PIRATAS DO ROCK/ BRUCE WILLIS/HITCHCOCK/PETER FONDA/DEMÔNIOS SOBRE RODAS

ZAROFF de Irving Pichel com Fay Wray e Joel McCrea
Um dos piores de todos os tempos. A história do náufrago em ilha que é caçado por conde louco. Mal escrito, péssimamente interpretado. Ridículo. Nota Zero.
DEMÔNIOS SOBRE RODAS de Richard Rush com Jack Nicholson
Turma de Hells Angels andam de moto e arrumam brigas. O filme é só isso. Mas tem um muito jovem Jack, fazendo um cara que se mistura com eles e no final vê o quanto eles são tolos. Machismo de montão num filme monótono. Nota 3.
SURPRESAS DO AMOR de Seth Gordon com Reese Witherspoon, Vince Vaughn, Sissy Spaceck, Jon Voight, Robert Duvall
Com esse elenco se conseguiu fazer um muito medíocre filme. Um casal que viaja para passar o natal com os pais. Não há uma só fala razoávelmente bem pensada, nem um minuto de bom cinema. Tudo é tolo, previsível, bobo, infantil. Os rostos estão tão retocados digitalmente que é impossível se ver qualquer sinal de interpretação. Reese, atriz que gosto muito, já não encontra papéis e está estranhamente parecida com Nicole Kidman ! Um lixo ! Nota Zero.
O HOMEM ERRADO de Alfred Hitchcock com Henry Fonda e Vera Miles.
O mais moderno dos filmes de Hitch. Um músico casado e bom pai, é acusado de assalto. É preso e tudo se volta contra ele. Não há suspense, não acompanhamos nenhuma investigação, nada. Tudo o que o mestre nos dá é a via-crucis de Fonda, sua prisão em cada detalhe, sua muda estupefação, suas reações discretas. É filme de imensa tristeza, de nenhuma concessão. Filmado com coragem exemplar, traz ainda um Henry Fonda estupendo ( ele comove o tempo todo usando apenas olhares e movimento de mãos ). Um filme para ser jamais esquecido. Nota DEZ !
PIRATAS DO ROCK de Richard Curtis com Philip Seymour Hoffman, Kenneth Branagh, Bill Nighy e Rhys Ifans.
Maravilhosa surpresa ! História real sobre as rádios piratas inglesas que em 65/69 mantiveram vivo o rock quando ele ainda era combatido na Inglaterra. A Radio Rock realmente existiu, transmitindo de um navio ancorado no mar do norte. O filme, bem-humorado sempre, acompanha a vida desses DJs. O filme é cheio de boas cenas, mas há uma, com uma xícara de chá e som de Leonard Cohen, que é genial : engraçada e humana, que milagre ! A trilha sonora é impossivelmente ótima, tem de Kinks ( começa com ALL DAY AND ALL OF THE NIGHT ) e não esquece Pretty Things, Small Faces, Who e Yardbirds. Um filme que te deixa lá em cima, que te faz gostar dos personagens, com lindas garotas ( uma faz o estilo Anna Karina, outra faz um tipo Anita Pallemberg ) e diálogos muito bons. O que mais voce quer ? O único senão é uma certa melancolia no final... sentimos que dalí em diante fazer rock seria mainstream e que o heroísmo ficava para trás... Porque este filme não fez sucesso ? Será que o público se imbecilizou tanto assim ? Nota 9.
OS SUBSTITUTOS de Johnathan Mostow com Bruce Willis e Rhada Mitchell
No futuro as pessoas ficam em casa controlando seus clones que vivem por elas. Sacou ? Não é genial ? Não é mudernu e ousado ? Não, não é. Trata-se de uma completa e muito burra bomba. Não sei quem foi que escreveu que com menos de oito segundos por take a reflexão num filme se torna impossível. Me dei ao trabalho de contar : 3 segundos em média. Chegou um momento em que tive a impressão de estar vendo um trailer : juro, parecia que aquilo não era um filme, era o anúncio de um filme que ainda ia começar ! Não tem diálogos, os personagens são bonecos sem pensamento algum, os atores estão digitalizados. Um absoluto exemplo do pior lixo de uma época descerebrada. Isto é o fim. Qualquer chance de cinema razoável morre aqui. Um dos mais detestáveis filmes que já ví. E olha que gosto muito de Bruce !! Nota ZERO !
THE TRIP- VIAGEM AO MUNDO DA ALUCINAÇÃO de Roger Corman com Peter Fonda, Dennis Hopper e Bruce Dern
Um cara toma um LSD. O filme é sua viagem. É exatamente o que voce leu : o filme mostra Peter Fonda viajando de ácido. Sabe de quem é o roteiro ? Jack Nicholson !!!! E tem Dennis Hopper, muuuuuito jovem, como um hiper maconheiro. Peter toma um ácido com seu gurú e viaja : cores, sexo, nóia, viagem ao passado, mergulho...... O filme é muito ruim, muito pobre, mas jamais irrita. Talvez porque ele seja estranhamente honesto, simples, bem intencionado. Um toque sobre Peter : filho do grande Henry Fonda. A mãe de Peter se matou quando ele tinha 7 anos. Aos 10 anos de idade, Peter enfiou uma faca na própria barriga. Na época deste filme ele era o segundo ator mais doido da Califórnia ( o primeiro era Hopper, imbatível ). Nicholson era o terceiro mais louco ( a mãe de Jack fugiu de casa e nunca voltou ). O trio faria Easy Rider um ano depois... Não dou nota a este filme. Tô viajandão....
A ARMAÇÃO de Robert Altman com Kenneth Branagh, Robert Downey Jr., Famke Janssem e Robert Duvall
Não deu certo. O modo livre, relax de Altman não combina com este suspense de Grisham. Além do que Branagh como um sulista americano está terrível. Altman fazendo suspense é tão estranho como seria Tarantino fazendo Bergman. Nota 3.

WILSON PICKETT, MOMENTO PARADISÍACO E INFERNAL DA PENÚLTIMA REVOLUÇÃO

Primeiro.
Um elegante baterista. Close. Ritmo perfeito. Mantido o close.
Então.
Funky Broadway. Pickett - A VOZ.
Então.
Eu pergunto :
Saberia aquela moça, branca, que 43 anos depois, um cara no Brasil, estaria assistindo seu frenesí, e sentindo estar testemunhando um momento sagrado ?
Teria ela consciência de que aquilo seria transformado em presente/futuro para sempre ?
Então eu te afirmo.
Que naquele palco, onde inesperadamente, não programadamente, não ensaiadamente, um povo invade o palco e assume o show - brancos e pretos juntos sexualizados - está uma fração mágica daquilo que a música pode e deveria sempre ser. Transcendência.
Agora.
Algo de profundamente emocionante acontece lá. Felicidade. Plena, total, instintiva e corporal. Naquele palco acontece o Eden já, o paraíso é agora.
Então.
Rostos riem nada afetados e cool é ser hot. Lágrima. Anjos bateram asas naquele palco. Com chifres.
Agora.
43 anos mais tarde, uma geração gaga pode olhar essa febre.
Mas gagas não sentirão nada. A esclerose do espírito e o alzheimer do coração mata toda chance de compreensão de nada que não seja tirado de seu mundinho cotidiano. Talvez para o gaga este palco em chamas seja somente um clip em preto e branco mal produzido e com figurantes feios.
Então.
Eu te digo : Ressuscita cara !
Que Beatles que Dylan que Iggy que nada. O símbolo de um momento revolucionário é este minuto de Wilson Pickett. A massa preta que pula como ondas em tsunami de extase é prova de que Deus deve existir.
Agora.
Que o futuro nos traga essa energia. O mundo gaga anda precisando de uma boa faxina !

( Acesse : land of 1000 dances - wilson pickett e depois funky broadway - wilson pickett ou htpp://www.youtube.com/watch?v=HcTWxJ )
PS: recentemente a revista ROLLING STONE escolheu o melhor cantor da história. Deu Aretha Franklyn ( valia homem e mulher junto ). Pickett foi o melhor.

COMO A GERAÇÃO SEXO DROGAS E ROCK'N'ROLL SALVOU HOLLYWOOD - PETER BISKIND

Num tempo em que Abbie Hoffman levou milhares de hippies ao Pentágono para fazer o prédio levitar e sumir no céu... ( E os caras acreditaram ter visto o prédio levitar )... surgiu um bando de freaks que invadiram a muito comportada e falida velha Hollywood...

Este é um livro que pode e deve ser lido por todo mundo. Não é preciso conhecer ou ser fanático por filmes. Peter escreve sobre gente, sobre sexo ( muito ), drogas ( muitíssimo ) e sobre luta por poder ( acima de tudo ). O estilo é puro Norman Mailer, curto e grosso, não há nada de elaborações sobre filmes ou sobre diretores, não... ele conta a história : louca, louquíssima e divertidíssima história.

Voce vai entender porque Scorsese e Spielberg levaram tanto tempo para ganhar um Oscar e porque Brian de Palma jamais irá ganhar o seu.
Há a descrição da primeira exibição de MEAN STREETS para os executivos da Warner e a reação que eles tiveram... as loucuras que Peter Bogdanovich fez por amor à Cybill Shepherd... o mau caratismo de William Friedkin e seu O EXORCISTA, filme que ressuscitou, sem querer, a velha Hollywood... o demente Dennis Hopper, tentando bater em todo mundo, arrumando confusões todo o tempo e se destruindo dia a dia... o modo como todos eles, diretores e técnicos, produtores e tietes, foram se destruindo, por excesso de tudo : grana, drogas, sexo, ego, rocknroll.






Num tempo em que os Panteras Negras iam ao cinema uniformizados, assistir Gillo Pontecorvo e ficavam anotando toda a tática de guerrilha que o filme mostrava





Num tempo em que todo universitário americano sonhava em entrar no cinema, assistia 12 vezes o novo Godard e o novo Antonioni e escrevia roteiros sobre a revolução enquanto fumava um e dizia coisas do tipo : " Aí cara, voce tem jeito de diretor de fotografia... tú vai ser o diretor de fotografia ! " " - Mas eu nunca fiz isso !!!!! " "- " Iiiiih... deixa fluir que as coisas pintam... "

E então surgiu a cocaina, e todo esse take it easy se transformou numa feroz guerra mafiosa de egos imensos. Megalomania que levou a destruição de todos os ideais construídos por eles próprios. Venceram a guerra com os conservadores, para depois entregarem tudo de volta.



É nesse tempo romântico, ingênuo, perigoso, que se inicia este fantástico livro de Peter Biskind sobre cinema. Ele mostra que cinema já foi tão amado e discutido como é o esporte hoje. As pessoas vestiam a camisa, brigavam por um filme, amavam. Diretores queriam ser Kurosawa, queriam fazer filmes realmente novos, diferentes, originais. Mas a ironia da história é que sem querer ( e O PODEROSO CHEFÃO foi o inventor disso ) eles criaram o blockbuster. Todos aqueles idealistas doidões são os grandes produtores de hoje ( Simpson, Bruckheimer, Geffen, Katzenberg..... ) Produtores que chegavam a comprar tijolos de maconha para servir no set e deixar a equipe feliz. O CHEFÃO foi o primeiro filme a ser lançado em rede, antes das críticas, caindo pesado no público e batendo recordes em uma semana. De lá em diante, todo filme seria lançado assim, como terremoto, operação militar.

É engraçado saber que em STAR WARS Han Solo foi baseado em Coppolla e que o roteiro ( ? ) escrito por Lucas era tão ruim que provocava risos em quem o lia. George diz várias vezes ter feito um filme para crianças de 8 anos. Desde então, toda grande produção é para crianças de 8 anos. A equipe inglesa durante as filmagens dava risadas da sua falta de habilidade na direção...




