHam, que é considerado um time de gente especial. Mas não, ele foi gostar do time que sempre teve a fama de ser violento, defensivo, maldoso, o mais odiado time da Inglaterra, o Arsenal. E lá vai ele, indo a Plymouth, debaixo de chuva e frio, numa noite de quarta, para ver um jogo que nada vale. Porque? Pra que? Ele admite, é uma obsessão e seu time, um perdedor na maior parte do tempo, é sua paixão.
   Highbury com seus cantos, suas ruas, as brigas. A raiva do Chelsea, do Leeds e do Tottenham, os amigos de torcida, as gozações nas derrotas, a raiva da seleção inglesa ( os ingleses têm o costume de abominar sua seleção, torcem apenas pelos clubes ), os sotaques de cada cidade, cada bairro, cada canto de Londres e dos subúrbios. Os times medíocres do Arsenal, as várias humilhações.  E as mudanças.
   A explosão da violência nos anos 80, violência que obrigou a mudanças, a diminuição das multidões, as grades de segurança, as câmeras. Nada disso havia em 68, as torcidas se misturavam, disputavam espaço e onde cabiam dois se metiam quatro. ( Eu cheguei em 1981 a ir a um Morumbi com 135.000 pessoas, sei o que é isso...e posso dizer? Era puro suicidio, mas era very fun ). Nick Hornby diz que o futebol tem matado seu verdadeiro amante, e sem ele não pode haver esporte. Ele explica. O sonho dos times agora é fazer do futebol um tipo de teatro, ingresso caro e super conforto. Mas há um problema: esse tipo de "show da Broadway" comporta apenas um tipo de torcedor vip, que enche o estádio num United e Liverpool, mas que jamais irá até Newcastle ou Cardiff para acompanhar seu time num jogo de segunda rodada. Sem o povo fanático teremos apenas a copa dos campeões e mais nada. ( E os ingressos em 1969 custavam a metade de um ingresso de cinema ). Outra coisa. Entre 68 e 88 o campeonato inglês teve como campeões: Liverpool, Arsenal, Leeds, Nottingham Forest, Manchester United, Aston Villa, Derby County e Everton. Oito campeões diferentes!!!!  Se a tendência se mantiver, teremos apenas um campeonato de quatro times: United, Liverpool, Arsenal e Chelsea. O que fará com que todas as outras torcidas se encolham, os estádios fiquem às moscas e toda a atenção se volte apenas para dez ou onze jogos ao ano. Isso não é futebol de verdade!!! Dez anos nessa rotina destruirá qualquer chance de que Forest ou Villa voltem um dia a contar. ( Acho esse processo irreversível e chatíssimo! A linha de títulos seguidos do United tirou a graça de um campeonato que era tão imprevisível quanto o brasileiro ).
   Ao final do livro, Hornby já quase quarentão, começa a perceber que seus hábitos mudaram. A idade faz com que ele queira conforto, mais segurança e menos apuros. Mas fica um gosto nostálgico, saudades dos passes de Brady e mesmo das jogadas ridiculas de Ian Ure. Pra quem como eu, gosta muito de futebol e cresceu vendo suas transformações, é obrigatório.

AGORA EU FALO DA INGLATERRA PARA NICK HORNBY

   Se no seu ótimo livro Hornby elogia o Brasil, deixa agora eu elogiar a Inglaterra.
   Os brasileiros vão me xingar mas em 1970 a Inglaterra não deveria ter perdido. Ela teve mais chances de gol e um zagueiro brasileiro deveria ter sido expulso. Um empate seria justo e o saldo de gols resolveria a chave e quem teria de pegar a Alemanha nas oitavas. Assim como em 2002, em que num jogo bem pior que o de 70, o Brasil venceu os ingleses na sorte. Mas Nick Hornby sabe que o azar combina com o futebol inglês. Com o verdadeiro futebol inglês, e creia-me, isso ainda existe.