No começo havia Warren Beatty. Sim, Warren foi o jovem ator classe A que bancou a nova geração. Foi com seu esforço que a Warner bancou BONNIE E CLYDE, e é com esse filme que a velha Hollywood é fulminada ( para ressuscitar nos anos 80 ). De repente tudo pode. É momento fascinante ! O que notamos hoje é que apesar de aquela ser a primeira geração ( e última ) de diretores americanos livres, ela acabou sendo também a grande última geração de atores americanos. Os diretores, que não gostavam de estrelas, pois eles diretores queriam ser as estrelas, terminaram por criar super estrelas. De Redford, passando por Warren, Jack Nicholson, Al Pacino, Dustin Hoffman, Robert Duvall, Jon Voight, Clint Eastwwod, Woody Allen, Robert de Niro, Harvey Keitel, James Caan, Steve McQueen, Stallone, Gene Hackman, Gene Wilder, Richard Gere e inesgotável etc.
Agora atente : eu não sei se Johnny Depp é pior que eles. Nunca saberemos. O problema é que em vinte anos de carreira ( na verdade são 23 ) Depp, assim como Nicolas Cage ou Tom Cruise, não tiveram a disposição os papéis que essa outra geração teve. É assustador ver a filmografia de Depp e constatar a falta de verdadeiros desafios nos filmes que ele fez. Se olharmos os vinte anos iniciais de Pacino, De Niro ou Hoffman constatamos o quanto os atores de hoje estão sendo sub-aproveitados. Sem falar em Jack Nicholson, o muito doido Jack, que emerge do livro como o poderoso chefão de toda aquela geração. ( Foi em UM ESTRANHO NO NINHO que a equipe recebia quilos de maconha do produtor, Michael Douglas !!!!!! Alguém lembrou de GAROTOS INCRÍVEIS ? )





Primeira lição : É incrível como o cinema de hoje se parece com o cinema americano dos anos 50. Toneladas de péssimos filmes sempre iguais e meia dúzia de bons diretores trabalhando totalmente ilhados. A maioria dos novos diretores é enquadrada pelo esquemão e lá se acomoda, alegremente. E é só. O cinema é hoje irrelevante culturalmente. Milhas atrás das artes plásticas, da música, do teatro e até da arquitetura. Intelectualmente, um zero.
Quem tem ânimo para tentar salvar o cinema ?
E salvar pra quê ?





Mas já foi diferente. Bergman tinha a estatura de Samuel Beckett e Fellini era tratado como Saramago é hoje reverenciado. O ULTIMO TANGO, MASH ou FACE A FACE eram tratados como um novo livro de Saul Bellow ou de Philip Roth.

Truffaut, que foi ator de Spielberg em CONTATOS IMEDIATOS gostava de Steven. Mas não entendia como podia seus diretores favoritos serem Claude Lelouch, Robert Enrico e Philippe de Brocca ! O HOMEM DO RIO de Brocca, Spielberg assistiu 9 vezes !




É bacana ver que foi Warren Beatty quem lançou Woody Allen no cinema. Ou ver o impacto que Blow-Up de Antonioni causou nos velhos executivos ( " Não entendí nada !!!!!!" ). Hilário Woody sendo entrevistado para seu primeiro filme ( com Warren ao lado )
Woody : - Quero 60 mil pelo meu roteiro mais 10% dos lucros "
Produtor : - Tá doido ?
Woody: - Tá bom, me dá uns trinta e negócio fechado !

Scorsese após TAXI tornou-se um nojo. Quando sua filha nasceu ele abandonou a esposa no mesmo dia para se drogar com Liza Minelli. O clima era muito ruim. George Lucas viu o copião de NEW YORK NEW YORK e disse que se no final De Niro e Liza caminhassem juntos rumo ao pôr-do-sol... bem, o filme faria mais dez milhões ! Foi nessa hora que Scorsese diz ter sentido que seu tempo já era... o futuro eram filmes com finais felizes feitos para gente com 8 anos de idade.




E voce vai ler sobre o lançamento de BONNIE E CLYDE. De como toda a crítica arrasou o filme, menos Pauline Kael, que comprou a briga e o salvou. A exibição que Beatty fez para Jean Renoir, George Stevens e Billy Wilder e os aplausos dos 3. Finalmente as pessoas notavam que tiros e roubos a bancos TAMBÉM podia ser arte.
Na verdade esses diretores queriam parecer europeus fazendo filmes americanos !
Assim, BONNIE seria um filme de gangster dirigido por Truffaut e MASH uma comédia de guerra à Godard.




Vai ler como um filme era lançado na época : lançamento em uma sala. Daí se esperava pela publicação das críticas e o boca a boca do público. Dependendo dessa reação vinha o tamanho do lançamento. No futuro se mandaria a opinião geral à merda- lançar o filme em circuito gigantesco ANTES que alguém possa dar sua opinião. ANTES de voce saber se o filme vale a pena- violentamente lançado.




Leia sobre Coppola vestido sempre como Fidel Castro, o primeiro cara a mandar a velha guarda para casa. E sobre George Lucas, o super tímido Lucas, que ficava seguindo Coppolla tentando aprender. E conheça a frase que Lucas disse na época : " Hollywood morreu ! O cinema agora é feito pelo povo e para o povo ! "







Entenda como foi feito EASY RIDER. Dirigido por um paranóico que usava dois revólveres na cintura e esmurrava a equipe: Dennis Hopper.

E então surge um diretor hiper-careta, amigo dos produtores ( mas também de Coppolla e de Lucas ) que sem querer destrói todo o novo-cinema da época. Com TUBARÂO, Spielberg transforma o cinema na arte do conformismo. No lugar de filmes centrados em pessoas ( MEAN STREETS, O CHEFÃO, CHINATOWN ) surge o cinema centrado em coisas (TUBARÃO, CONTATOS IMEDIATOS, BLADE RUNNER ). É o cinema classe B ( o filme de ficção científica e o filme de terror ) elevado a classe A. Com TUBARÂO os grandes executivos viram que cinema podia ser um negócio muito rentável e no lugar de boas críticas e público tocado, nascia a ambição por números arrasadores. O que O EXORCISTA fizera sem querer, a partir de TUBARÃO se torna lei : Blockbuster ou morte. Todos os diretores passam a ser cobrados : "- Sim Marty, TAXI DRIVER venceu em Cannes... mas veja o que TUBARÃO está fazendo..."






Saiba que a Warner, MGM, Fox e Universal faliram entre 59/69. O povão parou de ir ao cinema e o pessoal mais "in" só assistia filmes europeus. Isso fez com que toda uma molecada tomasse esses estúdios de sopetão. Bastava o cara ser jovem para ter um emprego no cinema, e os roteiros mais esquisitos eram aceitos, porque Hollywood estava totalmente perdida. ( Já pensou se durante 3 anos todos os filmes dessem prejuízo ? Se avatar/batman/sherlock/2012... tudo não se pagasse ? O que aconteceria ? Uma nova geração de talentos livres para ousar ? O livro acha que não por dois motivos : 1- não existe mais um público culto e ávido por novidades. Os jovens vão hoje ao cinema para reencontrar o que já conhecem. Número 2- jovens irriquietos e brilhantes não levam mais o cinema a sério. )





Julie Christie, a atriz que só filmava quando precisava de dinheiro, recusando pilhas de roteiros e flertando com todos os movimentos de esquerda. E o incrível Robert Altman, o cara que aos 30 anos pegou um carro e sumiu, largando mulher e filhos e se mandando para L.A. Mais dez anos de trabalho em TV, de queimação de filme geral ( Ninguém nunca foi tão sincero como Altman, ele brigava com todos os executivos ) e o estouro aos 42 anos com MASH. Altman, o mais radical dos diretores americanos, o cara com quem todo mundo queria trabalhar... e um doidão total, cheio de colares e haxixe, que filmava sem cuidado algum, sempre em busca de good vibes.

O livro joga sutilmente uma idéia : Spielberg e Lucas tinham um enorme ressentimento de Brian de Palma, Scorsese e principalmente de Coppolla. Esses diretores conseguiam dobrar Hollywood, fazer filmes pessoais, misturar arte com pop. A geração blockbuster se vinga desses "metidos artistas" fazendo seus assumidos Disneys/HQ, e esfregando suas contas bancárias na cara dos "egocêntricos artistas ".
Existe desde então uma clara divisão entre o cara que faz cinema e o cara que faz um produto, com imensa vantagem, cada vez maior, para o último. O cara que faz cinema filma com uma grande preocupação : conseguirei ser deixado em paz pelos executivos ? O cara que faz um produto pensa : estarei agradando os executivos ? Coppolla filmava "apesar" dos executivos, Spielberg filma "com" os executivos.

Há no livro uma revelação que eu não conhecia : TAXI DRIVER é também uma homenagem a Godard.





Voce vai saber que os loucos tomaram conta do hospício, e que havia uma verdadeira guerra entre velhos executivos e cineastas contra a nova geração : arrogante, cheia de ácido e de filmes de Godard, Fellini e Kurosawa na cabeça. E o fim dessa geração, numa overdose de narcisismo e drogas ruins.

É tanta história cabeluda, tanta coisa boa, que minha tentação é ficar aqui contando o livro inteiro. Quer saber ? Se voce quer se divertir, leia ! Se voce adora cinema, leia ! Se voce gosta de ler bons livros, leia ! LEIA LEIA LEIA LEIA !!!!!!!!!!!!

Este livro é bom demais !!!!!!!! e é :
Puro rocknroll !!!!!!!
É o melhor livro sobre cinema que já lí. E é um puta livro, qualquer que seja o assunto.
LEIA !

HERÓIS, COTTARDO CALLIGARIS II

...E na vida existem coisas mais importantes que a própria vida. Esse é o motivo básico do herói, ir ao fim e desprezar sua segurança por algo maior que ele mesmo.
O homem vive isso por toda a vida. O homem vive no devaneio. Ele espera poder viver essa vida de herói, ele necessita dessa vida heróica. Ele quer ser "o homem que sua mãe sonhou"...
Acho bonita essa imagem "o homem que sua mãe sonhou..." Mas eu realmente não sei se concordo com ela. Ou melhor, não sei se a aceito. O que aceito é que nessa busca por heroísmo, nos tornamos soldados, amantes suicidas, drogados ou bandidos. Nos arriscamos.
Calligaris dá uma linda resposta a uma moça que diz : "Então estou cheia desses homens. Coragem é cuidar dos filhos e ir ao mercado ! " Eis a resposta : "- Meu pai era um idealista cem por cento masculino. Não ia à feira, não cozinhava e não educava os filhos. Mas se não fossem homens como ele, hoje a Europa seria um continente fascista. Pois foi ele que carregou a família para as montanhas, sem leite, sem água, com filhos pequenos, para se juntar a luta contra Hitler." Um mundo sem heróis sonhadores seria um mundo conformado. Ninguém arriscaria seus filhos em nada. Para a mulher, a vida é sempre o mais alto bem.
Uma idéia que me toca : os EUA pegaram a missão de ser a usina de heróis do mundo. Eles é que devem escrever a história heróica do planeta. É isso que os mete em guerras constantes, é isso que move seu cinema ( todo filme americano, mesmo os mais artísticos, têm heróis ), sua música, seus escritores ( desde Whitman, Poe e Twain ). Isso vai tão longe que os americanos jamais poderão aceitar algo como seguro social ou socialismo. Para eles um estado provedor é a capitulação do herói. O herói tem de viver e morrer só.
Cottardo cita OS BRUTOS TAMBÉM AMAM E CASABLANCA como os dois mais perfeitos exemplos de heroísmo. Pois o homem julga amor verdadeiro apenas o que é amor-ideal. Sacrificar o amor para manter vivo o amor, eis a estranha sina do herói. Na verdade, namorar, casar, ser pai, ser bem sucedido, são formas de frustrar o desejo de ser herói. A não ser que o namoro seja dificil, o casamento cheio de percalços vencidos e a paternidade seja ato de desafio. Flertar sempre com o abismo.
Como Dalilas, as mulheres tentam cortar os cabelos de Sansão e fazer com que o homem fique mais em casa, viva no mundo real. O trágico é que assim que esse ex-herói se aquieta, Dalila passa a sentir saudades do herói e joga suas expectativas no futuro novo Hércules : seu filho. Está perpetuado assim o ciclo.
Neste mundo, em que não existem mais tantas chances de ser herói (ir à guerra, matar um urso, construir uma cabana no mato, salvar a mocinha do bandido ) o jovem se atira a rachas, drogas, crime e pura violência cega. Nesta vida hiper protegida, o herói, longe do abismo, ansia por abismos artificiais onde se jogar.
Que belo programa de TV este Café filosófico !