   Eu odeio, abomino o Manchester United e mais ainda o Chelsea. Por um motivo simples: eles transformaram o futebol britânico numa competição entre os donos de clubes. Como diz Hornby, as multidões de 100.000, 130.000 loucos-insanos dos anos 30/70 foram substituidas por 50.000 confortáveis torcedors vip. Mais que isso, o jogo se tornou uma bolsa de apostas onde as contratações são mais noticia que os jogos. Jogadores mimados, técnicos-burocratas, acionistas ávidos por lucro, torcida selecionada. Las Vegas. O futebol que era tipo Small Faces ou The Who, virou George Michael ou Beyoncé. Bonito, clean e frio. Voce investe 100 milhões e leva a taça. Quem gastar 20 não leva nada. Um mercado de ações com público.
   Postei um jogo em Highbury, 1969. O campo absurdamente lotado. Aquela multidão de cabeças brancas em meio a escuridão da arquibancada. Dá pra ver o lugar onde Nick ficava então, aos 13 anos de idade ( ele estava nesse jogo ), o lugar dos "estudantes", junto a bandeira do corner, na altura do chão. Eles viam só os pés dos jogadores, apertados, xingando todo o tempo, com uma sensação de júbilo na cabeça. E aguentavam o grotesco Arsenal, com seu jogo de chutões e correria, de gols tomados por pura estupidez. Um futebol feio, mas profundamente emocionante. Apaixonante. Dionisíaco.
   Em 1976 assisti a meu primeiro jogo inglês ao vivo. Não sei que Tv transmitiu, sei que era um sábado ( aos domingos não se jogava futebol nas ilhas, era o dia sagrado do cricket ), o que sei é que Ray Clemence era o goleiro e o jogo foi em Wembley hiper lotado. Inglaterra e Escócia? Me lembro que o jogo era a antítese do futebol que se jogava no Brasil da época. Aqui o jogo era lento, pensado, armado e malicioso; lá em Londres o que vi era um futebol muito corrido, instintivo, sem qualquer armação e levado na empolgação. Chutes do goleiro ao ataque e chuveirinhos, montes de carrinhos, e uma quantidade absurda de gols perdidos. A bola pingava nas duas áreas, sem dono, livre e solta, e ninguém a colocava pra dentro. A bola era matada no joelho, os passes eram rápidos e sempre "pra correr", o meio campo não existia ( parece que descrevo o futebol do Brasil de hoje ). No rosto de cada jogador, em meio aos cabelos sujos, às costeletas mal feitas e as camisas sem patrocinio, havia determinação, vontade de dar o sangue, luta. E risos ( não era futebol Felipão ). Os jogadores riam muito e Hornby diz que o futebol inglês dos 70 é considerado o auge dos cantos engraçados das torcidas. O Brasil todo detestou aquele jogo. Eu adorei cada chutão.
   Desde então, e para sempre, times como Tottenham, Aston Villa, Newcastle e Ipswich Town ( tem time mais inglês que Ipswich Town? ), se tornaram meus times. E principalmente o Arsenal.
   No futuro eu iria ver o Arsenal se tornar um time francês com tipo de jogo francês e resultados à francesa. Mas ainda era melhor torcer pelo Arsenal que pelo hiper-profissional United ou o artificial Chelsea. Havia uma história tosca naquela camisa. Uma torcida de patinhos feios.
   Acho que é isso que tenho pra dizer. E saiba Hornby, que aqui as coisas caminham igual. O estilo próprio do país também foi pro espaço e desde 1982 caminhamos para a "Milanização" de todos os clubes. Nossa opção não foi pelo Ajax ou pelo Barcelona, foi pelo Milan e Juve. Deveria ter sido pelo Brasil mesmo. Assim como fico triste ao ver que o estilo inglês só se mantém em times mais pobres, o estilo Brasil só existe em uns poucos jogadores e nunca em um clube ( o mais brasileiro dos times, o Flamengo, a anos é uma bagunça indefinida entre um passado de toque e classe e um "futuro" à la Grêmio ).