MY FAIR LADY/ FRED E GINGER/WALLACE E GROMITT/A FELICIDADE NÃO SE COMPRA

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO de Max Rheinhardt e William Dieterle com Mickey Rooney, James Cagney, Olivia de Havillande, Joe E Brown, Dick Powell
Devo ter assistido num Natal aos 5 anos de idade. Suas imagens entraram em mim e passei minha vida pensando que fossem um sonho que tive. Ao assistir o DVD recordo tudo e vejo que não foi sonho, foi cinema. O visual é fantástico : fadas descem do céu, bosques que brilham, casacatas e lagos. Rooney aos 10 anos dá uma interpretação de gênio : seu Puck é aterrador. Um leprechaun de riso maldoso, um diabinho pulando e aprontando sem parar. O filme é desigual, tem momentos ruins. Mas tem outros ( Joe é humorista completo, James Cagney tem carisma para o papel ) que redimem tudo. Nota 7.
DANÇA COMIGO de Mark Sandrich com Fred Astaire e Ginger Rogers
Fred é psiquiatra que se apaixona por paciente. Todo fim de ano revejo musicais. São presentes que me dou. Este é delicioso, mas não é uma das obras-primas da dupla. Ginger era de uma sensualidade espertíssima ! Ela dá calor ao muito etéreo Astaire. Nota 8.
A HISTÓRIA DE VERNON E IRENE CASTLE de HC Potter com Fred Astaire e Ginger Rogers
É a bio de uma dupla de dançarinos que realmente existiu. Portanto, os dois têm de dançar no estilo 1910 dos Castle... é frustrante. Considerado o mais fraco da dupla, tem falta do humor que sempre abundou em seus outros trabalhos. Nota 6.
A ALEGRE DIVORCIADA de Mark Sandrich com Fred Astaire e Ginger Rogers
Ginger faz um tipo um pouco mais retraído, quase tímida. O filme é típico do estilo da dupla : ela o detesta, ele a ama, depois ela começa a amá-lo, vem um mal entendido e então o final feliz. Quando Fred canta NIGHT AND DAY para ela, a conquista. Vemos um orgasmo musical na tela ( que termina inclusive com um cigarro ). Essa cena é histórica : uma canção transforma indiferença em amor... e cremos no que vemos ! O filme é perfeito : os dois dançam e nos fazem rir, nos fazem rir e dançam. Os coadjuvantes brilham, os diálogos ricocheteiam, o filme é um iate de luxo. DEZ!
BROADWAY MELODY de Norman Taurog com Fred Astaire e Eleanor Powell
Dois amigos dançarinos disputam o amor de dançarina famosa. Powell, muito famosa na época, dança pesado. Seus pés têm chumbo. Fred dança poucas vezes, mas rouba o filme. Nota 6.
O MÁSKARA de Chuck Russell com Jim Carrey e Cameron Diaz
Porque este filme fez sucesso ? É tremendamente amador, mal dirigido, muito mal escrito e pior interpretado. A trilha sonora é de karaokê e os cenários de filminho pornô. Vai entender... Cameron, um pouco mais cheinha, nunca mais foi tão bonita. Nota 1.
WALLACE E GROMITT NA BATALHA DOS VEGETAIS de Nick Park
O cão, Gromitt, é criação de grande talento. Com poucos movimentos de sobrancelha ele transmite milhares de expressões. O roteiro mistura suspense e horror, cheio de humor. Uma delícia !!!!!! Nota 7.
MY FAIR LADY de George Cukor com Rex Harrison, Audrey Hepburn, Stanley Holloway, Gladys Cooper e Mona Washbourne
O mundo se divide em dois : os que desprezam esta obra-prima de Alan Jay Lerner, e os que a adoram. Não há meio termo : ou voce vê este filme como enfadonha frescura pseudo artística, ou voce a adora como exemplo perfeito de artesanato imortal. Eu fico com a segunda opinião, e ainda acrescento que é lembrete daquilo que perdemos nos últimos 40 anos : bom-gosto. O filme é aula de diversão adulta e elevada, suas músicas exemplo de genialidade. Rex e Audrey estão em pleno vigor : apaixonantes ! É um de meus cinco filmes favoritos. Nota... Ora ! Que nota dar ? Um mero número desmerece tanta perfeição.
A FELICIDADE NÃO SE COMPRA de Frank Capra com James Stewart, Lionel Barrymore, Donna Reed, Ward Bond
Capra, cineasta de imenso sucesso, voltou da segunda-guerra mudado. Seus filmes que eram odes à democracia, plenos de otimismo, adquiriram um travo amargo. Este foi fracasso de público e crítica na época, mas na década de 70, ao ser reprisado na TV no Natal, , foi descoberto e se tornou desde então um clássico desta época de festas. Não há filme atual sobre fim de ano que não o cite. O filme é pura fantasia, começa com estrelas conversando no céu. Stewart abre mão de seus sonhos para ajudar sua cidadezinha, o filme é a história de sua vida. James Stewart prova mais uma vez o que ele foi : o mais simpático dos astros. Seu George Bailey é complexo, mostra doçura e amargor. A cena em que ele grita com a filha no Natal é das coisas mais dolorosas já filmadas, choramos, não há como evitar. É um filme que nada teme : ele é piegas, tolo e infantil; e ao mesmo tempo é profundamente humano, verdadeiro e atemporal. Filme favorito de meu amigo Tucori ( que foi quem me convenceu a o assistir ) é uma aula de bons sentimentos e de bom, grande cinema. Nota DEZ.

MY FAIR LADY - ELEGÂNCIA E PARAÍSO

Primeiro são as flores. Closes de flores em variadas formas e cores. Durante um minuto e meio é tudo o que vemos : flores. Estão jogadas as cartas : o filme trata de estética, a estética da visão e a estética da língua. Mas é também a estética do amor e do cinema em sí. Vêm os créditos do filme : Jack Warner produziu pessoalmente, o que significa muito. Audrey Hepburn significa perfeição. Audrey fez algum filme ruim ? Rex Harrison, que Paulo Francis tanto amava, significa civilidade em grau absoluto. A Warner queria Cary Grant, mas foi o próprio Cary, com sua elegância de sempre, quem disse ser um crime tirar Rex do filme. Rex Harrison era o professor Higgins da Broadway, e ele é Higgins. Temos ainda Stanley Holloway, que significa humor em alto grau e Wilfrid Hyde-White, que é simpatia suprema. Mas há mais. Hermes Pan cuidou da coreografia, e apesar de não haver dança propriamente, todos se movem com graça e leveza. Harry Stradling fotografou, esse mestre dos diretores de fotografia, e há no filme um brilho colorido que remete a conforto e solidez. Mas vem mais : Alan Jay Lerner escreveu o roteiro e fez as letras, adaptando Bernard Shaw. Foi este filme que me ensinou que em musicais as músicas não são "pausas", elas são o centro da obra, são elas que revelam a alma do personagem. Este filme tem as melhores letras, diálogos deliciosos e uma leveza de sonho. As melodias são de Frederick Lowe e os arranjos de André Previn. Todas as músicas desta obra são perfeitas. Todas são inesquecíveis, ele é o musical para quem não gosta de musical. Se após My Fair Lady voce continuar a detestar musiciais, bem... seu caso é perdido. Cecil Beaton cuidou do visual geral. Beaton foi o Oscar Wilde dos fotógrafos, o luxo dos luxos, o nome chave do esteticismo, o dandy supremo. O que mais este filme pode ter ? George Cukor na direção, o que quer dizer gosto e tato. Após tantos diamantes, eis que ele começa.
Um cenário que é Londres, talvez em 1910. Cenário que foi feito de verdade, com suas colunas, pedras e ruas. Vemos roupas elegantes, cartolas, calhambeques, carruagens, jóias, rostos asseados. É a tal era vitoriana. Estamos no mundo da elegancia e dos bons modos. Chove então, e se abrem guarda-chuvas. Observe, nada de importante aconteceu, mas seu senso estético já está desperto. Surge Audrey, suja e com voz deplorável. Ela é uma florista de rua. Com a fala das ruas de Londres. Surgem Higgins e Pickering ( nomes adoráveis ). Um é linguista, o outro é um coronel culto. Higgins diz que a língua é tudo, e o filme é ode de amor à língua inglesa. E vem a primeira canção.
Paulo Francis em belo artigo dizia que Rex Harrison, em Londres, colocou a audiência abaixo na estréia teatral de MY FAIR LADY quando abriu a boca para cantar. Rex era péssimo cantor, então criou um tipo de "fala cantante" que é simplesmente genial. E dificílima de ser imitada. Nesta primeira canção ele fala da língua inglesa. A letra de Lerner é coisa de gênio. Rimas e ritmo, tudo flui, apesar da complexidade das palavras. Estamos capturados : o filme triunfa.
Eliza Doolittle é Audrey. O mundo queria que fosse Julie Andrews, a estrela da versão teatral. A Warner, sem Cary Grant, dessa vez bateu pé : precisamos de uma estrela das telas : Audrey. Pois Audrey está como sempre : adorávelmente adorável. Na rua ela canta sobre a alegria que seria ter uma poltrona macia e um chocolate quente. Nos ajoelhamos. Que música linda ! Ela nos transmite uma beleza que chega a doer, a beleza da esperança. O filme cresce muito. O que já era excelente fica ainda melhor.
Uma cena de poesia suprema é aquela em que amanhece nas ruas de Londres. A cidade de Dickens e de Thackeray nunca foi tão bela. Eis o pai de Eliza, um malandro bêbado chamado Alfred Doolittle. Criação genial de Holloway. Ele canta na rua, unido aos pobres maltrapilhos. Fala de sorte, de futuro. Sorrimos. O filme é de uma alegria encantadora. O mundo de MY FAIR LADY é um tipo de paraíso estético. Entramos então no santuário de Higgins, sua casa.
Um esbanjamento. Observe as janelas. Vidros azuis e amarelos, desenhos em cristal fino. Veja o imenso tapete persa no chão. As maçanetas de cobre polido, as luminárias belgas. Madeiras que cheiram a verniz em todo canto e imensos sofás de couro. O banheiro com seus azulejos pintados um por um, à mão. O padrão do papel de parede. É o ambiente de luxo masculino vitoriano. Ambiente que pede charutos, um Porto, um volume de Conrad. Não queremos sair de lá. Rex e Wilfrid moram alí. São dignos daquilo tudo. Mas a "mulher" surge e a paz se vai.
Antes de Eliza irromper na casa como sujo furacão, Higgins canta. O hino supremo dos solteiros. Jamais ouvi tantos bons argumentos sobre a vida de solteiro. Obra-prima masculina. O filme sobe ainda mais : ele é também sobre a guerra dos sexos. Me surpreendo : letras de canções podem ser tão ricas ? Alan Jay Lerner é um gênio !
Pois bem. Os dois amigos apostam. Higgins fará de Eliza uma Lady. Em seis meses. A levará a festa da embaixada, onde todos serão enganados. Estará provado que voce é o modo como fala. Higgins passa a ensinar Eliza a falar corretamente. Eliza sofre, se submete, e de súbito, no momento mais feliz de um filme cheio de momentos felizes, ela acerta : the rain in Spain... Os três dançam. A música é sublime. Um dos maiores momentos da história da sétima arte : Rex, Audrey e Wilfrid cantando e pulando. A vida pode ser perfeita. Mas o amor complica tudo....
Ela se apaixona. E canta a canção mais conhecida do filme. Impossível saber qual a melhor. Não há uma que não seja perfeita. As letras sempre são fascinantes e a melodia inesquecível. A peça/filme é momento único. Vem então a primeira prova de Eliza : as corridas em Ascott.
Essa cena em Ascott é das coisas mais belas já filmadas. E artificiais. Um desfile afetado de roupas elegantes, mulheres em fantasias divinas onde Audrey/Eliza entra como fada. O diálogo que ela trava com os lords e ladys é comédia perfeita. E o final da cena é soberbo. O filme, que se iniciara lindo continua em seu crescendo. Ele sobe todo o tempo.
Vem então o baile. Nessa cena o filme se arrisca. Não ouvimos nada do que se diz. Ficamos como distantes espectadores. Danças, poses, silêncios, exibicionismos. Eliza triunfa ! O filme se aquieta em planície alta. Cessa seu crescimento. Em duas horas de incessante êxtase ele interrompe-se. MY FAIR LADY. agora, é drama.
O filme fala então de tragédia séria : Eliza adquiriu cultura, mas o que fazer com ela ? Seu passeio pela praça onde trabalhava antes é dramático. Não faz mais parte daquilo, mas faz parte do quê ? Ela é uma Lady, mas não nasceu Lady e não tem dinheiro. Reencontra o pai, que em frenética cena de pub celebra sua despedida de solteiro. O filme continua maravilhoso, mas agora ele é doído. Higgins é incapaz de entender Eliza. Ele é masculinidade pura. Ela é só feminilidade. Não se tocam.
Mas um precisa do outro. Rex Harrison se supera em cena onde ele confessa ter se acostumado com sua presença. Sem ela a casa é vazia. Mas Eliza o repele. Ela foi pisada demais. Rex volta para casa só. E vem o final, que é de uma falta de romantismo chocante, mas que é puro Bernard Shaw. Após três horas de projeção o que queremos é mais. Pena ter acabado...
MY FAIR LADY ganhou oito Oscars em 1964. Cukor, Rex, Warner... todos levaram seus prêmios. Menos Audrey, que nem indicada foi ( injustiça. Ela está sublime. ) Foi imenso sucesso ( o que depõe a favor dos frequentadores de cinema da época. ) Foi o filme que me fez entender musicais. O assisto todo ano desde então, sempre próximo ao Natal. Ele é um presente que me dou. A alegria de rever MY FAIR LADY é a mesma de reencontrar uma festa querida. Brilhos e cores amadas, vozes amigas, canções de sonho. Nenhum filme me é mais "precioso". MY FAIR LADY é como jóia de família, foto de infância, coração de amigo : não tem preço. Ele dignifica o cinema popular, enobrece a profissão de ator, faz de uma sala um salão. É ouro puro.
MY FAIR LADY é soberbo !!!!!

SHAKESPEARE AND COMPANY - SYLVIA BEACH

A foto da capa já é uma delícia : Miss Beach rí, enquanto George Antheil entra em seu quarto pela janela. O livro vai nesse clima.
Sylvia Beach nasceu no fim do século XIX. Sua tia conheceu Whitman e guardou alguns manuscritos que Walt ia jogar no lixo. A família dela sempre foi importante, aquele tipo de família sangue-azul americana, da região que vai da Philadelphia à Rhode Island. Mas Sylvia logo se mostrou diferente e vai para Paris. Lá conhece Adrienne Monier, francesa dona de livraria, e resolve fundar uma livraria especializada em livros em inglês. Nasce a Shakespeare and Company. Livraria que vende, mas que também empresta livros. Os associados pagam uma taxa e podem pegar livros a vontade. Logo Sylvia se vê no centro da vida intelectual daquele tempo, os anos 15/35, em Paris, na margem esquerda do Sena, no centro do modernismo.
O texto é simples, leve e agradável. Ela vai falando de seus amigos, de suas vitórias, de seus hábitos. James Joyce ocupa mais da metade do livro. Apesar dela ser homossexual, Joyce é uma paixão gigantesca na vida de Sylvia. Por ele, ela se aventura em editar Ulysses, único livro que a Shakespeare editou, por ele, ela se endivida. Joyce é um enigma. Como acontece na bio de Ellman, ao terminarmos de ler este livro, somos incapazes de decidir se o irlandês foi um santo ou um crápula. Gênio com certeza. E de magnetismo irresistível.
Mas há mais. Há DH Lawrence, Gide, o amigo fiel Heminguay, Dos Passos, Erik Satie e suas manias, há Huxley, Maurois, Gershwin, Valéry, Cummings, Pound, Eliot, o esbanjador Fitzgerald. A melhor história é do músico de vanguarda americano Antheil. Ele morava no sótão da livraria e quando esquecia as chaves realmente entrava pela janela. Convidou os amigos para a estréia de sua nova obra, o Ballet Méchanique. A obra consistia de uma pianola programada tocando uma melodia sendo esmurrada pelo pianista, e em meio a tudo, uma hélice de avião fazendo perucas e chapéus da audiência voarem ( e ensurdecendo a galeria ). O que aconteceu nessa prémiere ? Ninguém ouviu a obra : do primeiro minuto ao seu final, o que se ouviu foram xingamentos, aplausos, vaias, murros, assovios e "vivas". O absoluto caos. ( Recordei de um texto- qual ? - que dizia que estamos perdendo o dom da emoção. O que nos faria hoje reagir assim ? O futebol ? ).
A livraria seria fechada por Beach em 1944, quando um oficial alemão, fã de Joyce, ameaçou confiscar tudo dele que lá havia. Antes que ele voltasse para cumprir a ameaça, Sylvia esconde todo o acervo e fecha. Passaria seis meses em campo de prisioneiros. Seus relatos da resistência são belíssimos.
Hoje, em Paris, existe uma Shakespeare and Company. No filme em que Ethan Hawke autografa livros ( qual o nome mesmo ? É com Julie Delpy... ) é lá que ele está. Mas não é a livraria de Sylvia Beach. Depois que ela fechou, um americano esperto abriu uma nova SeC em outro endereço. E eu que pensei que fosse a mesma...
Se voce ama livros vai gostar de ler este. Se voce ama a década de vinte, vai gostar de ler este. E se voce ama a vida, vai gostar de ler este.
Boa leitura.

PETER PAN FALA COM JAMES BARRIE

Quantos dedais foram dados ? E quantas avelãs em troca ? Dedais e avelãs não podem saciar a fome de beijos. Peter Pan com mais de quarenta nunca dá certo.
Ironia é. Na Terra do Nunca tudo tem de ser para sempre. Principalmente brincar. E se você disse pra mim, um dia, "Eu te amo", esse "Eu te amo" tem de ser para sempre.
Peter Pan com quarenta idos vê os amigos envelhecerem. E se recolhe com dor : Onde a loucura deste ? Cadê a coragem deste outro ? Melhor seria não os ver nunca mais.
Quantas Sininhos surgiram ? Voando, tão leves, ao redor do seu rosto e capturando seu coração incapturável ? E todas elas, em tarde de horror, transformaram-se em Wendys. Aquela que voava e espalhava brilho, tarde, cobrou os seus dedais.
Patético Peter. Você espera o que neste parque onde vive ? -" Eu nada espero. Não espero. Quero que nada mude, sempre."
Mas existe um tic tac, e existe um Gancho ( existia ).
Peter, Gancho morreu ! O crocodilo partiu e surpresa : o relógio correu.
Com mais de quarenta, voar ainda ? Não há mais contra quem lutar...
As Sininhos ainda lhe procuram. Elas surgem com seu brilho de pó e seus sorrisos de fadice. E como vocês riem ! Viver pode ser uma grande amizade, e vocês são amigos de tudo da vida.
Mas hoje você sabe, Sininho será Wendy e Wendy quer uma casa de tijolos, ela não pode viver no bosque dos Garotos Perdidos. Ela envelhece, Peter Perdido.
Sua vida foi gasta com Sininhos e suas palhaçadas, com Wendys e seus dedais.
E tudo o que você queria era voar.
Voou Peter ? Tanto quanto podia ? -"Eu voei e vôo ainda !"
Seu rosto Peter, está pesado, seu riso, tem algo de Gancho nele... você pode ouvir seu tic tac ?
-" Eu continuo na Terra do Nunca, e todas as Sininhos continuam comigo. Eu sei, eu sei e saberei sempre, um eu te amo é para sempre !"
Peter Pan com mais de quarenta jamais pode dar certo.
Mas quem viu o mundo lá do alto e lutou com Gancho e Índios, não poderá jamais esquecer. Seus olhos viram o que vale ser visto. Quem pode condenar sua magia ?
-"Então pegue minha mão e comece a voar. Pense apenas em coisas boas e não me largue. Esqueça sua casa, esqueça o tempo. Conte-me histórias de fantasia, eu não quero saber da realidade. Porque o mundo dos homens é mentira e eu sou de verdade."
Crianças sabem. Bichos sabem. Homens nada sabem.
Peter Pan aos quarenta, mais, brinca do que ?
Brinca com palavras, brinca com teorias, procura o que não morre e voa com Sininhos. Peter rima tortas frases e nunca vê a realidade. Mas e daí ? Ele jamais matou uma fada !
A noite sobe pela manhã, e ele sabe que nada pode ser explicado.
A manhã adormece na tarde, e ele vê tudo que interessa.
Tarde que fecha os olhos de noite, onde ele adormece sabendo que tudo é sempre o de sempre.
Peter Pan -" Morrer deve ser a maior das aventuras !" Mas fique mais um pouco por aqui. Entre samambaias e o mar. Espere a chegada de nova Sininho ( que será mais uma Wendy ) e mantenha o tempo em suspensão.
Com mais de quarenta você já venceu. O cabo foi dobrado e o tempo lhe é amigo.
Ridículo Peter Pan com mais de quarenta, continue a voar.

SOBRE OS FILMES E DESENHO :
Hook de Spielberg - Tem elenco brilhante ( um Gancho-Dustin Hoffman perfeito ) mas Spielberg se perde num excesso de mel. Nota 6
Peter Pan de PJ Hogan - Uma chatice. Efeitos gratuitos e muito pouca poesia. Nota 2.
Peter Pan da Disney - Os primeiros trinta minutos são poesia magistral. As imagens de Londres noturna são imbatíveis. Depois vira aventura banal. Nota 8.