   É isso.
   PS: Vai Arsenal !!!!

1969-03-15 Arsenal vs Swindon Town



leia e escreva já!

NICK HORNBY E O FUTEBOL DO BRASIL

   Estou relendo Febre de Bola de Nick Hornby. É tão bom quanto eu lembrava. Falo do livro inteiro em outra postagem. Esta é só pra falar de um momento do livro. Quem leu sabe, Febre de Bola é um livro em que Hornby divide sua vida ( o livro é uma auto-bio ), em jogos do Arsenal. Cada jogo é um momento em sua vida.
   O Arsenal, um fracasso na década de 60, tem seu espirito. É time tosco, de jogo feio, grotesco, de jogadas ridiculas. Não ia falar disso agora mas falo: que Arsenal é esse? Tem uma hora em que ele diz que o Chelsea era o time dos artistas, a arquibancada cheia de stars, de modelos, de jovens alternativos. E do outro lado o Arsenal, um bando de sujos abnegados. O que quero dizer é: Na globalização existe um Arsenal? Na verdade não se tornaram todos o mesmo? Milans ou Bayerns, todos são times sem espirito. Weeelll..... Como brasileiro, o que me emociona mais é ler o que ele escreve sobre junho de 1970, Brasil x Tchecoslováquia. Transcrevo trechos para voces....
   "Até 1970, quem tinha a minha idade, ou era pouco mais velho que eu, sabia mais sobre Ian Ure que sobre o maior jogador do mundo.  A copa do mundo de 1970 inaugurou uma nova era do futebol. O esporte sempre fora global, no sentido de que ele era jogado em todo o mundo, mas em 1962 quando o Brasil fora bicampeão no Chile a TV ainda era um luxo e não uma necessidade. E em 1966 Pelé fora expulso da copa pelas botinadas dos portugueses. 1970 é na verdade a primeira copa em que se dá o confronto Europa x América do Sul testemunhado pelo mundo inteiro.
   Quando a Tchecoslováquia abriu o placar, David Coleman na BBC comentou: "As previsões sobre o Brasil se confirmam", ele falava sobre a defesa desleixada do Brasil. Nos 80 minutos seguintes tudo o que ouvíamos falar sobre aquele time também se confirmou. Igualaram numa falta batida por Rivellino em que a bola veio descaindo, virando e deslizando ( alguma vez eu já vira um gol de falta? Não lembro de nenhum ). ..... Venceram por 4 x 1, e lá na nossa vizinhança ficamos literalmente assombrados.
   Não foi só pela qualidade daquele futebol, foi pelo jeito como eles encaravam as firulas mais engenhosas e desconcertantes como se fossem tão funcionais e necessárias como um lateral ou um escanteio. .... até a maneira brasileira de comemorar os gols, uma corrida de quatro passos, um pulo no ar, a mão para o alto, era esquisita, engraçada, invejável, tudo ao mesmo tempo.
   ....num torneio que forneceu dúzias de superlativos- o melhor time de todos os tempos, o melhor jogador de todos os tempos, até os melhores gols perdidos de todos os tempos- tivemos duas contribuições próprias, a melhor defesa de todos os tempos ( Banks contra Pelé, claro ) e o melhor e mais elegante desarme de todos os tempos ( Moore contra Jairzinho ). É significativo que nossa contribuição a esse carnaval de superlativos se deva à excelência defensiva, mas não importa- durante 90 minutos a Inglaterra jogou tão bem quanto o melhor time do mundo. Chorei depois do jogo....