BUSTER KEATON/TAVIANI/SPIELBERG/PAUL NEWMAN

FLIPPER de James B. Clark
A história do garoto da Florida que faz amizade com golfinho. O filme se tornou série de Tv ecológica. Muita gente passou a conhecer golfinhos via Flipper. O filme é ingênuo, doce, meio enjoado. Mas o cenário é lindo. Nota 4.
FREE AND EASY de Clyde Brucknam com Buster Keaton, Robert Montgomery e Anita Page
Buster Keaton em filme falado... ele tem uma voz séria, fria, pouco engraçada. Seu corpo fica subjugado aos diálogos e o filme se torna um grande vazio. É triste assistir ao começo do fim deste mago da poesia. Como ver um pássaro sem asas. Hitchcock disse que " todo filme ruim é igual : são duas pessoas falando e mais nada. " Keaton falando cala seu corpo e amordaça seu rosto. Fim. Nota 3.
NOITES COM SOL de Vittorio e Paolo Taviani com Julian Sands, Nastassja Kinski e Charlotte Gainsbourg
Se voce se interessa por religião e fé este filme é obrigatório. Trata da luta de um homem por conhecer Deus. Ele se entrega ( ou tenta se entregar ) a solidão total. Cenário, música e atores exatos. Há uma cena de chuva de doer de tão bela. Nota 8.
CIÚMES de Clarence Brown com Clarck Gable, Jean Harlow e Myrna Loy
Eu adoro Myrna Loy. Para mim, ela é a mulher perfeita. Aqui ela é esposa feliz de homem apaixonado e romântico. Mas um dia ela põe na cabeça que ele a trai com secretária. O tipo de deliciosa besteira que Hollywood fazia às dúzias, num tempo em que cinema era indústria de "diversão civilizada ". Todos os atores transpiram charme, os diálogos são leves e espertos e o filme corre como trem de prata. Relaxe...... Nota 7.
CASANOVA E A REVOLUÇÃO de Ettore Scola com Marcello Mastroianni, Jean-Louis Barrault, Hanna Schygula e Jean-Claude Brialy
Em que pese um Mastroianni soberbo como um Casanova velho, e um Barrault apimentado como um escritor libertino, este mastodôntico filme do belo diretor Scola, tem os piores defeitos do cinema europeu : ele se acha mais brilhante do que de fato é. Nota 3.
CAVADORAS DE OURO de Mervyn Leroy com Joan Blondell, Dick Powell, Ruby Keeler, Ginger Rogers e Aline MacMahon
Garotas na miséria tentam fazer sucesso na Broadway. É musical coreografado por Busby Berkeley, ou seja, é ridículo, exageradamente carnavalesco, é o máximo do kistch, e é divertidíssimo !!!! Joan é sedutora, Dick é o bom rapaz, Ruby a menina inocente, Ginger faz a gostosa interesseira e Aline diz as melhores piadas. Só vendo para crer neste musical onde ninguém dança ( até o surgimento de Astaire o que se fazia era mover a câmera pegando atores quase parados. Musical era uma sucessão de "quadros" posados, onde o ritmo era dado na edição. Astaire paralisou a câmera e soltou os pés. ) As músicas são ótimas. Nota 7.
LOUCA ESCAPADA de Steven Spielberg com Goldie Hawn e Ben Johnson
Moça "obriga" marido a escapar da prisão para que possam raptar o próprio filho e salvá-lo da adoção. O filme é todo on the road. É divertido ver este muito jovem Spielberg filmando de modo solto, sem nenhum melado, engatilhando algumas cenas pouco "perfeitas", mas já exibindo sua fixação pela infância. O filme foi grande fracasso e nada fazia prever o que Spielberg se tornaria. Um belo road-movie dos 70's. Nota 7.
VALE TUDO de George Roy Hill com Paul Newman
Que belo filme e que bela surpresa ! Nesta história de um fracassado time de hockey no gelo, Paul Newman brilha no papel do técnico-jogador que se convence de que para vencer é preciso ser muito sujo, jogar feio e com violência absoluta. O filme não tem vergonha : o que importa é vencer. Trata-se de uma comédia que se tornou cult, que foi péssimamente refilmada e que diverte muito. O time todo é feito de desajustados e o trio dos Hanson, três atores amadores descobertos para o filme, é hilário. De certa forma este é o primeiro filme de "Adam Sandler ou de Will Ferrell" da história. É o mesmo tipo de humor mal caráter e sujo, mas aqui, ainda com resquícios de roteiro e direção. Nota 8.
O PAI DA NOIVA de Vincente Minelli com Spencer Tracy, Joan Bennet, Elizabeth Taylor e Don Taylor
Refeito em 95 com Steve Martin, Diane Keaton e Martin Short. É incrível, mas o roteiro é quase exatamente o mesmo ! Muito pouco foi mudado, talvez apenas as cenas com Short. Apesar de eu adorar Steve, Spencer Tracy está a anos-luz dele, assim como comparar Elizabeth Taylor com a mocinha que fez a filha em 95 chega a ser cruel. Minelli também não pode ser comparado à Charles Shyer. Então pra que o refilmaram ? Nota 7.
INTRIGA INTERNACIONAL de Alfred Hitchcock com Cary Grant, Eva Marie Saint, James Mason e Martin Landau
Dizer o que ? Este é o filme que me fez descobrir Hitchcock. Trata-se de um dos dois ou três filmes mais divertidos já feitos. Ele é leve, engraçado, cheio de ação, de suspense e de clima de pesadelo também. Um banquete, onde o mestre inglês esbanja genialidade em fazer o que quer com seu público. Se existe um filme perfeito, este é o filme. NOTA ACIMA DE TODAS AS NOTAS.
A TORTURA DO SILÊNCIO de Alfred Hitchcock com Montgomery Clift, Anne Baxter e Karl Malden
O lado negro de Hitch. Filmado em Quebec, cheio de sombras, este filme trata de padre que é acusado de crime. Ele sabe quem é o assassino, mas não pode dizer quem é sem quebrar seus votos de segredo de confessionário. Este filme original trata de religião, de culpa, de paranóia, de razão contra fé e de um ator extraordinário : Clift, o ator que abriu caminho para Brando. É também um dos filmes que melhor usa o truque favorito de Hitchcock : as tomadas em que os olhos dos atores falam conosco; são momentos soberbos. Não é um filme fácil, é desprovido de humor, mas é um grande filme. Nota 9.

INTRIGA INTERNACIONAL - HITCHCOCK, O MELHOR ?

Saiu mais um DVD de INTRIGA INTERNACIONAL. Este vem com dois discos. O filme no disco 1 e no 2 tem quatro horas de extras ! Só o documentário sobre Cary Grant já vale o investimento, mas ainda temos um farto material sobre Hitch com depoimentos de fãs como Scorsese, Guillermo del Toro e Curtis Hanson. Para um fã desse filme como eu sou, é um super prazer. Mas vamos ao filme.
Passei por toda a minha adolescência evitando Hitch. Por dois motivos : Primeiro eu o achava muito Pop. Como fã de Fellini e Truffaut, eu achava que Hitch não tocava em grandes temas. O incrível era eu desconhecer ser Truffaut um fã do inglês. O segundo motivo era OS PÁSSAROS. Eu o vira quando criança e sentira muuuuuito medo. Beeem ...
Até que um dia, num entediante sábado, assisti este INTRIGA INTERNACIONAL na antiga TV Manchete. Nem me lembro o porque de finalmente encarar o mestre, mas ví o filme completamente estarrecido. Eu descobria um segredo : o grande cineasta não era aquele que falava de "grandes temas", mas sim aquele que fazia grandes filmes. Hitchcock ainda é referência por isso : ele diverte quem procura diversão e intriga aquele que vê o cinema como arte. Seu domínio é absoluto. Ele esbanja talento, se exibe, faz brincadeiras, nos pega pela mão e leva onde quer. Não tem concorrentes na arte de iludir, de "filmar leve", no modo como as cenas fluem, constantes, absolutas, certeiramente exatas.
Grant é um executivo bem-sucedido. É confundido com agente-secreto e corre meio USA fugindo dos seus novos inimigos. O filme é todo absurdo : nada faz muito sentido e tudo é inverossímel. Mas... quem se importa ? Hitchcock jamais procura o realismo. Os seus filmes sempre são cinema, ilusão, e nos envolvem. Não questionamos, sentimos. Sua maestria já está inteira nos primeiros 3 minutos de filme : vemos Cary Grant e percebemos sem pensar que já conhecemos seu personagem. Hitch apresenta situações sem discursos, sem apelações, tudo nos é dado naturalmente. Quando notamos já nos apaixonamos pelos personagens e estamos presos ao filme. E quanta ação ele tem ! Mas é ação sempre suave, elegantemente encenada. Tiros, trens, carros, um bandido que exala charme ( James Mason ), uma sedutora agente ( Eva Marie Saint ), leilão, fugas, e muita comédia, comédia inesperada, comédia feita por esse enigma do humor e do bom-viver chamado Cary Grant.
A sequencia do milharal, quase muda, é, provávelmente, a mais perfeita aula de edição e clima já dada por qualquer diretor. Mas todo o filme é uma aula. As posições que a câmera assume, o rodopiar de rostos e lugares, os sets milimétricamente planejados. E ainda há a partitura de Bernard Herrman, mais uma obra-prima desse maestro dos maestros.
INTRIGA INTERNACIONAL foi, nesses seus 50 anos, muitíssimo imitado. Todos os thrillers de espionagem ( incluindo tudo de Bond ) beberam em suas imagens. E mesmo assim ele ainda intriga, absorve, diverte e ensina. De seu primeiro segundo a seu último frame, tudo é absoluta perfeição : nada em excesso, nem um só diálogo sem sentido, cada tomada precisa e criativa, surpresa sobre surpresa, prazer às toneladas. Revendo-o hoje, pela quinta vez, percebo que ele é indestrutível e me vejo pensando se seria este o melhor filme de Hitchcock.
Apesar de existirem nomes como Wilder, Ford, Hawks, Kurosawa, Bunuel, Bergman, nenhum deles tem a quantidade de obras-primas como Hitch e nenhum chega perto da facilidade que ele aparenta ter ao filmar. E o principal, nenhum se comunica tão instantaneamente com todo tipo de público. INTRIGA INTERNACIONAL é obrigatório.

LIÇÕES DE FRANCÊS - PETER MAYLE ( COMER É BOM )

Uma refeição inesquecível. Penso que todos nós temos aquele almoço, aquele jantar que fica na memória. Este livro de Peter Mayle ( voce deve ter notado que nesta época do ano não leio nada de muito dificil. Férias ! ) fala sobre um inglês, povo avesso a comida, descobrindo a riqueza de sabores franceses. Afinal, tudo o que os ingleses têm é fritas com peixe e pudim de rim.
Quem nasceu numa família européia sabe o quanto eles falam sobre comida. Lembranças dos pêssegos da infância, das cerejas e dos figos. Todo dia é dito : "É tempo das uvas !" ou " Hora das melhores linguiças ! " É uma verdadeira doença ! Benigna doença ! Festas só têm sentido por seus pratos. O grande lance do Natal não são os presentes, os enfeites ou seu simbolismo. São os pratos que serão comidos. O livro diz, e eu já havia notado, que a maior parte do orçamento mensal de um europeu latino é gasto com o estômago. Seu carro e suas roupas ficam muito atrás...
Peter Mayle escreve leve, fácil, gostoso. É um inglês que descobriu o sol, o prazer sensual, o tempo vagaroso. Nos leva pelas festas da rã, dos vinhos, da trufa fresca. Nos ensina a fazer uma omelete, a apreciar um pastis e a entender um café. E nos seduz com queijos, pão e conhaque.
Ficamos pensando na vulgar tolice desse café em copo de isopor e em como a cultura americana é toda baseada na poupança do tempo. Rapidez sempre. O serviço e o savoir faire ficam completamente esquecidos. Traga-me um café enfeitado e rápido. O gosto.... quem pensou que o sabor é importante ? Entendemos porque a agricultura francesa é subsidiada. Não há como continuar fazendo queijo e champagne decentes sem proteção contra alimentos industrializados.
Recordo então de meu primeiro café da manhã em Courbevoie e na variedade de geléias, queijos, tipos de pães e de doces que há no café da manhã gaulês. Meus tios estão longe de serem ricos. São trabalhadores comuns. Mas eles gastam muito em comida, em vinho, e principalmente, em tempo. Para eles ( e sei que esse costume está mudando ) é inadmissível comer em menos de duas horas. Uma salada, dois pratos quentes, pão e queijos, vinho e frutas, esse é o mínimo para fazer um homem feliz. E como comem !!!!! Você acha que a refeição terminou e eis que vem mais um prato ! Fatias de melão com presunto crú, alface com azeite e queijo brie, perna de cabrito, batatas sautée, vagens e cenouras, galinha assada ao mel, mais queijos, copos e copos de vinho tinto, pedaços de baguette com manteiga, omelete de cogumelos, e mais carne, e mais queijo !!!!! E no fim, para descer tudo, Calvados e café. Caramba !!!!!
Nossa cultura made in USA nos deu coisas que eu realmente adoro : cowboys, rock, jazz e o melhor cinema. E ainda skate, surf, rap, e uma informalidade que me agrada. E nos trouxe maravilhosas panquecas, sucrilhos em que me vicio e milk-shakes gigantes. Mas é uma cultura muuuuuuuito diferente da latina ! Há um excesso de eficiência que rouba o tempo a tudo. O que importa é quanto voce faz em menos tempo, e nunca o que voce faz. Há um desejo em se estufar a barriga e não em comer com conhecimento. Gostos puros e simples : muito doce ou muito salgado. Não existe a riqueza de gostos estranhos ( trufas, rãs e escargots ). Coca no lugar do vinho. É o tal do café com sabores...
Comer no quintal, gastando meio salário e desperdiçando toda a tarde à mesa... esse é um costume europeu, de italianos, portugueses, alemães ( mas não de ingleses ). E de brasileiros com seus churrascos com cerveja ( o churrasco poderia ter maior variedade ! ) O café na padaria, em louça ou vidro, com cheiros fortes de manteiga, de chapa, de sonhos; com fregueses falando alto, conversando com o balconista, abrindo o jornal. A delícia que é um pão quente com manteiga pingando... Manteiga.......
O livro fala dessas coisas. E dessa estranha forma de vida que é o francês. Esse bicho que adora discutir, que pensa ter sempre a razão e que é guiado por seu estômago. Onde cozinheiros são super-estrelas e restaurantes são catedrais. O prazer à mesa é rei.
O Natal vem aí... faça deste uma data de mesa inesquecível. Se dê um gosto nunca sentido e um ritual informal de glutonaria explìcita. Vinho, queijos, conhaque, café, manteiga e azeite. Sacie a fome por vida. Tudo ao sol e noite adentro, com prazer. Talvez a vida seja só isso...