    De certa forma o Brasil estragou a festa de todos nós. AQUELE TIME REVELOU UMA ESPÉCIE DE IDEAL PLATÔNICO QUE NINGUÉM, NEM OS PRÓPRIOS BRASILEIROS, SERIA CAPAZ DE ATINGIR NOVAMENTE. PELÉ PENDUROU AS CHUTEIRAS, E NAS COPAS SUBSEQUENTES ELES SÓ MOSTRARAM PEQUENOS LAMPEJOS DAQUELE FUTEBOL, COMO SE 1970 FOSSE UM SONHO SEMI-ESQUECIDO QUE UM DIA TIVERAM DE SI-MESMOS.
   Um sonho semi-esquecido que tiveram de si-mesmos... é preciso que venha um inglês doido por futebol para nos lembrar desse sonho.
   Neste mundo em que só um único time tenta jogar diferente, bonito, voces podem, brasileiros chatos, estar pensando: Ora, não foi tudo isso.... E eu recordo da final com a Itália. Alguém já viu alguma final em que a seleção perdedora, após um 4x1, corre para os adversários, e como fãs pede por favor uma camisa, um autógrafo?
   Nick Hornby, louco pelo Arsenal, lá nos frios bancos da zona norte de Londres, escreveu o que foi uma visão de sonho para ele. Cabe a nós aplaudi-lo.

UMA ESTRELA CHAMADA HENRY- RODDY DOYLE

   Um casal, Melody e Henry têm um filho na Irlanda do começo do século XX. Melody aos 20 anos já parece velha. Miséria, filhos mortos, doenças, ignorãncia. Henry, o pai, é leão de chácara de um bordel. Ocasionalmente ele mata alguém. A arma que ele usa é sua perna mecânica. O Henry filho vai crescer em meio a guerra contra a Inglaterra. Essa é a trama geral deste livro, o mais ambicioso de Doyle, mas não o melhor. Paddy Clarke Ha Ha Ha é bem melhor.
   Mesmo assim este livro, apesa de seus erros, é obviamente obra de um grande escritor. O modo como ele descreve os ambientes tem a marca de bela observação, de humor hiper negro, de argúcia. Por outro lado não convence o modo como os persoangens pensam. Em meio a tanta sujeira e miséria eles pensam às vezes "bem" demais. Pode ser preconceito meu, de repente estou subestimando aquele povo, mas Henry raciocina demais para quem cresceu em tais condições.
   Muita gente se pergunta o porque de a literatura conseguir ser tão forte. Mesmo quando artes como a pintura ou o cinema se mostram em baixa, a literatura continua produzindo bons escritores e bons livros. Me parece que a explicação é a de que o homem tem uma necessidade vital de contar sua experiência, de criar personagens, de narrar. É ao lado da música a mais básica das artes. Mas ao mesmo tempo me incomoda essa falta de sutileza de Doyle, o modo como ele carrega na dor, as descrições de violência, de sujeira, de fedor. Pra que? Pra que repetir mil vezes a desgraça que já conheci, já entendi como foi, já me foi oferecida. Cansa a quantidade de camisas sujas, de mangas imundas e de narizes escorrendo. Isso não é um excesso de sensibilidade minha, é um excesso de bater na mesma tecla dele.
   Entre 1850 e 1900 a Irlanda perdeu um terço de sua população. Desse um terço, metade imigrou para a América, metade morreu de fome. Os irlandeses, vivendo num país sem solo e sem clima ameno, morriam tentando comer casca de árvore e capim. Os ingleses, patrões orgulhosos, estavam ocupados com a India para perder tempo com os "ignorantes e sujos" irlandeses. Este livro revisita esse universo. Mais um a fazer isso. São livros, filmes, músicas, poemas...creio que é chegada a hora não de esquecer, jamais, mas de diminuir a exploração dessa dor. Há o risco de se transformar a luta pela independência numa mera aventura ousada de um bando de "irlandeses doidos".