NOITES COM SOL- TAVIANI ( E TOLSTOI )

Que Tolstoi foi o maior escritor da história não tenho dúvida alguma. Que foi um santo há quem pense. Não creio em santos, mas creio em iluminados. O conde Tolstoi teve uma iluminação, um êxtase, uma visão.
Padre Sérgio é seu conto mais auto-biográfico e em 1990 os irmãos Taviani fizeram este filme baseado no conto. A narrativa de Tolstoi é terrível obra-prima de filosofia natural. O filme jamais poderia o igualar. Mas ele é, felizmente, digno de tal brilho. É um imperfeito filme que impressiona e comove. Na alma.
Os primeiros vinte minutos são fracos. É a parte que narra Sergio como um barão que serve ao seu rei. Mas ele é traído por sua noiva e parte. Sua vida será a busca impossível por Deus.
Primeiro ele se torna padre. Depois um ermitão. Faz milagres ( o filme não os esclarece ). É vencido pela tentação ( a tentação é feita por uma muito jovem Charlotte Gainsbourg...... ) e termina se juntando aos camponeses e desaparecendo no mundo.
O filme tem cenas que impressionam. São momentos sem voz, de absoluta beleza. A cerejeira, com a qual ele dialoga ( calado ) desde a infância em busca de Deus; a vastidão do campo, onde ele se isola para fugir dos homens; a cena final, em que ele caminha para o fim; o mergulho no lago... Em todas essas cenas há algo de profundamente religioso. Os Taviani conseguem nessa hora algo de Dreyer e de Bresson, mas acima de tudo, nunca traem o espírito de Tolstoi.
Tolstoi foi um hippie antes do tempo. Um existencialista. Um homem do nosso tempo e do futuro. O filme brilha por nos mostrar isso. Sergio quer alguma coisa. Mas nem ele sabe o que.
A cópia que existe desse filme em DVD é terrível. A fotografia está estragada. Mesmo assim o filme é belo. E tem uma trilha sonora de Nicola Piovani genial. Música maravilhosa à Mozart.
Se voce tem uma alma inquieta, se voce crê no mistério da vida, se voce quer mais do que pode ter... veja este filme. É obrigatório. Imperfeito, porém inesquecível. Faça esse bem a sí-mesmo.
Noites com Sol é uma oração de fé na vida. Triste, porém, vivo.

FINZI-CONTINI/ TATI/ SALLY FIELD/ JORDAN/ WOODSTOCK/ EASTWOOD

NORMA RAE de Martin Ritt com Sally Fields
Sally ganhou seu primeiro Oscar com este filme sobre sindicalismo americano. Ela faz uma caipira, meia saidinha, que vai se conscientizando politicamente, ao conhecer um radical sindicalista "de esquerda". Além da muito carismática atuação de Sally, há um belo roteiro de Ratchett, que não romantiza nada ( não há romance entre os dois ) e nem cria nada de violento ou policial na história. O que vemos é uma tecelagem desumana, e a rotina deplorável de seus empregados. Ritt sempre gostou de fazer filmes com mensagem e este é de seus melhores. Não há panfletagem crua, o que há é bom cinema. Nota 7.
O PEQUENO GRANDE HOMEM de Arthur Penn com Dustin Hoffamn e Faye Dunaway
Dustin, no auge da fama, fez esta sátira ao western. Ele é um velho de 120 anos de idade, que em 1970, recorda sua vida a um jornalista. Este é um "Dança com Lobos" da era hippie. O herói é criado com os índios e se perde entre duas culturas : a branca é vista como hiper violenta e materialista; mas os índios também são bastante tolos. Há uma cena em que o velho chefe se deita para morrer que é hilária ! O filme começa meio sem sal, mas após 30 minutos ele se torna uma divertida comédia ( com algumas cenas cruéis ). Dustin era grande amigo de Penn, recusou convite de Bergman para fazer este filme.... Nota 6.
CAFÉ DA MANHÃ EM PLUTÃO de Neil Jordan com Cillian Murphy, Stephen Rea e Bryan Ferry !!!!!!!!!!
Desconcertante ! Acompanhamos a vida de um adotado menino, menino que se torna menina, que de Patrick se faz Kitten. Tudo para ele/ela é fantasia : ele tenta fazer do mundo uma festa. O acompanhamos na escola, já assumido e depois em sua adolescência/ juventude. Ele se envolve com cantor glitter ( feito por Gavin Friday. O filme vale por sua redescoberta. Procure no youtube clips de sua banda dos 80 : Virgin Prunes. São do cacete ! Glitter/ Punk genial. ) Continuando : vem uma tentativa de assassinato por um velho tarado ( Ferry, breve cena e muito bem ) e envolvimento com a guerra na Irlanda. Com tamanho assunto, o filme é bom ? Não. Irrita a voz do ruim Cillian. Não nos interessamos pelo personagem, não nos convence, e como o filme é com e sobre ele... A trilha sonora é um primor ! Nota 3.
ACONTECEU EM WOODSTOCK de Ang Lee
Fuja !!!!! Fuja correndo ! Um imenso fiasco ! Um anti-Woodstock, um caretésimo filme sobre um jovem tentando sair do armário. Quem se importa ? Com um dos momentos chave do século XX acontecendo ao lado, quem se interessa pela história daquele mala ? O filme chega a ser ofensivo de tão errado. Nota 1.
BLOOD WORK de Clint Eastwood com Clint Eastwood e Jeff Daniels
A história do ex-policial que volta a ativa para tentar descobrir quem matou sua doadora de coração transplantado. Clint sempre fez dois tipos de filme : ambiciosos filmes para novos fãs, e entretenimentos descompromissados para velhos fãs. Sou velho fã, adoro seus filmes mais pop, mais simples. Que belo policial é este !!!! Meio triste, lento, bastante envolvente, delicioso. Clint Eastwood é nosso Hawks e nosso Ford. Viva !!!! Nota 8
TRAFIC de Jacques Tati
Último filme de um muito grande diretor. Tati era cinema puro. Não há closes em seus filmes. Todas as cenas são vistas de longe, ângulo aberto ( em todos seus filmes ). Mal vemos os rostos dos atores, pois o que interessa a Tati são os corpos, as paisagens e principalmente as coisas em movimento. Seus filmes são fenômenos do olhar, suas tomadas lembram fotos de Doisneau ou Bresson. Vemos que cada movimento de cada figurante é milimetricamente ensaiado. Não há um só passo de um só figurante que seja casual. Todo movimento é parte de um mecanismo, e sempre existem vários movimentos coordenados acontecendo. Este filme, inferior ao perfeito "As férias de Mr. Hulot ", é fascinante em suas imagens e tem duas cenas de humor irresistível : a do guarda-chuva e a genial dos limpadores de para-brisa. O filme é crítico em relação ao amor dos homens por seus carros, mas nada tem de amargo. Tati adora as coisas. O que mais me agrada nele é sua falta de respeito pelas palavras. Seus filmes são dialogados, mas o que é dito não tem nenhuma importância. Gestos e atos, eis a vida para ele. Na parte final do filme, passada na Holanda, repare num dos mais belos cenários que já ví. Preservar um lugar como aquele é imperativo ! Já disse Roger Ebbert, assistir Tati não é como ver um "filme"; é como visitar um lugar muito querido. Trafic é lugar de férias agradáveis. Nota 8.
O JARDIM DOS FINZI-CONTINI de Vittorio de Sica com Lino Capolichio, Dominique Sanda, Fabio Testi e Helmut Berger
A profanação do que é nobre... Foi com a primeira guerra mundial que toda a nobreza viveu seu golpe final. E com a segunda ruiu toda a ilusão que o homem ainda podia ter sobre bondade ou dignidade. Este filme mostra acima de tudo a profanação da beleza. A destruição da nobre linhagem dos judeus de Ferrara. ( Uma das idéias mais tolas sobre a guerra é a de que os italianos eram um tipo de fascista-cômico. Há quem pense que judeus italianos não foram executados. Tanto foram que toda uma comunidade de judeus foi exterminada. ) O filme, auto-biográfico, centra-se na família Finzi-Contini, uma família tão rica que se dá ao luxo de jamais sair de casa. Eles nunca se misturam. Seu palácio e seus jardins recebem amigos e dentre eles Giorgio, que se enamorará por Micol, amiga de infância. Ela o repele, mas além dessa dolorida história de amor frustrado, há a história de um cerco que se fecha sobre todos, e mais cenas proustianas sobre tempo e memória e a tolice de judeus otimistas, pensando serem italianos e portanto salvos. Mas a beleza ( o filme é esteticamente primoroso ) do filme está nessa terrível sensação de "extinção" que nos assalta. Vemos o final de algo que nossa geração jamais conheceu : nobreza. Pois o fascismo ( de direita ou esquerda, tanto faz ) traz ao mundo algo novo : a cultura do feio, do estridente, do mínimo denominador comum, do vulgar, do grito e da delação. Nosso mundo afinal... E beleza fria, radiantemente fria nasce em cena após cena, seja pelo belo roteiro baseado em Giorgio Bassani, seja na foto de Ennio Guarnieri ou na bela trilha de Manuel de Sica. Vittorio foi um gentleman. Seus filmes têm o toque leve, porém contundente, de um verdadeiro poeta. Este filme, monumento discreto e simples às coisas belas, é um poema a tudo que termina, coisas que são abandonadas, à profanação. O jardim é pisado por não-convidados, o estrago é para sempre....
Eu tinha 14 anos quando assisti a este filme numa Sessão de Gala de um sábado muito frio. Foi um de meus primeiros contatos com aquilo que o cinema poderia ser. Lembro que chorei. Tanto tempo depois, hoje, tantos filmes mais tarde, o reencontro. Mal recordava sua história, mas percebo, como madalenas proustianas, que certas imagens não foram esquecidas : o sol entre as árvores do jardim, o rosto de Micol e principalmente uma frase, a única, da qual nunca me esquecí : "Eu nunca mais verei este jardim..." Síntese de tragédia sem remédio e símbolo de toda beleza, beleza que é sempre um fim e nunca um começo.
Naquele tempo, Finzi-Contini, assim como HOUVE UMA VEZ UM VERÃO, O MENSAGEIRO, A NOITE AMERICANA e OITO E MEIO, foram os filmes que me fizeram perceber que havia alguma coisa maior na vida, mais brilhante, sem tempo e sem mácula. Um jardim.
Ele continua vivo.

O PRIMEIRO GOLE DE CERVEJA - PHILIPPE DELERM

No começo desta década a editora Rocco lançou uma coleção de livros chamada : "Prazeres e Sabores". Cada livro falava sobre alguma coisa relacionada ao bom-viver. Tínhamos livros então sobre azeitonas, cigarros, um livro sobre a geração perdida ( anos 20 ) e o primeiro e ótimo livro de Peter Mayle ( de quem acabei lendo tudo ). Este "Primeiro Gole..." é um minúsculo livreto escrito por Delerm e que fala de cotidianos prazeres. Aqueles momentos de bem estar, de satisfação, que todos temos e que fazem da vida um colorido e inebriante prazer.
Cada mini capítulo conta um prazer e Philippe passa a discorrer sobre esse momento de brilho e de conforto. Uma faca no bolso é seu primeiro prazer. Mas não uma faca qualquer ! Aquela faquinha que voce usa para cortar salame, queijo, para lascar madeira, cortar uma rosa. Faca de cabo de osso, cabo de madeira enegrecida. Faca, na verdade agora inútil, e que por ser inútil, é um prazer sem igual. Jogada no bolso amplo de uma calça de veludo verde escuro, repousando para emergência que jamais virá. Segura e dando segurança....
Sentiram do que trata o livro ? Deliciosamente fala de delícias. A lista prossegue...
Embrulho de doces; Descascar ervilhas frescas; Um cálice de Porto; Cheiro de maçã; Croissant na calçada de manhã cedo; Bicicleta; Inalação para gripe na infância; Comer no jardim; Colher amoras; O primeiro gole de cerveja; Dirigir de noite na auto-estrada; Viajar em trem velho; Banana split; Convidado surpresa; Sanduíche de sobras no domingo à noite; Pulôver no outono; Jardim ao meio-dia no verão; Alpargatas; Bolas de vidro com neve dentro; Romance de Agatha Christie; Caleidoscópio; Lingerie feminina; Cabine telefônica; Jogar bocha.
En todos esses temas, desenvolvidos em duas páginas, ele faz deliciosas associações, lembranças, prazeres que trazem mais prazeres. O livro exibe aquela França da mesa e da cama, do paladar farto, dos cheiros e da gulodice, da alfazema e do vinho. Solar.
Minha lista, sua lista... seria uma delícia a redigir !
Cheiro de terra após a chuva; Cozinhas grandes com mesas bagunçadas e velho cão à porta; Bolachas velhas em saco pardo de papel; Feiras de rua cheias de donas de casa gordas; Calcinhas brancas; Corpos nús debaixo de lençóis brancos imaculadamente limpos; Padarias ao amanhecer; Mãe fazendo bolinhos de chuva; Vick-Vaporub; Guarda-chuva e cachecol em dia frio e úmido; Som de cigarras no verão; Descer a Serra de noite; O mangue; Torta de nozes; Relógios velhos; Cheiro de livro novo; O primeiro gole de cerveja; Assistir um Hitchcock; Pássaros à janela; Camisas havaianas; Conversar à beira-mar; Chuva correndo na calha; Caneta tinteiro; Flanar em ruas velhas; Luz de vela; Ronco de cachorro; Receber uma carta...
Existem prazeres bem maiores que esses. Encontrar um novo amor, ir à Paris, cruzar o mar. Mas são esses prazeres simples, quase diários, que nos consolam, nos iluminam, nos dão prazer em viver. Cultive-os. Descubra-os. Torne-os seus. O livro de Delerm é mais um desses minúsculos e muito vivos prazeres.

O UNICÓRNIO - IRIS MURDOCH

Iris Murdoch foi tema de um belo e tristíssimo filme. Com Kate Winslet como a jovem Iris e Judi Dench como a Iris com alzheimer. Embora não tão conhecida no Brasil, ela foi central nas letras em inglês do quarto final do século XX. Filósofa acima de tudo. E escritora de ficção.
Aqui ela nos conta uma história que é muito fantástica, misteriosa, simbólica, sobrenatural até. Mas onde nada de fantástico acontece. Fala de uma moça que vai trabalhar num castelo inglês. Lá, em meio a pântano, vive uma mulher que jamais sai de seus domínios. Com ela vivem empregados e parentes, conhecidos e agregados. Ela percebe algo de estranho em tudo e logo vê que a mulher, dona do lugar, não pode ou não ousa querer sair do lugar. Está confinada.
O livro é terrível. Tem autêntico clima de pesadelo. Todos são passivos. Menos Gerald, o guardião da prisioneira. Passamos pelos capítulos com apreensão e bastante incomodados. Há algo de muito odioso naquilo que nos é mostrado. E então, ao lembrar que Murdoch foi filósofa, começamos a montar uma charada ( montada ao mesmo tempo pelos personagens que a vivem ). A mulher é o Unicórnio e ele simboliza Deus. Ela é o ser que nunca poderá mudar e que é amado, mas jamais entendido. Gerald é o próprio anjo do mal, aquele que é temido, que domina a todos e que faz o que quer. Vemos os personagens, apaixonados pela prisioneira, passivamente impotentes, incapazes de salvá-la. Pois o livro nos joga esse pensamento : Deus não pode existir sem nosso amor e nosso amor precisa ser ativo. Nós é que devemos o salvar e não o contrário.
Esse tema nas mãos de autor mais dotado seria obra-prima inesquecível. Mas Murdoch tem idéias de gênio, mas estilo pobre. O livro é escrito como simples romance impessoal. Personagens que não nos tocam, ou pior, não respiram verdade. Não há prazer em sua leitura. Admiramos Murdoch, mas não a amamos.
Amo alguém como Henry James por isso : de um nada de enredo ele tira 500 páginas de complexo prazer. Iris Murdoch com um tema rico e profundo nos dá enfado e decepção.
Estilo é tudo. Não importa o que voce escreve. O que importa é como voce escreve. Iris escreve banal. O Unicórnio é pura frustração.

ULYSSES/ BRANDO/ LUMET/HENRY FONDA/RESNAIS

ULYSSES de Joseph Strickland com Milo O'Shea e Barabara Jefford
Um filme difícil. Se você não conhece o livro de Joyce nem tente assistir este filme. Strickland levou vinte anos procurando quem o financiasse. O filme, muito bem interpretado, é quase incompreensível. Mas tem alguns momentos que recordam a força demoníaca de Joyce. O monólogo de Molly, ao final, é maravilhoso. Prosa poética erótica extraordinária. Não posso dar nota a este filme. É único.
O ÚLTIMO TANGO EM PARIS de Bernardo Bertolucci com Marlon Brando, Maria Schneider e Jean-Pierre Leaud.
O filme é um poema sobre a coragem. A coragem de Bernardo por fazer um filme tão burguês numa época em que todo cinema italiano era político e furiosamente de esquerda. Coragem de Brando por fazer de Paul sí-mesmo, dando a nós, generosamente, sua alma e suas fraquesas. Coragem de Maria, por se desnudar sem glamour e por jogar no lixo, sem afetação, seu possível estrelato. Coragem do público, por transformar em sucesso um filme tão triste. Ele analisa a loucura do amor e sua destruição. Ele mostra o vazio existencial e a irremediável solidão. E ainda antecipa a falência da política e do próprio amor verdadeiro. Que mais voce pode querer ? E ainda nos dá um milagre : Marlon Brando. Nota DEZ !
INFERNO NA TORRE de John Guillermin com Paul Newman, Steve McQueen, William Holden, Faye Dunaway, Fred Astaire e Jennifer Jones
Que elenco!!!! E que filme ruim!!!! Mas é divertido. Vemos chamas, vemos gente correndo, música de espetáculo, atores que amamos. É o tipo de super-produção da época : a grana era gasta em caras famosas e não nos efeitos. Nota 5.
OS PICARETAS de Frank Oz com Steve Martin, Eddie Murphy, Heather Graham
Adoro este filme. Vivêssemos em tempos de comédia teria sido um grande sucesso. É a história do diretor ruim e fracassado ( Martin, excelente !) que usa ator doido e paranóico ( Eddie, maravilhoso ! ) em filme de ficção à Ed Wood. Engraçado e nunca apelativo, o roteiro, de Martin é criativo e afetivo. Oz é um diretor subestimado, ele não tem um só filme ruim. Nota 7.
A ÉPOCA DA INOCÊNCIA de Martin Scorsese com Daniel Day-Lewis, Michelle Pfeiffer, Winona Ryder
O livro de Edith Wharton é um dos que mais me deu prazer ao ser lido em dois dias em 2005. É obra-prima de estilo e de elegância. O filme não. É frio, distante, vazio. Scorsese não acredita no que mostra e se perde. Parece desistir. Nota 5.
RETORNO A HOWARDS END de James Ivory com Emma Thompson, Anthony Hopkins e Helena-Bonham Carter
Este sim. Ivory nasceu para fazer este filme. A primeira parte é uma obra-prima. Tudo funciona a perfeição. Você se vê completamente envolvido pelo lugar e pelas personagens. Depois ele perde um pouco de força, mas no geral é um muito grande exemplo do mais alto requinte em visual e escrita. Os atores estão soberbos ! Nota 8.
12 HOMENS E UMA SENTENÇA de Sidney Lumet com Henry Fonda e Lee J. Cobb.
Um juiz chama os jurados a sua sala. Eles irão decidir o destino do réu. O filme, todo passado numa sala, mostra os 12 discutindo a sentença. Nós nada sabemos do réu. E terminamos o filme sem saber se ele é inocente ou não. O que se discute não é isso. Se discute a certeza - como condenar alguém sem ter absoluta certeza de sua culpa ? E como ter certeza de alguma coisa ? O roteiro de Reginald Rose, habilmente nos mostra isso, nada é o que é, tudo pode ser discutido.
Este é o primeiro filme de Lumet e é considerado sua obra-prima. Não sei se é seu melhor, mas é coisa de imenso talento. 90 minutos numa sala com 12 homens desagradáveis. E queremos mais !!! A habilidade de Lumet ( e do câmera, Boris Kaufman, o cara que fez L'Atalante ) é espantosa. Vemos rostos suando, bocas falando, roupas molhadas, mãos. E ouvimos as vozes : e que vozes... há o tímido, o racista, o narciso, o vendedor, o infantil, o velho. E há Fonda, ator único, ator que é a imagem da correção, da inteligência calma, do espírito nobre. O filme empolga, diverte, faz pensar e conquista nossa total adesão.
Sempre votado um dos 100 mais da América, merece sua imorredoura fama. É obrigatório !!!! Nota DEZ !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
AS NEVES DO KILIMANJARO de Henry King com Gregory Peck, Susan Hayward e Ava Gardner
Um caçador está morrendo na África. Ele relembra seu grande amor. Passamos pela Espanha, por Paris e pela Riviera. Caçadas, touradas, bebedeiras e guerras. Vários trechos de Heminguay são habilmente misturados. O filme é quadrado mas é boa diversão. Nota 6.
AMORES PARISIENSES de Alain Resnais com Sabine Azema e Agnes Jaoui
Até os anos 80 todo diretor era aposentado aos 60. Minelli, Capra, Wilder, Wyler, Stevens, Ford... todos foram chamados de velhos e ultrapassados aos 60. De repente tudo mudou, e Eastwood, Altman, Manoel de Oliveira, Lumet e Woody Allen ( dentre muitos outros ) conseguem filmar até o fim. E bem ! Resnais tem 85 anos. E se mostra aqui de uma jovialidade e leveza maravilhosas ! Ele, que começou nos anos 50 com filmes muito sérios e graves, faz aqui um divetido filme sobre pessoas que nada fazem de especial. Apenas vivem. Mas gostamos de vê-las, de escutar seus diálogos. O filme, feito quase ao mesmo tempo que o "Todos dizem eu te Amo" de Woody, também usa trechos de canções pop para explicar sentimentos. É um efeito que encanta : funciona muito bem. Os atores exalam simpatia ( Sabine mais que isso ) e é obra de inspiração. Resnais está tendo um belo fim de vida !
E pensar que Bergman desistiu aos 60.......