   Irlandeses não são doidos, não são sujos, não são geniais. São tão somente um povo que nada tinha de seu, que foi subjugado, pisoteado e tentou reagir como podia. Se pareceu doido, era de ira; se pareceu sujo era de fome e se pareceu genial, era uma forma de tentar sublimar a dor de nada ter. Existiram milhares de Henrys e eu acho, em que pese Doyle ser um belo escritor, repito; que eles mereciam um livro melhor.

PEANUTS COMPLETO ( DEVE SER DIFICIL CRESCER NO MEIO-OESTE )

   Vale muito a pena gastar 300 reais na edição da LPM das tiras de Peanuts. São livros em edição de luxo, capa dura, dignos da obra de um dos caras mais influentes do século. Quanto mais eu leio sobre Charles M. Schulz mais eu o admiro. O livro 1 tem uma bio dele e melhor, uma longa entrevista feita em 1987. Apesar da melancolia que sempre o acompanhou, Schulz teve uma vida abençoada.
    Schulz cresceu na era da depressão, em St.Paul, naquele tipo de cenário com muita neve e muito gelo. O pai era um barbeiro, e os pais, que ele sempre adorou, estudaram apenas até a terceira série primária. Schulz cresceu muito inseguro. Sentia-se amado em casa, mas desamparado na escola. Achava-se feio, desajeitado e pouco inteligente. Mas tinha algum jeito em esportes com bola e desenhava bem. Foi office-boy e entregador. Tinha a fama de ser "pouco viril" na rua. Filho único. Então veio a grande tragédia, a mãe, ainda jovem, teve um câncer e ao mesmo tempo ele foi convocado para a segunda guerra. Na véspera do dia em que ele deveria partir, a mãe se despediu dele "para sempre". Schulz embarcou para o front logo após o enterro da mãe.
   O garoto "pouco viril" se destacou na guerra e se fez sargento. Chegou a liderar um pelotão de metralhadoras. Quando voltou aos EUA pensou: - "Se isso não é ser um homem não sei o que será". Publicou sua primeira tira num jornal local, foi despedido!!!! e conseguiu na sequencia ser aceito em New York!!! Chegamos ao trabalho de Schulz....
   Quem gosta superficialmente de quadrinhos não tem a menor ideia da importância de Peanuts ( nome que Schulz detesta ). Ele criou, sózinho, tudo o que se entende por tira de quadrinho moderna. É o primeiro a lidar com crianças como seres complexos, o primeiro a ser desenvolvido e criado em progresso, o primeiro a exibir neuroses, o primeiro a não ter o menor traço de heroísmo ou humor chulo... e poderia ficar até amanhã enumerando as ousadias modestas de Schulz. Mas talvez a principal criação seja a depuração, a extrema simplicidade do traço de Schulz. Todo grande artista almeja a pureza, o refinamento final, a simplicidade que diz tudo. Charles M. Schulz chegou nessa depuração, estágio a que só os grandes conseguem ir. E tudo sem grandes malabarismos intelectuais, Schulz chegou a sua arte pela intuição, pelo faro, fazendo apenas aquilo que desejou sempre fazer.
   Ao contrário de vários mercenários dos cartoons, Schulz nunca permitiu que Charlie Brown crescesse, mudasse ou seguisse os ventos da moda. Sempre fez questão de desenhar todos os cartoons ( Schulz trabalhava só, sem assistentes ), e nos desenhos de TV, exigiu a técnica de semi-animação, o que deixava os personagens iguais aos cartoons ( Charlie Brown se movendo hiper-animado é impensável ). Já bastante doente, em 2000, Schulz continuou desenhando seus cartoons todo dia. Menos em sua última noite. Pela primeira vez em 50 anos ele não conseguiu fazer Peanuts e foi deitar. No dia seguinte, sua última tira, feita um dia antes, foi publicada. Ao mesmo tempo em que essa tira, que ninguém sabia ser a última, estava nos jornais, Charles M. Schulz morria. Era o fim, para sempre, de novas tiras dos Peanuts.
   Recordo de um amigo na faculdade me avisar da morte de Schulz. Fui pra casa e li a matéria no jornal. Lembro com clareza que me surpreendi. Eu imaginava que Schulz ia viver para sempre. Chorei.
   Ele era o tipo de americano, filho de imigrantes, que fez a fortuna da América. Era econômico, idealista, modesto porém muito teimoso, trabalhador incansável ( ele nunca tirou férias em toda a vida ). Ia a igreja, agradecia a Deus por sua sorte, amava os filmes de John Ford e as aventuras passadas em desertos ou em selvas. Ouvia música country e lia Tolstoi.
   Charlie Brown em 1950 é muito diferente daquilo que veio a ser. Linus, Lucy e Schroeder ainda não existiam. Snoopy era magrinho e não pensava. E Charlie tinha um lado violento, adorava tirar uma da cara dos outros. Mas já tinha momentos de total deprê e era um zero nos esportes. Duas frases que eram muito repetidas em 1950 acabaram por ser abandonadas: ele era chamado pelas pessoas de "o bom e velho Charlie Brown", e "Eu também dou minhas risadas", que Charlie falava ao aprontar uma pegadinha com alguém. Nessas tiras uma das inovações de Schulz fica bem nítida, os personagens evoluem, não são figuras acabadas e prontas.
   Eis a primeria tira:
   Shermy e Patty estão na rua. Charlie Brown vem andando. Shermy diz: Lá vem o bom e velho Charlie Brown! No quandrinho seguinte ele repete: Sim senhor! O bom e velho Charlie Brown! No terceiro quadro ele fala novamente: O bom e velho Charlie Brown! E no último quadro, com Charlie já ido, Shermy diz: Como eu odeio ele!
   Falsidade, agressividade, isolamento, ingenuidade, pronto, eis a apresntação de Charlie Brown.
   Na terceira tira nasce Snoopy. Ele anda pela rua com uma flor na cabeça. Patty rega essa flor. Ela murcha. Apenas isso. Ainda não é O Snoopy, o cão que de todos os personagens é o único criativo, o único personagem que imagina saídas, que colore com fantasia seu mundo cinza; mas já é um Snoopy extra-cool, na dele, que tem sua vida de observador reservado das tolices dos outros.
   Em novembro de 1950 vejo a primeira tira que revela todo o gênio de Schulz. Nela, Shermy e Charlie Brown estão sentados na calçada. Nada é dito, eles olham pro chão. Por três quadros ninguém se mexe e ninguém fala nada. No fim, Shermy diz: "É...então....é assim que as coisas são!"   O que mais se pode dizer? Está tudo aí, em oito palavras, em duas figuras paradas. O máximo de concisão, de depuração, a simplicidade sendo atingida no alvo.
   As tiras logo foram adotadas pelos beatnicks, pelos hippies, pelos defensores dos direitos civis. Filósofos começaram a ver milhares de significados em Peanuts, artistas divagavam sobre mensagens ocultas. Snoopy e Charlie Brown se tornaram as duas figuras mais pop do planeta e até à Lua foram enviados ( a Apolo 10 tinha um módulo Snoopy ).  E em meio a tudo isso, Schulz continuou o mesmo. Trabalhando todo dia, rindo dos sentidos que os filósofos davam a toda frase dita pelos cartoons, fazendo a única coisa que ele realmente amava: desenhar.
   Percebo agora, escrevendo isto, que Peanuts também antecipa a infantilização do mundo. É como se hoje o máximo de maturidade que pudéssemos ter fosse aquela de Charlie Brown e Linus. Nas tiras de Schulz jamais apareceu um adulto. E nelas, um cão era rei. Intuitivamente, Charles M. Schulz previu nosso pequeno mundo de crianças/adultos desamparados e neurotizados.
   O que mais alguém deve fazer pra ser chamado de gênio?