AMOR E AMIZADE

Primeiro fato : não existe amor sem paixão. Todo amor é apaixonado. Se não for, não é amor, é amizade com sexo - muito mais comum do que se pensa.
A amizade também é ciumenta. Mas tudo que ela quer é atenção. O amor quer ser único, o maior do mundo - todo amante pensa ser seu o mais nobre dos amores. Cobra do outro a nobreza que ele pensa ter. O amigo quer apenas companhia, ser escutado afetuosamente.
O amor tem a chave de nossa divinização ou de nossa destruição. Todo amor é necessariamente destrutivo : e dessa destruição pode nascer um novo ser -ou ter como fruto cinzas. Ele é sempre dionisíaco. A amizade nada destrói. Ao contrário, ela quer manter tudo exatamente como é. Na amizade há o desejo de se ter ilha de não-tempo. Quando amigos se encontram, o tempo é sempre o do primeiro encontro. Todo amor é portanto revolucionário. Toda amizade é conservadora.
Mas o amor nos envelhece. ( Chineses pregavam a abstinência sexual como forma de vencer o tempo. Eu creio nisso. Todo grande amante é envelhecido. Eunucos nunca envelhecem. ) O amor nos consome, nos leva a lugares novos, nos faz abandonar coisas conhecidas. Há uma conta pelo amor. Não pense que amor se paga com amor, não seja ingênuo. Se paga com vida.
A amizade pode terminar. Mas deixa para sempre uma saudade de paz e de irmandade. Quando voce torna-se amigo é sempre para sempre. O amor pode e normalmente termina. O que fica é outra coisa, não amor saudoso ( saudade apenas quando um deles morre ) fica raiva, rancor, remorso ou esquecimento. Amor não. Na amizade, mesmo na distância e na briga, sempre há a lembrança da própria amizade. No amor há lembrança de erros e de injustiças.
Amigos são alma. Figuras etéreas se encontram. Mas sempre há o convite ao sexo ( quando sexos opostos ). Amigos podem transar. E pensar que aquilo sempre foi amor, que era uma paixão disfarçada. Nunca foi. O amor nasce carne e termina carne. Nasce exigente, gritando, exuberantemente egoísta. Sabemos quando ele vem. O amor não pode ser amigo. Pois ele quer e exige. Amigos pedem.
Você joga coisas fora quando ama. O passado é esquecido. Às vezes pedimos por amor como quem pede por amnésia. Amizade não pede esquecimento, ao contrário, ser amigo é reviver o passado, sempre e sempre. É recordar os jogos da meninice e gostar de contar e contar histórias de vida. O amor não. Ele é todo esperança de futuro. Seu dardo é voltado à frente : esqueça sua família, seus ex-amores, seus amigos, sua casa. Pense no que virá : filhos, nova casa, viagens, futuro.
Todo futuro leva ao fim. Na amizade esquecemos apenas uma coisa - o fim. Portanto ela é sem final. Amigos andam em circulo. Amantes correm em linha reta.
Reatar uma amizade sempre se parece com supressão de tempo. É como se eles tivessem se visto ontem. Reatar um amor é tentar transformar carne em espírito. Pode renascer. Mas renasce como espectro do que foi um dia. Sobreviverá na lembrança confusa e no sexo que procura o rastro de cheiros perdidos. O corpo muda dia a dia, o amor muda com ele.
A amizade é consolo de dor e compartilhamento de alegria. O amor é aumento de dor e aumento de alegria. A amizade não é fértil. O amor é solo e semente, chuva e sol, ele é sempre vivo e sempre vida. Amigos são imagens, amantes são cheiro, gosto e tato.
Jamais tente unir amizade e amor. Você perderá o amigo e não terá o amor. Ou destruirá o amor e não ganhará um amigo. Porque a amizade se faz na luz. Ela precisa ser clara e solar. O amor se faz na sombra. Necessita de zonas escuras, segredos e luar. Iluminar o amor faz dele coisa seca. Apagar o brilho risonho da amizade faz do amigo bicho preso.
Vamos ao amor como quem encontra tudo. Vamos a amizade como quem acha consolo para não ter tudo. O amor magoa quando se revela não ser tudo. A amizade esfria ( mas se sincera não morre ) quando se revela restritiva. Amigos precisam ser livres. Amantes não. Jogamos fora metade de nós mesmos para poder unir a metade que restou à outra metade. Amigos são duas laranjas inteiras não cortadas.
O auto-sacrifício do amor é que faz dele algo de nobre. Renunciamos a vários prazeres ( que subitamente parecem fúteis ) pelo novo amor. Por ele tudo podemos fazer. Dar a vida. E dela tudo queremos : ela inteira. Amigos nada sacrificam pela amizade. Eu sou isto/ voce é isso. Caminhemos juntos. Nada há de heróico em seu nascimento.
Mas há com o correr do tempo....
O heroísmo da amizade se revela com o tempo, de forma sutil e constante. Reencontros, crises atravessadas, ajudas não pedidas, momentos de alegria genuína. O heroísmo do amor é seu oposto : diminue com o tempo. Toda aquela coragem e originalidade vai se resfriando e o sacrifício começa a ser cobrado e não mais dado com prazer. Uma poesia de explosão. A amizade é crônica diária.
Eu tenho pela amizade, amizade.
Tenho pelo amor, amor.
A amizade não me dá medo e me é natural. Consola e nada pede. Posso ter mil amigos e ser sincero e fiel a todos.
O amor me dá medo e me é trabalhoso. Nada consola e pede tudo. Posso ter um amor e ser fiel apenas a ele. Mas ele sacia meu corpo e me faz mais vivo. Me envelhece mas me dá a sensação de estar existindo. Desperta meus sentidos e amortece minha memória. É irresistível, como droga, como vicio, como a morte.
Meus amigos. Vocês nada me dão de trabalhoso. Pedem apenas o que posso dar. E me deixam ser fiel a outras amizades. Me dão a ilusão de eterna juventude e com voces posso ser infantil para sempre. Anesteziam meu desejo, minha dor e minha doideira. E não me viciam, não me matam. Amigos.......
Mas eu preciso de amor...

O ÚLTIMO TANGO EM PARIS- BERTOLUCCI E BRANDO

Amar dá medo porque no fundo nós sabemos que sobre ele não há controle possível. Eu falo de AMOR, aquele dos menestréis. Encontrar esse amor depende de sorte, pura sorte, e isso nos deixa putos, porque não existe onde e como o achar. Para alguns ele pode jamais chegar e pior, para outros, correndo atrás dele em noites de bebida, ele se torna ação inconsequente. Nada pode ser feito. Ele surge quando quer, cria seu próprio lugar, sua língua e então se vai, desaparece. Somos objetos dele, bonecos em sua vontade, flexados e enlouquecidos, nada felizes a seu lado, porém, vivos. Submissos a sua ação e estranhamente libertos do mundo.
Porque amar incomoda quem não ama. Os amantes se bastam, excluem o mundo, não necessitam de nada que não seja seu amor. Vivem nesse planeta próprio, livres em sua emoção amorosa, sem passado e sem nenhum futuro. Vencem distancia e tempo, são mágicos.
No filme o amor morre quando transformado em banalidade ( todo amor de verdade é excêntrico ). Brando sai do mundo deles e segue o script do conquistador calejado. Torna-se caricatura. O misterioso- perigoso que ele foi se faz vulgar cortesão. Apenas um quarentão atrás de sexo adolescente. Ela, desiludida, o mata. Ele, quando mais dele necessitava, trai o amor.
A esposa se matou antes. O casamento mata o amor. Nada é menos amoroso que a rotina de se ter alguém ao seu lado para sempre. Tédios, culpas, conversas amenas, amantes ocasionais. O casamento faz do amor outra coisa. Se voce tiver sorte, ele se faz amizade e cumplicidade. Se tiver menos sorte, comodismo. Amor só vive no incerto, no sem nome, no ainda por descobrir, no medo. Sem medo não existe amor. Ele é o abismo.
Ele é um homem dilacerado. Topa em acaso com sua chance de vida. Penetra e é penetrado pelo sentimento que os toma. Deflora e é deflorado. Não são cumplices em nada. São amantes, são sedentos, são eros.
Marlon Brando se desnuda. Nunca um ator amou assim. Tudo o que é dito de Paul é Brando. Ele é Paul. Sua vida é a dele. Compartilha sua alma conosco. O que fala da mãe de Paul fala de sua mãe. A história que conta do pai é a história do pai de Marlon e ao encontrar o amnte da esposa fala de sua barriga e de seu cabelo. Chora choro real. Nos ama. É quase um milagre de interpretação despojada, generosa, suicida, transcendental. Brando morre nesse filme. Sua carreira termina. Nesse 1972 ele nos deu Corleone e Paul, nada mais havia a tentar. Apenas o amor ao Tahiti...
Jeanne se apaixona por ele. De verdade. E Maria Schneider, a menina atriz que esnobou o estrelato, é perfeita imagem de tentação jovem-saudável-imperfeita. O sorriso é um luar e os olhos um sonho. Seu namorado, jovem bom e saudável, feito pelo eterno Antoine Doinel de Truffaut ( Leaud ) é pura convenção. Amor para as câmeras, amor de TV, de exibição, de conformidade. Dos anos 2000... Amor que não tem o que derrotar não é amor. A coragem é a prova e sem um confronto não se faz amor. É preciso um dragão. E Paul com Jeanne é puro confronto : vontade contra liberdade, juventude contra maturidade, fé contra descrença, otimismo contra negação. O amor se faz do acidente em que se chocam dois caminhos opostos.
Sabemos que todo amor verdadeiro morre. Ela o mata. Tanto faz, o tempo os mataria. E ela diz não o conhecer, ao final. Conhecemos amigos. Ninguém conhece quem ama. Se conhecesse não amaria, gostaria. É diferente.
O filme vai corajoso. Tromba com o acaso e flerta com o vazio e o perigo. É sincero ato de amor. Bertolucci percebia que havia agora o amor convenção : jovens bonitos comprando casas a prestação e tendo um filho sadio. E o amor verdadeiro : uma navalha achada num banheiro com sangue. Flerte com a destruição e a aniquilação.
Sem perigo não existe amor. Pecado, tabú, inesperado.
Quem amou sabe : amar é amar o perigo. Acaso que bate na cara e nos leva pelo nariz.
E o resto, triste ilusão ( amar nunca é ilusório, é ver a verdade ) é frase tola :"...e viveram felizes para sempre."
PS: Quando os dois começam a se perder do amor vemos um salva-vidas afundar no Sena. Nele está escrito : L'ATALANTE... Homenagem de Bernardo ao mais belo dos filmes.